Introdução
Estimativas numéricas são utilizadas para obter respostas quantitativas rapidamente, sem o compromisso com a exatidão, mas suficientemente precisas para a situação em questão. Em geral, a estimativa numérica pode ser representada em três diferentes situações: para realizar estimativas do resultado de um cálculo aritmético (estimativa computacional), para realizar a estimativa da quantidade de um conjunto de objetos sem contá-los (estimativa numérica de quantidades) e para realizar a estimativa da posição de um número na reta numérica (estimativa na reta numérica).
Os testes mais utilizados para avaliar a capacidade de realizar estimativas são: (a) o Teste de Estimativa na Reta Numérica (TERN), em que o sujeito é convidado a posicionar um número em uma reta numérica, cujo marco da esquerda representa a origem (ponto 0) e o marco mais à direita corresponde à escala da reta, em geral representado pelos valores 10, 20, 100 ou 1.000 (SIEGLER; BOOTH, 2004); e, (b) o Teste de Estimativa Numérica de Quantidades (TENQ), que requer que o sujeito estime a quantidade de pontos em um conjunto (LUWEL; VERSCHAFFEL, 2003). Até onde se sabe, não há pesquisa que tenha se dedicado a comparar qual dessas tarefas gera estimativas mais precisas em determinadas faixas etárias ou classes sociais e, portanto, qual delas seria melhor para aplicação na pesquisa e nas escolas, exceto por um estudo preliminar realizado pelo grupo de pesquisa, no qual as pesquisadoras compararam o desempenho nessas tarefas em 60 crianças do 2º e do 3º ano em uma escola pública de Porto Alegre, estado do Rio Grande do Sul (RS), Brasil (DORNELES et al., 2017).
A partir de tais aspectos, considera-se que avaliar a capacidade de realizar estimativas utilizando diferentes tarefas poderia ser um bom ponto de partida para analisar a importância dessa habilidade e para destacar o tema na educação matemática. Nesta perspectiva, comparou-se o desempenho em estimativa numérica de 284 crianças do 5º e do 6º ano de uma escola pública e uma particular, ambas de Porto Alegre, RS, com objetivo de determinar em qual das tarefas (TERN ou TENQ) os estudantes são mais precisos em suas estimativas.
Neste estudo focou-se nas atividades realizadas em crianças. A principal justificativa está nos achados de Sullivan et al. (2011), que concluíram que os adultos são extremamente rápidos e precisos em estimativas na reta numérica e que essa precisão extrema pode estar relacionada com uma compreensão mais madura do sistema numérico simbólico (SIEGLER; OPFER, 2003). E também, sabendo-se que as crianças de ambas as escolas estavam acostumadas desde pequenas a realizar tarefas de contagem utilizando elementos enumeráveis (tais como os apresentados no TENQ), e que grande parte delas não teve contato com a reta numérica até a realização desse estudo, assumiu-se que os alunos deveriam ter melhor desempenho no TENQ do que no TERN.
Ainda na década de 1980 foi destacada a importância da estimativa, ressaltando que tarefas de estimativa numérica são particularmente úteis para fornecer informações sobre representações numéricas, pois suspeita-se requererem do sujeito integração do conhecimento conceitual e processual dos números (SIEGEL; GOLDSMITH; MADSON, 1982). Entretanto, esse tema continua sendo bastante atual, já que os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) trazem a ideia de que o desenvolvimento de estratégias de estimativa numérica auxilia no aprendizado da matemática, possibilitando aos alunos julgar o grau de precisão necessário para resolver uma situação específica (BRASIL, 1998).
As discussões recentes sobre propostas curriculares originaram a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que entra em vigor em todas as escolas brasileiras a partir de 2019. Assim como nos antigos PCN (e), na BNCC (BRASIL, 2018) a estimativa numérica também está presente. No referido documento, já nos primeiros anos escolares (1º, 2º e 3º anos), consta a quantificação de elementos de uma coleção através de estimativas para resolver diferentes situações que envolvem contagens (distribuição de objetos e comparação de quantidades), como um objeto de conhecimento necessário. As experiências iniciais com números já devem ser vistas a partir de estimativas para que essas habilidades sejam utilizadas em situações cotidianas (BRASIL, 2018). Além disso, a habilidade de comparar números naturais na reta numérica também é citada pela BNCC, considerando que, estabelecer a relação entre números naturais e pontos em uma reta exige o conhecimento da sequência numérica, sendo, então, a reta numérica um importante recurso para a construção dos fatos básicos, a partir da compreensão lógica dos deslocamentos realizados na reta.
A variabilidade no conhecimento e nos processos requeridos por diferentes tarefas de estimativa tem impedido progressos na compreensão da estimativa (SIEGLER; BOOTH, 2005). Entretanto, as limitações de espaço e tempo, juntamente com o vasto e variado conjunto de tarefas que envolvem estimativa, exigem concentrar este estudo em um subconjunto de temas sobre estimativa. Por isso, decidiu-se focar os estudos aqui relatados na estimativa numérica de quantidades discretas e na estimativa na reta numérica (tarefas clássicas nos estudos dessa área), não deixando de destacar a importância das demais tarefas de estimativa, em especial, a de estimativa computacional. Essa decisão reflete o interesse em compreender o desenvolvimento da estimativa nas crianças, excluídos alguns conhecimentos externos, tais como unidades de medida ou conhecimentos gerais sobre situações do cotidiano, que vão além dos conhecimentos subjacentes ao processo de realização de estimativas.
Esta pesquisa integra um projeto mais abrangente, intitulado "Diversidade na aprendizagem da matemática inicial: a compreensão da estimativa numérica"3, que tem como proposta o estudo da diversidade na aprendizagem da matemática, no que se refere à compreensão da estimativa numérica em diferentes grupos de alunos.
Referencial teórico
Sabe-se que a competência matemática envolve um grupo de habilidades e processos cognitivos ainda não totalmente conhecidos, sendo a estimativa numérica um deles (LEVINE, 1982). Embora sua importância tenha sido destacada (ROUSSELLE; NOËL, 2008), a estimativa numérica tem sido menos estudada do que a quantificação exata (PIAZZA et al., 2006), mesmo que ela possa estar relacionada ao desempenho em diferentes áreas da matemática, incluindo aquelas que exigem quantificação exata, como a aritmética (MAZZOCCO; FEIGENSON; HALBERDA, 2011; SIEGLER; BOOTH, 2004).
Ainda que os processos envolvidos na estimativa numérica já venham sendo estudados há pelo menos 30 anos, não há consenso a respeito da ideia de que ela refletiria uma representação numérica, tal como uma reta numérica mental (SIEGLER; OPFER, 2003). O TERN é o instrumento de medida de desempenho em estimativa mais utilizado nas pesquisas recentes e tem trazido subsídios para a criação de modelos representação numérica mental (BARTH; PALADINO, 2011; EBERSBACH; LUWEL; VERSCHAFFEL, 2015). Em contrapartida, tarefas de comparação de quantidades têm sido frequentemente utilizadas em pesquisas que tratam esta habilidade como sendo inata e compartilhada por animais não humanos. Entretanto, estas pesquisas (DEHAENE, 1997; XU, 2003; XU; SPELKE, 2000) utilizam tarefas que exigem apenas a comparação maior/menor entre conjuntos e não uma quantificação aproximada dos itens apresentado, tal como o TENQ. A hipótese subjacente a tais pesquisas é a de que as habilidades simbólicas, que são tipicamente ensinadas na escola, seriam fomentadas por um sistema numérico não simbólico pré-existente (SASANGUIE; REYNVOET, 2013). E, longe de se compartilhar dessa ideia de que existe um Sistema de Número Aproximado (ANS) inato, considera-se que o TENQ proposto neste estudo possa refletir estratégias de estimativa numérica, assim como o TERN, em especial, quando os itens são apresentados em subescalas de 10, tal como o sistema numérico decimal ocidental.
A maior parte dos estudos envolvendo estimativa numérica utiliza a reta numérica como instrumento para comparar magnitudes. Em geral, os estudos sobre estimativa na reta numérica estão focados na linearidade e consequente precisão aumentada com a idade e na relação entre as diferenças individuais na estimativa com as diferenças individuais no desempenho matemático geral ou aritmético. Alguns estudos utilizando a tarefa da reta numérica, tais como o de Ebersbach et al. (2008), destacam apenas nos padrões de estimativa, mas não na precisão dessas estimativas, como é o foco deste estudo.
Uma gama de pesquisas utilizou tarefas de estimativa de quantidades de itens em um conjunto. Sobre a relação da habilidade de estimativa e o conhecimento primitivo de quantidade, alguns autores trabalham com a ideia de que a discriminação de quantidades venha a ser uma atividade ligada apenas à percepção (DEHAENE, 1997; XU, 2003; XU; SPELKE, 2000). Entretanto, a maioria desses investigadores não discute em seus estudos se as crianças realmente distinguem as quantidades que lhes são apresentadas ou se apenas verificam diferenças nas propriedades físicas contínuas dos objetos.
Nessa perspectiva, tendo em vista a relação da habilidade de estimativa com o conhecimento primitivo de quantidade, Huntley-Fenner (2001) explicou o desempenho progressivo da estimativa como intimamente relacionado com o conhecimento intuitivo de quantidade. Complementando, Lemaire e Lecacheur (2007) afirmaram que as tarefas de estimativa de quantidade envolvem processos cognitivos específicos pré-simbólicos que não variam na idade adulta.
Na direção contrária, Rousselle e Noël (2008) verificaram que o processamento de quantidades surge gradualmente ao longo do desenvolvimento, ao passo que a informação perceptiva já está bem desenvolvida em pré-escolares. Ou seja, as habilidades de perceber e comparar quantidades podem ser desenvolvidas desde muito cedo. Porém, estabelecer estimativas mais complexas exige um conhecimento que é construído de forma gradual ao longo da infância, pelo menos.
Recentemente, os pesquisadores Matejko e Ansari (2016) sugeriram que as trajetórias de desenvolvimento do processamento simbólico e não simbólico são mais semelhantes no início de desenvolvimento, sendo que o processamento de magnitude não simbólica pode começar mais cedo e progredir mais lentamente do que o simbólico. Ou seja, concluíram que as habilidades de processamento de magnitude simbólica e não simbólica tem trajetórias de desenvolvimento distintas, ideia que nos parece bastante plausível.
A pouca precisão das estimativas das crianças e essa relação positiva entre desempenho em estimativa e desempenho matemático (SIEGLER; BOOTH, 2004) levaram os pesquisadores a atribuir uma importância crescente à estimativa, pelo menos nas últimas três décadas. Para este estudo, discutir tais fatores é importante, pois compreender as bases dessa habilidade é fundamental para relacionar o desempenho na tarefa de estimativa de quantidades a outras tarefas de estimativa.
Método
Comparou-se o desempenho em duas tarefas de estimativa numérica em um grupo de 284 estudantes do 5º (n = 138) e 6º (n = 146) anos escolares, que formavam a população de duas escolas: uma escola pública municipal de ensino fundamental (n = 89, 5º ano e n = 77, 6º ano) e uma escola privada (n = 49, 5º ano e n = 69, 6º ano), ambas na cidade de Porto Alegre, RS. Os testes foram aplicados coletivamente nas diferentes turmas.
Instrumentos de coleta de dados
Para coleta de dados, foram utilizados dois testes de avaliação de desempenho em estimativa numérica: (a) o Teste de Estimativa Numérica de Quantidades (TENQ), adaptado de Luwel e Verschaffel (2003); e, (b) o Teste de Estimativa na Reta Numérica (TERN), adaptado de Siegler e Booth (2004).
a) TENQ: Este instrumento foi estruturado e organizado pela pesquisadora e consiste em atribuir um número a um conjunto discreto de pontos apresentados. São 28 tarefas que variam conforme a maneira de apresentação dos itens em uma matriz quadrada. Essa variação considerava o fato de as crianças conhecerem o número máximo de pontos da matriz apresentada, a fim de viabilizar a comparação com o TERN, no qual as crianças conheciam os pontos inicial e final da reta. Os estímulos do teste consistem em conjuntos de pontos, de diferentes quantidades, de mesma cor (preta) e de mesmo tamanho (para reduzir as variáveis que possam interferir no julgamento da quantidade pelos participantes), posicionados sobre a região delimitada pela tela retangular projetada em um fundo branco em uma grade regulamente espaçada (matriz).
O TENQ exige que as crianças estimem a quantidade de pontos distribuídos em uma matriz quadriculada em diferentes escalas 10x1 (E10), 10x2 (E20) e 10x10 (E100). Em cada linha da matriz os quadrados são agrupados em conjuntos de dez, de forma que a estrutura se assemelhe à estrutura do sistema de numeração decimal. Antes de iniciar a tarefa, os alunos foram informados que a matriz vazia continha 0 pontos e a matriz completa continha 10, 20 ou 100 pontos, de acordo com a escala da matriz apresentada. Sabendo-se que a precisão pode variar com o formato de distribuição dos itens na matriz, apresentando maior (mais aglomerados) ou menor (mais espaçados) densidade, os itens foram apresentados dessas duas maneiras, dividindo o teste em dois subtestes: TENQ-A (para itens aglomerados em cada escala) e TENQ-E (para itens espaçados em cada escala).
As tarefas do TENQ foram apresentadas visualmente, com auxílio de um projetor multimídia. O teste consistiu em ouvir a instrução, observar a imagem projetada e, após alguns segundos de observação, a imagem era seguida por uma tela branca, momento em que os participantes foram convidados a realizar uma estimativa numérica acerca da quantidade observada, anotando em um caderno de respostas previamente distribuído, a resposta que considerasse adequada. Para reduzir a possibilidade de contagem verbal, os estímulos foram apresentados rapidamente (1 segundo para cada grupo de dez pontos apresentados). Ou seja, para quantidades de até 10 elementos (4, 7 e 9 itens), os participantes tiveram um segundo de observação. Para quantidades de 11 a 20 (17 itens) foram disponibilizados 2 segundos, de 21 a 30 (25 itens), 3 segundos, e assim por diante (49, 78 e 95 itens), até o período máximo de 10 segundos para quantidades de 90 a 100 elementos.
b) TERN: Este instrumento exige que os sujeitos marquem pontos correspondentes a números específicos ao longo de uma reta numérica delimitada por um ponto inicial e um final, por estimativa (esses números foram escritos no quadro e verbalizado pela pesquisadora). Para avaliar o desempenho da estimativa na reta numérica, utilizou-se o instrumento construído a partir da proposta de Siegler e Booth (2004), utilizando as mesmas quantidades e escalas do TENQ, a fim de comparar seus resultados. No total, 14 números foram posicionados, sendo que eles foram apresentados em ordem aleatória.
O TERN utilizou as três escalas antes utilizadas por Muldoon et al. (2013): 0-10, 0-20 e 0-100. Ou seja, cada linha, com 25 cm de comprimento, continha o número 0 na extremidade esquerda e o número 10, 20, ou 100 na extremidade direita, dependendo da escala. Foi realizado um teste inicial em que foi mostrado às crianças o número médio de cada escala (isto é, 5, 10 ou 50), sendo este posicionado pela pesquisadora em uma reta numérica desenhada previamente no quadro negro. Os números-alvo a serem estimados eram: 4 e 7 em todas as escalas, 9 e 17 nas escalas 20 e 100 e 25, 49, 78 e 95 na escala 100. A ordem de posicionamento foi aleatória, mas a mesma para todas as crianças, sendo a escala 0-10 apresentada em primeiro lugar, seguida pela reta 0-20 e, finalmente, pela reta numérica 0-100.
A familiaridade individual das crianças com números não foi avaliada, mas foi pressuposto que elas estavam familiarizadas com as faixas numéricas testadas em virtude do ano escolar em que estavam. Além disso, considerando que os pesquisadores Siegler e Opfer (2003) não encontraram diferença na precisão dos estudantes ao variar o tempo para estimativa de 4s para 30s, optou-se pelo maior tempo, solicitando às crianças que posicionassem apenas uma vez cada número, para evitar o cansaço desnecessário na realização da tarefa.
A precisão das estimativas na reta numérica foi determinada a partir da comparação da medida da posição das marcas manuscritas dos participantes sobre as retas com a medida real, através de um gabarito construído em plástico transparente. Foi considerada apenas uma casa decimal para fins de correção, limitando-se a inteiros e meios, desconsiderando demais valores decimais intermediários.
Todos os testes foram aplicados coletivamente, em dias diferentes, na sala de aula, para que as atividades escolares fossem afetadas o mínimo possível. Para todos eles, não houve feedback para respostas corretas ou erradas. Em geral, os estudantes utilizaram uma hora/aula (45 a 50 minutos) para cada um dos testes.
Análise dos dados
Realizou-se uma análise comparativa dos resultados obtidos pelas crianças dos diferentes anos escolares e das diferentes turmas, em duas tarefas de estimativa numérica: TERN e TENQ (TENQ-A e TENQ-E), com objetivo de observar em qual das tarefas as crianças são mais precisas. Para isso, foi realizado um estudo estatístico envolvendo as variáveis comuns em ambas as tarefas, considerando cada uma das escalas estudadas: escala 10 (E10), escala 20 (E20) e escala 100 (E100), ano escolar (5º e 6º) e tipo de escola (pública, Pu ou particular, Pa). Para o TENQ, além das variáveis comuns aos instrumentos, as variáveis "pontos aglomerados" (TENQ-A) e "pontos espaçadas" (TENQ-E) na matriz também foram consideradas. Todas elas foram comparadas à variável independente precisão relativa (PR).
Para iniciar as análises foi calculada a precisão relativa (PR) de cada uma das tarefas dos testes de estimativa. Para o cálculo da PR, utilizou-se a fórmula adaptada de Siegler e Booth (2004). Sendo assim, considerou-se como "Valor Real" o valor real a ser estimado e "Estimativa" a resposta dada pela criança, então:
Por exemplo, se a quantidade a ser estimada (Valor Real) for 95 e a resposta da criança (Estimativa) tiver sido 97, em uma escala E100, a precisão é dada por . A criança é tão mais precisa quanto mais próximo de zero for o valor da PR calculado. O resultado obtido com o cálculo realizado no numerador da fração é o que se chama de Precisão Absoluta (PA). Neste caso, PA = |VALOR REAL - ESTIMATIVA|.
Pressupondo que o desempenho dos participantes pode não ser tão preciso por causa de uma tendência a adivinhar aleatoriamente as quantidades ou posições em alguns ensaios, o critério de razoabilidade de respostas aceitas para análise neste estudo foi o dobro do valor real. Com isso, foram consideradas apenas as respostas em que a precisão absoluta (PA) máxima fosse até o dobro da escala considerada, com a certeza de não haver prejuízos estatísticos. Sendo assim, na E10, foram consideradas respostas até 20, na E20, respostas até 40 e na E100 respostas até 200. Quando estimavam acima destas quantidades considerou-se que a atividade não foi compreendida pela criança.
Em seguida, realizou-se uma análise descritiva da precisão de cada ano escolar e escola, para identificar o padrão geral de desempenho para cada tarefa. Utilizou-se apenas uma medida de estimativa para cada valor estimado, porque a análise anterior (DORNELES et al., 2017) mostrou que a diferença entre duas respostas para cada número em ambas as tarefas não foi significativa, nem para o TERN (p = 0,24), nem para o TENQ (p = 0,06). Provas relacionadas à velocidade com que as crianças realizaram as estimativas não foram testadas nesta análise, considerando que o tempo de execução foi o mesmo para todos os participantes.
Resultados
Foi realizado um Modelo de Equações de Estimações Generalizadas para comparar as médias da Precisão Relativa (PR) como os fatores: ano (5º ou 6º), escola (Pu ou Pa), escala (E10, E20 ou E100) e instrumentos (TENQ e TERN). Esse tipo de análise é realizado quando um sujeito possui mais de uma medida testada no mesmo estudo. Nesse caso, cada estudante respondeu a 28 questões. Foram respondidas questões de dois instrumentos de avaliação de estimativas: TERN (14 questões envolvendo números na reta numérica) e TENQ (TENQ-A: 14 questões envolvendo pontos aglomerados, e TENQ-E: 14 questões envolvendo pontos espaçados).
A menos que indicado de outra forma, um nível de confiança alfa de 0,05 foi utilizado para todos os testes estatísticos. Os p-valores exatos foram relatados, mas valores muito pequenos foram arredondados para p < 0,001. Inicialmente, avaliou-se a diferença da PR entre os sexos. Os meninos tiveram uma precisão média de 5,13% [4,89 - 5,37] e as meninas uma média de 4,92% [4,68 - 5,16], não apresentando diferença estatística entre as medidas (p = 0,219). Sendo assim, não foi realizada distinção entre os sexos nas análises seguintes.
Na Tabela 1 apresentam-se as médias da precisão relativa entre as combinações de três fatores: ano, escala e instrumento (p = 0,010); ano, escola e instrumento (p = 0,011) e escala, escola e instrumento (p = 0,694). A interação quádrupla não pôde ser realizada por problemas de estimativa, pois provocaram intervalos de confiança muito grandes. Sendo as duas primeiras interações significativas, elas foram analisadas na sequência.
Fator 3 - Instrumentos | p interação tripla | |||||||
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Fator1 | Fator2 | TENQ Aglomerado média | TENQ Espaçado média | TERN média | ||||
Ano | Escala | 0,010 | ||||||
5º | 10 | 0,035 | 0,033 | 0,086 | ||||
20 | 0,030 | 0,047 | 0,073 | |||||
100 | 0,034 | 0,057 | 0,078 | |||||
6º | 10 | 0,029 | 0,023 | 0,054 | ||||
20 | 0,023 | 0,031 | 0,067 | |||||
100 | 0,034 | 0,058 | 0,061 | |||||
Ano | Escola | 0,011 | ||||||
5º | Pa | 0,024 | 0,046 | 0,048 | ||||
Pu | 0,038 | 0,054 | 0,094 | |||||
6º | Pa | 0,026 | 0,038 | 0,047 | ||||
Pu | 0,034 | 0,053 | 0,075 | |||||
Escala | Escola | 0,694não sig. | ||||||
10 | Pa | 0,031 | 0,024 | 0,046 | ||||
Pu | 0,033 | 0,031 | 0,086 | |||||
20 | Pa | 0,023 | 0,036 | 0,054 | ||||
Pu | 0,029 | 0,042 | 0,082 | |||||
100 | Pa | 0,025 | 0,048 | 0,045 | ||||
Pu | 0,041 | 0,065 | 0,087 |
Fonte: elaborada pelas autoras.
Interação ano, escala e instrumento
Considerando as diferenças estatísticas encontradas entre os testes TENQ e TERN, obtém-se que, no 5º ano, na escala 10, a média da precisão do TENQ-A é distinta da média do TERN. Nas escalas 20 e 100, a média da precisão do TENQ-E diferem da média do TERN, sendo as crianças menos precisas em TERN que em qualquer uma das variações do TENQ. No 6º ano, nas escalas 10 e 20, as médias de precisão do TENQ-A e do TENQ-E diferem da média do TERN, sendo sempre mais precisos em TENQ que em TERN. Na escala 100, as médias do TENQ-A são diferente das médias do TERN. Em síntese, quando comparados os instrumentos por escala, observou-se que realizar a estimativa de itens em um conjunto discreto gera estimativas significativamente mais precisas que estimar a posição desses mesmos números em uma reta numérica.
Interação ano, escola e instrumento
Ao fazer a comparação estatística entre os instrumentos TENQ e TERN por ano e por escola, obtiveram-se os seguintes resultados: no 5º ano da escola particular a média do TENQ-A difere do TERN. Na escola pública, os dois instrumentos diferem entre si, assim como no 6º ano, tanto na escola pública quanto na escola particular, os dois instrumentos diferem entre si, em todas as suas variações. Ou seja, o desempenho dos estudantes ao realizar estimativas de pontos foi sempre mais preciso, independentemente da escola.
Para determinar a relação entre os dois testes foi realizada uma correlação de Spearman. A correlação é a melhor análise para medir o grau de relação entre os instrumentos. Foram calculados três escores para cada sujeito. Para isso, foi calculada a soma da precisão relativa para cada sujeito, nas 14 questões de cada um dos instrumentos: TENQ-A, TENQ-E e TERN. Após essa construção, foi realizada a correlação entre esses escores, discriminando por escola, escala e ano. Correlações entre 0,3 e 0,6 podem ser consideradas moderadas. Correlações entre 0,6 a 0,9 são classificadas como forte e entre 0,9 e 1,0 são classificadas como muito forte. Esses dados aparecem descritos na Tabela 2.
Escala | Ano | Instrumento | Escola Privada | Escola Pública | ||
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TENQ-E | TERN | TENQ-E | TERN | |||
r (p) | r (p) | r (p) | r (p) | |||
10 | 5º | TENQ-A | 0,306 (0,039) | -0,077 (0,609) | 0,151 (0,188) | 0,159 (0,164) |
TENQ-E | 1 | -0,240 (0,108) | 1 | -0,164 (0,150) | ||
TERN | 1 | 1 | ||||
6º | TENQ-A | -0,019 (0,876) | -0,014 (0,908) | 0,191 (0,125) | -0,093 (0,458) | |
TENQ-E | 1 | 0,273 (0,024) | 1 | 0,125 (0,319) | ||
TERN | 1 | 1 | ||||
20 | 5º | TENQ-A | 0,310 (0,036) | 0,408 (0,005) | 0,194 (0,088) | 0,066 (0,566) |
TENQ-E | 1 | 0,010 (0,950) | 1 | 0,134 (0,241) | ||
TERN | 1 | 1 | ||||
6º | TENQ-A | 0,401 (0,001) | 0,188 (0,125) | 0,232 (0,061) | 0,046 (0,716) | |
TENQ-E | 1 | 0,128 (0,299) | 1 | -0,121 (0,334) | ||
TERN | 1 | 1 | ||||
100 | 5º | TENQ-A | 0,240 (0,107) | 0,272 (0,068) | 0,274 (0,015) | 0,459 (<0,001) |
TENQ-E | 1 | 0,326 (0,027) | 1 | 0,345 (0,002) | ||
TERN | 1 | 1 | ||||
6º | TENQ-A | 0,372 (0,002) | 0,572 (<0,001) | 0,414 (0,001) | 0,317 (0,009) | |
TENQ-E | 1 | 0,454 (<0,001) | 1 | 0,174 (0,162) | ||
TERN | 1 | 1 |
TENQ-A/TENQ-E: Teste de Estimativa Numérica de Quantidades para itens Aglomerados/Espaçados; TERN: Teste de Estimativa na Reta Numérica; TDE: Teste de Desempenho Escolar (sub-teste de aritmética).
Na Tabela 2 indicou-se em negrito as correlações, para facilitar a leitura dos dados apresentados: as correlações fracas (menores que 0,3) que ocorrem individualmente, na escola particular ou na escola pública. As correlações positivas, mesmo que moderadas, sugerem ou que ambas as tarefas demandam algumas funções cognitivas semelhantes, ou que estão relacionadas com outras habilidades que não foram medidas neste estudo, mas que podem vir a ser em estudos futuros.
Analisando as correlações encontradas, verificou-se que elas ocorrem unicamente de maneira fraca ou moderada, ou seja, não há forte correlação entre os instrumentos. Separadamente, por escala e por ano escolar, destacou-se, na escala 20, correlação entre TENQ-A e TERN no 5º ano da escola pública. Entretanto, as escalas 10 e 20 pouco mostram sobre uma possível correlação entre os instrumentos, demonstrando, talvez, serem escalas que permitam estimativas mais intuitivas em todas as tarefas.
Quando comparada às demais escalas, a escala 100 é a que pode trazer maior quantidade de correlações entre os instrumentos e, em sua maioria, correlações concordantes em ambas as escolas. Em síntese, tanto na escola pública quanto na escola particular obteve-se correlação moderada no 5º ano entre TENQ-E e TERN. E, no 6º ano, obteve-se correlação positiva entre TERN e TENQ-A. Na escola pública, ainda se correlaciona TERN e TENQ-E no 6º ano. Resumindo, em E100 obteve-se diversas correlações, porém distintas para 5º e 6º anos.
Pode-se sugerir que habilidades de estimativa para itens aglomerados e, portanto, de fácil contagem multiplicativa, estão relacionadas a habilidades de estimativa de itens aleatoriamente distribuídos em uma grade e a posicionar números em uma reta numérica para os dois anos estudados. Estes achados revelam que padrões de diferenças individuais e de desenvolvimento também estão presentes em tarefas numéricas de estimativa.
Discussão
Este é um estudo populacional quantitativo e comparativo realizado com crianças do 5º e 6º anos, em duas escolas, uma pública e uma privada, em que se analisa a precisão das estimativas das crianças em duas tarefas: uma exige a estimativa de quantidades de itens em um conjunto, e a outra exige a estimativa da posição de números em uma reta numérica, nas situações em que são controlados os valores a serem estimados e a escala numérica.
Tanto o Teste de Estimativa na Reta Numérica (TERN) quanto o Teste de Estimativa Numérica de Quantidades (TENQ) são de interesse para esse estudo, pois trabalham com a representação simbólica e não simbólica do número, sem exigir conhecimento específico de unidades de medida, por exemplo. Entretanto, como já discutido, nem por isso podem ser consideradas medidas puras de estimativa, já que outros fatores, como habilidades viso-espaciais e familiaridade das crianças com números podem estar fortemente relacionadas às habilidades de estimativa. Se esses testes revelassem uma medida pura, seus resultados não seriam influenciados por outras variáveis e habilidades. Ou seja, a estimativa numérica pode até ser uma boa medida de representação interna, mas não é pura, pois é influenciada por outras habilidades.
No Brasil, a discriminação de quantidades discretas é uma atividade amplamente realizada para a compreensão numérica inicial e introdução de operações matemáticas, e, talvez por isso, as crianças tenham apresentado maior precisão no TENQ quando comparada à outra tarefa de estimativa. Ao contrário de Siegler e Opfer (2003) que, para seus estudos, consideraram a atividade de estimativa na reta numérica de alta validade ecológica, já que as crianças estariam familiarizadas com a reta numérica, ainda nos primeiros anos de educação formal.
Nesse estudo, encontrou-se que a precisão obtida no TENQ é sempre melhor do que a obtida no TERN, em qualquer variação (aglomerado ou espaçado), em qualquer escala e em qualquer escola, discordando de achados anteriores de Dorneles et al. (2017) para alunos de 2º e 3º anos, sendo este, até onde se sabe, o único estudo que buscou comparar o desempenho em duas tarefas de estimativa numérica. Para ambas as tarefas, pode considerar-se que as crianças são relativamente familiarizadas com as habilidades básicas necessárias para sua compreensão, como o sistema numérico no intervalo especificado e raciocínio proporcional para posicionar números na reta numérica e deduções multiplicativas entre as linhas e colunas das matrizes apresentadas.
Como já destacado em estudo anterior de Dorneles et al. (2017), para tentar explicar essas diferenças encontradas nos diferentes testes de estimativa, pode-se destacar os seguintes fatores: (1) o TERN exige uma transposição de um conhecimento numérico (simbólico e discreto) para uma posição em uma linha (conhecimento numérico não simbólico e contínuo), enquanto que o TENQ requer a transposição de uma estimativa perceptiva (não simbólica) a um conhecimento numérico simbólico; (2) no TENQ, na situação de itens espaçados, não é possibilitado à criança realizar contagem discreta dos itens (também em virtude do tempo de apresentação), ao contrário do que ocorre na situação de itens aglomerados, em que, assim como no TERN as crianças podem tentar uma representação de quantidade discreta, por estratégias multiplicativas. Contudo, considerando os resultados deste estudo, pode-se dizer que ambas as tarefas trazem medidas relevantes de estimativa numérica, e que se encontram correlacionadas entre si, quando algumas habilidades estão envolvidas.
Considerações finais
Este estudo teve como objetivo verificar em qual das tarefas de estimativa os estudantes de 5º e 6º anos são mais precisos, considerando as diferentes escalas e dois diferentes instrumentos de avaliação da estimativa. Para alcançar esse objetivo foi comparada a precisão de crianças em duas tarefas de estimativa: Teste de Estimativa de Quantidades e Teste de Estimativa na Reta Numérica, variando o intervalo numérico e a densidade de pontos. A hipótese principal era que as crianças seriam mais precisas na tarefa de estimativa de quantidades quando comparada à tarefa de estimativa na reta numérica, o que se mostrou verdadeiro. Essa suposição foi gerada a partir da constatação de que a reta numérica é um instrumento pouco utilizado nas escolas brasileiras, enquanto a quantificação de elementos é bastante difundida, em especial nos anos iniciais. Após analisados os resultados, essa hipótese foi confirmada. Os resultados deste estudo indicaram que as duas tarefas possuem diferentes médias de precisão e, por isso, pode-se supor que exijam diferentes funções cognitivas para sua execução.
Para posteriores réplicas destes testes, sugere-se ampliação da quantidade de diferentes valores testados, sendo que, neste estudo, apenas oito números foram estimados em ambas as tarefas. Também se ressalta a diferença entre os tempos dados para a realização de cada teste, sendo poucos segundos (1 a 10) para cada tarefa do TENQ, 30 segundos para cada tarefa do TERN. Esse também pode ter sido um fator influenciador nos resultados encontrados.
Sobre a reta numérica, a partir dos mais diversos estudos existentes e discutidos aqui, considera-se que ela possa ser uma ferramenta útil para melhorar a compreensão numérica. Além disso, fornecer feedback sobre locais reais dos números pode aumentar a compreensão do sistema decimal e a dependência de representações lineares de números, o que pode favorecer o estabelecimento de estimativas mais precisas. Assim, a experiência com a estimativa na reta numérica pode ajudar as crianças a compreender o significado dos números.
A estimativa de pontos em um conjunto pode apresentar diferentes vantagens matemáticas. Quando dispostos em uma matriz, podem sugerir que as crianças elaborem conceitos intuitivos de área relacionando a quantidade de linhas e colunas da matriz. Em outra perspectiva, quando estes itens são aleatoriamente distribuídos, algumas estratégias de contagem precisam ser ativadas. Em especial, estas estratégias são de grande utilidade no cotidiano e em muitas situações substituem a contagem exata.