Introdução
Para explorar como o PBL pode renovar a pedagogia, colocando as e os jovens no centro da relação pedagógica de construção do saber com realização de direitos, ou seja, permitindo compreender articulações da educação com o exercício da cidadania educacional, neste artigo abordam-se os pressupostos teórico-políticos do conceito de cidadania educacional jovem ( MACEDO; ARAÚJO, 2014; MACEDO, 2018). Esta cruza os “direitos pedagógicos” democráticos de “participação, inclusão e realização de si” ( BERNSTEIN, 1996; 2000) com os conceitos de reconhecimento ( LYNCH; LODGE, 2002), inclusão ( YOUNG, 2000) e interdependência ( LISTER, 1997, 2007). A “cidadania educacional de direitos” expressa e reconhece a voz das e dos jovens na e através da cultura escolar, bem como a reflexividade e ação nos seus contextos; a “cidadania educacional do saber” centra-se no direito ao saber, com participação na sua construção e definição ( MACEDO, 2018).
A participação coletiva na construção do saber ( FREIRE, 1999) por parte das pessoas jovens é propiciada pela utilização do PBL. Este implementa uma intenção de aprendizagem, ao basear-se numa “pedagogia da pergunta”, que desafia as e os jovens a procurar potenciais soluções. O PBL constitui-se como método e espaço de cidadania educacional, em três etapas: foco na “realidade”, compreensão da “relevância” e criação de “impacto”, que se completam na “reflexividade”. Essas etapas são corporizadas em oito passos complementares, numa abordagem não linear, que exploraremos mais adiante.
Para discutir a possibilidade de criação de espaço para a cidadania educacional jovem, reconhecendo a sua voz, analisam-se relatórios reflexivos de docentes/formadoras/res, notas de terreno da observação participante da implementação de PBL, em contextos educativos, bem como questionários online, respondidos por jovens. Cruzando vozes de docentes e jovens, a análise foca dimensões da cidadania educacional de direitos e do saber: a valorização na e através da cultura escolar, com “expressão e reconhecimento da própria voz”; a “reflexividade e ação jovem sobre os próprios contextos”; e a aprendizagem sociocultural/relacional, com “tomada de decisão na construção e definição do saber”.
Problematizamos desafios no PBL na garantia desses direitos, focando: poder no interior da turma; criação de espaços para a literacia mediática/digital e reflexividade critica, e incremento da participação, motivação e autonomia jovem. São ainda apresentados resultados da avaliação do PBL1 e propostas de mudança pela comunidade educativa. Reflete-se sobre a importância do PBL na reinvenção do currículo e dos papéis de jovens e docentes, sendo as e os primeiros instados a participar ativamente na construção de saberes e nas tomadas de decisão, promovendo a mobilização para as aprendizagens; e assumindo docentes/formadores/as uma nova profissionalidade, enquanto facilitadores.
Cidadania educacional jovem: pressupostos teórico-políticos
Focar o modo como a Aprendizagem Baseada na Resolução de Problemas (tradução do original Problem Based Learning – PBL) coloca as e os jovens no centro da relação pedagógica de construção do saber com realização de direitos, permite compreender articulações da educação com o exercício da cidadania educacional –renovação pedagógica, que pode provocar participação (iniciativa, tomada de decisão e relação solidária).
À luz da Convenção dos Direitos da Criança ( UNICEF, 2019 [1989]), reconhecem-se as responsabilidades sistémicas institucionais na garantia de direitos. Para Bernstein (1996 2000) os “direitos pedagógicos democráticos” deveriam ser garantidos pela escola através da pedagogia – papel muitas vezes aquém de realizado. A cidadania educacional desvia o foco da pedagogia para as e os sujeitos – as pessoas jovens ( MACEDO, 2018), cruzando a proposta bernesteiniana dos direitos de participação, inclusão e realização de si com reivindicações de reconhecimento ( LYNCH; LODGE, 2002), inclusão ( YOUNG, 2000) e interdependência ( LISTER, 2007), permitindo acentuar o papel das pessoas jovens na construção e reivindicação de direitos. Como direito político e oportunidade ( LYNCH; LODGE, 2002), a cidadania educacional advoga que as pessoas jovens são autoras da sua construção, a partir da sua voz.
Inspirando-se na “voz” da “tradição epistemológica-metodológica feminista” ( ARNOT, 2006, p. 406), “voz” representa a história, experiência, modos de saber e conhecer, valores e identidades, significações e expectativas face ao mundo das pessoas jovens. Dá lugar à asserção de si enquanto seres únicos ( BERNSTEIN, 1996; 2000) e como membros de um grupo social, pautado pela heterogeneidade intragrupal ( YOUNG, 1997). Na voz, “expressão” e “legitimação” permitem corporizar “ação” ( MACEDO, 2018). Esta visão sociológica da voz, enquanto história experiência, visões e expectativas face ao mundo de grupos particulares, incorpora-se, e vai além, da visão do Conselho Nacional de Educação ( CNE, 2021), acerca da voz enquanto direito de expressão e de reconhecimento com potencial para a melhoria da escola, enquanto organização, dos processos de aprendizagem, da “formação de professores e de outros agentes educativos” (p. 82). Assim, para além desses aspectos, de uma visão mais instrumental, patente nos estudos da escola, que emergiram no Reino Unido nos anos 1990, foca, mais diretamente, o exercício do direito de cidadania pelas cidadãs e cidadãos que constituem este grupo, atendendo aos benefícios da sua participação para a melhoria das suas vidas e experiências na – e para além da – escola.
Particularmente desde a década de 1990, discute-se a cidadania de crianças e jovens como tempo de direito e de direitos ( ELLIS, 2004; FRANCE, 1998; HALL; WILLIAMSON; COFFEY, 2000; FERREIRA, 2004; NUTBROWN; CLOUGH, 2009). Assume-se o poder jovem para agir na construção de cidadania, cabendo ao mundo adulto – instituições educativas, em particular – criar espaço para que essa construção cidadã aconteça. Como cidadã/os em cada momento das suas vidas, as pessoas jovens têm direito à auto narração, participação, tomada de decisão e controlo da ação numa articulação solidária com o mundo ( MACEDO, 2009a).
No entretecer de contextos distintos e contraditórios, a afirmação de cidadanias jovens pode assumir dimensões contraditórias, na tensão entre dependência e independência ( MACEDO, 2018). Uma “interdependência genuína” ( LISTER, 1997) “na” e “através da” pedagogia, e em exercício de cidadania, poderá diminuir o conflito entre contextos e entre formulações individuais, facilitando a construção partilhada de significados que não subordina, antes expande, a construção pessoal “mediatizada pelo mundo” ( FREIRE, 1999).
Emergindo do diálogo entre formulação teórica e escuta das vozes, a “cidadania educacional de direitos” corresponde a: desenvolvimento de um sentimento de pertença e de reconhecimento “na” e “através da” cultura escolar; parceria com o mundo adulto através da participação na coconstrução, comanutenção e cotransformação da vida escolar; e realização do potencial individual e mais além, pela interação. A “cidadania educacional do saber” desenvolve o direito de participação ( BERNSTEIN, 1996), focando o direito ao saber, com participação na sua construção e definição. Inclusão, reconhecimento e interdependência são condições para a pedagogia como espaço de exercício de direitos centrados nas e nos sujeitos e nas suas relações, e no saber. A cidadania educacional manifesta-se num vaivém entre a criação de espaços pelas instituições e a ação jovem na apropriação desses espaços para exercer cidadania. Implica atenção pelas instituições à valorização e reclamação de direitos, incluindo na definição e construção do saber. Isto supõe ser ouvido/a, reconhecido/a e poder refletir e agir nos contextos de vida. É esse espaço que o currículo “com” PBL pode criar, permitindo chamar cada jovem à escola “para participar colectivamente da construção de um saber, que vai além do saber de pura experiência feito, que leve em conta as suas necessidades e o torne instrumento de luta, possibilitando-lhe transformar-se em sujeito da sua própria história” ( FREIRE, 1999, p. 16).
Pode reportar-se o PBL aos anos 1960, como adaptação da universidade à intensificação da tecnologização da medicina e à expansão dos cuidados de saúde ( AYALA; KOCH; MESSING, 2019) ou aos anos 1970 ( CHECKLEY, 1997), situando a história do método na abordagem dialética socrática de pergunta-resposta, na dialética hegeliana, ou na abordagem de Dewey ( RHEM, 1998) 3. Vasconcelos e Almeida ( 2012, p. 4) associam este método à “teoria sociocultural de Vygotsky”. Esta visão é reforçada, e associada às teorias da aprendizagem colaborativa, por Skinner, Braunack-Mayer e Winning (2015) no que concerne ao papel do grupo. No campo das Ciências da Educação, Cosme (2018) refere o PBL como instrumento que poderá estimular as e os docentes a apropriar o currículo de forma implicada e inovadora, no âmbito da Autonomia e Flexibilidade Curricular ( PORTUGAL, 2018). Entenda-se a autonomia como processo fluído, em construção e maturação a partir de experiências “estimuladoras da decisão e da responsabilidade, […] respeitosas da liberdade” ( FREIRE, 1997, p. 120–121).
A pesquisa sobre PBL tem focado: teoria, relatos estudantis como ponto de partida para a aprendizagem; cognição e linguagem, construção de conhecimento e negociação de significados; relações entre interações estudantis e resultados da aprendizagem ( AYALA; KOCH; MESSING, 2019), havendo uma lacuna relativa às atividades e dinâmicas relacionais da aprendizagem em grupo. No PBL, as e os estudantes trabalham em conjunto um problema (causa ou questão), organizam ideias, recolhem informações, definem a natureza do problema e metas de aprendizagem, propondo formas de ação ( AYALA; MESSING; TORO, 2011). No entanto, como enfatizam, o grande objetivo do PBL não é resolver o problema, mas implementar uma intenção de aprendizagem. O PBL surge como pretexto para aprender de outra forma, trazendo novas dimensões à construção relacional do conhecimento. Holen (2000) referia a importância da vida social na orientação da aprendizagem – orientação que é em si aprendizagem e não apenas contexto. Como também refere, é importante que as e os estudantes trabalhem em conjunto durante um período significativo que permita desenvolver modos relacionais específicos à equipa, garantindo o valor acrescentado do PBL em relação a métodos convencionais. Vasconcelos e Almeida (2012) assumem que a mediação das aprendizagens pelo corpo docente é crucial para o sucesso desta metodologia. Exploramos estes aspectos em torno da cidadania educacional.
Na medida em que permite às e aos jovens questionar e repensar o seu lugar como estudantes na autoria do conhecimento e da construção de si como sujeitos, o PBL abandona a pedagogia transmissiva – pedagogia da resposta, que deposita conhecimento acabado em estudantes passivos e recetivos; centra-se na “pedagogia da pergunta” da tomada de consciência ( FREIRE; FAUNDEZ, 1998); permite relacionar essa “pedagogia libertadora” com a cidadania educacional jovem; desafiando as e os jovens a procurar respostas para problemas pouco delineados, acentua a dimensão social da aprendizagem, desocultando relações de poder. Essa atenção às desigualdades de poder implica garantir espaço para que todas as vozes se manifestem e impedir que apenas as “vozes poderosas” ( MACEDO, 2009a, 2009b), seguras e familiarizadas com a cultura escolar, saiam reforçadas. Enquanto “pedagogia da pergunta” o PBL aposta na construção de cumplicidades entre poderes e na construção de saberes “com” vozes jovens.
Vasconcelos e Almeida (2012) dão relevo ao valor do foco na investigação – planear e executar um conjunto de atividades – que permite uma compreensão mais ampla da ciência e da sua construção. Para além disso, afirmam como vantagem a centralidade das e dos alunos que resulta, como referia Barrows e colegas, nos anos 1970, da criação de “cenários do quotidiano” que estimulam a exploração de questões igualmente estimulantes através do aprofundamento dos saberes ( CHECKLEY, 1997).
Fazer e investigar sobre o fazer ( FREIRE, 2018 [1968]) permite identificar o PBL enquanto modo relacional de desenvolvimento do currículo, embebido de uma complexidade de articulações, que cria lugar para a escola “como centro de produção sistemática de conhecimento, […] trabalhar criticamente a inteligibilidade das coisas e dos fatos e a sua comunicabilidade” ( FREIRE, 1997, p. 140). Concretamente,
[…] uma pedagogia crítico-dialógica [...] a apreensão crítica do conhecimento significativo através da relação dialógica. [...] onde se propõe a construção do conhecimento colectivo, articulando o saber popular e o saber crítico, científico, mediados pelas experiências no mundo.
Trata-se de assumir que a qualidade de uma escola não deve ser medida exclusivamente pelo sucesso educativo das e dos alunos ( NADA et al., 2020 ), importando a construção de um ambiente de aprendizagem relevante e significativo ( BERNSTEIN, 1996 ; 2000; MAGEN-NAGAR; SHACHAR, 2017 apudNADA et al., 2020 ).
O PBL enquanto método e espaço de cidadania educacional
Em termos metodológicos, assumiu-se uma abordagem qualitativa “interpretativista”, que acentua a múltipla interpretação, interpelação e intersubjetividade na produção, recolha e análise de dados ( MACEDO, 2018). O artigo analisa a implementação do PBL, inicialmente presencial, e posteriormente online – através do Teams – devido ao confinamento provocado pela pandemia de Covid-19, que viabilizou a recriação digital da metodologia. Foi realizada uma oficina de formação sobre PBL, com 25 docentes: 36 horas, incluindo 18 para implementação do PBL0 e partilha com as e os colegas dos processos e resultados da implementação, tendo sido elaborados relatórios-reflexivos. Realizaram-se 25 sessões online com três turmas do 10.º ano (uma da escola profissional e duas da secundária). Como prevê esta metodologia, o PBL1 na escola secundária, culminou com a apresentação dos processos e soluções à comunidade ( online) e disseminação no website do agrupamento de escolas; na escola profissional envolveu a comunidade-turma e respetivos docentes. Responderam a um questionário de avaliação online 20 estudantes. Incluiu-se uma checklist de avaliação de competências desenvolvidas, baseada no Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória ( DIREÇÃO-GERAL DA EDUCAÇÃO, 2017). Para cruzar as “polifonias das vozes” ( ARAÚJO, 2007), este artigo suporta-se nos relatórios-reflexivos de docentes (PBL0), nas notas de terreno da observação participante pelas investigadoras, e nas apreciações jovens expressas no questionário online. No total, participaram 22 profissionais (docentes e formadoras), e 75 jovens (3 turmas do 10.º ano). Os dados foram objeto de análise de conteúdo (NVivo 1.4.1).
O PBL, abordagem não linear de complementaridade: três etapas, oito passos
Em termos da realização da cidadania educacional de direitos e do saber, o PBL deve reconhecer as vozes, competências e saberes jovens, tomada de decisão sobre como compreender o problema e o que é (e não é) relevante saber, como condições cruciais à autoria na construção da sua cidadania.
Como modo relacional de desenvolvimento do currículo e pretexto para a construção jovem, o PBL prevê um conjunto de etapas e procedimentos complementares, que é fundamental cumprir, adaptando a implementação a sujeitos concretos em situações concretas, tirando partido da sua voz e da especificidade do contexto. Havendo diversas apropriações, a Figura 1 apresenta três etapas do método.
O diálogo com docentes em formação 4, permitiu introduzir no esquema a dimensão de reflexividade, crítica e revisão transversal, que retroalimenta o desenvolvimento do saber e de construção das pessoas jovens como autoras da sua cidadania educacional, na linha da intervenção investigativa, no cerne da corrente reflexão.
Num primeiro momento, busca-se o foco na “Realidade” em torno de um problema-causa-questão real ou “autêntica” ( STEPIEN; GALLAGHER, 1993), cuja identificação e definição emerge de uma chuva de ideias. A compreensão e definição do problema, que se segue, implica estudo aprofundado, devendo permitir compreender a sua “Relevância” para a comunidade. Trabalhar problemas-causas-questões significativas para a comunidade, incluindo as pessoas jovens como investigadoras, facilita a construção do conhecimento sobre essa realidade, potenciando maior compromisso. Um trabalho de campo sério, num vaivém equipa-indivíduo-equipa/turma, dirige-se à busca de soluções de ação pessoal/da equipa sobre o problema, tanto mais adequadas quão rigoroso o processo de compreensão e definição do problema. Essa ação pode criar “Impacto”. O diálogo com a comunidade local mais ampla constitui um reconhecimento dos itinerários realizados e dos achados, podendo emergir novas questões.
Existindo um guião orientador, deve estimular-se a centralidade jovem nas equipas e na equipa-turma, sendo de evitar tendências de regulação que mitigam a autonomia, reduzindo-a aos procedimentos e à gestão da relação entre pares. Como ilustra a Figura 2, havendo uma sequencialidade quase “natural” no arranque do processo investigativo (1, 2, 3), os passos 4, 5, 6 podem ser desenvolvidos várias vezes em vaivém e outros assumem um caráter mais transversal (7, 8). Pode também ocorrer sobreposição e retoma de passos já realizados, face a desafios emergentes da experiência, numa abordagem permeável ao terreno e sujeitos da implementação.
No passo 1, para “conhecer o problema-causa-questão” a ideia de partida é intencionalmente mal definida, deixando espaço para investigação minuciosa, a partir das vozes jovens. No passo 2, na equipa-turma, face ao “que já sabemos”, ou que pensamos saber, importa apurar a distinção entre factos e opiniões, verificando as fontes e a sua legitimidade. Passa-se, no passo 3, a “questionar o que precisamos de saber” sobre o problema-causa-questão, as suas causas, pessoas e entidades envolvidas etc. Nas equipas e face aos seus interesses/saberes/competências, trata-se, no passo 4, de “planear a organização da pesquisa”, numa tomada de decisão dialógica. Este plano pode conter questões como: onde/ como/ quando/ “com quem” poderemos encontrar informações? O passo 5, face ao plano da equipa, supõe “pesquisar individualmente” na construção do próprio saber, com consulta online ou/e em documentos e estudos, visitas in loco, registo fotográfico, entrevistas, escuta de áudios, visualização de vídeos, e/ou outros, pensados por estudantes e repetidos tantas vezes quanto necessário, para uma sistematização pessoal. Esta é partilhada com a equipa, no passo 6, que consiste em “dar conta da pesquisa” à equipa e, depois, à equipa-turma, numa relação de “co-laboração”. Debatem-se processos e resultados e colocam-se novas questões. No passo 7, cabe usar informação para desenvolver soluções”, com incorporação no “produto final”. Este “produto” – a proposta de solução – tem uma base concetual, não tendo que corresponder a uma construção material, que aproximaria o PBL do Project-Based Learning. “Refletir sobre o processo de resolução de problemas” (passo 8) incorpora a discussão, ao longo do processo, nas e entre equipas para aferir procedimentos e achados, e reajustar “soluções”, e atinge o clímax na apresentação à comunidade. Num PBL posterior, as soluções encontradas poderão passar a ser os novos problemas[…] “como se poderia implementar essa solução?”.
A avaliação no PBL tem sido objeto de controvérsia, na tensão entre avaliar e não avaliar, e o que avaliar. A opção por uma avaliação formativa, ao longo do processo, como oportunidade para aprendizagem, é a mais adequada por retroalimentar o próprio processo e as aprendizagens decorrentes.
Vozes profissionais, jovens e de investigação na coconstrução de espaços de cidadania educacional
Na análise dos relatórios-reflexivos e das notas de terreno sobre a implementação de PBL, em contextos educativos em que jovens, docentes e investigadoras coconstruíram espaços de afirmação de cidadania educacional, focam-se direitos jovens de “inclusão” –pertença e reconhecimento “pela” e “na” cultura escolar; “participação” – parceria na coconstrução, comanutenção e cotransformação da vida escolar e “realização de si” – realização do potencial de cada jovem. Buscam-se sentidos das experiências de aproximação das e dos jovens à cidadania, tecendo diálogos. Estando os materiais categorizados por unidades de sentido, numa relação direta com os direitos em debate, reconhece-se a interdependência entre direitos.
Valorização “ na” e “ através da” cultura escolar: expressão e reconhecimento da própria voz
Um estudante afirma que a equipa considera haver benefício na exploração do tema “apoio extra a estudantes”, remetendo para um diálogo em que a expressão da heterogeneidade das vozes conduziu à tomada de decisão. Isto permite dar visibilidade à polifonia das vozes na equipa e à negociação na resolução de problemas: “Fizemos uma análise e, em grupo, conseguimos tirar diferentes conclusões para no futuro fazermos um bom trabalho” (Miguel, NT, ES1, 19.05.2020).
Na “busca de solução”, passo intermédio do PBL, um jovem enfatiza a necessidade de definir estratégias de apoio institucional às e aos estudantes, busca da solução, como passo intermédio do PBL, dizendo: “[…] como o podíamos implementar no dia a dia de cada estudante para melhoria do seu percurso académico?” (Miguel, NT, ESE1, 19.05.2020).
Em conversa a cinco, em que se discutem achegas e dúvidas, reproduzem-se modelos de liderança vertical, aprendidos numa abordagem educativa mais convencional, levando à necessidade de esclarecimento: “Não temos o nosso líder!” (Ana, NT, ESE1, 19.05.2020). O equívoco permitiu esclarecer que a liderança no PBL não cabe a um elemento específico, mas se centra numa modalidade de lideranças partilhadas.
Mostrando preocupações com a participação, as e os docentes salientaram o direito das pessoas jovens a serem ouvidas, como potenciador da autonomia nas aprendizagens e do aprofundamento de uma cultura de proximidade, entre jovens e com docentes:
Apesar de desafiante, gostei de me sentar apenas com eles [jovens], ouvindo as suas razões, reconhecendo novas capacidades e competências até então não reveladas [...]. Caminhar ao lado deles, e não à sua frente, deu-me tempo para os rever noutros papéis, diferentes do habitual, confirmando que em novas situações se revelam diferentes alunos.
(Mariana, docente, ES2).
A observação das equipas evidenciou que as e os jovens têm algo a dizer sobre as condições que afetam as suas vidas, reclamando ser “ouvidas” e “reconhecidas” como parceiras – assumindo o direito de participação.
Abordar problemas reais como cidadã/os: reflexividade e ação jovem sobre os seus contextos
Evidenciando a diversidade das vozes, entre as problemas-causas-questões identificados pelos grupos, nas instituições educativas envolvidas no projeto, surgem exemplos que vão desde a preocupação com a falta de caixotes de lixo, na cidade, à busca de construção de casas e salas de aula sustentáveis, à procura de uma máquina mais ergonómica que facilite o desenho 3D de equipamento em metal, ao investimento em bitcoins, à explicitação do conceito de família e das novas famílias, à face sobrecarga dos conteúdos curriculares; problemas face aos quais os grupos desenvolveram investigação e propuseram soluções.
Numa sessão de PBL, uma equipa explorou o tema que a equipa-turma designou “sobrecarga dos conteúdos curriculares”.
Uma jovem afirma que na educação há um foco na quantidade de conteúdos estudados e não na qualidade das aprendizagens e na compreensão das matérias. Afirma ainda que na escola “apelam para um futuro trabalhador”.
(NT, ES1, 12.05.20201).
Acerca do processo educativo, afirma-se a importância da articulação com a realidade no reforço da cidadania: “O facto de esta metodologia exigir que os alunos trabalhem um problema real, que concretamente […] dizia respeito à vida deles, contribuiu para a transformação das suas práticas cidadãs” (José, docente, ES2).
O debate entre jovens permite inferir a sua capacidade para refletir sobre os seus contextos, como exercício de cidadania educacional, no cruzamento com um dos passos fundamentais do PBL – a distinção entre factos e opiniões (NT4). Permite, também, evidenciar o cruzamento entre direitos.
Tendo em conta ainda a dimensão de “reflexividade e ação nos contextos de vida”, considera-se ação quer a tomada de palavra, quer as soluções que as e os jovens construíram para os problemas definidos. Durante a observação, foi possível registar a reflexividade jovem acerca do “ofício de aluno/” a e de docente, antecipando uma profissionalidade “outra”. Foi o caso de uma das equipas, que se debruçou sobre a relação pedagógica. Não tendo apontado soluções concretas, as e os jovens foram dando opiniões e, em conjunto, questionaram-se sobre interação, estímulo para a aprendizagem e avaliação:
— Dinamismo [na sala de aula], como é que influencia a comunidade escolar? – diz uma das colegas.
— Se não houver dinamismo não há tanta atenção nem apreensão de conhecimentos.
— Facilita o trabalho do professor.
(NT, ES1, 26.05.2020).
A jovem levanta ainda outra questão, continuando no papel de liderança no debate:
— Quais foram as principais alterações com o ensino a distância?
— Muito diferente [ online]. A concentração dos alunos, interfere… distraem-se mais.
— Mais aborrecido para os alunos. Há professores que não ligam a câmara e só falam.
— As avaliações. Não há testes e é mais complicado avaliar.
— É diferente no acompanhamento, porque não estamos com os ’stores.
— Os exercícios são os testes… permite mais copianço. O professor assim não tem noção de quem está a trabalhar.
(NT, ES1, 26.05.2020).
É de notar, tomando este excerto do debate como exemplo, que em vários momentos as pessoas jovens parecem retomar as vozes das e dos docentes, expressando-as como suas. Este aspeto revela a interpelação e interdependência no processo educativo. Tal como atrás se referiu, trata-se da assunção das “vozes poderosas” em presença, neste caso, as vozes das e dos docentes. Por outro lado, para as e os docentes a participação e o envolvimento jovem na “reflexão e ação”, no âmbito da resolução de problemas identificados, são potenciados no PBL pelo desenvolvimento de competências, como a tomada de consciência sobre questões da atualidade:
Os alunos envolveram-se em todas as tarefas, produziram suportes muito apelativos que despertaram a atenção deles próprios e da restante comunidade. Um dos aspectos a salientar é o crescimento da capacidade de autonomia nos alunos, que passaram de um quase total desconhecimento dos direitos humanos e das suas implicações [...] a um conhecimento que, no final, lhes permitiu quase que dispensar a intervenção direta dos professores. Isto deveu-se ao facto de esta metodologia proporcionar o exercício da sua liberdade e a realização de escolhas [...], ou seja, responsabilizar-se por elas.
(José, docente, ES2).
Aprendizagem sociocultural e relacional com tomada de decisão na construção e definição do saber
No que respeita à participação na construção e definição do saber, interessam não só os conteúdos explorados, mas também os instrumentos mobilizados pelas e pelos jovens. Interessam ainda os processos de aprendizagem sociocultural e relacional que a construção do saber envolve, nomeadamente na tomada de decisão em equipa e com docentes. Esta visão alicerça-se numa ideia difundida pela Unesco (1998) sobre as “quatro vias do saber” ou “pilares do conhecimento”: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser. É nesta linha e tendo em conta os processos implementados, que afirmamos o caráter holístico das aprendizagens e da construção do saber, “dado que existem entre elas múltiplos pontos de contato, de relacionamento e de permuta” (p. 90).
Indicia-se a construção do saber a partir da re-significação de aprendizagens anteriores. A conjugação de uma relação pedagógica baseada na pergunta e nas experiências do vivido, bem como a interação de diferentes módulos do plano de estudos, parecem apontar “a recusa da especialização das esferas” de aprendizagem. A proposta de projeto, numa escola profissional, curricularmente assumida como interdisciplinar, foi articulada com o PBL, potenciando a reafirmação do papel da escola na construção transversal do saber, incluindo a aprendizagem de “como viver lado a lado com outras pessoas, de onde quer que venham” ( DELORS, 2013, p. 329). Docentes e estudantes foram desafiados a desempenhar papéis distintos, o que possibilita abertura à mudança e melhoria do ensino-aprendizagem, com aumento da literacia mediática e digital jovem.
A dinâmica da sessão assentou numa pedagogia centrada na pergunta, em que de forma dedutiva e retomando experiências de aprendizagem anteriores, a docente parte das vozes das e dos jovens para retomar conteúdos já explorados. O recurso sistemático à pergunta e a memórias de imagens, arquitetos, construções, entre outros conceitos e ideias, que tinham visto em conjunto, gerou um clima de construção de ideias que informaram a pesquisa das equipas PBL. Disse um jovem à docente: “Podia substituir outras disciplinas!”. A docente responde: “Todas as disciplinas são importantes. O conhecimento é transversal”.
(NT, EP, 21.05.2020).
Tendo os comentários das e dos docentes permitido acentuar o lugar do PBL enquanto espaço de cidadania educacional, não deixaram também de mencionar as dificuldades sentidas na implementação, nomeadamente, a pressão para cumprir o programa da disciplina, a preparação para os exames nacionais, como limitação à participação jovem na construção e definição do saber. Por outro lado, evidencia-se a assunção de uma profissionalidade “outra” com perda de centralidade no ensino-aprendizagem, ou seja, que estimula mudança, agora como facilitadora das aprendizagens:
Por vezes, fui chamada a apoiar decisões, obrigando-me a omitir a minha opinião pessoal, direcionando-lhes apenas questões que os ajudassem a perceber, por si, qual o melhor caminho. Esta capacidade de não formular juízos ou de não partilhar demasiada informação não foi de todo fácil, levou-me a assumir uma postura muito mais reservada, discreta mesmo. O centro da aprendizagem não foi veiculado por mim, mas de um modo bastante indireto apenas mediado e induzido pela própria dinâmica do método.
(Mariana, docente, ES2).
Desafios à garantia de direitos de cidadania educacional: três dimensões
O PBL pode constituir espaço de construção da cidadania educacional jovem, em três dimensões. Pode dar lugar: i) à “expressão e reconhecimento das suas vozes”, ii) à “reflexão e ação das pessoas jovens sobre os próprios contextos de vida”, e iii) à ’participação na construção e definição do saber”. Mas, o PBL coloca também desafios à garantia de direitos de cidadania educacional, no interior destas dimensões, para que alertamos, em seguida, trazendo à colocação as vozes de protagonistas, em discurso direto, e dialogando com elas.
Relações de poder entre vozes: desafio identificado na primeira dimensão – “expressão e reconhecimento da voz das pessoas jovens”
Já afirmámos aspectos positivos como a promoção da heterogeneidade das vozes, negociação na resolução de problemas, partilha de lideranças, a ser ouvido/a como potenciador da autonomia nas aprendizagens e da cultura de proximidade entre docentes e jovens na escola; e reclamação do direito de participação. Mas, nos relatórios-reflexivos docentes destacam questões de poder no interior da turma, como relações de liderança em que se afirmam vozes poderosas ( MACEDO, 2009a; 2009b) de jovens que se sentem em casa face à cultura escolar, o que pode reduzir a expressão de outras vozes e a falta de reconhecimento de outras visões do mundo por parte de algumas pessoas jovens, numa dualização hierarquizada entre vozes poderosas e em falta de poder; situações de passividade nas aulas e no trabalho em equipa, que poderão dizer respeito a menor adesão ao método, à relações entre pares, condições singulares de vida ou outros aspectos.
Nesta linha de preocupação, as e os docentes afirmam que o PBL levou ao questionamento deste tipo de interação e à tomada de consciência sobre a necessidade de promoção do respeito, “tolerância” e aceitação das diversas vozes. Embora o padrão de aparente falta de reconhecimento, da aula mais convencional, se pareça repetir sobretudo nas sessões iniciais de PBL, estas permitem a expressão de outras vozes, anteriormente silenciadas em duas formas distintas e, por vezes, complementares: auto silenciadas, por falta de investimento na relação social, como estratégia de gestão do conflito, ou outras questões; e/ou vozes hétero silenciadas no quadro de relações de poder diferencial entre pares ou na regulação adulta ( MACEDO, 2018):
Em certas equipas foi muito expressivo o desequilíbrio de competências, noutras, vários alunos queriam assumir a liderança por serem empenhados e considerarem que a sua opinião ou ideia é “mais” válida, porque geralmente é reconhecido como “bom aluno” e por isso deve ser seguida. [...] Alguns que passavam mais discretos em aula perceberam que nesta experiência a sua voz era muito válida e deixaram de ter receio em participar, outros adotaram uma postura de submissão e seguiam as orientações do líder.
(Iva, docente, EP2).
A não distinção entre factos e opiniões e a literacia digital: desafio identificado na segunda dimensão – “reflexão e ação sobre os seus contextos de vida”
Quanto à segunda dimensão, argumentámos já que o PBL permite que as pessoas jovens reclamem espaço para a autorrealização enquanto estudantes e cidadãs, reflitam criticamente sobre o processo educativo, articulando as aprendizagens com problemas da vida real, que lhes fazem sentido. Isto implica transformação da experiência educativa como prática de cidadania, incluindo a tomada de consciência sobre problemas da atualidade, contribuindo para a distinção entre factos e opiniões. Ainda assim, algumas e alguns jovens revelaram alguma dificuldade nesta distinção, sobretudo relativa à informação encontrada na internet. Isto indica a necessidade de criação de mais espaços para a “literacia digital” ( OECD, 2019) jovem – ainda mais num tempo de ampla expansão da digitalização nos contextos pedagógicos; implica também maior investimento da escola na construção das reflexividades jovens, ambos como lugar de expressão das suas vozes.
Falta de inclusão de grupos em posições mais frágeis: desafio identificado na terceira dimensão – “participação na construção e definição do saber”
Na terceira dimensão, acentuamos que o PBL propicia participação, incentivando a tomada de decisão em equipa e com docentes, centrando a pedagogia na pergunta e abrindo caminho a uma nova profissionalidade docente. No entanto, alguns e algumas estudantes que, de acordo com as e os docentes, já demonstrariam desmotivação nas aulas regulares, revelaram-na também no PBL. As e os docentes apontaram dificuldades por vezes ultrapassadas, de um número limitado de jovens, com assunção de individualismo, insegurança, falta de participação e de reflexividade crítica e/ou autonomia, bem como na gestão do tempo. Nestes casos, o PBL poderá não ter produzido o desejável efeito mobilizador, ou o grupo jovem, frequentemente objeto de estigmatização – dada a representação social negativa sobre os cursos profissionais e as pessoas que os frequentam – poderá não ter ainda adquirido o empoderamento necessário para a potencial exposição a críticas. Como refere Mariana (docente, ESE2):
Foi complicado superar a resistência que manifestaram em apresentar, expor, as suas ideias e propostas a outros alunos fora da sua turma. A conquista de um pequeno grupo de corajosos para a primeira sessão, valeu-me a mudança na sua predisposição para os encontros seguintes.
Parecendo manter-se e reproduzir a visão negativa acerca de um curso profissional numa escola secundária, a mesma docente retrata como “complexo de inferioridade” aquilo que poderíamos assumir como a inculcação de estigma e de desvalorização destas e destes estudantes, inclusivamente pelas e pelos docentes:
O complexo de inferioridade, do ponto de vista académico, latente nestes alunos constrange a sua postura e sua interação com os restantes colegas da escola, tornando-os avessos a relacionamentos fora do seu curso. Apesar desta atitude de inércia generalizada, os alunos levaram até ao fim o projeto, chegaram a soluções, expuseram as suas propostas e ainda foram capazes de apoiar os colegas da outra turma, numa bonita partilha de competências tecnológicas que puderam demonstrar aos seus pares.
(Mariana, docente, ES2).
Pode admitir-se que esta cultura de desvalorização pode levar as e os jovens a assumir-se em negação de si, mitigando a cidadania educacional, e reconhecendo-se em menoridade, como objetos – em desumanização ( FREIRE, 1999). No entanto, como experiência de investigação muito relevante, o diálogo aberto entre jovens permitiu a tomada de consciência. Neste enquadramento de reconhecimento, um jovem do ensino regular, reunindo a concordância de outras pessoas jovens, afirma-se contra esta desumanização: “Toda a gente olha para um curso profissional e pensa, sem ofensa, são os burros”, e uma jovem continua ainda a desconstruir preconceitos acerca do curso profissional, afirmando: “Pelo que eu conheço de programação, não é propriamente uma coisa simples!”.
O PBL tem um potencial inclusivo, que necessita de ser trabalhado para contrariar modalidades de socialização estabelecidas em contextos que reproduzem visões cognitivistas do conhecimento, e legitimam – ilegitimamente – as desigualdades sociais. Se não forem tomadas precauções na relação pedagógica de construção do saber, admite-se que o PBL possa reforçar mecanismos de exclusão, no que concerne à reprodução das desigualdades de participação, com reforço das “vozes poderosas” e do silenciamento das vozes “outras”. Evidencia-se a necessidade de estratégias de combate à exclusão e promoção da inclusão, desde logo, na constituição de equipas heterogéneas, com valorização dos saberes em presença, e na reflexividade dialógica sistemática na equipa-turma, e em cada equipa que a constituiu, sobre a importância da escuta, da valorização e de um trabalho colaborativo que crie espaço para a “realização de si” por parte de cada sujeito envolvido. Deste processo poderá advir a construção de um sentido de pertença, em que essa realização de si vá além do potencial individual, para ser ampliada com a equipa. É esta preocupação que se manifesta em seguida:
Uma das alunas, na apresentação final, utilizou o “eu” em detrimento do “nós”. Este facto leva-me a questionar a forma como os grupos se devem estruturar, pois quando são criados pelos alunos estes acabam por escolher os colegas que lhes são mais próximos e sem dúvida que os alunos menos integrados ficam excluídos.
(Ariana, docente, EP2).
Na devolução acerca da implementação do PBL, a maioria das e dos jovens respondentes, afirmaram que o PBL foi ao encontro das suas expectativas. Os aspectos relacionados com a cidadania educacional, avaliados de forma mais positiva, foram a aprendizagem da cooperação em equipa, nomeadamente, na expressão de ideias e opiniões, sem “medo”; maior interação entre docentes e discentes; e participação na construção e definição do saber. Foi referido que “a implementação do PBL é algo que nos ajudou a desenvolver as nossas capacidades de pensar, pesquisar sobre determinado assunto e criticar o mesmo (embora ainda seja preciso melhorar)” (Estudante 1, ES1).
No que respeita às propostas de mudança em futuros processos de PBL, as e os jovens expressaram preferência pelo formato presencial: “gostaria de um trabalho mais prático do que teórico, no sentido de sair às ruas e trabalhar mais com a sociedade” (Estudante 2, ES1); a necessidade de mais formação sobre PBL, mais tempo para aprofundar as questões, e maior apoio na implementação dos passos.
Para terminar...
O PBL permite a reinvenção ativa do currículo, sendo particularmente relevante em temas relacionados com a cidadania. Neste processo de inovação curricular, com flexibilidade e autonomia, os papéis de docentes e jovens são reinventados, na construção de uma pedagogia participativa, que busca desviar o poder das e dos profissionais para as e os jovens, estimulando a construção e expressão da sua voz.
A recontextualização, que adapta o PBL a instituições educativas específicas, e a docentes e jovens possuidores de diversidade e especificidade é fundamental. É nessa medida que o PBL pode oferecer espaço para a “cidadania educacional de direitos” com voz e reconhecimento, tomada de decisão e reflexividade sobre a vida e a realidade de cada pessoa como ser individual e membro de um grupo social específico. O PBL pode também criar lugar para a “cidadania educacional do saber”, no exercício da qual as e os jovens decidem o que é relevante aprender e como devem proceder para construir seu próprio saber.
De acordo com os resultados deste estudo qualitativo interpretativista ( MACEDO, 2018), o PBL mobilizou as e os jovens para as aprendizagens, contribuindo para a sua participação. Dá-se relevo à constituição de equipas heterogéneas, à reflexividade sistemática em cada equipa sobre a importância do trabalho colaborativo, valorizando o que há de melhor em cada pessoa; e ao aumento do número de sessões de formação em PBL. Considerou-se também essencial à construção relacional de significados mais tempo para aprofundar os problemas-causas-questões, maior apoio docente e da equipa de investigação para implementar as etapas do PBL, identificar, (re)definir os problemas-causas-questões iniciais e distinguir entre fatos e opiniões.
Um aspeto de enorme relevância, com implicações na relação pedagógica-relacional de construção do saber, foi a expectativa de que as e os jovens, em equipas de trabalho complementares, assumissem a liderança na compreensão e resolução dos problemas-causas-questões. Outra dimensão a enfatizar foi o desafio às e aos docentes para repensarem a sua profissionalidade, com afastamento do papel de transmissores de conhecimento “acabado”. Esse papel transmissivo, suportado em procedimentos de regulação, permite às e aos docentes manter-se no controlo da situação de aprendizagem, definindo ritmos, tópicos e outras orientações, e retirando poder de controlo às e aos jovens.
Com o PBL as e os profissionais podem dar um passo atrás e tirar partido da experiência anterior para desenvolverem saberes, que lhes permitam posicionar-se como facilitadores da aprendizagem. Mais do que dar direções claras para a construção do saber pelas pessoas jovens, no PBL possibilita-se a emersão das vozes das e dos jovens que constituem as equipas. Isto quer dizer que, as e os profissionais, possuidores de saberes específicos, podem e devem partilhar, como membros da equipa-turma, apoiando a tomada de decisão e os itinerários jovens. Tal postura profissional pode criar o espaço que Bernstein (1996, 2000) reclama da escola enquanto instituição, para a garantia dos “direitos pedagógicos democráticos” através da pedagogia, permitindo a articulação entre reconhecimento de direitos pela escola e exercício de direitos pelas e pelos jovens, como sujeitos dessa pedagogia, no quadro da cidadania educacional. Ao implicar o reconhecimento das e dos jovens-aprendentes como possuidores de saberes e perspetivas, o PBL amplia o lugar de participação jovem na definição e construção do saber, como eixo da realização da cidadania educacional “com” voz.
Além disso, ao fazer recurso a problemas-causas-questões pouco estruturadas o PBL teve, em particular, duas implicações resultantes da pouca definição prévia: estimulou o aprofundamento do problema-causa-questão, com exploração dos seus contornos, dimensões, implicações, entidades e pessoas envolvidas, ações relacionadas etc.; criou espaço para as e os jovens realizarem itinerários exploratórios diversificados, questionando sentidos, o que permitiu o desenvolvimento de múltiplas soluções, num crescendo de complexificação do próprio problema-causa-questão. O domínio cada vez mais aprofundado de novas informações, foi provocando novos questionamentos, colaborando para a construção de um pensamento mais elaborado, pautado pela reflexividade.
Em suma, não sendo uma panaceia para todos os problemas que afetam a relação pedagógica da construção do saber em contextos e com pessoas específicas, como teoria e método de ensino-aprendizagem, o PBL desafia à renovação da pedagogia e estimula a realização da cidadania educacional jovem.
O PBL é também um cadinho crucial à recolha de dados, mesmo quando realizado online, por permitir a observação da participação jovem, com interação, escuta, iniciativa, reflexividade e tomada de decisão, e quanto às relações intra e inter-equipas e aos modos de exploração e construção do saber. O PBL pode, pois, consistir num espaço-tempo em que, como já referia Freire ( 1981, p. 79), “ninguém educa ninguém, ninguém se educa a si mesmo, […] [as pessoas] se educam entre si, mediatizadas pelo mundo”.