1 Introdução
Para compreender o panorama da presente investigação, é necessário, antes de tudo, discutir dois contextos, ambos de suma importância, porém cheios de desafios. Por um lado, o ensino de química orgânica; e, por outro, a educação inclusiva. No caso do ensino de química, considera-se que essa área do conhecimento faz parte do grupo de disciplinas destinadas a promover a alfabetização científica. Para isso, procura-se que os estudantes consigam compreender a estrutura, a constituição e as transformações da matéria, considerando os distintos processos que os ocasionam e as variações de energia associadas. No entanto, conseguir essa compreensão não é fácil. De fato, muitos pesquisadores analisam as diversas dificuldades que os estudantes enfrentam, dos quais, segundo Cárdenas (2006), manifestam-se principalmente no baixo rendimento acadêmico, pouco interesse pelo estudo, repetência e, usualmente, uma atitude passiva nas aulas.
Galagovsky e Bekerman (2009) afirmam que uma dessas dificuldades é a linguagem empregada, ou melhor, o conjunto de linguagens. Por um lado, é utilizada uma linguagem verbal, com um vocabulário específico cujas significações costumam ser difíceis para os estudantes. Por outro, estão as representações gráficas, altamente simbólicas no sentido de representar uma realidade não observável. Por último, está a linguagem matemática para as fórmulas químicas, que envolvem códigos e formatos sintáticos específicos.
Nakamatsu (2012) menciona que outra dificuldade é que a química é um corpo de conhecimentos ordenados em que os modelos e as teorias se constroem uns sobre os outros. Coloca como exemplo que, em primeiro lugar, é apresentado o modelo do átomo para, depois, construir, a partir dele, as teorias de conexão química, sendo uma das dificuldades para o estudante que, se não compreende adequadamente ou esquece um tema, sente dificuldades nos outros.
Para Johnstone (2006), outra parte do problema é que nem todos os estudantes vêm com conhecimentos prévios de química e, aqueles que os têm, podem ter alguns equivocados e confusos, o que influi no filtro da informação. De forma similar, Talanquer (2006) descreve como os significados alternativos provenientes do sentido comum podem induzir estudantes a interpretar de forma errônea as explicações químicas.
Além do cognitivo e pelo lado emocional, para Sandoval, Mandolesi e Cura (2013), o pouco interesse que desperta a química cria um obstáculo no sentido da aprendizagem significativa e compreensiva, e, também, provoca uma aquisição mecânica, pouco durável e escassamente transferível dos conteúdos.
Em relação à educação inclusiva, a Organização dos Estados Ibero-americanos, dentro do programa "metas educativas 2021", proclama que se trata de um desafio prioritário em que é necessário defender os valores de equidade e respeito às diferenças para contribuir com a troca de atitudes e gerar apoio social. Também, é necessário identificar e suprimir as barreiras para a aprendizagem e a participação, criando oportunidades para que todos, em especial os grupos habitualmente excluídos, sintam-se reconhecidos. Da mesma forma, a convenção internacional sobre os direitos das pessoas com deficiências, aprovada na Assembleia Geral das Nações Unidas, em 2006, evidencia a necessidade de que os estados membros criem subsistemas de educação inclusiva na educação infantil, primária, secundária, superior e de idosos (Muñoz, Rojano, & Archundia, 2016).
Para a UNESCO, a luta por uma educação inclusiva e de qualidade baseia-se no direito de receber uma educação que promova a aprendizagem para a vida toda, mas considera-se que um sistema educativo é de qualidade quando presta atenção aos grupos vulneráveis e procura desenvolver seu potencial. Sua agenda de educação para 2030 coloca foco especial na eliminação das disparidades de gênero e no acesso igualitário a todos os níveis de ensino (Leiva & Jiménez, 2012).
Para diferentes organizações no âmbito local, como é o caso da Red PaPáz (2011) Colômbia, a educação inclusiva responde ao desafio de oferecer uma melhor educação, em que todo estudante possa participar na vida da escola que os pais escolhem, com outras crianças de sua idade e com os apoios necessários para a sua plena participação. Nesse sentido, não é uma estratégia para encaixar pessoas nos sistemas e nas estruturas da sociedade, mas, ao contrário, de transformar esses sistemas e estruturas para fazê-los melhores para todos.
Até esse ponto, discutimos os desafios dos contextos mencionados de forma independente. Entretanto, ao analisarmos esses desafios em conjunto, eles se multiplicam, mais ainda, quando se inclui um terceiro "ingrediente" a essa mescla: o trabalho com adolescentes próximos a terminar a Educação Básica. Existem diversas investigações que podem ser úteis para abordar uma ou a soma dessas problemáticas, sendo uma das mais referenciadas o uso das TIC (Arnaud, 2013; Cabero, 2007; Fautch, 2015; Marzocchi, Cagnola, D'Amato, Vanzetti, & Leonarduzzi, 2010). No nosso caso, queremos ser muito mais específicos, buscando uma solução mais integral. Mais especificamente, enfocando nas dificuldades de ensino da química relacionadas à falta de interesse dos estudantes e sua consequente falta de aprendizagem significativa (Castillo, Ramirez, & González, 2013), partimos das duas perguntas de investigação seguintes:
Que atividades fora do contexto escolar são as que mais chamam atenção dos jovens e, portanto, ajudariam na hora de resolver o problema da motivação?
Que aproximação poderia propiciar um ambiente escolar inclusivo, onde realmente se diminuam as barreiras para a aprendizagem?
Ao analisar a primeira pergunta, e concordando com os estudos que analisam os impactos das TIC nos jovens, uma investigação desenvolvida pela Organização Barna (2017) encontrou que a maioria das atividades no contraturno de uma população incluem de fato esse elemento. Mais especificamente, em uma amostra de mais de 1.000 estudantes com idades até os 17 anos, encontrou-se que 64% destes empregavam parte do seu tempo livre vendo filmes e séries, 42% em videojogo e 27% em redes sociais. Essas descobertas coincidem com as encontradas por Wallace (2015) em uma reportagem para a cadeia de notícias CNN. Considerando uma amostra de mais de 2.600 indivíduos, o pesquisador menciona que essas três atividades, junto à música e à leitura, costumam ocupar até 9 horas do dia do tempo dos jovens entre os 13 e 18 anos.
Ao analisar a segunda pergunta, Ainscow, Both e Dyson (2006) afirmam que a implementação efetiva da educação inclusiva deve se concentrar em três variáveis, denominadas os três "P": Presença, Participação e Progresso. Sobre essas três variáveis, Sampedro (2015, p. 132) afirma que
[...] os vídeogames são recursos inovadores, eficazes e significativos para o processo de ensino-aprendizagem no marco de uma educação inclusiva, com a meta de adquirir a competência social e cívica como estandarte de habilidades e conhecimentos que fazem de um indivíduo um cidadão ativo com Presença, Participação e Progresso na sua etapa educativa e na sociedade em que convive.
Nessas duas análises, há um ponto em comum: os videojogos. Não conformados com isso, e retomando as outras duas atividades de maior interesse para os jovens, quer dizer, as séries de televisão e as redes sociais, foi que surgiu o momento "eureka", que deu luz à hipótese de investigação que guia o trabalho apresentado neste artigo: Pode um videojogo social, ambientado em uma série de televisão de alta popularidade, propiciar um ambiente escolar favorável e inclusivo para a aprendizagem de química?
O restante do artigo busca dar resposta a essa hipótese. Para isso, na seção 2, detalha-se o desenho dessa estratégia didática. Na seção 3, especifica-se a metodologia de validação em um ambiente real, para, na seção 4, apresentar os resultados obtidos. Finalmente, na seção 5, discutem-se os resultados e apresentam-se as conclusões finais da investigação.
2 Estratégia didática
A ideia de usar jogos e, em particular, videojogo para o ensino de química, não é nova. De fato, existem numerosas pesquisas que dão conta do potencial dessa aproximação no ensino dessa ciência, principalmente pelo aspecto motivacional (Abt, 1987; Franco-Mariscal, 2014; Franco-Mariscal, Oliva-Martínez, & Bernal-Márquez, 2012; Gee, 2007; Granath & Russell, 1999; Kapp, 2012; Kelkar, 2003; Muñoz, 2010; Prensky, 2007; Rastegarpour & Marashi, 2012; Squire, 2011; Tejada & Palacios, 1995). Muitas delas limitam-se a usar certos elementos de jogo como palavras-cruzadas ou bingos, mais não um videojogo completo.
Diferentemente desses trabalhos, nossa hipótese de investigação força-nos a ir mais além. Depois de tudo, um "videojogo social inclusivo ambientado em uma série de televisão para o ensino de química", é algo ambicioso em termos de desenvolvimento. Foi por essa razão que, mais do que realizar tudo isso, se decidiu utilizar a plataforma Erudito4. Sua escolha deu-se, em parte, porque se trata de uma ferramenta de autoria que, sem a necessidade de ter conhecimento técnico, é possível criar um jogo massivo multi-jogador online, também conhecido como MMOG, de sua sigla em inglês Massive Multiplayer Online Game. A segunda razão para sua escolha é que já foi utilizada com êxito em processos de educação inclusiva (Moreno & Valderrama, 2015). E a terceira razão é que os jogos criados nessa plataforma são livres de contexto, o que significa que o professor é quem incorpora a narrativa desejada. Essa característica foi o que nos permitiu incorporar a temática das séries de televisão. Mais especificamente, empregamos o "Jogo de tronos" - Game of thrones, que, segundo uma reportagem da cadeia de notícias British Broadcasting Corporation (BBC), é considera a série com mais êxito da história (British Broadcasting Corporation [BBC], 2017).
Segundo a filosofia do Erudito, na hora de criar um jogo, o autor deve, em princípio, fazer um mapeamento do desenho curricular com a estrutura do jogo, segundo a metáfora apresentada na Figura 1.
Assim, o curso, ou melhor, o conjunto de conteúdos a ensinar, equivalem a um mundo dentro do jogo. Esse mundo está dividido em regiões, geograficamente diferenciadas, as quais correspondem aos módulos temáticos. Em cada módulo, trata-se uma série de conceitos, que equivalem a um ou vários setores dentro de uma região. Um setor é um espaço bidimensional por onde o jogador pode se mover livremente por meio do seu avatar. Para incluir esses conceitos, o docente pode incorporar diversos materiais digitais como textos, vídeos, imagens e áudios. Tais materiais são percebidos pelo jogador como objetos que tem de ir coletando e assimilando. Precisamente, para verificar essa assimilação, o docente pode incorporar, junto aos materiais, uma série de perguntas de avaliação para cada conceito. Tais perguntas são percebidas pelo jogador, não como tais, se não como minijogos, que, dentro do contexto dos videojogos, são vistas como atividades lúdicas independentes, muito mais curtas e simples do que o jogo principal que os contém. O Erudito considera 11 tipos diferentes de perguntas, dentre as que se encontram: seleção múltipla, completar, ordenar e emparelhar, as quais equivalem a 23 tipos diferentes de minijogos.
A partir de tal metáfora, criamos o jogo que chamamos de "Jogo de carbonos". Para vincular a temática da série de televisão não se usou só o jogo de palavras no nome, mas também muita da sua história e ambientação. Assim, por exemplo, os módulos definidos se associaram a algumas das "casas" da série: Targaryen, Stark, Lanister, Baratheon, Tyrell e Martell. Assim, alguns dos setores que se associaram a sua localização foram: Pedra do Dragão, Winterfell, O Porto Real, A Ilha de Ferro, Jardim de Cima e Dorne. Além do uso dos nomes e dos personagens reconhecidos da série, também se utilizou parte da sua simbologia. Dentro dos materiais digitais, por exemplo, incluíram-se os estudos das diferentes casas, como se apresenta na Figura 2.
No total, desenharam-se seis módulos, especificados na Tabela 1. Incluem-se um total de 11 conceitos, abordados mediante 71 materiais e avaliados por meio de 164 perguntas.
Módulo | Tema | Conceitos | Materiais | Perguntas |
---|---|---|---|---|
1 | Introdução à química orgânica | Características gerais do carbono. | 8 | 19 |
2 | Elementos em química orgânica | Tipos de conexões apresentadas pelo carbono. Estabilidade dos compostos orgânicos Relações entre os diferentes estados de hibridização. |
7 | 25 |
3 | Classificação dos compostos orgânicos | Estruturas dos hidrocarbonetos. Classificação de compostos orgânicos, hidrocarbonetos e isômeros. |
9 | 23 |
4 | Normas de formulação | Alcanos, alcenos e alquinos. | 15 | 36 |
5 | Funções químicas orgânicas | Funções químicas. Relação das funções com seus grupos funcionais. |
9 | 27 |
6 | Nomenclatura de compostos orgânicos | Classificação dos compostos orgânicos. Nomenclatura IUPAC para os compostos do carbono. |
23 | 34 |
Fonte: Elaboração própria.
Para esclarecer sobre os diferentes elementos empregados na metáfora entre o curso e o jogo mencionados previamente, a Figura 3 apresenta algumas das opções de personalização do avatar do estudante. Cabe ressaltar que o jogo empregado é do tipo multi-player. Isso quer dizer que todos os estudantes podem interatuar em tempo real mediante esses avatares, não só visualizando seus companheiros dentro do mundo do videojogo, como também interatuando com eles por meio de um bate-papo.
A Figura 4 apresenta dois setores de dois módulos diferentes. É possível perceber, nesse caso, o uso da narrativa por meio de um ambiente desértico para se referir aos domínios da casa Martell; e de um ambiente de tundra para se referir à casa de Stark.
A Figura 5 apresenta um exemplo de pergunta convertida em minijogo. Como se mencionou previamente, a ideia é os estudantes explorarem o mundo coletando os materiais para logo serem desafiados por personagens que, dentro do contexto dos videojogos, se conhecem como NPC, da sigla em inglês Non-Player Character. Tais desafios ocorrem mediante os minijogos que, no caso da Figura 5, corresponde a uma pergunta de múltipla escolha com uma única resposta.
Finalmente, a respeito dos materiais, como o resto dos elementos, a ideia é que façam parte da estética e narrativa do jogo. É por essa razão que, no mesmo caso das perguntas, estes sofrem um processo de transformação, como mostra a Figura 6, para o caso de um arquivo em formato PDF.
3 Metodologia
Para validar a estratégia didática implementada, desenvolveu-se um desenho quase-experimental com uma população de 69 estudantes provenientes da Institución Educativa Francisco Luís Hernández Betancur, situada na comuna 4 - Aranjuez, da cidade de Medellín, na Colômbia. Cabe sinalizar que essa instituição é de caráter público e tem atingido, desde 1925 até o momento desta investigação, a formação de pessoas em situação de deficiência, não só da cidade de Medellín, como de todo o estado da Antioquia5. A média da idade desses estudantes era de 16 anos, e todos eles pertenciam aos estratos econômicos um, dois e três, considerando uma escala discreta inteira para esse estrato de um a seis, sendo um o valor mais baixo.
Fala-se de quase-experimental porque a disposição desses estudantes entre os grupos de controle e experimental não se realizou de forma aleatória. Em vez disso, realizou-se uma distribuição casual, não tendenciosa: os estudantes do grau 11 formaram os grupos de controle, enquanto que os de grau 10 os experimentais. Em ambos os casos, havia estudantes de ambos os sexos e, também, havia estudantes com algum tipo de deficiência sensorial e/ou cognitiva (World Health Organization, 2016). No total, consideraram-se quatro grupos da seguinte maneira:
Grupo de controle 1 (GC1): 22 estudantes do grau 11-B, todos eles sem nenhum tipo de diagnóstico.
Grupo de controle 2 (GC2): 11 estudantes do grau 11-B, 1 diagnosticado com perda auditiva, 3 com baixa visão, 2 cegos, 1 com dislexia, 3 com deficiência cognitiva e um com paralisia cerebral.
Grupo experimental 1 (GE1): 25 estudantes do grau 10-B, todos eles sem nenhum tipo de diagnóstico.
Grupo experimental 2 (GE2): 11 estudantes do grau 10-B, 2 diagnosticados com perda auditiva, 4 com baixa visão, 2 cegos, 1 com dislexia e 2 com deficiência cognitiva.
Nos quatro casos, abordaram-se os temas e os conceitos descritos na Tabela 1 em um período de sete semanas, todos com o mesmo professor. A diferença entre os grupos de controle e experimentais é que os segundos receberam parte dos conteúdos no formato de jogo, enquanto que os primeiros receberam a totalidade no formato presencial tradicional. Em todos os casos, realizou-se a intervenção dentro da aula, duas horas por semana e sempre sob a supervisão do professor.
Cabe ressaltar que, nos grupos GC2 e GE2, alguns estudantes requeriam algum tipo de assistência, seja por parte de um colega de aula ou por um acompanhante. Essa assistência é prática habitual dentro da instituição para essa população, não só para as aulas de química, mas no geral. Para o caso particular do uso do videojogo, essa assistência, em alguns casos, consistiu da ajuda para o uso dos controles, acompanhada da descrição falada ou por sinais do desenvolvimento do jogo. É importante indicar também que, dentro do jogo, a apresentação dos conteúdos é feita, na maioria das vezes, de maneira gráfica, porém também pode ser textual e auditiva, segundo os formatos dos arquivos usados pelo professor na sua criação. Desse modo, o jogo como tal não está desenhado para atender a uma população específica, porém facilita até certo ponto os processos de inclusão por meio da multiplicidade desses formatos.
Nos quatro casos, foi realizada uma prova diagnóstica de conhecimentos antes do início do período das sete semanas, chamada de pré-teste, composta por 18 perguntas. Passado o período, realizou-se uma prova final análoga, chamada de pós-teste, composta por 15 perguntas. Nas duas provas, a qualificação obtida expressou-se como um valor numérico discreto entre 0 e 5 com uma casa decimal, e o cálculo foi feito a partir do número de respostas corretas considerando uma ponderação homogênea.
Por último, junto ao pós-teste, realizou-se uma enquete de percepção com os estudantes dos quatro grupos, sem diferenciação para os grupos de controle e experimentais. Assim, desta vez, considerou-se GC = GC1 + GC2 e GE = GE1 + GE2. Em tal enquete, incluíram-se as três perguntas seguintes:
Você sugeriria que se use a mesma metodologia de aula em outras disciplinas?
A interação com teus colegas de aula influenciou na sua aprendizagem?
Esperas obter uma classificação alta nesta disciplina?
Cada pergunta deveria ser respondida usando uma escala do tipo Likert de cinco valores: 5 - Muito de acordo, 4 - De acordo, 3 - Indiferente, 2 - Em desacordo, 1 - Muito em desacordo.
4 Resultados e discussão
Os resultados, tanto do pré-teste como do pós-teste para os quatro grupos, foram resumidos na Tabela 2 e, a partir deles, foi possível realizar várias análises. A primeira é que as condições iniciais nos grupos controle, quer dizer, no pré-teste, são similares. A variação entre GC1 e GC2 é de somente 1,51%. Algo similar ocorre nos grupos experimentais, ainda que a variação é maior: 12,71%.
Grupo | Estatístico | Pré-teste | Pós-teste |
---|---|---|---|
GC1 | Média | 0,905 | 2,045 |
Desvio padrão | 0,415 | 0,628 | |
GC2 | Média | 0,918 | 1,845 |
Desvio padrão | 0,498 | 0,772 | |
GE1 | Média | 0,552 | 3,728 |
Desvio padrão | 0,389 | 0,669 | |
GE2 | Média | 0,482 | 2,318 |
Desvio padrão | 0,334 | 0,978 |
Fonte: Elaboração própria.
Para corroborar esses resultados, a Figura 7 apresenta os diagramas correspondentes de caixas e linhas. Adicionalmente, ao realizar uma comparação das médias mediante uma prova t, encontrou-se que o valor P para os grupos de controle foi de 0,934, enquanto que, para os experimentais, foi de 0,607. Em ambos os casos, pode-se concluir, então, que não há uma diferença estatística significativa.
Ao comparar os grupos de controle com os experimentais, vistos ambos de maneira agregada, as diferenças são consideráveis: 71,25% a favor dos de controle. Esse resultado pode encontrar explicação no fato de que os estudantes do grupo de controle se encontravam em um grau escolar acima dos do experimental, tendo, assim, um maior conhecimento prévio.
Agora, ao comparar os resultados do pós-teste, notam-se maiores variações entre os quatro grupos. A variação entre GC1 e GC2 é de 9,78%, enquanto que entre GE1 e GE2 é de 37,82, o que se corrobora com os correspondentes diagramas de caixas e linhas apresentados na Figura 8. Desta vez, ao realizar uma comparação das médias mediante uma prova t, encontrou-se que o valor P para os grupos de controle foi de 0,430, enquanto que para os experimentais foi <0,001. Dessa forma, para o caso dos grupos de controle, não há uma diferença estatística significativa, enquanto que para os experimentais sim, sendo esta a favor do GE2.
Finalmente, ao comparar os resultados entre o pré-teste e o pós-teste de cada grupo, é onde se encontram os fatos mais interessantes. Como mostra a Tabela 2, todos os grupos evidenciaram uma melhora considerável. A pontuação média do GC1 aumentou 1,14 pontos, o do GC2 0,93, o do GE1 3,18 e o do GE2 1,84. Desse modo, todos os grupos melhoraram seus conhecimentos em química orgânica. Contudo, essa melhoria não foi simétrica. Ao comparar os grupos de controle com os experimentais, vistos ambos de maneira agregada, a diferença é considerável: 39,99% a favor dos experimentais.
Outra maneira de realizar essa comparação é não olhar as diferenças absolutas, mas, sim, os percentuais entre o pré-teste e o pós-teste dos grupos de controle e experimentais de maneira agregada. Isto é, ao olhar GC1 e GC2 juntos, sua melhora, logo depois da intervenção, foi de 117,67%, passando de uma média de 0,909 a uma de 1,979. Entretanto, ao olhar GE1 e GE2 juntos, sua melhora, logo depois da intervenção, foi de 521,47%, passando de uma média de 0,531 a uma de 3,297. Recordemos que, no pré-teste, os estudantes dos grupos de controle haviam exibido condições iniciais melhores.
Em se tratando da enquete de percepção, os resultados são resumidos na Tabela 3. Para as três perguntas, a percepção média foi maior nos grupos experimentais: 15,75% para a pergunta 1, 12,76% para a 2, e 19,87% para a 3.
Grupo | Estatístico | Pergunta | ||
---|---|---|---|---|
1 | 2 | 3 | ||
GC | Média | 3,576 | 3,424 | 3,545 |
Desvio padrão | 0,663 | 1,032 | 0,711 | |
GE | Média | 4,139 | 3,861 | 4,250 |
Desvio padrão | 0,798 | 0,990 | 0,649 |
Fonte: Elaboração própria.
Ao realizar uma comparação das médias mediante uma prova t, os valores P correspondentes foram de 0,002 para a pergunta 1, de 0,078 para a 2 e < 0,001 para a 3. Para corroborar esses resultados, a Figura 9 apresenta os histogramas correspondentes.
5 Considerações finais
Após o desenho e a implementação da estratégia didática descrita na seção 2, assim como da investigação quase-experimental realizada segundo a metodologia apresentada na seção 3, e empregando os resultados obtidos e discutidos na seção 4, podemos dizer que a resposta à hipótese de investigação levantada - É possível um videojogo social, ambientado em uma série de televisão de alta popularidade, propiciar um ambiente escolar favorável e inclusivo para a aprendizagem de química? - é que sim. Essa afirmação pode ser decomposta em várias conclusões.
A primeira é que usar elementos que, à primeira vista, pouco tem a ver com os processos educativos, nesse caso videojogos + séries de televisão + redes sociais, parece ser altamente efetivo para despertar o interesse nos estudantes. Isso pode ser confirmado com as diferenças entre os pré e pós-testes dos quatro grupos considerados. Mesmo que em todos houve uma melhora logo depois da intervenção realizada, o "salto" dado por aqueles que interatuaram com o jogo foi muito maior do que os que não. Partindo de condições iniciais mais baixas, conseguiram ao final classificações mais altas.
A segunda é que esse impacto positivo se dá tanto nas populações sem e com algum tipo de deficiência. De fato, o grupo experimental 2, mesmo partindo com a pior condição inicial, conseguiu obter a segunda melhor classificação média, superando a ambos os grupos de controle e sendo superado somente pelo grupo experimental 1. Cabe ressaltar que a diferença final entre ambos os grupos experimentais foi significativa. Isso faz pensar que inclusive muitas das barreiras mencionadas conseguem ser rompidas, mesmo que permaneça em certa medida algumas que não permitem que os estudantes com algum tipo de deficiência levem um ritmo similar que o de seus pares que não as têm. Esse ponto em particular deve ser objeto de estudos futuros.
A terceira é que os benefícios aportados pela estratégia proposta não só se encontram no aspecto acadêmico, mas também no atitudinal. Ao analisar em detalhe as perguntas realizadas na enquete de percepção, descobriu-se que aqueles estudantes que interatuaram com o jogo: a) tiveram uma atitude mais positiva sobre a metodologia de aula empregada; b) sentem que a interação com seus companheiros lhes ajudou na sua aprendizagem; e c) tiveram um maior nível de confiança no seu rendimento acadêmico.
Como conclusão final, reafirmamos então que o uso da estratégia levantada não só é possível, como também altamente recomendada, pois, pelo ponto de vista do ensino de química, as dificuldades resultaram em um catalizador no espaço motivacional - bastava ver o entusiasmo com que os estudantes dos grupos experimentais chegavam à aula, e não só isso, tudo o que conversavam a respeito inclusive fora da sala de aula. E, também, pelo ponto de vista da educação inclusiva, a qual propiciou Presença, Participação e Progresso, conseguindo assim os "3P", que tanto são almejados.