Introdução
As relações entre professor e estudantes, tema deste trabalho, se por um lado são importantes para a motivação por parte dos estudantes, contribuindo para o engajamento estudantil e o desenvolvimento da aprendizagem desses sujeitos, como defendem alguns autores (Ribeiro; Jutras; Louis 2005), por outro lado podem colaborar negativamente para a rejeição dos estudantes pelos componentes curriculares e pelos professores, influenciando na evasão dos acadêmicos (Azevedo, 2018; Oliveira et al., 2014).
Nesse sentido, o estudo realizado por Cavaca et al. (2010) mostra que a relação entre professor e estudantes, se baseada em valores como a comunicação e o respeito entre os pares, contribui para a qualidade do aprendizado do educando. Todavia, quando essa relação é pautada em atitudes como a arrogância, a intimidação e a coerção por parte dos docentes, o prejuízo para os estudantes vai repercutir na aprendizagem e, inclusive, no futuro ambiente de trabalho deles.
Azevedo (2018) e Oliveira et al. (2014) também chegam a resultados similares aos de Cavaca et al. (2010). No estudo do primeiro, fica evidente a existência de uma relação de poder na sala de aula universitária, na medida em que as comunicações que se processam nesse ambiente são pautadas no distanciamento, na falta de troca e de diálogo entre os sujeitos.
Já o estudo de Oliveira et al. (2014) evidencia que, para a adaptação do estudante ao ambiente universitário, é importante que, além do preparo teórico e didático, os estudantes valorizem a abertura do professor ao diálogo, à orientação dos graduandos em relação à carreira e a outros temas que venham contribuir para a satisfação desses sujeitos.
Isso posto, concorda-se com Day (2011) quando o autor defende que as emoções são fundamentais à docência, na medida em que podem produzir efeitos, tanto positivos quanto negativos, sobre o estado emocional do professor e sobre o clima que esse estabelece na sala de aula, o que, consequentemente, irá influenciar na aprendizagem dos acadêmicos. Sendo assim, o autor propõe que as emoções positivas superem as negativas, a fim de que os indivíduos se sintam valorizados e queridos.
Diante do exposto até aqui e tendo em vista que a docência tem se tornado uma profissão complexa, acorda-se com Cunha (2006) ao evidenciar que os professores universitários, na atualidade, enfrentam muitos impasses na sala de aula, os quais não correspondem ao domínio dos conteúdos específicos de sua formação. Na verdade, esses desafios requerem desses profissionais outros saberes.
Com efeito, Nóvoa (2002, p. 23) refere ser a relação com o educando um dos aspectos que torna a docência uma profissão complexa, pois, diferente do que ocorre com outros profissionais, “o trabalho do professor depende da colaboração do ‘aluno’. […] Ninguém ensina quem não quer aprender”. De tal modo, a relação professor-estudante pode gerar tensões ou, contrariamente, produzir recompensas e gratificações, como a receptividade do estudante diante da aprendizagem.
Em conformidade com o que defende Masetto (2012), Nóvoa (2002) mostra-se favorável à integração entre as dimensões afetiva-emocional, cognitiva e da formação de atitudes; ou seja, as habilidades humanas e profissionais no processo de aprendizagem dos estudantes. Afiança, ainda, a necessidade de os professores conhecerem os estudantes e suas realidades de modo a se empenharem na orientação de atividades individuais e coletivas, além firmar parcerias voltadas para a aprendizagem desses sujeitos. Nesse sentido, Masetto (2012, p. 60) ressalta:
É importante que o professor desenvolva uma atitude de parceria e corresponsabilidade com os alunos, que planejem o curso juntos, usando técnicas em sala de aula que facilitem a participação e considerando os alunos como adultos que podem se corresponsabilizar por seu período de formação profissional.
Essa afirmação de Masetto (2012) evidencia a importância de o docente universitário superar uma formação centrada apenas no aspecto cognitivo, uma vez que a sociedade espera que os profissionais que concluem as graduações universitárias dominem habilidades não apenas técnicas, mas que sejam cidadãos éticos e responsáveis pelo desenvolvimento de sua comunidade.
Pereira (2017) traz uma contribuição a esse diálogo sobre a relação professor-estudantes ao defender que essa apresenta correspondência direta com a qualidade do processo ensino-aprendizagem; que a qualidade da mediação docente pode produzir afetos positivos ou negativos nesse processo e, por último, que a afetividade não pode ser pensada isolada da cognição.
Nessa linha de raciocínio, Ribeiro (2010) enfatiza que a afetividade é importante na relação educativa, pois é pelo caminho afetivo que as aprendizagens cognitivas dos estudantes se constroem. Ora, se esse argumento é adequado, o docente não pode se descuidar dos sentimentos e emoções imbricados em sua prática educativa, visto que a demonstração de interesse, cuidado e preocupação por parte do professor, o porquê e como acontecem os processos produtivos do conhecimento na mente dos estudantes podem transformar a dificuldade de aprender desses sujeitos em melhores resultados acadêmicos e formativos.
Afora o exposto, Mota (2017) e Souza (2016) revelam, com os resultados de seus estudos, que o professor afetivo é próximo, solidário, acolhedor, preocupa-se com as necessidades formativas dos estudantes, respeita as diferenças culturais, dedica-se à profissão, é amigo e tem sensibilidade, flexibilidade e humanidade ao tratar das dificuldades cognitivas e afetivas dos estudantes. Além dessas características pessoais, Ribeiro, Jutras e Louis (2005, p. 38) acrescentam que o professor afetivo é “[...] humano, próximo, afetuoso, seguro, paciente, pacífico, maternal, compreensivo, humilde, empático, estudioso, respeitoso, confiante, aberto às críticas e ao diálogo”. Ademais, “[...] percebe as necessidades dos alunos e coloca-se à disposição deles para ajudá-los”.
Destarte, os resultados dos estudos mencionados impulsionaram os autores deste artigo a questionar quais os sentimentos expressos pelos estudantes do curso de engenharia de alimentos sobre a relação que estabelecem com os professores na sala de aula.
Para responder esse questionamento, realizou-se uma pesquisa cujo objetivo geral foi compreender os sentidos atribuídos por estudantes do curso de engenharia de alimentos da Universidade Estadual de Feira de Santana à relação professor-estudantes e cujo objetivo específico visava destacar a organização do conteúdo das representações da relação professor-estudantes. A escolha desse curso de graduação da referida instituição deve-se principalmente ao fato dele apresentar um número significativo de estudantes dessemestralizados e/ou em situação de desistência.
Essa investigação das representações sociais dos estudantes do curso de engenharia de alimentos apresenta relevância social, pois pode estimular outros pesquisadores a trabalharem em perspectivas similares, a fim de se compreenda como se configura a relação entre docentes e discentes, e talvez, com base nos resultados dessas pesquisas, as instituições de Educação Superior sintam-se comprometidas em estimular o planejamento e a efetivação de políticas institucionais visando ao desenvolvimento profissional dos seus professores, de modo que o ambiente em sala de aula seja pautado em relações afetivas que propiciem o empenho conjunto para uma aprendizagem integral dos sujeitos em formação.
Este artigo está dividido em quatro partes. Na primeira será feita uma abordagem sobre a teoria das representações sociais. Na segunda parte serão descritos os procedimentos metodológicos empregados na pesquisa. Em seguida, os resultados e a discussão serão apresentados a partir de um quadro de quatro casas que permite a visualização dos conteúdos das representações sobre a relação professor-estudantes e sua estrutura: o possível núcleo central, os elementos intermediários, de contraste e periféricos. Por último, serão tecidas algumas considerações conclusivas.
A teoria das representações sociais
Representações Sociais (RS) são definidas como “[...] uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, com um objetivo prático, e que contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social” (Jodelet, 1989, p. 22). A autora acrescenta que é um saber do senso comum, um “saber ingênuo”, diferenciado de outros, principalmente do saber produzido pela ciência. Todavia, adiciona Jodelet (1989), pelo valor que tem para a vida social, por reger a relação dos indivíduos com o mundo e com as outras pessoas, esse conhecimento é legítimo.
As representações sociais apresentam como características, segundo Rateau et al. (2012), o fato de serem organizadas; isto é, seus elementos interagem uns com os outros, são partilhados por um determinado grupo social, são produzidos por um coletivo e têm uma utilidade ao grupo social que permite o entendimento e a interpretação do ambiente social de modo a prescrever, justificar e legitimar certas condutas e as comunicações sociais; ou seja, “[...] a representação é um guia para as ações, ela orienta as ações e as relações sociais” (Abric, 1997, p. 13). Com efeito, Abric (1993) evidencia, ainda, que as RS são estáveis e móveis, rígidas e flexíveis; são consensuais, mas, ao mesmo tempo são marcadas por fortes diferenças interindividuais.
Além disso, as RS interferem em vários processos, a exemplo da difusão e da assimilação dos conhecimentos, da definição das identidades dos sujeitos e das transformações sociais (Jodelet, 1989). Por fim, as RS “[...] corporificam ideias em experiências coletivas e interações em comportamentos” (Moscovici, 2003, p. 48). Vale destacar, como alude Arruda (2003), que as RS surgem no meio social a partir das interações, conformam valores e práticas que têm vida própria, e depois, mediante a própria comunicação, as RS se esvaem, transformam-se, reaparecendo sob a forma de novas representações, em um processo que não tem fim.
Destarte, foi focado nos processos de comunicação, nas produções dos grupos sociais e numa perspectiva sociopsicológica que Serge Moscovici criou, em 1961, a partir do seu estudo La Psychanalyse, son image et son public, a Teoria Das Representações Sociais (TRS). As pesquisas com base na TRS geraram um campo transdisciplinar presente em todos os continentes e têm sido desenvolvidas em três linhas ou orientações: a psicogenética, a estrutural e a sociodinâmica. Aqui, interessa a orientação estrutural, a qual será descrita brevemente.
Criada por Abric e Flament, a teoria do Núcleo Central (NC) propõe que, na imagem dos elementos que compõem uma representação, uns desempenham funções diferentes dos outros, formando uma estrutura. Assim, o NC tem uma função geradora de significados e uma função organizacional, tendo em vista que os demais elementos – chamados periféricos – se organizam em torno dele. Enquanto os elementos do NC são entendidos como a parte abstrata, os elementos periféricos, ao contrário, são a parte concreta, operacional, pois funcionam como uma grade das situações que são experimentadas pelos indivíduos. Vale destacar que, embora diferenciados, esses dois sistemas são complementares.
Para Abric (1993), o sistema central apresenta algumas propriedades: está ligado à memória coletiva e à história do grupo; define a homogeneidade do grupo; é, ao mesmo tempo, estável, coerente e rígido; não é sensível ao contexto imediato e é onde o consenso da representação pode ser encontrado. Já o sistema periférico permite a integração de experiências e histórias passadas dos indivíduos; prescreve comportamentos; suporta a heterogeneidade do grupo; mostra-se mais flexível; suporta contradições; é mais sensível ao contexto imediato e, embora proteja o núcleo central, como se fosse um para-choque, é o primeiro a absorver novas informações capazes de atingir o NC.
Segundo Gilly (1989, p. 364), o interesse em estudar as RS para compreender temas da educação, como é este caso – a relação professor-estudantes – deve-se ao fato de que as RS “[...] orientam a atenção sobre o papel dos conjuntos organizados de significações sociais no processo educativo”. Tendo em vista que a sala de aula é um sistema social interativo, o seu funcionamento tem relação com outros sistemas gerais de representações sociais dos quais elas são dependentes. Além disso, a TRS pode ajudar na análise mais acurada relativa à comunicação pedagógica na sala de aula e na percepção de como as representações se constroem, evoluem e podem se transformar nos grupos sociais, como o grupo de estudantes de engenharia de alimentos avaliado neste estudo. Assim, este texto enfoca o arranjo estrutural dos elementos representacionais da relação entre professor e estudantes.
Procedimentos Metodológicos
A fim de alcançar o objetivo traçado nesse estudo – “compreender os sentidos atribuídos por estudantes do curso de engenharia de alimentos da Universidade Estadual de Feira de Santana para a relação professor-estudantes” – optou-se por uma pesquisa de abordagem qualitativa e ao mesmo tempo descritiva, cujo suporte teórico metodológico foi a teoria das representações sociais, assumindo como foco a orientação estrutural, que possibilitou detalhar os conteúdos semânticos que foram evocados em torno do objeto relação professor-estudantes.
A coleta e a produção de dados ocorreram nos meses de novembro e dezembro de 2019, durante as aulas do curso de engenharia de alimentos e em uma reunião no Diretório Acadêmico com estudantes do referido curso.
O estudo contou com 53 sujeitos colaboradores, que estavam matriculados entre o 3º e o 9º semestre do referido curso. O procedimento adotado para a produção de dados foi a aplicação da Técnica Associação Livre de Palavras (TALP), considerada pertinente pois possibilita emergir os elementos constitutivos das representações dos sujeitos e a sua organização.
A TALP tem um caráter projetivo e mostra-se apropriada à investigação de abordagem tanto quantitativa quanto qualitativa, na medida em que permite ao pesquisador ter acesso à estrutura interna das representações sobre determinado objeto. Também dá visibilidade às relações que cada elemento evocado tem com os demais, destacando o conjunto estruturado do qual a significação emerge. Nesse jogo, de acordo com Rouquete e Rateau (1998), cada peça só ganha sentido quando contribui para a significação do conjunto. Assim, as respostas fornecidas pelos participantes da TALP a partir de estímulos indutores trazem dimensões latentes sobre o objeto, as quais são organizadas no formato de uma rede associativa dos termos evocados (Nóbrega; Coutinho, 2003).
Nesta pesquisa foi utilizada a expressão indutora “relação professor e estudantes”. A partir dessa expressão, cada sujeito escreveu as quatro palavras que primeiro lhes vieram à mente; ou seja, aqueles sinônimos, substantivos, adjetivos, verbos ou palavras que, para eles, tinham relação com os termos indutores. Além disso, foram solicitados dados pessoais com o objetivo de traçar o perfil dos estudantes: idade, sexo e semestre no curso.
Para detectar o conteúdo das RS e destacar a sua organização, a frequência dos itens associados e sua ordem de aparecimento foram utilizadas como indicadores. Assim, aquelas palavras que apareceram de forma mais frequente e que foram evocadas em primeiro lugar foram consideradas as mais significativas para a estrutura das representações sociais em comparação aos termos posteriormente mencionados e que apareceram com menor frequência.
Todas as palavras e expressões escritas pelos participantes foram recolhidas a partir da TALP e organizadas, em ordem alfabética, na forma de um dicionário composto por 104 palavras e expressões, colocando ao lado de cada uma a frequência com que foi evocada e a ordem de evocação dessas palavras pelos sujeitos. Vale destacar que, a fim de que esse tipo de material fosse analisado, das 104 palavras evocadas foram extraídas aquelas que apareceram com uma frequência superior a 4 quatro vezes, que representam 12,5% do total. Desse modo, foram destacadas aquelas palavras que tiveram maior saliência (frequência) nas representações dos estudantes colaboradores, estando de acordo com outros estudos, como aquele realizado por Moscovici, no qual “o termo ‘complexo’ aparece como o mais frequente no vocabulário mobilizado a propósito da Psicanálise”. “[...] trata-se de uma consequência esperada da teoria, tendo em vista que, como princípios organizadores, as cognições centrais são mais facilmente acessíveis que as outras” (Rouquette; Rateau, 1998, p. 38). Em seguida, calculou-se a mediana das frequências, cujo resultado foi sete, e a mediana da ordem média de evocações, tendo como resultado 2,26. A partir desses cálculos, foi gerado o quadro de quatro casas (Tabela 1), o qual será apresentado mais adiante nos resultados deste estudo.
Vale destacar que a associação livre possibilitou o acesso, simultaneamente, aos elementos que constituem o universo semântico do termo indutor “relação professor e estudantes”, ao conteúdo dessa representação e da sua organização (estrutura interna) e dos elementos do núcleo central (hierarquia).
Salienta-se que, na execução desta pesquisa, foram tomados os cuidados referentes aos procedimentos éticos e de respeito aos seres humanos envolvidos, e, também, foi apresentado aos estudantes-participantes o Termo de Consentimento Livre Esclarecido, documento que permitiu o acesso ao teor da investigação, seus objetivos e instrumentos de socialização, além de ter sido propiciada a oportunidade de os colaboradores autorizarem o uso dos dados coletados para fins de pesquisa.
Resultados e Discussão
Entre os 53 participantes, constatou-se uma predominância de respondentes do sexo feminino – 72% dos sujeitos eram mulheres e 28%, homens. Esses dados fazem inferir que existe certa feminização no campo da engenharia, um curso da área de exatas, cujo currículo é formado em grande parte por componentes obrigatórios relacionados a cálculos: Álgebra Vetorial e Geometria Analítica, Física I e II, Cálculo Diferencial e Integral II, Equações Diferenciais I-E, Física Geral e Experimental III, Físico-Química I e II, Mecânica Geral, Métodos Numérico Aplicada a Engenharia I, Termodinâmica Aplicada à Engenharia de Alimentos I, Análise Físico-Química de Alimentos, Probabilidade e Estatística. Com efeito, Lombardi (2006) afirma que, embora os postos de trabalho femininos não ultrapassem 15% do total dos empregos formais, na última década a quantidade de matrículas de mulheres em cursos de graduação tem se mostrado crescente.
A idade dos participantes variou entre 18 e 29 anos e se distribuiu nas seguintes faixas etárias: 11% possuíam entre 18 e 19 anos de idade; 62% estavam na faixa de 20 a 23 anos de idade e 27% estavam na faixa etária entre 24 e 29 anos. Isso revela que mais da metade dos sujeitos pesquisados são jovens entre 20 e 23 anos.
Na Tabela 1 é apresentado e discutido o quadro de quatro casas composto pelos elementos centrais e periféricos, que formam uma rede associativa sobre a relação professor-estudantes.
Núcleo central | Primeira periferia | |||||||
Média: ≥ 7 | OME: ≤ 2,26 | Frequência: > 7 | OME: > 2,26 | |||||
Palavras | Freq. | OME | Palavras | Freq. | OME | |||
Ensino | 10 | 2,2 | Respeito | 9 | 2,33 | |||
Amizade | 10 | 2,1 | ||||||
Aprendizagem | 8 | 1,62 | ||||||
Distante | 7 | 2,0 | ||||||
Zona de contraste | Segunda periferia | |||||||
Média < 7 | OME: ≤ 2,26 | Frequência < 7 | OME: > 2,26 | |||||
Palavras | Freq. | OME | Palavras | Freq. | OME | |||
Estudo | 6 | 2,0 | Conhecimento | 6 | 2,33 | |||
Hierarquia | 5 | 1,0 | Dificuldade | 5 | 2,60 | |||
Compreensão | 4 | 2,0 | Atenção | 4 | 3,67 | |||
Empatia | 4 | 2,5 | ||||||
Prova | 4 | 3,5 |
Fonte: Elaborada pelas autoras a partir da Técnica Associação Livre de Palavras (2019).Nota: Freq.: Fequência; OME: Ordem Média de Evocações.
No quadrante superior esquerdo, configurando-se como os elementos organizadores das representações sobre a relação professor-estudantes, aparece a hipótese (NC). Tendo uma função organizadora, ele é composto por três elementos sintonizadores, ensino-amizade-aprendizagem, definindo uma concepção de ensino pautada em uma relação de amizade entre professor-estudantes que favorece a aprendizagem. Além desses três componentes, há ainda um quarto elemento nesse quadrante que destoa e compromete esse triângulo harmonioso: a relação distante entre docente e discente, a qual influencia negativamente o processo de ensino e aprendizagem.
Observou-se, na análise do NC representado pelos termos ensino, amizade, aprendizagem e distante, que o primeiro e o terceiro termos sinalizam a dimensão pedagógica do processo ensino-aprendizagem, enquanto amizade e distante têm relação com a dimensão afetiva. Essas dimensões se desdobram nos demais quadrantes do quadro de quatro casas. Nessa perspectiva, tem-se como respeito, compreensão, hierarquia, atenção, dificuldade e empatia corporificam a dimensão afetiva, à proporção que estudo, conhecimento e prova traduzem a dimensão pedagógica. Notadamente, as duas dimensões estão imbricadas, o que ratifica estudos que valorizam os laços afetivos de amizade e respeito na relação professor-estudantes (Aroeira; Merlo, 2012; Barros, 2017; Mota, 2017; Oliveira et al., 2014).
Outros estudos colocam-se nessa esteira de discussão, como por exemplo: Veras e Ferreira (2010); Ribeiro, Jutras e Louis (2005). Os discursos dos participantes dos dois estudos assinalam que um professor positivamente afetivo apresenta características pessoais, pedagógicas e profissionais como: bom-humor, paciência, compreensão, humanidade, proximidade, valorização dos conhecimentos prévios dos alunos, interesse pela aprendizagem desses sujeitos, mobilização dos estudantes para a leitura, estabelecimento de relação entre os conteúdos e o contexto dos alunos, variação dos recursos didáticos, entre outras. Diante desse clima, os alunos se sentem mais estimulados pelos estudos e, consequentemente, pelas aprendizagens deles decorrentes.
Com efeito, Ribeiro, Jutras e Louis (2005) ajuízam que uma relação de afetividade positiva fortalece o vínculo entre alunos e professores; cria um ambiente de confiança; contribui para uma autoimagem positiva dos estudantes, os quais assumem um compromisso com o professor e com eles mesmos, passando a participar ativamente das aulas – o que melhora a sua implicação com a aprendizagem e diminui a possibilidade de desistência.
Todavia, existe um contraponto na relação professor-estudantes que é expresso tanto nas representações sociais dos participantes desta pesquisa, ao evocarem o relacionamento distante, quanto em outros estudos (Azevedo, 2018; Cavaca et al., 2010), nos quais fica evidente que essa relação também é marcada pela falta de interesse por parte dos estudantes, pelo pouco investimento nos estudos e nas leituras, pela falta de autorregulação, entre outras questões que deixam os professores insatisfeitos. Ademais, os estudos evidenciam a existência de uma relação de poder por parte dos professores universitários, tornando a interação distante e com pouco espaço para o diálogo.
Oliveira et al. (2014) destacam o quanto a falta de receptividade por parte do professor, o autoritarismo, a inacessibilidade e a postura superior e rígida podem contribuir efetivamente para o distanciamento na relação professor-estudantes, colaborando, inclusive, para a instauração do medo e daquilo que os acadêmicos chamam de “terrorismo”, dificultando a adaptação acadêmica dos alunos.
Próximo ao núcleo central, no quadrante superior direito, está o elemento da primeira periferia: respeito. Ele apresenta a frequência 9, mais alta do que a frequência dos termos aprendizagem e distante (situados no NC). Todavia, o termo respeito exibiu uma ordem média de evocação mais alta, o que indica que foi lembrado posteriormente. O termo respeito pode ser visto numa perspectiva de mutualidade, como o reconhecimento da dignidade do outro, e que esse outro é portador de um saber e de um projeto que merece ser reconhecido pelo docente da Educação Superior. Como elemento periférico, o respeito abre a possibilidade de mudança da representação e de inovação das relações entre os sujeitos envolvidos no processo educativo. Vale acrescentar que o termo respeito, embora ainda não esteja presente, de modo geral, nas práticas dos sujeitos, aparece nas representações de outros grupos, como é o caso das pesquisas de Cavaca et al. (2010), Cosso (2018) e Ribeiro, Jutras e Louis (2005). Enquanto na pesquisa de Cavaca et al. (2010) o respeito mútuo aparece junto de acessibilidade e de disponibilidade ao diálogo, nas duas últimas pesquisas faz parte do NC das representações dos colaboradores das pesquisas.
A zona de contraste, situada no quadrante inferior esquerdo, reúne elementos que apresentam uma frequência baixa, todavia foram evocados prontamente como alguns dos elementos que se situam no NC. Eles indicam a existência de subgrupos que apresentam outros elementos organizadores das representações. Assim, a relação professor-estudantes pode estar marcada pela hierarquia que dificulta a compreensão e o estudo. Essas representações vão dialogar com a pesquisa de Cavaca et al. (2010) quando essa evidencia certa fragilidade nas relações entre professores e estudantes, na medida em que tanto estudantes quanto professores, em suas narrativas, destacam relações marcadas pela superioridade ou arrogância, pelo autoritarismo e mesmo pela intimidação por parte de alguns docentes, o que prejudica a construção de conhecimentos.
Na segunda periferia, situam-se outros esquemas periféricos mais distanciados do NC; aqueles que podem estar relacionados a informações, julgamentos estereótipos e crenças. Nesse sentido, possivelmente os estudantes informam que as relações que estabelecem com seus professores teriam a presença ou a falta de atenção, de empatia, ou poderiam estar centradas no conhecimento e na prova. O elemento prova pode estar distante de favorecer a relação professor-estudantes, o que corrobora o estudo de Mota (2016) ao apontar o nível de estresse e desconforto provocado pelos exames realizados por professores do curso de educação física da mesma universidade lócus desta pesquisa, os quais marcam os estudantes negativamente e indicam que, mesmo sem intenção, são modelos rejeitados pelos futuros professores.
Como as representações são simbólicas, provavelmente os estudantes estariam descrevendo situações vivenciadas por eles com seus professores, como dificuldades em relação aos conhecimentos, ausência ou presença de empatia. Cabe lembrar que os elementos da periferia representam a parte concreta e operacional da representação. Assim, seria necessário averiguar essas hipóteses mediante outros estudos.
Tendo em vista que a pesquisa comporta uma criação do pesquisador, os termos que compõem a Tabela 1 sugerem diversas leituras. Então, a seguir será apresentada uma leitura possível a partir das inter-relações dos termos. Como os elementos do núcleo central de uma representação apresentam poder organizacional e gerador de significados, como visto anteriormente, sugere-se associar ensino e aprendizagem a sentimentos positivos da relação professor-estudantes: amizade, respeito, compreensão, atenção e empatia. Além disso, ensino e aprendizagem podem se associar a atitudes geradas nessa relação: estudo, conhecimento, dificuldade e prova. É possível associar o termo distante – (outro elemento do NC) – a hierarquia, o que denota que, além de uma relação de proximidade, as representações dos estudantes de engenharia de alimentos sobre a relação professor-estudantes são pautadas pela hierarquia entre os docentes e os acadêmicos, o que implica na geração de conflitos e/ou em dificuldades por parte dos discentes com essa relação.
Ademais, Rouquette e Rateau (1998) referem que o NC de uma representação poderá apresentar duas dimensões diferenciadas: a dimensão funcional, importante para a realização da tarefa, e a dimensão normativa, implicada diretamente com dimensões socioafetivas, sociais ou ideológicas. Nesse sentido, ensino e aprendizagem estariam relacionados à realização da tarefa dos sujeitos professor--estudantes, enquanto amizade e distante poderiam estar relacionados com a dimensão socioafetiva das representações.
As representações sobre a relação professor-estudantes reveladas pelo estudo apresentam aspectos sutis trazidos pelos participantes mediante suas vivências e construções no cotidiano da sala de aula como discentes da Educação Superior. Essas representações podem exercer influência na aprendizagem dos estudantes, bem como repercutir na prática profissional deles, como indica Moscovici (2003), segundo o qual as representações são fortes guias das práticas sociais.
Portanto, a realidade objetiva das relações professor-estudantes na universidade, apropriada no cotidiano da sala de aula, foi reconstruída pelo grupo de estudantes que participou deste estudo, o qual, situado num contexto discursivo, social e ideológico, colocou-se como autores no processo de representar, e, como tais, expressam saberes sobre o real, além de sistemas de valores e de normas e memórias que os orientam.
Considerações Finais
Os resultados desta pesquisa demonstram a coexistência de perspectivas representacionais discrepantes sobre a relação professor-estudantes, tendo em vista que as representações são produtos histórico-sociais relacionados às práticas dos indivíduos. Assim, conforme os valores, os interesses, as pertenças e as vivências dos graduandos, tanto na Escola Básica, quanto no curso de graduação, a relação professor-estudantes pode revelar oposições: para alguns, essa relação foi representada como sinônimo de amizade, respeito, compreensão e empatia, ao passo que, para outros estudantes, teve um sentido negativo: distante, hierarquia e dificuldade – o que leva à reflexão sobre quem são esses estudantes e professores, os quais se afetaram mutuamente nas interações sociais.
Ficou evidente nos sentidos trazidos pelos universitários para a relação professor-estudantes que a contemporaneidade exige dos docentes o investimento em relações pautadas tanto em aspectos cognitivos (estudo, conhecimento, dificuldades, prova) como também em aspectos afetivos (amizade, compreensão, atenção e empatia).
Ademais, se o núcleo central de uma representação é responsável pelo significado, pela organização interna, pela estabilidade e ainda pela resistência à mudança, deve-se imaginar que, embora ensino, amizade e aprendizagem componham o núcleo das representações investigadas aqui, distante também faz parte desse núcleo, instigando os pesquisadores a pensar que alguma ação precisa ser desenvolvida a fim de que essas representações sejam mudadas, para que se possa criar um clima na sala de aula onde a hierarquia não venha dificultar a relação entre professor e estudantes e, consequentemente, obstar o processo de aprendizagem dos graduandos.
Ainda que o objetivo desta pesquisa tenha sido contemplado, evidenciam-se algumas limitações, como o fato de os dados serem produzidos apenas com a participação dos estudantes, deixando de ouvir os sentidos atribuídos pelos professores à relação professor-estudantes, tendo em vista que eles também a compõem.
Além disso, e é o que parece preocupante, os elementos do núcleo central, conforme a TRS evidencia, são resistentes à transformação. Assim, o termo distante ocupando a centralidade das representações dos estudantes pode conservar-se durante muito tempo, requerendo novas conversações e ações que possibilitem mudanças desse saber que ainda está imbricado nas relações professores-estudantes em um ambiente humano complexo como é a Educação Superior, de modo que os profissionais, ao saírem desse contexto, possam levar outros saberes e contribuir para a transformação das relações pessoais.
Por fim, sugere-se que outras pesquisas sejam realizadas abrangendo docentes do curso investigado, no intuito de identificar e analisar as representações sociais desses sujeitos sobre a relação professor-estudantes. Os dados aqui examinados podem favorecer a criação de programas institucionais de desenvolvimento profissional dos professores para contribuir efetivamente com a melhoria do desempenho desses sujeitos no campo didático e pedagógico, alargando os seus saberes em relação à dimensão afetiva.