Introdução
A evolução da tecnologia educacional possibilitou identificar a necessidade de possíveis adaptações dos métodos de ensino-aprendizagem (Fornaziero et al., 2010). Hoje em dia existem novas demandas nas maneiras de armazenar e produzir conhecimento, diretamente relacionadas com os perfis dos estudantes, como: o acesso ao conhecimento, às tecnologias de informação, às influências emocionais e à pseudoconcentração (Borochovicius; Tortella, 2014). Tem-se como propósitos a motivação para aprender, o facilitar a reflexão e memorização e, principalmente, a melhora da qualificação do ensino-aprendizagem.
A metodologia tradicional é proveitosa (Hargreaves, 2011). Bacich e Moran (2018) explicam que a aprendizagem acontece de maneiras diversas, utilizando técnicas e procedimentos que podem ser eficazes para alcançar os objetivos desejados, devendo as metodologias utilizadas serem congruentes aos objetivos pretendidos. No entanto, adotar metodologias que envolvam atividades mais complexas, nas quais seja necessário tomar decisões e avaliar os resultados, e que contem com o apoio de materiais relevantes, auxilia na formação de alunos mais proativos.
Quando se pensa no ensino tradicional de Anatomia Humana, existem fatores que afetam diretamente a aprendizagem, como a dificuldade para a obtenção de cadáveres para dissecação, o aumento significativo da quantidade de alunos cursando a disciplina ao mesmo tempo, assim como a redução do tempo para trabalhar com as mesmas estruturas em função das mudanças nas diretrizes curriculares dos cursos de graduação (Silva et al., 2018). Além disso, as aulas práticas que acontecem nos laboratórios, na maioria das vezes, se tornam monótonas, tendo em vista que as atividades desenvolvidas se prendem ao uso de um roteiro baseado na relação das estruturas anatômicas a serem identificadas em determinada sequência.
Fornaziero et al. (2010) também elucidam que é preciso expandir as alternativas na educação, explorando estratégias e metodologias inovadoras, proporcionando meios de agregar e tornar mais prazerosas as aulas da disciplina de Anatomia Humana. Dessa maneira, julga-se ser possível provocar mudanças nas práticas pedagógicas por meio de alternativas didático-pedagógicas capazes de despertar o interesse de estudantes universitários. Ademais, a maioria das metodologias alternativas não necessitam de custos elevados (Silva; Aguiar Junior; Cespedes, 2010).
Independentemente do método utilizado (desafios, atividades, gameficação, problematização, personalização, aprendizagem colaborativa, entre outros), a figura do professor é essencial durante a condução da aula prática. Ele atua como orientador e incentivador da reflexão e da busca pelo conhecimento, observando o comportamento dos grupos, detectando falhas e dificuldades e disponibilizando ferramentas de apoio para uma melhor aprendizagem. O docente bem-sucedido reflete sobre as suas intervenções e identifica êxitos e déficits para alterar o método de ensino (Damasceno; Cória-Sabini, 2003).
Portanto, o processo de ensino-aprendizagem está constantemente sendo aprimorado para a melhoria da educação. Baseando-se nisso, o surgimento e a exploração de novas metodologias alternativas de ensino têm como propósito promover o aprendizado acadêmico visando uma melhor exploração do assunto abordado e possibilitando uma maior interação do discente com a Anatomia Humana. Entende-se que a modificação do modo de ensino e aprendizado altera a rotina diária do aluno, tirando ele do processo de inércia e elevando-o a uma nova prática educativa.
Procedimentos Metodológicos
Após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade de Pernambuco (parecer nº 1.951.621), o presente estudo foi realizado em uma universidade pública do Vale do São Francisco da cidade de Petrolina/PE.
A pesquisa contou com a participação de 79 discentes do primeiro período dos cursos de bacharelado em Fisioterapia e em Nutrição. A disciplina, foco da investigação, consiste em nove aulas teóricas seguidas de práticas com conteúdos distintos, sendo que apenas as aulas práticas foram analisadas. A primeira aula prática, com a exploração de conteúdos sobre “Introdução à Anatomia”, foi considerada de controle por ser ministrada de forma tradicional, utilizando modelos anatômicos plásticos, peças cadavéricas e livro do tipo Atlas de anatomia. As demais oito aulas foram lecionadas com metodologias e materiais alternativos.
Para tanto, durante o início do primeiro semestre letivo foi realizado um estudo sobre os materiais anatômicos necessários ao acervo do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão em Anatomia e Patologia (LabAP) da Universidade de Pernambuco. Assim, considerando os conteúdos das aulas e a carência de materiais no laboratório, foram produzidos materiais didáticos alternativos para cada aula. Esses materiais são mencionados adiante, seguindo uma ordem cronológica de acordo com as aulas, os conteúdos abordados e os materiais didático-pedagógicos criados: Osteologia Generalidades (substância óssea) – pintura corporal com cartilha de orientação; Artrologia Generalidades (elementos essenciais da articulação sinovial) – desenho com cartilha de orientação; Miologia Generalidades (músculos dos membros superiores e inferiores) – tapete facial; Sistema Cardiovascular (coração em sístole e diástole) – jogo Imagem e Ação; Sistema Respiratório (traqueia, brônquios e pulmões) – modelo artístico com cartilha de orientação; Sistema Digestório (boca, esôfago, estômago, intestinos e ânus) – livro de história; Sistema Urinário (rim) – arte em papercraft; Sistema Genital Masculino e Feminino (órgão reprodutor masculino e órgão reprodutor feminino) – pintura em papel.
Em seguida foram realizadas pesquisas nos distintos Atlas de Anatomia Humana disponíveis na biblioteca da instituição de ensino para selecionar as imagens mais adequadas para a confecção dos modelos anatômicos artísticos. Para elaboração desses produtos foram utilizados materiais de papelaria de baixo custo, como: isopor, massa de biscuit, caixas plásticas e de papelão, bonecos plásticos, argila, tintas, cola, papéis diversos e materiais reutilizáveis.
Antes da aplicação dos materiais didáticos construídos, todos foram testados pelos monitores da disciplina por meio de um teste piloto no qual os materiais foram utilizados numa simulação de aulas, sendo supervisionados pelo professor titular da disciplina, com a finalidade de verificar a qualidade dos produtos e realizar ajustes quando necessário.
Duas turmas foram selecionadas para a aplicação das metodologias. A fim de facilitar o andamento do estudo, a primeira turma, de Fisioterapia, e a segunda turma, de Nutrição, foram designadas de A e B, respectivamente. O estudo contou com nove encontros, sendo que no primeiro encontro de ambas as turmas os discentes foram apresentados à disciplina de Anatomia Humana e ao projeto aqui investigado. Logo em seguida, todos os alunos e alunas foram convidados para participar do estudo e os que concordaram assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e, posteriormente, responderam a um questionário para caracterização da população (sexo, cor de pele, idade, origem escolar, escolaridade dos pais e renda per capita).
Da população de estudo (n=85), seis discentes (dois da turma A e quatro da turma B) foram excluídos por terem cursado previamente a disciplina Anatomia Humana. Diante disso, o número total de participantes incluídos diminuiu para 79 (92,9%) discentes. O segundo encontro foi realizado de forma tradicional (controle), utilizando modelos anatômicos plásticos, peças cadavéricas e livro do tipo Atlas de Anatomia Humana. Do terceiro ao nono encontro foram aplicadas as metodologias alternativas. As aulas práticas da disciplina, com duração de duas horas, foram direcionadas pelo professor com o auxílio de quatro monitores, cada um sendo responsável por uma bancada de trabalho específica. As aulas práticas foram constituídas de seis momentos: 1º momento (acolhimento) – duração de cinco minutos; 2º momento (pré-teste) – duração máxima dez minutos. Os discentes responderam a um pré-teste específico sobre o conteúdo ministrado na aula teórica sendo o mesmo da aula prática, a fim de que fosse avaliado o conhecimento prévio (cinco questões do tipo múltipla escolha); 3º momento (aula prática tradicional) – duração de 40 minutos. Os monitores, supervisionados pelo professor, apresentam os pontos anatômicos tendo o auxílio das peças anatômicas (cadavéricas humanas e plásticas) e livro tipo Atlas; 4º momento (metodologia alternativa) – duração de 40 minutos; 5º momento (pós-teste) – duração máxima de 20 minutos. Os discentes respondem a um pós-teste, aplicado da mesma forma que o pré-teste, composto das mesmas questões da primeira avaliação (tendo sido alteradas as ordens das questões e das alternativas), acrescido de outras cinco novas questões. O pós-teste tinha como objetivo avaliar o conhecimento adquirido na aula; 6º momento (teste de satisfação) – duração máxima de cinco minutos. Os voluntários respondem o quanto gostaram da metodologia alternativa no que se refere a aspectos como a satisfação geral com o tipo de método, o tempo utilizado, o aproveitamento do conteúdo, a qualidade do material, a relação entre o conteúdo e o método de ensino de cada atividade e se recomendariam a disciplina a outros estudantes. As referidas alternativas foram graduadas de acordo com a escala Likert, utilizada em pesquisas de opinião, onde os entrevistados especificam o seu nível de concordância com as afirmações do teste de satisfação: (1) Não concordo totalmente; (2) Não concordo parcialmente; (3) Indiferente; (4) Concordo parcialmente e (5) Concordo totalmente. Foi solicitado ainda que os estudantes enumerassem os pontos positivos e negativos da metodologia.
A análise estatística foi descritiva com apresentação tabular e gráfica. A caracterização da amostra e as avaliações dos aprendizados (pré e pós-testes), relativos às preferências pelos distintos métodos de ensino utilizados na disciplina (tradicionais e alternativos), foram analisadas quantitativamente com auxílio do programa Prism (GraphPad Inc., San Diego, CA, Estados Unidos da América, Release 7.0, 2016). Os dados são apresentados por meio de média e desvio padrão após verificação da normalidade pelo teste de Kolmogorov-Smirnov. As comparações entre os valores pré-teste e pós-teste para as mesmas metodologias ou para os mesmos métodos foram realizadas por meio do teste t para amostras dependentes. Para comparação das médias do pré com o pós-teste nos diferentes métodos alternativos em um mesmo grupo foram realizadas análises de variância (ANOVA) de dois fatores (two-way), seguidas do pós-teste de Bonferroni. Os valores calculados de p são exatos e o limite confidencial adotado foi de 5%.
Resultados e Discussão
O perfil sociodemográfico da população auxilia a compreensão dos resultados relacionados com a aprendizagem, visto que, como evidenciado nos resultados de Fonseca et al. (2019), alguns fatores podem favorecer ou não a compreensão dos conteúdos. No presente estudo, a população foi constituída em sua maioria por mulheres (79,5%) e as idades variaram entre 17 e 50 anos com M±DP padrão de 20,1±1,5 anos (sendo 19,5±2,1 anos para o bacharelado em Fisioterapia e 20,5±3,5 anos para o bacharelado em Nutrição). Além disso, os discentes eram, em sua maioria, nascidos na região do vale do São Francisco, se autorrelatavam pardos e seus pais e mães tinham o ensino médio completo. Em relação ao sexo biológico, os resultados estão em conformidade com a literatura, uma vez que há um expressivo aumento de mulheres cursando o Ensino Superior no Brasil (Berquó; Cavenaghi, 2016). Em adição, a média de idade dos ingressantes no Ensino Superior no Brasil vem diminuindo, assim como pode ser verificado a partir dos dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (2016). Em 2016, o Inep identificou que a maioria dos estudantes matriculados nos cursos de graduação presencial tinha 21 anos.
Ao analisar os cursos de maneira individual (Tabela 1), verificou-se que as características sociodemográficas eram semelhantes, exceto para a região de nascimento dos discentes. Em comparação com os discentes do bacharelado em Fisioterapia, a maioria dos estudantes do curso de bacharelado em Nutrição nasceu em região externa ao Vale do São Francisco. Esse expressivo número de estudantes vindos de distritos não pertencentes ao Vale do São Francisco pode ser parcialmente explicado por que os cursos de bacharelado em Fisioterapia e em Nutrição das universidades públicas da região são ofertados somente no campus de Petrolina. As demais instituições de Ensino Superior que ofertam os mesmos dois cursos são de interesse privado.
Quanto à renda per capita, apenas 35% dos estudantes responderam (Tabela 1), sendo que a renda mensal desses variou entre R$ 400,00 e R$ 6.000,00 (M±DP = R$ 800,00±337,28). O acesso à educação é apontado por muitos estudiosos como um dos fatores fundamentais ligados à obtenção de melhores oportunidades no mercado de trabalho. De acordo com Ferreira e Veloso (2003), os filhos com pais mais escolarizados apresentam escolaridade superior em relação aos indivíduos com pais pouco escolarizados. Para Silva e Hasenbalg (2002), pais com maior nível educacional compreendem melhor os benefícios futuros da educação de seus filhos, e, consequentemente, estão mais instruídos a ajudar e apoiar o estudo desses.
Variáveis | Cursos | ||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Fisioterapia (n=44) | Nutrição (n=35) | Ambos (n=79) | |||||||
N | % | N | % | N | % | ||||
Sexo biológico | |||||||||
Feminino | 35 | 79,5 | 31 | 88,6 | 66 | 83,5 | |||
Masculino | 9 | 20,5 | 3 | 08,6 | 12 | 15,2 | |||
Não declarou | - | - | 1 | 02,8 | 1 | 01,3 | |||
Naturalidade | |||||||||
Região do vale do São Francisco | 26 | 59,1 | 15 | 42,9 | 41 | 51,9 | |||
Outras regiões | 18 | 40,9 | 20 | 57,1 | 38 | 48,1 | |||
Cor de pele autorrelatada | |||||||||
Branca | 18 | 40,9 | 12 | 34,3 | 30 | 38,0 | |||
Preta | 6 | 13,6 | 4 | 11,4 | 10 | 12,7 | |||
Parda | 20 | 45,5 | 14 | 40,0 | 34 | 43,0 | |||
Vermelha | - | - | 1 | 02,9 | 1 | 01,3 | |||
Não respondeu | - | - | 04 | 11,4 | 4 | 05,1 | |||
Escolaridade da mãe | |||||||||
Ensino fundamental incompleto | 3 | 06,8 | 2 | 05,7 | 5 | 06,3 | |||
Ensino fundamental completo | 2 | 04,5 | 3 | 08,6 | 5 | 06,3 | |||
Ensino médio incompleto | 0 | 00, 0 | 1 | 02,9 | 1 | 01,3 | |||
Ensino médio completo | 14 | 31,8 | 10 | 28,6 | 24 | 30,4 | |||
Ensino superior incompleto | 6 | 13,6 | 4 | 11,4 | 10 | 12,7 | |||
Ensino superior completo | 7 | 15,9 | 7 | 20, 0 | 14 | 17,7 | |||
Pós-graduação | 8 | 18,2 | 4 | 11,4 | 12 | 15,2 | |||
Não informada | 4 | 09,1 | 4 | 11,4 | 8 | 10,1 | |||
Escolaridade do pai | |||||||||
Ensino fundamental incompleto | 8 | 18,2 | 5 | 14,3 | 13 | 16,5 | |||
Ensino fundamental completo | 4 | 09,1 | 4 | 11,4 | 8 | 10,1 | |||
Ensino médio incompleto | 1 | 02,3 | 4 | 11,4 | 5 | 06,3 | |||
Ensino médio completo | 14 | 31,8 | 11 | 31,4 | 25 | 31,6 | |||
Ensino superior incompleto | 3 | 06,8 | 3 | 08,6 | 6 | 07,6 | |||
Ensino superior completo | 7 | 15,9 | 4 | 11,4 | 11 | 13,9 | |||
Pós-graduação | 2 | 04,5 | 1 | 02,9 | 3 | 03,8 | |||
Não informado | 5 | 11,4 | 3 | 08,6 | 8 | 10,1 | |||
Renda mensal per capita | |||||||||
Até um salário mínimo | 5 | 11,4 | 6 | 17,1 | 11 | 13,9 | |||
Maior que um salário mínimo | 11 | 25, 0 | 6 | 17,1 | 17 | 21,5 | |||
Não respondeu | 28 | 63,6 | 23 | 65,7 | 51 | 64,6 |
Em relação à cor de pele, a escolaridade é mais baixa entre os alunos autorrelatados com cor de pele preta do que entre os autorrelatados brancos, sendo possível verificar dados congruentes nesta pesquisa. Nos anos de 2003 e 2013 houve aumento no número de matrículas de brasileiros autorrelatados pardos, pretos e/ou mulatos no Ensino Superior, bem como de indivíduos com renda domiciliar per capita de até um salário mínimo e meio (Carvalho; Waltenberg, 2015). Além disso, elevadas taxas de desemprego no Brasil foram identificadas para indivíduos com ensino fundamental completo e ensino médio incompleto. Portanto, parece que a economia do país tem sido incapaz de gerar postos de trabalho suficientes para trabalhadores cada vez mais escolarizados, sendo a taxa de desemprego para pessoas com cor de pele preta sempre superior, independentemente do nível de escolaridade considerado (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, 2007). Desse modo, é possível identificar semelhança entre a população do estudo retratado neste artigo com os estudantes universitários brasileiros.
Nas aulas práticas de Anatomia Humana é comum que os estudantes permaneçam fixados à memorização das estruturas anatômicas, frequentemente sem associar o conteúdo teórico/prático (Silva; Aguiar Junior; Cespedes, 2010). Desse modo, o ensino tradicional vem se tornando uma metodologia pouco eficiente diante das exigências do mercado de trabalho atual. Logo, o investimento em metodologias alternativas e inovadoras de ensino é essencial para promover a aprendizagem e desenvolver novas habilidades e competências (Fofonca et al., 2018).
Avaliando o conhecimento prévio dos estudantes, por meio do pré-teste, nota-se que a pontuação obtida não foi semelhante entre todas as metodologias (Tabela 2). Essa constatação é parcialmente explicada pela elevada diversidade de temas propostos, demonstrando que alguns alunos acertaram completamente o questionário com o tema de introdução à anatomia, enquanto outros erravam quase que integralmente o questionário sobre o sistema genital feminino e masculino. A maior média de pontuação identificada no pré-teste foi para a aula que utilizou a metodologia tradicional e a menor pontuação mensurada foi para a aula que utilizou a metodologia alternativa “pintura em papel”, que envolvia o conteúdo sobre o sistema genital feminino e masculino. Os pós-testes comparativos entre as questões antigas e as novas, para avaliação do conhecimento adquirido, com melhores desempenhos de aprendizagem foram para as seguintes metodologias alternativas: papercraft, com incrementos de 2,2 e 1,9 pontos em média; contação de histórias, com incrementos de 1,3 e 1,8 pontos em média e modelagem em argila, com incrementos de 0,93 e 1,42 pontos em média. Já os testes com menor rendimento após sua aplicação foram: pintura em papel, com decréscimo de 0,1 pontos e incremento de 0,2 pontos em média; jogo, com incremento de 0,5 pontos e decréscimo de 0,3 pontos em média e pintura corporal, com incrementos de 0,6 e 0,4 pontos em média. O tapete facial permitiu a memorização, pois aumentou a média de acertos no questionário avaliativo original (incremento de 1,1 pontos em média), porém reduziu a média de acertos quando comparado ao pré-teste original (decréscimo de 0,2 pontos em média). Na avaliação pós-teste, os estudantes submetidos à maioria das metodologias alternativas melhoraram seus desempenhos em relação aos seus pré-testes. Todos os resultados obtidos com as metodologias alternativas, exceto para a pintura em papel, foram matematicamente superiores na análise que compreende a comparação do pré-teste original com o pós-teste utilizando as mesmas questões e/ou as questões originais. Comparando as médias do pré-teste original com os questionários contendo as perguntas novas de mesmo grau de dificuldade, observou-se melhora nos escores após aplicação de cinco das oito metodologias. Apenas uma metodologia alternativa, a modelagem em argila, resultou em diferença positiva estatisticamente significativa (p<0,05) na comparação com os resultados obtidos nos pós-testes (4,8±0,6 pontos) versus a metodologia tradicional de ensino (4,6±0,7 pontos). Por fim, papercraft foi a metodologia que apresentou as maiores variações positivas quando comparados os resultados do pré-teste contra os dois pós-testes: 2,2 pontos de incremento em média para o pós-teste original e 1,9 pontos de incremento em média para o pós-teste contendo as novas questões.
Metodologias utilizadas | M±DP de acertos nos testes | Δ Variação (Pós - Pré) | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
Pré-teste |
Pós-teste igual |
Pós-teste com questões novas |
Pós-teste igual |
Pós-teste com questões novas |
||
Tradicional, introdução à anatomia (n=75) | 4,21±0,76A | 4,52±0,74A | 4,60±0,82A | 0,31 | 0,39 * | |
Pintura corporal, osteologia (n=78) | 3,83±0,92A,C | 4,46±0,70A,C | 4,21±0,81A | 0,63* | 0,38 * | |
Tapete facial, miologia (n=67) | 2,73±0,93B | 3,81±0,93B,D | 2,54±0,84B | 1,08 * ** | -0,19 | |
Jogo, circulatório (n=68) | 3,44±1,16C | 3,96±0,84B,C | 3,12±1,47C | 0,52* ** | -0,32 | |
Modelagem em argila, respiratório (n=69) | 3,35±1,08C | 4,28±0,86A,C,D | 4,77±0,60D | 0,93* | 1,42* ** | |
Contação de histórias, digestório (n=74) | 2,42±1,02B,D | 3,73±0,97B | 4,16±1,06A | 1,31* | 1,84* ** | |
Papercraft, urinário (n=74) | 2,41±1,24B,D | 4,58±0,81A | 4,26±0,86A | 2,17* | 1,85 | |
Pintura em papel, genitais (n=71) | 2,11±1,24D | 2,04±1,27E | 2,28±1,47B | -0,07 | 0,17 |
Nota:
*Diferenças estatisticamente significativas (p≤0,05) na comparação entre as médias do Pré-teste como os Pós-testes.
**Diferenças estatisticamente significativas (p≤0,05) na comparação entre as médias dos Pós-testes. Letras iguais significam semelhança estatística (p>0,05) enquanto letras distintas indicam diferenças estatisticamente significativas (p≤0,05) na comparação dentro de cada momento para o número de acertos em cada metodologia.
n: Corresponde ao número de questionários respondidos; M: Média; DP: Desvio Padrão.
Fonte: Elaborado pelos autores (2020).
A primeira metodologia aplicada foi a “pintura corporal”, ferramenta de ensino cada vez mais popular (Goulart et al., 2015) devido à praticidade, ao uso de materiais de baixo custo, à rápida realização e participação conjunta dos estudantes, que podem colaborar como modelo vivo e praticar nos colegas (Skinder-Meredith, 2010). Nesse sentindo, a utilização de pinturas para representação e exploração de conhecimentos possibilita despertar e atrair a atenção do público.
Quanto ao “tapete facial”, metodologia baseada no estudo de Braid, Williams e Weller (2012), essa foi desenvolvida utilizando fitas de cores distintas, larguras e tamanhos variados para representar os músculos da face, que são fixadas numa touca. No estudo original foi utilizado um tapete corporal (Anato-Rug) para representar a anatomia topográfica da musculatura de um cavalo. Para avaliar o aprendizado, foram conduzidos dois grupos, sendo que um utilizou o método alternativo de aprendizagem e outro, o grupo controle, aprendeu anatomia topográfica utilizando somente os livros. Ambos os grupos foram avaliados durante a atividade e uma semana depois. Além disso, preencheram um questionário para determinar as percepções deles sobre as experiências de aprendizagem que tiveram. O grupo experimental teve pontuação significativamente maior do que o grupo controle no primeiro teste, mas a diferença não foi significativa nos escores entre os grupos no segundo momento. Todavia, ao analisar as percepções de experiências de aprendizagem, os resultados mostraram que o grupo experimental pontuou a atividade como prazerosa e ganhou mais confiança na identificação de pontos anatômicos do que o grupo controle.
O “jogo didático”, por sua vez, apresenta características que possibilitam experiências lúdicas específicas que aumentam as relações de quem joga, pois estimulam o aprender, o ouvir, o escolher, o expor perspectivas e o cumprimento das regras, sabendo que elas geram sentenças, tencionando executar determinada atividade e dinamizar corporalmente os conteúdos (Kishimoto, 1998). Já a “modelagem com argila” foi realizada por meio da observação de peças anatômicas reais e/ou estudos da anatomia do órgão a ser elaborado, contando também com cartilha de orientação. A execução desse tipo de atividade promove a sensibilização e a incorporação de formas de olhar e de se comportar diferenciadas para com o próprio corpo e para o ambiente (Fornazieiro, 2010).
Segundo Pereira (2016), a “contação de história” é um mecanismo capaz de despertar nos alunos o interesse pelo conhecimento. Machado (2016) explica que existem critérios que devem ser levados em consideração, pois as histórias precisam ter relação com o tema trabalhado em aula, considerar a faixa etária do público e englobar o contexto em que alunos estão inseridos. O autor também retrata que o tempo destinado para contar uma história não tem relevância, desde que o conteúdo tenha qualidade e que os recursos utilizados sejam adequados, sem uso de improvisos.
O “papercraft” tem como principal característica a tridimensionalidade da estrutura. É uma ótima ferramenta a ser trabalhada, dado que o papel é um material versátil, pois apresenta uma variedade de tipos, sendo possível incluir o uso de papéis reciclados para a confecção de diferentes tipos de objetos (Bunicoski, 2013). A proposta desse método é o trabalho em grupo, evidenciando o cooperativismo, o uso do raciocínio lógico para a montagem e a procura por conhecimentos anatômicos acerca do assunto trabalhado para confeccionar as peças.
Finalmente, a metodologia de “pintura em papel” permite ao estudante que, ao colorir as figuras, ele seja capaz de fazer associações visuais com determinadas terminologias e compreender informações, favorecendo o aprendizado cinestésico. Alguns autores reportam que o desenho apresenta inter-relação com a memória, coordenação motora e sensibilidade, permitindo que o aluno entenda a figura do corpo humano de outra forma, trabalhando a consciência, o processo de construção e a percepção do próprio corpo (Derdyk, 1990; Kapit; Elson, 2002). A literatura tem apresentado resultados satisfatórios quanto ao uso dessa metodologia, que tem se mostrando potencializadora dos aspectos motivacionais, além de oferecer significativa melhoria da integração da aprendizagem (Strini et al., 2016). Infere-se a partir desses achados, na lógica dessa metodologia, que muitos livros de colorir de Anatomia Humana estão disponíveis para aquisição pessoal e institucional, os quais podem potenciar a aprendizagem nos aspetos referidos.
Quanto à análise da satisfação dos discentes referente às estratégias de ensino, em geral os métodos agradaram os universitários, exceto no caso da “pintura em papel” que, como estratégia de ensino, gerou insatisfação (Figura 1).
Nota: *Diferença estatisticamente significativa (p<0,05) na comparação entre a metodologia alternativa em questão com a metodologia tradicional. Fonte: Elaborado pelos autores (2020).
A satisfação com a metodologia educacional possibilita ao estudante perceber uma melhor aprendizagem, tornando o processo mais motivador. Portanto, pressupõe-se que existe uma relação direta entre a satisfação e a motivação (Bonini-Rocha et al., 2014). A motivação possibilita que o acadêmico tenha vontade e capacidade de manter a concentração e o empenho durante o tempo necessário para alcançar a meta proposta (Boruchovitch; Bzuneck, 2010). A variável da satisfação tem sido relacionada com a formação profissional e as interações sociais. Da mesma forma, a insatisfação pode provocar um possível desejo de desistência do curso, afetando também a saúde física e mental dos estudantes (Ramos et al., 2015). Portanto, a avaliação da satisfação do aluno é um procedimento que fornece subsídios para tomadas de decisões acerca das metodologias utilizadas nas disciplinas.
Ao avaliar os critérios de satisfação discente quanto ao tempo, facilidade de aprendizado e relação com o conteúdo, observam-se semelhanças entre a maioria das metodologias alternativas com a metodologia tradicional, indicando serem boas estratégias de estudo. As metodologias “tapete facial” e “jogo didático” foram indicadas como trabalhosas, enquanto a “pintura em papel”, apesar de pouco trabalhosa, gerou insatisfação quanto aos demais aspectos. Todas as atividades propostas foram recomendadas como metodologia de ensino, exceto “pintura em papel” (Tabela 3).
Critérios de satisfação | Metodologias utilizadas | ||||||||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Tradicional, introdução à anatomia (n=39) |
Pintura corporal, osteologia (n=39) |
Tapete facial, miologia (n=39) |
Jogo, circulatório (n=39) | Modelagem, respiratório (n=39) | Contação de histórias, digestório (n=39) |
Papercraft, urinário (n=39) | Pintura em papel, genitais (n=39) | ||||||||
M±DP | M±DP | M±DP | M±DP | M±DP | M±DP | M±DP | M±DP | ||||||||
Questão 1 | 4,51±0,91 | 4,62±0,71 | 4,62±0,75 | 4,77±0,48 | 4,79±0,47 | 4,69±0,66 | 4,82±0,39 | 1,79±1,81* | |||||||
Questão 2 | 4,64±0,87 | 4,74±0,50 | 4,64±0,74 | 4,90±0,31 | 4,85±0,43 | 4,51±1,05 | 4,56±0,85 | 2,08±2,03* | |||||||
Questão 3 | 4,62±0,85 | 4,82±0,51 | 4,64±0,74 | 4,82±0,45 | 4,79±0,52 | 4,64±0,81 | 4,59±0,72 | 2,41±1,62* | |||||||
Questão 4 | 4,90±0,38 | 4,85±0,37 | 4,69±0,52 | 4,87±0,34 | 4,92±0,27 | 4,69±0,61 | 4,74±0,64 | 2,95±1,49* | |||||||
Questão 5 | 1,51±1,73 | 2,26±1,96 | 2,74±1,86* | 3,62±1,68* | 2,10±1,90 | 1,90±1,98 | 2,33±1,90 | 2,44±1,68 | |||||||
Questão 6 | 4,85±0,43 | 4,85±0,43 | 4,51±0,85 | 4,33±1,51 | 4,90±0,38 | 4,67±0,70 | 4,38±1,07 | 2,05±1,57* |
Nota:
*Diferença estatisticamente significativa (p<0,05) na comparação entre a metodologia alternativa em questão com a metodologia tradicional. Questões: critérios de satisfação discente com notas entre 1 e 5 em escala do tipo Likert: 1) O tempo da atividade foi adequado?; 2) O material foi adequado para facilitar a aprendizagem?; 3) O material apresentava boa qualidade?; 4) A relação entre o conteúdo e o método de ensino foi adequado?; 5) A atividade foi muito trabalhosa?; 6) Você recomendaria a utilização desse método para o aprendizado em anatomia?
Fonte: Elaborado pelos autores (2020).
Os resultados da satisfação no presente estudo evidenciam que a “pintura em papel”, como metodologia de ensino, gerou insatisfação nos estudantes por razões subjetivas que podem estar relacionadas com o não favorecimento da aprendizagem, identificado por meio dos pós-testes. Entretanto, essa metodologia não é inovadora quando comparada aos outros métodos aplicados, o que pode ter acentuado o descontentamento dos universitários.
As mudanças curriculares nas Instituições de Ensino Superior (IES) têm aumentado a busca por novas estratégias de ensino e aprendizagem em saúde (Braid; Machado; Aranha, 2012). A integração dos conteúdos com metodologias mais atraentes e divertidas na Educação Superior estimula um maior interesse dos discentes, pois aprende-se melhor quando se gosta do que se faz.
Sendo assim, para a utilização nas aulas práticas de Anatomia Humana, o “papercraft” se mostrou efetivo pelo bom ganho e aceitação dos estudantes, com diferenças estatisticamente significativas. O “tapeta facial” e o “jogo didático” também são sugeridos como metodologias inovadoras com ganhos significativos na aprendizagem, apesar de terem sido avaliados como processos alternativos trabalhosos. Além disso, os resultados dos pós-testes demonstram, genericamente, ganhos de relevo durante o processo de pesquisa. A “pintura em papel” foi a única metodologia que não se mostrou eficiente em nenhum momento de avaliação, talvez pela praticidade e facilidade quando comparada aos outros métodos.
Ao avaliar os pontos positivos e negativos referidos pelos estudantes, observa-se que a maioria mencionou que as metodologias alternativas apresentam boa correlação com o conteúdo teórico e facilitam a aprendizagem. Além disso, os estudantes ainda referiram com frequência a criatividade, a dinâmica do ensino e a possibilidade de interação. Com relação aos pontos negativos, alguns alunos se queixaram do pouco tempo para a execução das atividades. De modo geral, as metodologias alternativas foram consideradas bons métodos de estudo e aprendizagem.
Considerações Finais
As abordagens pedagógicas baseadas nas metodologias ativas de ensino têm sido utilizadas por distintas IES. Percebe-se a relevância da ludicidade na aprendizagem, de modo que os alunos tenham uma memória mais significativa e efetiva. No entanto, algumas vezes os professores não estão abertos para trabalhar com metodologias ativas, principalmente porque a formação deles foi centrada no método convencional de ensino associada à inexistência de políticas governamentais incentivadoras.
Neste estudo, as metodologias alternativas atenderam aos objetivos inicialmente propostos, mostrando-se materiais educativos pertinentes para o público-alvo para o qual foram desenvolvidas. A elaboração dos materiais, considerando as fragilidades estudantis e as necessidades do acervo do LabAP, podem ter sido fatores importantes para a obtenção de resultados favoráveis.
Os resultados encontrados surgem como um contributo para suprir a carência de materiais educativos voltados para uso de metodologias alternativas no ensino da Anatomia Humana, assim como os referidos materiais que atingiram os maiores incrementos podem auxiliar estudantes com dificuldade de aprendizagem. Entretanto, o material educativo desenvolvido não garante, isoladamente, uma aprendizagem significativa em Anatomia. São necessários conhecimentos prévios que são passados nas próprias aulas teóricas e práticas tradicionais. Alude-se também à necessidade de um planejamento coerente, que considere os objetivos educacionais da disciplina.
Cabe aqui destacar que as metodologias utilizadas precisam de maior refinamento, tendo em vista que uma delas foi considerada insatisfatória na percepção dos estudantes avaliados. Sendo assim, outros métodos educacionais e novos modos de aprender devem ser investigados a fim de se alcançar uma aprendizagem mais efetiva, assim como uma percepção mais alargada acerca das potencialidades e dos procedimentos das metodologias alternativas nos potenciais ganhos de aprendizagem.