Introdução

Este trabalho é parte do projeto de doutorado da primeira autora, o qual busca investigar como o construto student teacher professional agency , traduzido para o português como agência profissional do estudante de pedagogia (APEP), se desenvolve durante a formação inicial de professores em dois países: Brasil e Finlândia. A APEP pode ser compreendida como o engajamento do estudante de Pedagogia em fazer a gestão do próprio processo de aprendizagem de forma autônoma, por meio de mecanismos individuais e interações sociais, considerando toda a comunidade universitária e escolar como parceira desse processo de formação continuada (Melo; Almeida; Leite, ²⁰²² ; Soini et al ., ²⁰¹⁵ ).

A literatura internacional (Eteläpelto; Vähäsantanen; Hökkä, ²⁰¹⁵ ; Heikonen et al ., ²⁰²⁰ ; Leite; Go; Havu-Nuutinen, ²⁰²⁰ ; Soini et al ., ²⁰¹⁵ ) e nacional (Leite; Lustosa, ²⁰²¹ ; Melo; Almeida; Leite, ²⁰²² , ²⁰²³ ) já exploraram a importância de investigar e fomentar a APEP durante a formação inicial de professores como forma de preparar os estudantes de pedagogia para os futuros desafios de sua carreira profissional. No entanto, a análise conduzida por Deschênes e Parent (2022), em relação às abordagens metodológicas utilizadas para investigar esse fenômeno, destaca a predominância de pesquisas qualitativas, principalmente no formato de estudos de caso com entrevistas e grupos focais. Em complemento, a revisão sistemática da literatura internacional elaborada por Cong-Lem (2021) encontrou um desequilíbrio geográfico, teórico e metodológico, indicando a necessidade de mais investigações em países em desenvolvimento (ou do Sul Global) que adotassem uma referência metodológica mais diversificada, para além de abordagens qualitativas.

Diante disso, o principal propósito deste artigo é ampliar a abordagem metodológica da literatura, instigando novas reflexões sobre como a APEP se desenvolve por meio de estudos quantitativos. Nesta pesquisa, consideram-se tanto as influências de atributos individuais dos estudantes, como de fatores ambientais no contexto da formação inicial de professores. Devido aos poucos estudos quantitativos encontrados acerca do tema e à complexidade desses elementos de pesquisa, foi considerado necessário desenvolver uma triangulação metodológica para validação cruzada das análises quantitativas aplicadas sobre os dados investigados.

O termo triangulação de análise de dados consiste na técnica de combinação de diferentes métodos de análise de dados para investigar um fenômeno por diferentes vieses e perspectivas (Creswell, ¹⁹⁹⁴ ). Quanto às análises quantitativas utilizadas para investigar a APEP e os fatores individuais e ambientais que a influenciam, seguem-se dois modelos distintos da psicometria: o modelo reflexivo e o modelo formativo. A triangulação entre esses dois modelos psicométricos pode resultar em a) convergência de resultados, fortalecendo a validade das conclusões de pesquisa; b) complementaridade da análise de dados, ampliando a forma de se compreender um fenômeno; ou c) divergência de resultados, levando a novos questionamentos sobre os dados (Rhineberger; Hartmann; Van Valey, ²⁰⁰⁵ ).

Considerando o que foi exposto anteriormente, os objetivos específicos deste artigo são dois: (1) apresentar o modelo de triangulação de análise quantitativa de dados e (2) discutir os limites de cada análise quantitativa e como elas se complementam. Esses objetivos serão alcançados ao se responder a seguinte pergunta: como a triangulação quantitativo-analítica entre esses dois modelos psicométricos amplia as interpretações e as discussões sobre como a APEP se desenvolve durante a formação inicial de professores sob a influência de fatores ambientais e individuais?

Este trabalho está organizado da seguinte maneira: primeiro, apresentamos o referencial teórico quanto aos principais conceitos a serem analisados, sendo eles a APEP e os fatores individuais e ambientais que a influenciam durante a formação inicial de professores. Em seguida, discutimos os modelos psicométricos reflexivo e formativo, sem a pretensão de exaurir a discussão em relação às implicações que esses modelos têm na testagem psicológica. A discussão foca mais em como seus enviesamentos teórico-conceituais impactam a interpretação da análise de dados para a investigação da APEP. Depois, parte dos resultados obtidos em pesquisa na Finlândia são apresentados e discutidos sob o enfoque metodológico da triangulação quantitativo-analítica. Concluímos enfatizando como a triangulação da análise de dados contribui para o enriquecimento da pesquisa e do debate sobre o desenvolvimento da APEP ao longo da formação inicial de docentes.

A agência profissional do estudante de pedagogia e os fatores que a influenciam durante a formação inicial de professores

A fim de lidar com as constantes mudanças aceleradas nas escolas contemporâneas (Valtonen et al ., ²⁰²¹ ), os estudantes de pedagogia precisam desenvolver continuamente suas competências profissionais de docência. A pesquisa educacional sobre a APEP tem se tornado relevante nesse contexto por contribuir com ferramentas conceituais para a compreensão de como estudantes (futuros professores) se engajam em processos de aprendizagem contínua, desde os anos iniciais da carreira docente (Eteläpelto; Vähäsantanen; Hökkä, ²⁰¹⁵ ) até estágios mais avançados (Leite; Go; Havu-Nuutinen, ²⁰²⁰ ; Soini; Pietarinen; Pyhältö, ²⁰¹⁵ ).

Segundo o trabalho de Soini et al. ( ²⁰¹⁵ ), a APEP é composta por quatro elementos inter-relacionados. O primeiro é a percepção de competência de ensino, que envolve a melhoria contínua da instrução, o suporte à compreensão dos alunos, o uso de diferentes métodos de ensino e a avaliação da própria prática profissional (Bransford et al ., ²⁰⁰⁵ ). O segundo é o engajamento em construir ambientes de aprendizagem colaborativos com os alunos, criando um clima positivo na sala de aula, desenvolvendo habilidades interpessoais e apoiando os processos de aprendizagem (Bronkhorst et al ., ²⁰¹⁴ ). O terceiro elemento é a reflexão, que envolve a análise das situações de ensino, o pensamento do aluno, a melhoria da prática pedagógica e o foco no crescimento dos estudantes (Leite; Go; Havu-Nuutinen, ²⁰²⁰ ). Por fim, o quarto elemento é a capacidade de se inspirar em professores mais experientes por meio de estratégias de modelagem, observando e integrando práticas qualificadas de ensino em sua própria forma de ensinar (Brown; Lee; Collins, ²⁰¹⁵ ).

Em um dos poucos estudos quantitativos sobre o tema, implementado na Finlândia, Heikonen et al. ( ²⁰²⁰ ) demonstrou que a APEP se desenvolve durante a formação de professores de maneira relativamente estável, mas também dinâmica, na qual o engajamento dos estudantes em refletir na sala de aula está consistentemente associado à aprendizagem por modelagem e à sua capacidade de construir um ambiente de aprendizagem colaborativo. Ambas as habilidades de refletir em sala de aula e a modelagem estão positivamente relacionadas à competência de ensino dos estudantes de pedagogia. A intensidade dessas relações mostrou uma tendência de queda durante o segundo ano da formação docente e, em seguida, um aumento no terceiro ano. Esse processo de desenvolvimento não linear abriu questionamentos para mais estudos sobre como a APEP pode ser estimulada durante a formação de professores. Porém, devido à falta de inclusão de fatores que influenciam o desenvolvimento da APEP durante a formação inicial, os resultados ficaram limitados à tendência de desenvolvimento da APEP de forma isolada.

Portanto, os estudos quantitativos acerca da APEP precisam avançar considerando simultaneamente tanto os fatores ambientais como os atributos individuais que influenciam o desenvolvimento da APEP de forma dinâmica. Seguindo essa necessidade de pesquisa, dois fatores ambientais foram encontrados na literatura que demonstraram influenciar o desenvolvimento da APEP durante a formação inicial de docentes (Leite; Havu-Nuutinen; Sointu, ²⁰²² ).

O primeiro fator é a conexão clara entre teoria e prática no currículo dos cursos de pedagogia (Jenset et al ., ²⁰¹⁸ ). Um currículo coerente permite que os estudantes de pedagogia apliquem teorias e conhecimentos na prática de ensino, promovendo tanto as abordagens pedagógicas tradicionais quanto a exploração de práticas inovadoras (Bransford et al ., ²⁰⁰⁵ ; Ribeiro; Lustosa, ²⁰²⁰ ). Dessa forma, um currículo educacional, se bem-organizado de forma coerente, potencialmente facilita o desenvolvimento da APEP em direção ao aprendizado contínuo.

O segundo fator ambiental destacado em pesquisas anteriores é o papel das interações pedagógicas no ambiente de aprendizagem dos estudantes de pedagogia (Toom et al ., ²⁰¹⁷ ). Os professores formadores desempenham um papel crucial como modelos a serem seguidos (referências positivas) ou rejeitados (referências negativas), influenciando o empoderamento e a confiança dos estudantes (Cruz, ²⁰¹⁷ ; Turnbull, ²⁰⁰⁵ ). Além disso, a aprendizagem entre estudantes (pares) no ensino superior tem-se mostrado relevante, especialmente para estudantes com dificuldades de aprendizagem (Cornu, ²⁰⁰⁹ ).

Além desses fatores ambientais, o quanto os estudantes estão envolvidos em se tornar professor (Magalhães Júnior; Cavaignac, ²⁰¹⁸ ; Nóvoa, ²⁰¹⁷ ) e se identificar como um(a) professor(a) engajado(a) no desenvolvimento profissional contínuo (Arpaci; Bardakçi, ²⁰¹⁶ ; Beauchamp; Thomas, ²⁰⁰⁹ ; Ruohotie-Lyhty; Moate, ²⁰¹⁶ ) tem se destacado como um fator individual de crucial relevância para a APEP. Isso envolve a negociação da identidade profissional dos estudantes como professores e como eles veem seu papel de docente como modelo para o crescimento pessoal dos seus futuros alunos. Por exemplo, Leite, Go e Havu-Nuutinen ( ²⁰²⁰ ) demonstraram como a disposição para aprender sobre os alunos e se envolver em seus processos de desenvolvimento é uma parte essencial da identidade do professor.

Levando em consideração os fatores observados nesta pesquisa, quais sejam: a APEP e os fatores ambientais (coerência curricular e interações pedagógicas do ambiente de aprendizagem) e individuais (identidade profissional de professor) que a influenciam, a seguir discutiremos como os modelos psicométricos reflexivo e formativo de investigação quantitativa complementam, com seus respectivos enviesamentos teórico-metodológicos, a compreensão do fenômeno investigado.

Os modelos psicométricos reflexivo e formativo

As formas de medir construtos psicológicos têm sido tema de debates constantes no campo da psicometria. Há argumentos defendendo que atributos psicológicos devem se referir a estruturas causais latentes que determinam as diferenças de resultados em testes psicológicos. Por outro lado, é considerado problemático o fato de ter que elaborar variáveis latentes não observáveis para explicar fenômenos psicológicos e comportamentos humanos (Schmittmann et al ., ²⁰¹³ ). Esse debate se constitui por meio da disputa entre dois modelos psicométricos: o reflexivo e o formativo.

O modelo reflexivo envolve a representação de indicadores observados (tal qual pontuações de itens em testes) como resultado de uma variável latente comum, considerando as correlações e covariações observadas nos dados e a variação de erro específica do item (Cramer et al. , ²⁰¹² ; Schmittmann et al ., ²⁰¹³ ). Vários modelos se enquadram nessa categoria, incluindo modelos de fator comum e modelos de classe latente típicos da Modelagem de Equações Estruturais (MEE). Nesses modelos, uma variável latente é introduzida como causa comum não observada para explicar a covariância entre os indicadores verificados (Raykov; Marcoulides, ²⁰¹² ).

Em pesquisas educacionais contemporâneas, conceitos como a APEP têm sido investigados a partir do referencial de atributos psicológicos típicos do modelo reflexivo utilizando MEE, como personalidade e inteligência. Por exemplo, a APEP é compreendida como um construto latente (não observável diretamente) que causa comportamentos observáveis (Heikonen et al ., ²⁰²⁰ ). Nessa perspectiva, um estudante que seja identificado com uma APEP alta deve pontuar relativamente alto nos itens da escala que a mede, como o item “aprender algo a partir de seus erros” e o item “ser capaz de criar uma atmosfera agradável com seus alunos”, conforme exemplificado no artigo de Soini et al. ( ²⁰¹⁵ ). Indicadores (isto é, itens) que medem as consequências observáveis da APEP são usados para inferir diferenças individuais nos seus atributos subjacentes. Além disso, dentro do modelo reflexivo, esses indicadores são intercambiáveis e independentes entre si, ao mesmo tempo que conectados a um fator abstrato explicativo (nesse caso, a variável latente APEP).

Uma vantagem importante da MEE com variáveis latentes é que o uso dessas variáveis permite aos pesquisadores contabilizar o erro de medição na análise (Raykov; Marcoulides, ²⁰¹² ). Como consequência, as relações entre as variáveis observáveis no modelo estrutural podem ser estimadas com mais precisão em comparação com correlações bivariáveis convencionais ou modelos de regressão de variáveis observáveis. Além disso, os modelos desenvolvidos por meio da MEE permitem que os pesquisadores testem relações entre os construtos latentes e comparem modelos concorrentes entre si por intermédio dos testes que geram índices da qualidade de ajuste dos modelos (Raykov; Marcoulides, ²⁰¹² ).

Já o modelo formativo se diferencia do reflexivo em vários aspectos, principalmente no que se refere à interpretação do papel que as variáveis observáveis (ou itens) têm na compreensão do fenômeno a ser estudado. Schmittmann et al . propõem que no modelo formativo “as variáveis que normalmente são consideradas indicadores de construtos latentes devem ser consideradas entidades causais autônomas em uma rede de sistemas dinâmicos” ( ²⁰¹³ , p. 5, tradução nossa). Esse modelo analítico analisa as interações e correlações diretas das variáveis observadas, consideradas as causas da pontuação obtida em questionários psicométricos. Ele pode ser implementado metodologicamente por meio da construção de redes desenvolvidas a partir da correlação simultânea entre todas as variáveis medidas em questionários de pesquisa. Essas redes dispõem as variáveis em posições espaciais que representam a força de correlação entre todas as variáveis entre si, no qual a distância entre as variáveis depende da força de correlação entre elas (Epskamp et al. , 2012). Ou seja, variáveis mais próximas estão mais fortemente correlacionadas; ao passo que as mais fracas estão mais distantes, resultando em diferentes agrupamentos na rede.

Consequentemente, a fim de se compreender o fenômeno investigado com ajuda de redes de variáveis, deve-se investigar a função que diferentes variáveis exercem na rede, ou seja, quais são dominantes e ocupam um lugar central na rede e quais são mais marginalizadas. Fried et al. ( ²⁰¹⁷ ) e outros pesquisadores no campo da psicopatologia (Borsboom, ²⁰¹⁷ ; Bringman et al ., 2018) exemplificam uma forma de se aplicar esta análise ao discutirem que intervir nos elementos centrais da rede e nos “elementos-pontes” entre esses elementos centrais pode ter um efeito mais significativo e impactante para a modificação de padrões de comportamentos.

Além disso, a teoria de sistemas dinâmicos provê diretrizes para se estudar a forma como as redes se configuram (Schmittmann et al ., ²⁰¹³ ), de acordo com as quais busca-se identificar “estados atratores” do sistema, que são disposições repetitivas que tendem a se formar em equilíbrio quando um fenômeno ou comportamento humano se estabiliza. Tais configurações de rede são alcançadas e mantidas em condições distintas e por diferentes razões que devem ser investigadas e mais bem compreendidas no contexto da pesquisa.

Por exemplo, em pesquisas sobre como a APEP se desenvolve sob a influência de fatores ambientais e individuais na formação inicial de professores, não basta saber se os estudantes pontuaram alto em certos itens de um questionário que mede os atributos da APEP e os fatores individuais e ambientais que a influenciam. Para além disso, é importante visualizar como quais itens se agrupam em uma posição central em comparação com os que ocupam uma posição periférica, apoiando o exame de quais fatores ambientais e individuais influenciam criticamente o desenvolvimento da APEP (e, portanto, são cruciais para possíveis intervenções) e quais têm apenas impacto marginal (e, consequentemente, não deve ser o foco de possíveis reformas curriculares).

Complementarmente, é possível avaliar se estados atratores podem ser identificados em momentos específicos da formação inicial de professores. Tais configurações representariam um estado de equilíbrio entre as variáveis individuais e ambientais dos estudantes em se engajarem na gestão do seu próprio processo de aprendizagem continuada. Portanto, identificar esses estados atratores, assim como perturbações na rede por causa de eventos significativos pelos quais os sujeitos possam estar passando, ajudam a compreender como cada variável individual e ambiental se relacionam e se influenciam, apoiando assim uma compreensão mais sistêmica e ecológica dos comportamentos humanos.

Porém, é importante ressaltar que pesquisadores também passaram a questionar a confiança e replicabilidade dos estudos de análise de rede no campo da psicologia (Bringmann et al. , ²⁰¹⁹ ; Forbes et al ., ²⁰¹⁹ , ²⁰²¹ ). Daí a necessidade de se fazer uma validação cruzada (triangulação) entre essas análises quantitativas para aumentar a confiança e a verificabilidade dos resultados, o que está sendo implementado nas pesquisas em andamento na Finlândia e no Brasil, e discutido sob enfoque metodológico neste estudo.

Questão da pesquisa

Este artigo discute, com enfoque na perspectiva metodológica, a seguinte questão de pesquisa: como a triangulação de análise de dados permite ampliar a compreensão sobre como a APEP se desenvolve durante a formação inicial de professores sob a influência de atributos individuais e fatores ambientais? Neste estudo em particular, a triangulação de análise de dados refere-se à combinação de dois tipos de análise quantitativa de dados, uma que segue o modelo reflexivo e outra que segue o modelo formativo da psicometria.

Este estudo discutirá a questão desta pesquisa em duas etapas. Primeiro, apresentamos o modelo de triangulação de análise quantitativa de dados, desenvolvido pela primeira autora, fazendo referência aos resultados já publicados em artigo (Leite; Havu-Nuutinen; Sointu, ²⁰²² ). Portanto, a análise de dados seguindo o modelo reflexivo, com a MEE, é apresentada após uma breve discussão dos limites dessa investigação. Depois, o modelo formativo, com a verificação de redes, é desenvolvido e seus limites são discutidos. Ao final, pretende-se compreender como esse modelo de triangulação permite estudar os atributos individuais e os fatores ambientais que contribuem para o desenvolvimento da APEP de forma complementar, enriquecendo a discussão em torno do tema.

Metodologia

A discussão deste artigo é feita a partir das análises e dos resultados obtidos no estudo sobre a APEP na Finlândia: “ How environmental and individual factors dynamically influence student teacher professional agency during teacher education ” (Leite; Havu-Nuutinen; Sointu, ²⁰²² ). Esse artigo é utilizado como referência para esta discussão metodológica porque a técnica de triangulação desenvolvida nele é a única na pesquisa educacional com foco na APEP. Além disso, o mesmo tipo de técnica de triangulação de análise de dados está sendo implementado em pesquisas no contexto brasileiro (Leite; Lustosa, ²⁰²¹ ), com o propósito de se elaborar análises comparativas sobre como a APEP se desenvolve durante a formação inicial de professores em sistemas educacionais distintos.

Considerações éticas

Toda a investigação feita neste estudo seguiu os princípios éticos da pesquisa em ciências do comportamento social de acordo com as diretrizes de Nieminen ( ²⁰¹⁰ ) por (1) respeitar a autonomia dos sujeitos; (2) evitar danos; e (3) garantir a privacidade e proteção de dados. Para atingir esses objetivos, a primeira autora recebeu a declaração positiva dos comitês de ética de ambas as universidades, na Finlândia e no Brasil. No Brasil, a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa aprovou o projeto em 2019, identificado com o CAAE 18667219.1.0000.5054.

Durante a coleta de dados, as pesquisadoras envolvidas solicitaram a permissão individual de todos os participantes da pesquisa na forma de um termo de consentimento por escrito. Esse consentimento formal garantiu, em relação aos participantes, o acesso às informações sobre a pesquisa, bem como atestou a proteção dos dados pessoais dos sujeitos e sua participação voluntária. Este estudo não ofereceu risco, desconforto ou desvantagem para os participantes.

Formação inicial de professores na Finlândia

A formação de docentes na Finlândia consiste em um programa de bacharelado e mestrado que totalizam cinco anos, no final dos quais os estudantes precisam apresentar uma dissertação de mestrado. Essa formação varia de acordo com a modalidade e o nível de ensino em que os professores irão atuar, incorporando psicologia educacional, sociologia, teorias de currículo, avaliação de aprendizagem, educação especial e conhecimento pedagógico. Os estudos focados em pedagogia totalizam sessenta créditos (aproximadamente um ano de formação). Estes estudos em pedagogia oferecem uma formação equilibrada em teoria e prática. O currículo enfatiza estudos em didática e contém práticas de ensino supervisionadas (estágios) ao longo de toda a formação, refletindo uma abordagem baseada em pesquisa com metodologias pedagógicas inovadoras, como aprendizagem cooperativa, aprendizagem baseada em problemas, o uso de soluções edtech e práticas reflexivas (Westbury, ²⁰⁰⁵ ).

A prática de ensino (o que no Brasil corresponde aos estágios supervisionados) é integrada aos estudos teóricos e metodológicos, permitindo que os alunos progridam da prática básica para a avançada sob a orientação de professores experientes. As “ normaalikoulut ”, escolas ligadas às faculdades de educação, onde os estudantes aprendem a prática de ensino de forma supervisionada, têm membros da equipe altamente qualificados, com doutorado em educação, capazes de orientar os estudantes em formação e promover práticas orientadas para a pesquisa (Sahlberg, ²⁰¹⁰ ).

Em suma, a formação inicial de docentes na Finlândia visa desenvolver docentes que fundamentem suas decisões em argumentos racionais e competências derivadas da pesquisa, promovendo, em última instância, autonomia e contribuindo para os resultados de aprendizagem dos alunos.

Questionário da pesquisa

Quatro escalas de avaliação, previamente utilizadas em contextos internacionais (Canrinus et al ., ²⁰¹⁷ ; Soini et al ., ²⁰¹⁵ ; Vähäsantanen et al. , ²⁰¹⁹ ), foram aplicadas em um curso de pedagogia na Finlândia, as quais obtiveram níveis bons de confiabilidade.

(1) A escala APEP mede o engajamento transacional dos estudantes de pedagogia para aprender continuamente. A escala contém vinte itens organizados em quatro subescalas: senso de competência (COM, cinco itens), construção de ambiente colaborativo (COL, oito itens), reflexão em sala de aula (REF, cinco itens) e modelagem (MOD, dois itens). Os estudantes de pedagogia responderam em uma escala Likert de sete pontos, variando de 1 (discordo totalmente) a 7 (concordo totalmente).

(2) A escala de coerência curricular (CC) mede as percepções dos estudantes de pedagogia sobre a CC do curso. Ela contém 35 itens organizados em seis subescalas: ligação com a prática (LP, doze itens), uso da teoria (UT, sete itens), métodos de pesquisa (MP, quatro itens), coerência entre as partes do programa (CPP, cinco itens), coerência entre as disciplinas do curso (CDC, dez itens) e coerência entre as disciplinas teóricas e experiências de campo (CDE, quatro itens). Os estudantes responderam em uma escala Likert de quatro pontos, variando de 1 (nenhuma oportunidade) a 4 (oportunidade ampla).

(3) A escala de AA mede as interações sociais e seu impacto pedagógico entre professores formadores e estudantes de pedagogia, e entre os estudantes. Ela contém doze itens organizados em quatro subescalas: suporte (AAS, três itens), igualdade (AAI, três itens), clima (AAC, três itens) e reconhecimento (AAR, três itens). Os estudantes responderam em uma escala Likert de sete pontos, variando de 1 (discordo totalmente) a 7 (concordo totalmente).

(4) A escala de negociação da identidade de professor NIP mede como os estudantes de pedagogia estão refletindo sobre suas expectativas do que é ser um docente de acordo com o que eles entendem que serão suas possibilidades futuras de carreira. Ela contém quatro itens. Os estudantes responderam em uma escala Likert de sete pontos, variando de 1 (discordo totalmente) a 7 (concordo totalmente).

Coleta e análise de dados

A coleta de dados ocorreu durante o segundo semestre de 2019 em uma universidade finlandesa, na qual 362 estudantes de pedagogia em todos os anos de graduação foram convidados a participar da pesquisa por meio da divulgação em salas de aula. Isso possibilitou a coleta de dados de participantes em diferentes etapas da formação de professores, resultando em um conjunto de dados seccional. A fim de balancear a amostra da pesquisa, os participantes foram agrupados em três grupos: os estudantes do 1º e 2º ano compuseram o grupo Iniciante (n = 119); estudantes do 3º e 4º ano de graduação compuseram o grupo Intermediário (n = 218); e os que estudavam há mais de cinco anos constituíram o grupo Avançado (n = 27).

Com o objetivo de ampliar as investigações sobre o desenvolvimento da APEP durante a formação de professores, a pesquisa utilizou um modelo de triangulação dos métodos quantitativos da análise de dados seccionais, primeiro com a MEE, de acordo com o modelo reflexivo da psicometria, seguido por uma análise de redes, que segue o modelo formativo. Os softwares estatísticos usados para as diferentes análises quantitativas foram SPSS (análise de qualidade dos dados), MPlus (modelagem das equações estruturais) e R (análise de redes feita com o pacote qgraph ).

De acordo com Leite, Havu-Nuutinen e Sointu ( ²⁰²² ), o uso de análises estatísticas complementares com diferentes visualizações possibilitou uma compreensão mais abrangente e aprofundada que não é possível com apenas um desses procedimentos. A MEE viabiliza a especificação de como as variáveis observáveis e latentes estão conectadas por meio de regressões lineares múltiplas e cargas fatoriais no modelo examinado (Raykov; Marcoulides, ²⁰¹² ), assim como garante confiabilidade estatística por meio de indicadores de qualidade de ajuste. Na MEE usada por Leite, Havu-Nuutinen e Sointu ( ²⁰²² ), os itens das escalas (variáveis observáveis) foram agrupados em variáveis latentes subjacentes. O modelo final foi estimado usando procedimentos estatísticos que produzem estimativas de máxima verossimilhança com erros padrão e estatísticas de teste χ² (p > 0,05), os quais são robustos à não normalidade (Muthén; Muthén, 1998- ²⁰¹⁰ ).

Em seguida, uma análise de redes foi implementada. O algoritmo do pacote qgraph (Epskamp et al ., 2012), usado para gerar a rede de interrelações entre as variáveis, computou as correlações Pearson com um valor de, no mínimo, .25. As redes produzidas ampliam as possibilidades de interdependências causais entre todas as variáveis (Schmittmann et al ., ²⁰¹³ ). Complementarmente, é possível verificar na análise de redes se há formação de agrupamentos de variáveis, como eles se configuram na posição que ocupam na rede e como esses agrupamentos se comportam nos diferentes grupos de estudantes que estão em diferentes momentos da formação inicial.

Resultados e discussão

Nesta seção, parte dos resultados publicados no artigo em questão (Leite; Havu-Nuutinen; Sointu, ²⁰²² ) são apresentados sob um enfoque metodológico, com a função de abordar as vantagens e as limitações dos modelos reflexivo e formativo de análise dos dados. Ao final, discute-se como a triangulação metodológica ajuda a ampliar a discussão sobre os fatores investigados.

O modelo reflexivo através da Modelagem de Equações Estruturais

A Figura 1 representa um dos modelos finais da MEE, com os melhores índices de qualidade de ajuste e os coeficientes de relações padronizados para os estudantes do terceiro e quarto ano (grupo Intermediário) de graduação em pedagogia na universidade finlandesa (Leite; Havu-Nuutinen; Sointu, ²⁰²² ). Nesse modelo, o ambiente de aprendizagem (AA), o processo de NIP e o componente da formação curricular ligação com a prática (LP) apresentaram relação relevante com a APEP.

Fonte: Esta imagem foi traduzida e adaptada pela primeira autora com base nos dados da sua pesquisa de doutorado. O artigo com a imagem original encontra-se na revista Scandinavian Journal of Educational Research (LEITE; HAVU-NUUTINEN; SOINTU, ²⁰²² ).

Figura 1- As inter-relações entre a APEP, AA, NIP e a subescala LP para os estudantes do grupo Intermediário (n=218) 

Como apresentado por Leite, Havu-Nuutinen e Sointu ( ²⁰²² ), esse modelo é considerado robusto e confirma os resultados de pesquisas internacionais anteriores. Além disso, ele provê medidas estatísticas de confiança, com os índices de qualidade de ajuste sobre os resultados encontrados. Portanto, esse modelo evidencia como as interações pedagógicas com educadores e colegas do AA, o processo de NIP e a prática de técnicas e estratégias de ensino de forma conectada e coerente com as teorias estudadas (componente curricular de ligação com a prática, LP) influenciam a APEP para os estudantes nos 4º e 5º anos da formação inicial de professores na Finlândia.

Esses achados são significativos, pois indicam formas de se desenhar o currículo de formação inicial de docentes e de organizar o AA para que os estudantes consigam desenvolver sua APEP fortalecida. Leite, Havu-Nuutinen e Sointu ( ²⁰²² ) apontam que, ao longo do curso de pedagogia, os estudantes precisam desenvolver uma percepção extensiva de coerência entre teoria e prática, de um AA favorável a interações pedagógicas entre estudantes e educadores, assim como de terem oportunidades de discutir a construção subjetiva de suas identidades profissionais.

Porém, a dinâmica das relações entre as variáveis observáveis, em outras palavras, a dinâmica dos subsistemas que compõem a APEP e os fatores que a influenciam (AA, NIP e LP), não é explicitada dentro desse modelo reflexivo. Ou seja, como as variáveis observáveis são modeladas para compor construtos latentes, as correlações e interações diretas entre as variáveis observáveis não ficam representadas, o que limita as formas de se compreender as relações dinâmicas do sistema. Considerando essas limitações do modelo reflexivo, a análise de redes é apresentada a seguir e a discussão metodológica parte do modelo formativo de análise de dados.

O modelo formativo a partir das redes

A Figura 2 apresenta as redes geradas a partir das correlações simultâneas de todas as variáveis observáveis coletadas no questionário da pesquisa, permitindo uma visualização dinâmica de como todos os itens das escalas estão posicionados uns em relação aos outros. Nas redes, cada item é representado por um círculo (ou nódulo), e as siglas e números nos círculos referem-se aos itens de cada escala utilizada na pesquisa. Os círculos são conectados por linhas verdes (ou vermelhas) se estiverem positivamente (ou negativamente) correlacionados. Quanto mais grossa a linha, mais forte é a correlação. O algoritmo usado para gerar o gráfico coloca os itens correlacionados bastante próximos e no meio do gráfico. Ou seja, alguns itens são mais “centrais” na rede do que outros, como será discutido a seguir.

Fonte: Esta imagem foi traduzida e adaptada pela primeira autora com base nos dados da sua pesquisa de doutorado. O artigo com a imagem original encontra-se na revista Scandinavian Journal of Educational Research (LEITE; HAVU-NUUTINEN; SOINTU, ²⁰²² ).

Figura 2- As redes geradas para cada grupo de estudantes com todos os itens das escalas (N=362) 

Nessas três redes, é possível visualizar uma tendência que pode representar um processo em desenvolvimento – “pode”, pois se trata aqui de uma análise entre três grupos de estudantes em momentos distintos do curso. Há dois estados atratores e de equilíbrio: um no grupo Iniciante (estudantes no 1º e 2º ano do curso), em que os agrupamentos que representam cada escala estão claramente separados e marginais; e um no grupo Avançado (estudantes acima do 5º ano do curso), em que todos os itens formam uma rede única e global. Por outro lado, é possível visualizar que o grupo Intermediário (estudantes no 3º e 4º ano do curso) apresenta uma característica de “perturbação” ou transição entre esses dois estados de equilíbrio identificados no grupo Iniciante e Avançado. No grupo Intermediário, os itens se aproximam entre si e começam a se misturar, mas sem sair ainda de seus agrupamentos iniciais.

Complementarmente, é possível identificar nas redes dos grupos Iniciante e Intermediário agrupamentos distintos de itens bastante correlacionados entre si. Esses agrupamentos representam cada uma das escalas principais do questionário, quais sejam: APEP, CC, AA, NIP. Por sua vez, esses agrupamentos distintos de itens já não são mais visíveis na rede do grupo Avançado, em que os itens estão completamente misturados, mas formando uma rede global única.

Tal dinâmica da análise sistêmica das redes permite identificar, para cada grupo de estudantes em diferentes momentos da formação inicial, quais fatores individuais e ambientais estão mais conectados à APEP por estarem mais próximas à ela, e quais têm baixo impacto sobre ela por ocuparem uma posição mais distante. Em outras palavras, a análise de redes oferece uma visualização poderosa que pode ser usada para revelar padrões, tendências e estruturas que seriam muito difíceis de detectar usando somente a MEE do modelo reflexivo. A partir dessa identificação, educadores e revisores curriculares podem melhor compreender o impacto que determinadas disciplinas e atividades curriculares típicas de cada momento da formação inicial têm para o desenvolvimento da APEP.

Trazendo essa discussão para as redes obtidas no estudo em análise (Leite; Havu-Nuutinen; Sointu, ²⁰²² ), é possível identificar um mesmo padrão de configuração que se repete ao longo das redes dos três grupos de estudantes, qual seja, os elementos da APEP estão fortemente ligados aos elementos da NIP e formam um núcleo estável em todas as redes, agora chamado agrupamento APEP/NIP. Essa tendência não só confirma o resultado encontrado pela MEE, como também amplia as suas possibilidades de interpretação. Com a análise de rede, é possível verificar as correlações e interações diretas entre as variáveis observáveis “dentro” desses agrupamentos e “ao redor” deles.

Com relação à dinâmica observada “dentro” do agrupamento APEP/NIP, é possível identificar que seus elementos centrais variam entre os grupos de estudantes. Enquanto no grupo Iniciante e Intermediário os itens da NIP estão bem próximos dos itens da APEP (COL, COM, REF, MOD), no grupo Avançado os itens se posicionam diferentemente. Dois itens do NIP – itens 77: “no meu trabalho como professor(a), eu serei capaz de focar em coisas que me interessam” e 78: “eu serei capaz de avançar na minha carreira de professor(a)” – ocupam uma posição central no agrupamento nuclear da rede global do grupo Avançado, enquanto outros dois itens – itens 75: “eu serei capaz de agir de acordo com meus valores no meu trabalho como professor(a)” e 76: “eu serei capaz de realizar meus objetivos profissionais no meu trabalho como professor(a)” – estão fora desse agrupamento APEP/NIP e encontram-se mais à margem da rede global do grupo Avançado.

De acordo com a análise sistêmica de redes, é possível interpretar que os estudantes pertencentes ao grupo Avançado estão desenvolvendo seu engajamento com um processo contínuo de aprendizagem, isto é, a APEP, interligados com aspectos identitários profissionais voltados para o desenvolvimento pragmático de sua carreira como professores (itens 77 e 78). Por outro lado, nesse momento da formação, aspectos identitários mais subjetivos (itens 75 e 76) não impactam tão fortemente no engajamento desses estudantes no seu desenvolvimento profissional continuado. Esse resultado pode servir a futuras revisões e desenhos curriculares no curso de pedagogia em questão, nas quais disciplinas e atividades curriculares podem ser organizadas com um maior foco prático no planejamento e gestão da carreira docente.

Com relação à dinâmica observada “ao redor” do agrupamento APEP/NIP, é possível observar que ela varia entre os três grupos de estudantes. No grupo Iniciante, os itens mais próximos desse agrupamento são os itens da escala Coerência entre Disciplinas teóricas e Experiências de campo (CDE, itens verdes), 40: “minha experiências de práticas de ensino (estágio inicial) me permitiram testar teorias, estratégias e técnicas que eu estava aprendendo nas disciplinas do Curso”, 41: “o que eu aprendi nas disciplinas do curso refletem o que eu observei nas práticas de ensino (estágio inicial)” e 42: “eu observei professores usarem as mesmas teorias, estratégias e técnicas de ensino que eu estava aprendendo nas disciplinas do curso no trabalho de campo (estágio inicial)”. No grupo Intermediário, destacam-se os itens da escala ligação com a prática (LP, itens vermelhos) e das escalas sobre as interações pedagógicas do AA (Aas, itens azuis-esverdeados), confirmando os resultados obtidos por meio da MEE e discutidos anteriormente. E, por fim, no grupo Avançado, os itens da escala Coerência entre as Disciplinas do Curso (CDC, itens verdes), 33: “quando idéias ou leituras se repetiam nas disciplinas, elas eram elaboradas de forma mais aprofundadas” e 34: “eu percebi conexões entre ideias e conceitos ao longo do Curso”. Fica evidente, portanto, como a percepção da coerência curricular ao longo do curso e entre atividades do programa são fundamentais para a construção de uma compreensão aprofundada e coesa sobre ensino e aprendizagem e como isso impacta no engajamento dos estudantes ao final do curso de pedagogia em seu engajamento na gestão do próprio processo de desenvolvimento profissional continuado.

Esta análise metodológica serve de ilustração para outros tipos de análises sistêmicas que podem ser feitas para cada um dos grupos, focados em seu momento da formação, ou considerando tendências encontradas entre os três grupos. É possível concluir que a análise de redes é intuitivamente atraente e acomoda tanto teoricamente como metodologicamente discussões sobre o conceito-construto APEP (Leite; Havu-Nuutinen; Sointu, ²⁰²² ) por meio de uma perspectiva ecológica (Biesta; Priestley; Robinson, ²⁰¹⁵ ), por considerar o conceito-construto como um fenômeno decorrente das interações entre sujeito e ambiente, com ajuda de redes de relações entre variáveis. Schmittmann et al. ( ²⁰¹³ ) também indicaram o potencial que os estudos de rede têm ao considerar as variáveis observáveis, representando tanto construtos psicológicos como fatores ambientais, quatro elementos causais autônomos, o que por sua vez motiva a investigação desses elementos como “portais de relações causais”. Em outras palavras, o estudo da configuração das redes e o papel/posição que cada variável (ou agrupamento de variáveis) tem na rede abrem possibilidades de compreender como as interações entre as variáveis podem causar fenômenos emergentes, variações e distúrbios, momentos de transição e típicos estados de equilíbrio.

Considerações finais

Esta pesquisa explorou um modelo de triangulação de análise quantitativa de dados e discutiu como os dois tipos de análises permitiram compreender os atributos psicológicos (negociação da identidade profissional) e os fatores ambientais (CC e AA) que contribuem para o desenvolvimento da agência profissional de estudantes de pedagogia de forma complementar, enriquecendo a discussão ecológica em torno do tema.

Enquanto a primeira análise de dados seguiu o modelo psicométrico reflexivo, a partir do qual construtos latentes são desenvolvidos como fatores explicativos para as correlações e covariações observadas nos dados; a segunda análise de dados partiu do modelo formativo, segundo o qual as variáveis observáveis são elementos autônomos e estabelecem relações causais e dinâmicas entre si. Em ambos os tipos de análise, esta pesquisa adotou a perspectiva ecológica sobre o conceito de agência, em que a agência de um sujeito não pode ser entendida como uma capacidade intrínseca, mas como o resultado de relações transacionais entre o sujeito e o ambiente ao longo do tempo.

A análise e discussão desenvolvidas ao longo do texto permitiram concluir que o modelo de triangulação de análise de dados, utilizando tanto a perspectiva metodológica reflexiva quanto a formativa, permitiu ampliar a compreensão sobre como a APEP se desenvolve durante a formação inicial de professores sob a influência de atributos individuais e fatores ambientais. Enquanto o modelo reflexivo, mais amplamente utilizado na literatura, oferece medidas robustas de validação e confiança nos resultados e modelos de análise desenvolvidos, o modelo formativo e as técnicas de investigação associadas à análise de redes podem lançar luz sobre a complexa relação entre as dimensões da APEP, assim como os construtos individuais e fatores ambientais que a influenciam. Por outro lado, a análise em rede ainda precisa aprimorar suas técnicas de cálculo de confiabilidade e índices de qualidade para garantir mais segurança e robustez nos estudos futuramente desenvolvidos.

Não obstante, é importante notar que metodologias de análise quantitativa têm suas próprias limitações. Os resultados obtidos nesta pesquisa abrem questionamentos e reflexões sobre o curso de pedagogia da universidade finlandesa que podem ser mais bem abordados por meio de metodologias qualitativas. De fato, pretende-se que os resultados encontrados nesta pesquisa sejam analisados por meio de uma revisão curricular e discutidos com os educadores e formuladores de currículo da universidade finlandesa em questão, a fim de refletir sobre como melhorar o desenho curricular, tendo como foco a APEP; e ampliar a triangulação metodológica desta pesquisa na Finlândia. Isso também está sendo planejado para as pesquisas em desenvolvimento no Brasil, com o intuito de verificar quais tipos de padrões e tendências de desenvolvimento da APEP podem ser identificados.

Conclui-se que este artigo contribuiu para ampliar o delineamento metodológico usado em estudos sobre a APEP, assim como expandir as discussões feitas acerca do tema no Sul Global, satisfazendo algumas demandas identificadas nas revisões sistematizadas da literatura (Cong-Lem, 2021; Deschênes; Parent, 2022). Por fim, destaca-se a necessidade de professores, pesquisadores e formuladores de currículos de formação inicial de docentes terem uma visão compartilhada e coerente dos processos de ensino e aprendizagem, a fim de elaborarem oportunidades de ensino aos estudantes de pedagogia para que eles possam desenvolver suas competências para uma constante formação continuada ao longo de suas carreiras profissionais de docência.