INTRODUÇÃO
O ingresso no ensino universitário implica mudanças significativas, como estabelecimento de novos vínculos afetivos, necessidade de maior autonomia, capacidade de resolver problemas e atender a novas exigências e demandas acadêmicas (Sahão e Kienen, 2021). O início da vida universitária pode representar, para muitos jovens, a saída de casa, o desligamento da família e a sua inserção em atividades diferentes das executadas até então no ensino médio. Isso implica mudanças no seu estilo de vida e na forma de executar seus estudos acadêmicos (Cushman e West, 2006; Vizzotto, Neves de Jesus e Calé Martins, 2017).
Os jovens geralmente ingressam na universidade com a expectativa de alcançar um emprego estável, posição e reconhecimento social e, para tanto, necessitam conviver em um ambiente altamente competitivo (Caballero Domínguez, 2012). Segundo o autor, muitos estudantes não possuem recursos econômicos, apoio social, recursos psicológicos familiares ou funcionais que lhes permitam lidar adequadamente com os estressores característicos do processo de ensino-aprendizagem no contexto universitário. Altos níveis de estresse podem contribuir para o surgimento de respostas emocionais, cognitivas e comportamentais que podem afetar negativamente a saúde e a adaptação dos estudantes ao contexto acadêmico e ao seu processo de formação. Estudantes universitários, ao ingressar na universidade, passam a direcionar seu tempo para trabalhos, provas, monitorias, estágios, entre outras atividades, e deixam de lado questões que lhes eram importantes anteriormente, tais como família, amigos, relacionamentos afetivos, religião, academia, atividades esportivas e de recreação, com sérios prejuízos à sua saúde mental (Cortez et al., 2017). Assim, o processo adaptativo envolve questões pessoais, sociais e econômicas, o que pode levar a interferências na saúde física e psíquica dessa população (Souza, 2017), principalmente ansiedade, depressão e estresse (Sahão e Kienen, 2021).
O estresse é uma questão importante para os alunos, que lidam com uma variedade de desafios acadêmicos, sociais e pessoais. Quando o estresse é percebido negativamente ou se torna excessivo, pode afetar tanto a saúde quanto o desempenho acadêmico (Madigan e Curran, 2021). O estresse acadêmico é um processo sistêmico, de natureza psicológica e adaptativa, que ocorre quando o estudante é submetido a uma série de demandas que, na sua avaliação, são percebidas como estressantes (Benuzzi e Benuzzi, 2021).
A inserção no ensino superior envolve o processo de adaptação, vivenciado pela saída do ensino médio e o ingresso no ensino superior; a socialização com novos colegas e professores; novas regras e novos conteúdos de aprendizagem, que exigem maior autonomia e responsabilidades; e expectativas com o mundo do trabalho. Todos esses processos constituem-se em estressores que se apresentam como importante fonte de exaustão emocional (Tarnowski e Carlottto, 2007). Outros estressores nesse processo correspondem à falta de tempo para o lazer, família, amigos e necessidades pessoais, a preocupações quanto ao futuro profissional e a dívidas acadêmicas (Nogueira-Martins, 2002), sobrecarga de disciplinas ou de trabalhos acadêmicos, dificuldades financeiras e econômicas, situações familiares, atuação dos professores e dificuldades na assimilação das matérias (Abacar, Aliante e Antonio, 2021). Além disso, é preciso considerar a pressão existente por boas notas ou por grande produtividade dentro da própria graduação, a pressão imposta pelos docentes, a pressão imposta pelos pais e a autoexigência. No que se refere a sintomas propriamente ditos, estão: fadiga, distúrbios do sono, irritabilidade, perda de iniciativa, falta de atenção e de concentração, alterações da memória, impaciência, tendência ao isolamento e perda de interesse pelos estudos (Alves et al., 2022).
Estressores, se persistentes, podem levar à Síndrome de Burnout (SB) em estudantes universitários, caracterizada como uma forma de estresse crônico, maligno e insidioso, geralmente não percebido no meio acadêmico, que pode afetar o desenvolvimento, compromisso e satisfação dos estudantes com a sua formação e vida acadêmica, além de sua saúde (Caballero Domínguez, 2012).
A SB tem sido considerada um problema social de extrema relevância e vem sendo estudada em vários países. Trata-se de uma resposta aos estressores interpessoais ocorridos na situação de trabalho (Maslach, Schaufeli e Leiter, 2001) e consiste em três dimensões: exaustão emocional, despersonalização e baixa realização profissional (Maslach e Jackson, 1981). A exaustão emocional é caracterizada pela falta ou carência de energia, entusiasmo e por sentimento de esgotamento de recursos. Os trabalhadores acreditam que já não têm condições de despender mais energia para o atendimento de seu cliente ou demais pessoas como faziam antes. A despersonalização faz com que o profissional passe a tratar os clientes, colegas e a organização como objetos, de maneira que pode desenvolver insensibilidade emocional. Já a baixa realização profissional caracteriza-se por uma tendência do trabalhador em se autoavaliar de forma negativa. As pessoas sentem-se infelizes consigo mesmas e insatisfeitas com seu desenvolvimento profissional (Maslach, Schaufeli e Leiter, 2001).
O interesse sobre a SB ocasionou uma ampliação de seu campo de estudo: desde as primeiras investigações centradas em profissionais de ajuda, passou-se a outros âmbitos profissionais e, posteriormente, surgiram estudos com estudantes (Ricardo e Paneque, 2013; Rosales-Ricardo et al., 2021). O alargamento do conceito de Burnout em estudantes, ou seja, a uma atividade pré-profissional, embora já tenha emergido em alguns estudos dispersos ao longo dos anos, foi proposto com rigor e suporte empírico por Schaufeli et al. (2002). Embora estudantes universitários não sejam trabalhadores em um sentido formal contratual, pois não há remuneração por seu trabalho, do ponto de vista psicológico e social, muitas das atividades realizadas são comparáveis às de um trabalhador. Como qualquer funcionário, eles fazem parte de uma organização onde desempenham um determinado papel, realizam tarefas que exigem esforço, possuem metas a cumprir e seu desempenho é constantemente avaliado e recompensado por seus professores que exercem uma função muito semelhante ao de uma chefia em um contexto de trabalho (Caballero Domínguez, Breso e González Gutiérrez, 2015).
O construto de Burnout em estudantes também consiste em três dimensões (Martínez et al., 2002): sentimento de exaustão devido às demandas do estudo, derivando para uma atitude de descrença em relação a ele, e um sentimento de ineficácia profissional, isto é, de que o ensino não lhe oportuniza aprendizagem útil para sua formação profissional. Assim, dentre universitários, o burnout caracteriza-se por um sentimento de esgotamento devido às demandas de estudo e à falta de relação teórico-prática, resultando em uma atitude de descrença e um senso de ineficácia profissional. De acordo com Caballero Domínguez (2012), trata-se de um processo e resposta ao estresse crônico que surge no processo de ensino-aprendizagem e que afeta o sentimento de competência do estudante e suas relações interpessoais. O burnout pode repercutir negativamente no bem-estar dos estudantes podendo gerar quadros ansiogênicos (Kordzanganeh et al., 2021), sintomas depressivos (Al-Alawi et al., 2019) e o abandono dos estudos (Carlotto e Câmara, 2008; Salgado e Au-Yong-Oliveira, 2021).
Se o burnout em profissionais é uma questão já consolidada em diferentes estudos (Rodríguez-Marín, 1995; Maslach, Schaufeli e Leiter, 2001), pode-se pensar que o burnout em estudantes também se mostre uma questão relevante e diferenciada devido aos inúmeros estressores presentes no contexto universitário (Caballero Domínguez, Hederich e Palacio Sañudo, 2009; Romano et al., 2021; Jagodics e Szabó, 2022). Cushway (1992) pontua que o início do burnout pode se dar já durante a fase acadêmica, no período de preparação para o trabalho. Assim, detectar precocemente níveis sintomáticos significativos pode constituir um indicador de possíveis dificuldades, tanto em nível de êxito educacional como profissional, possibilitando intervenções preventivas (Martinez et al., 2002; Chen, Li e Feng, 2021). Sua análise pode prevenir comportamentos como baixo desempenho acadêmico, evasão (Montoya-Restrepo et al., 2021) e impactos negativos no sistema educacional (Fariborz, Hadi e Ali, 2019).
Estudos sobre a SB em estudantes têm sido realizados, em sua maioria, com estudantes de medicina (Silvestre et al., 2021), enfermagem (Albuquerque, Barbosa e Pacheco, 2021), fisioterapia (Schulke et al., 2011), odontologia (Oliveira e Oliveira, 2018), psicologia (Castro-Silva, Maciel e Melo, 2021) e estudantes da área da saúde em geral (Carlotto, Nakamura e Câmara, 2006; Pinto et al., 2018). Seus resultados revelam importantes prejuízos tanto no âmbito pessoal como no desempenho acadêmico dos estudantes.
Estudos neste sentido podem ser relevantes para educadores, estudantes e futuros empregadores e clientes (Balogun et al., 1995). Portanto, o burnout em estudantes universitários é um aspecto importante da eficácia de uma instituição e, como tal, pode ter implicações políticas distintas para instituições de ensino superior (Li e Huang, 2014). Nesse sentido, o presente estudo buscou, por meio de um estudo observacional, analítico e transversal, verificar o poder preditivo dos estressores acadêmicos para a SB em estudantes universitários.
MÉTODO
PARTICIPANTES
Os participantes foram 1.169 estudantes universitários que estavam há mais de um semestre na universidade. Foram identificados seis outliers pela análise dos resíduos. Assim, a amostra final ficou composta por 1.163 participantes.
A maioria era de mulheres (70,1%), estado civil solteiro (89,6%), sem filhos (92%) e idade média de 24,26 anos (DP = 6,00; amplitude: 17 a 57 anos). Também a maioria dos estudantes estava entre o 6º e 10º semestre do curso (53,3%), eram de universidade pública (64,2%) e não trabalhavam (59,7%). Estavam matriculados em cursos pertencentes às oito áreas da árvore de conhecimento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (http://lattes.cnpq.br/web/dgp/arvore-do-conhecimento): Ciências Humanas (21,7%), Ciências Sociais e Aplicadas (19,4%), Ciências da Saúde (15%), Engenharias (12,7%), Linguística, Letras e Artes (10%), Ciências Exatas e da Terra (8,6%), Ciências Agrárias (6,8%) e Ciências Biológicas (6,8%). A maior parcela dos participantes are do estado do Rio Grande do Sul (37,3%) e os demais, variando de 0,3 a 8,9%, estavam distribuídos nos 26 estados do Brasil e o Distrito Federal.
INSTRUMENTOS
Os dados foram coletados por meio dos seguintes instrumentos autoaplicáveis:
Questionário de dados sociodemográficos: sexo, idade, estado civil, filhos (sim/não); acadêmicos como curso, turno, semestre atual, número de disciplinas em curso, ano de início do curso, tipo de instituição (pública/privada), possui outro curso superior (sim/não), possui outro curso superior incompleto (sim/não), trabalha atualmente (sim/não); e psicossociais como custeio dos estudos (próprio/familiares/bolsa de estudos/financiamento) satisfação com o curso (sim/não), satisfação com a universidade (sim/não), pensar em desistir do curso (sim/não), possuir atividade especifica de lazer (sim/não);
Escala de Avaliação da SB em Estudantes Universitários (ESB-eu) construída por Carlotto e Câmara (2020). O instrumento constitui-se de 14 itens distribuídos em 3 dimensões: Desgaste emocional e físico (DEF) (06 itens; alfa = 0,83, ex. item: “após minhas aulas, sinto-me com pouca energia para realizar outras atividades”), Distanciamento (DIST) (04 itens; alfa = 0,84; ex. de item: “Meu interesse pelo curso tem diminuído”) e Ineficácia da formação (INEF) (04 itens; alfa = 0,80; ex. de item: “Os conteúdos do meu curso não têm me proporcionado aprendizado”). Os itens são avaliados por meio de uma escala de frequência de 5 pontos variando de 0 (nunca) a 4 (todo os dias); e
Questionário de estressores em estudantes elaborada por Carlotto, Câmara e Borges (2005). O questionário é composto de 12 itens: 1) Muitas disciplinas para cursar; 2) Realizar provas e trabalhos de aula; 3) Realizar trabalhos extraclasse 4) Realizar trabalhos em grupo; 5) Relação com professores; 6) Relação com colegas; 7) Conciliar trabalho e curso; 8) Conciliar estudo e família; 9) Conciliar estudo e relacionamento afetivo; 10) Conciliar estudo e lazer; 11) Conciliar estudos e estágio profissional; 12) Custos econômicos relacionados ao curso.
PROCEDIMENTOS DE COLETA DE DADOS
A pesquisa foi apresentada aos participantes por meio de formulário eletrônico via redes sociais e e-mails de contato das pesquisadoras e dos membros do grupo de pesquisa, explicando que se tratava de uma pesquisa voluntária, sem nenhuma obrigatoriedade, anônima e confidencial. Foi mencionado no enunciado que poderiam participar da pesquisa apenas estudantes universitários que frequentavam uma universidade há mais de um ano. O tempo de resposta foi, em média, de 20 minutos. Para a coleta de dados foi utilizada uma plataforma virtual na qual constavam a ESB-eu e os questionários sociodemográfico, acadêmico e o de estressores acadêmicos; e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Os participantes somente acessavam os instrumentos após concordar com o TCLE.
O estudo cumpriu os procedimentos éticos conforme resolução 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde (CNS). Todos os participantes apresentaram sua concordância em participar do estudo após a leitura TCLE disponível na primeira página do instrumento on-line. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Vale do Rio dos Sinos.
PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE DE DADOS
O banco de dados foi analisado em pacote estatístico PASW, versão 26 (SPSS/PASW Inc., Chicago, IL). Para identificar os preditores, foi empreendida uma análise de regressão linear múltipla, método Stepwise, após a avaliação de seus pressupostos, de acordo com Field (2009). Foi verificada a ausência de multicolinearidade, pois todos os valores das correlações ficaram abaixo de 0,541, os valores de Variance Inflation Factor (VIF) situaram-se abaixo de 4 (1,417) e os valores de tolerância foram inferiores a 1 (0,848). A análise do coeficiente de Durbin-Watson identificou valor próximo a 2 (1,968), indicando a independência da distribuição e a não correlação dos resíduos. A distância de Cook apresentou valor inferior a 1 (0,001), indicando não existir preditores atípicos e um adequado ajuste dos modelos. A análise assumiu a SB como variável dependente e como variáveis independentes os estressores acadêmicos.
A seleção das variáveis preditoras adotou nível de significância de p < 0,05. Na análise de regressão, a magnitude do efeito foi obtida pelos coeficientes de regressão padronizados e calculados no modelo final, de acordo com Marôco (2007).
RESULTADOS
Os resultados obtidos indicam que a média da SB foi de 3,86, indicando que o grupo de investigados apresentam os sintomas da síndrome “todos os dias” (ponto 4 da escala). Com relação aos estressores, pode-se observar que os maiores índices foram obtidos em “múltiplas disciplinas para cursar”, “realizar provas e trabalhos de aula” e “realizar trabalhos em grupo” (Tabela 1).
A Tabela 2 apresenta os resultados da análise de regressão linear, que considerou a SB como variável dependente e, como variáveis preditoras, os estressores acadêmicos.
M | DP | |
---|---|---|
Síndrome de Burnout | 3,86 | 0,68 |
Muitas disciplinas para cursar | 3,25 | 0,78 |
Realizar provas e trabalhos de aula | 3,13 | 0,80 |
Realizar trabalhos extraclasse | 2,83 | 0,90 |
Realizar trabalhos em grupo | 3,25 | 0,89 |
Relação com professores | 1,92 | 0,87 |
Relação com colegas | 2,04 | 0,92 |
Conciliar trabalho e curso | 2,93 | 1,12 |
Conciliar estudo e família | 2,75 | 1,05 |
Conciliar estudo e relacionamento afetivo | 2,58 | 1,13 |
Conciliar estudo e lazer | 2,92 | 1,00 |
Conciliar estudos e estágio profissional | 2,77 | 1,06 |
Custos econômicos relacionados ao curso | 2,84 | 1,12 |
M: média; DP: desvio padrão.
Fonte: elaborado pelos autores.
Estressores | R2 | R2 a | B | SE | β | t |
---|---|---|---|---|---|---|
Relação com professores | 0,23 | 0,23 | 0,25 | 0,02 | 0,31** | 12,10 |
Conciliar estudo e lazer | 0,32 | 0,32 | 0,13 | 0,02 | 0,18** | 6,81 |
Muitas disciplinas para cursar | 0,35 | 0,35 | 0,11 | 0,02 | 0,12** | 4,67 |
Relação com colegas | 0,36 | 0,36 | 0,09 | 0,02 | 0,12** | 4,91 |
Realizar trabalhos extraclasse | 0,38 | 0,37 | 0,07 | 0,02 | 0,09** | 3,49 |
Realizar provas e trabalhos de aula | 0,38 | 0,38 | 0,08 | 0,02 | 0,09** | 3,31 |
Conciliar estudos /estágio profissional | 0,39 | 0,38 | 0,04 | 0,08 | 0,06* | 2,46 |
Model F | 103,74 |
SE: eficiência de escala. *p < 0,05, **p < 0,01
Fonte: elaborado pelos autores.
Dentre os 12 estressores em estudo, sete constituíram-se em preditores de SB em estudantes universitários. O mais importante revelou-se ser a relação com professores (β = 0,31), seguido da dificuldade em conciliar estudo e lazer (β = 0,18). As muitas disciplinas a serem cursadas e o relacionamento com colegas ficaram em terceiro lugar de importância (β = 0,12), a realização de trabalhos extraclasse e as provas e trabalhos de aula em quarto (β = 0,09), e, por último, conciliar estudos/estágio profissional (β = 0,06). O conjunto de preditores apresentou uma capacidade explicativa de 39% sobre a SB.
Os resultados revelam uma magnitude de efeito considerada elevada (R2 = 0,39), de acordo com os parâmetros recomendados por Marôco (2007). Nesse sentido, indicam que as relações identificadas, possivelmente, também estarão presentes na população-alvo de estudantes universitários.
DISCUSSÃO
Este estudo buscou identificar o poder preditivo dos estressores acadêmicos para a SB em estudantes universitários. Os resultados revelaram que sete estressores explicaram conjuntamente 39% da variação da SB. Assim, verifica-se que quanto maior a percepção de relação com professores, conciliar estudo e lazer, muitas disciplinas para cursar, relação com colegas, realizar trabalhos extraclasse, realizar provas e trabalhos de aula, e conciliar estudos/estágio profissional, maior é o índice de SB em estudantes.
Os resultados obtidos confirmam o modelo teórico de burnout e a literatura que indica serem os estressores acadêmicos importantes fatores preditivos da síndrome em estudantes universitários (Carlotto, Câmara e Borges, 2005; Caballero Domínguez, Hederich e Palacio Sañudo, 2009; Caballero Domínguez, 2012). Estudantes que vivenciam maior estresse acadêmico apresentam maior tendência ao burnout (Gomes et al., 2022).
No que diz respeito ao estressor “relação com professores”, pode-se entender esse resultado a partir dos resultados obtidos em estudo realizado por Oliveira et al. (2014) no que tange à percepção de alunos universitários sobre a relação professor-alunos. Neste, os estudantes apontam o descaso aparente, a inacessibilidade e a postura superior de alguns docentes como fatores que podem causar dificuldades. Também indicaram alguns aspectos referentes à didática dos professores, tais como a cobrança em provas de conteúdos que não foram explicados em aula, a utilização excessiva de seminários como atividades da disciplina e a falta de estrutura da aula. A dificuldade de entendimento dos objetivos dos alunos, que esperam dedicação e envolvimento dos docentes, e dos professores, que esperam um tratamento impessoal e profissional dos discentes, pode ocasionar conflitos.
As dificuldades no relacionamento, marcadas principalmente por excesso de formalidade, autoritarismo, distanciamento, rispidez, falta de interação e menor atenção às questões individuais do discente, podem comprometer as expectativas positivas dos educandos, e fazer com que se sintam expostos e/ou desmotivados para a aprendizagem e até para a continuidade dos estudos (Ribeiro, 2020). O resultado confirma a literatura, que indica que problemas relacionais são importantes preditores da SB em estudantes (Lin e Huang, 2014; Kim et al., 2018; Wink, LaRusso e Smith, 2021). Um estudo longitudinal, realizado por Romano et al. (2021), investigou o papel protetor da percepção dos alunos sobre o apoio emocional dos professores em relação à SB. Nesse, identificou-se que os níveis de burnout apresentaram uma tendência de aumento ao longo do período letivo e que a sensibilidade dos professores tem papel protetor para a redução do risco de burnout. Segundo os autores, esse resultado revela a importância de fortalecer a relação afetiva professor-aluno como medida de proteção contra o desenvolvimento da síndrome.
Quanto ao estressor “conciliar estudo e lazer”, considerando lazer como atividades realizadas no tempo livre da pessoa de acordo com seus interesses pessoais, após cumprir suas atividades obrigatórias formais (Isayama e Gomes, 2008), os estudantes universitários relatam dificuldades para vivenciar atividades de lazer por falta de tempo (Nogueira-Martins, 2002; Buzacarini e Corrêa, 2015; Silva Filho et al., 2020). As contínuas demandas da formação universitária extrapolam o tempo dispendido na universidade e demandam grande quantidade de tempo para estudo, atualização e atividades. Além desses aspectos mais concretos, os jovens se sentem pressionados alcançar uma vida profissional de sucesso, o que acarreta limitação no tempo para dedicarem a atividades de lazer. O contexto de formação pode se tornar tão absorvente que as atividades de lazer passam a ser consideradas secundárias ou supérfluas. Esse estressor tem se caracterizado como um preditor da SB em estudantes (Carlotto, Câmara, e Borges, 2005; Carlotto e Câmara, 2008).
O estressor “muitas disciplinas para cursar” também foi identificado em outros estudos como um importante estressor em estudantes universitários (Carlotto, Nakamura e Câmara, 2006; Carlotto e Câmara, 2008; Ahmed e Shah, 2019; Abacar, Aliante e Antonio, 2021; Batista e Castro, 2022). A disposição das disciplinas nos currículos dos cursos segue um planejamento pedagógico, também coerente com o período previsto para o curso. Assim, o número de disciplinas de comporta a carga horária tende a não considerar as exigências específicas de cada uma delas e sua abrangência fora de sala de aula. Cursar muitas disciplinas implica disponibilizar maior carga horária para a realização do curso, aumentar o volume de trabalhos, leituras e avaliações (Carlotto, Nakamura e Câmara, 2006). Essa circunstância gera um sentimento de sobrecarga (Abacar, Aliante e Antonio, 2021; Batista e Castro, 2022) associado à SB (Carlotto, Nakamura e Câmara, 2006; Carlotto e Câmara, 2008; Ahmed e Shah, 2019). O resultado confirma os obtidos por Galdino et al. (2020), os quais identificaram que quanto maior carga horária de disciplinas, maior eram as três dimensões de burnout em estudantes de enfermagem.
No que diz respeito ao estressor “relação com colegas”, em estudo realizado por Kienen e Botomé (2003), identificou-se que as principais dificuldades dos alunos em relação aos colegas eram a postura individualista, pouco cooperativa e de rivalidade. Diferentemente das relações estabelecidas no ensino médio, o contexto do ensino superior estabelece uma dicotomia entre a construção conjunta e a responsabilidade individual por sucesso futuro na área escolhida. Essa concepção da formação universitária, associada a uma perspectiva de restrição do mercado de trabalho, contribui para um funcionamento individualista em um processo de formação que se beneficia da interrelação grupal. Em investigação de Bardagi e Hutz (2012), os estudantes avaliaram negativamente o relacionamento com os colegas, atribuindo isso às diferenças de valores e estilos de vida. Ingressar em um determinado contexto acadêmico envolve o estresse de lidar com pessoas com circunstâncias de vida bastante distintas, processo que repercute em aprendizagem e crescimento pessoal. No entanto, há que se considerar que a transição imposta para esse novo contexto requer um importante esforço para lidar com a realidade, implicando em mudanças, as quais costumam ser geradoras de estresse. Os resultados obtidos confirmam o estudo de Salgado e Au-Yong-Oliveira (2021) que encontrou, em uma investigação com 207 estudantes universitários portugueses que, dentre vários fatores explicativos da SB, um deles foi a competitividade e os conflitos com colegas.
Os estressores “realização de trabalhos extraclasse” e “realização de provas e trabalhos em aula” foram identificados como estressores específicos preditores da SB em estudantes universitários. Embora esses sejam estressores bastante pontuais da vida acadêmica, é possível considerar que estão vinculados ao estressor referente à multiplicidade de disciplinas cursadas simultaneamente. A intensa sobrecarga de conteúdos vistos e cobrados em cada disciplina/semestre em pouco tempo é considerada como estressante para os acadêmicos. (Batista e Castro, 2022). Um estudo realizado por Cushman e West (2006) destaca que estudantes universitários consideram como excessiva a quantidade de trabalhos acadêmicos que, somados aos exames, são considerados um dos principais fatores que contribuem para a sobrecarga e a SB.
Quanto ao estressor “conciliar estudos/estágio profissional”, destaca-se que os estágios se caracterizam como um momento importante do percurso acadêmico, tanto do ponto de vista pessoal como profissional. Essa etapa da vida acadêmica coloca o aluno diante de uma multiplicidade de desafios e tarefas percursores da entrada no mundo profissional e na vida adulta, produzindo a oportunidade de testar os conhecimentos adquiridos ao longo do curso (Morgado, Silva e Rodrigues, 2018) e, não raras vezes, perceber as diferenças entre teoria e prática (Rocha Neto, 2020). A fase do estágio profissionalizante, geralmente, ocorre na fase final do curso, momento que desperta inseguranças no que diz respeito às suas próprias competências e à eficácia da sua formação assim como angústias quanto à sua inserção no mercado de trabalho (Rocha Neto, 2020).
A imprevisibilidade do cotidiano de trabalho, que produz novas demandas ao estudante, faz com que ele repense suas práticas constantemente. O excesso das situações desafiadoras convoca os estudantes a dedicarem-se, cada vez mais, às suas atividades de estágio, prejudicando o aproveitamento acadêmico e ocasionando uma sobrecarga de trabalho (Rocha Neto, 2020).
O conjunto de estressores preditores da SB em estudantes universitários revela que aspectos relacionais com professores e colegas, especialmente com professores, representam um importante aspecto, que pode contribuir para o adoecimento, mas que, também, revela-se como recurso importante a ser contemplado na prevenção da SB entre universitários. Também é importante considerar que a estrutura do ensino superior é geradora de sobrecarga física e mental, interferindo na qualidade de vida dos estudantes.
CONCLUSÃO
Os resultados obtidos permitem pensar em dois conjuntos de estressores que predizem a SB em estudantes, os relacionais e os de conteúdo da atividade acadêmica. Um dos pontos fortes do presente estudo é a utilização de um consistente modelo teórico dos construtos avaliados, a utilização de instrumento com adequados índices de confiabilidade e a alta magnitude do efeito das variáveis preditoras do modelo identificado.
O estudo, todavia, apresenta algumas limitações que devem ser consideradas na leitura de seus resultados. Uma delas é seu delineamento transversal, que impede a análise de relações causais. Outra seria a regionalidade da maior parcela da amostra investigada, pertencente ao estado do Rio Grande do Sul, o qual possui características distintas de outras regiões do país, uma vez que há importantes variações dependendo da região.
A partir da investigação realizada, foram detectadas algumas áreas potenciais para pesquisas futuras. Assim, sugere-se estudos de delineamento longitudinal misto para avaliar o comportamento e estabilidade do modelo preditivo (Abbad e Carlotto, 2016) e conhecer como se desenvolve o processo de SB e o impacto dos estressores acadêmicos. A ampliação de estudos com amostras de diferentes estados do Brasil seria importante para verificar a influência cultural e socioeconômica dos estudantes e os fatores geradores de estresse. Por fim, sugere-se a análise da SB considerando o modelo Demandas-Recursos, o que viabilizaria a avaliação dos estressores como demandas e os recursos como mediadores.
Em relação às implicações para a prática, em termos de prevenção, é fundamental monitorar a SB desde o início da inserção do aluno no ambiente acadêmico, desenvolvendo ações com foco no adequado manejo dos estressores acadêmicos. É importante a construção de ações que visem a melhoria da qualidade das relações interpessoais alunos-professores e alunos-alunos. Quanto aos estressores relacionados ao conteúdo da atividade acadêmica, pode-se pensar em reestruturações que visem diminuir a sobrecarga discente.
Ações envolvendo toda a comunidade acadêmica em seus múltiplos níveis, são fundamentais para diminuir o estresse e a SB. A redução do estresse dos estudantes ocorre somente quando todos os envolvidos no processo de educação reconhecem as dificuldades e trabalham para aliviar as pressões colocadas aos alunos.