1 INTRODUÇÃO
A indisciplina escolar constitui um fenômeno que ocorre nas escolas e cria enormes dificuldades para docentes e estudantes. Atrapalha, sensivelmente, a evolução das aulas, prejudica as interações entre os discentes, e destes com os funcionários, professores e gestores. Os docentes reclamam da falta de respeito dos estudantes (ZECHI, 2014) e que não conseguem lidar com a temática, prejudicando as relações interpessoais e o processo de ensino-aprendizagem.
Diversos autores têm estudado esse tema, como, Aquino (1996), Garcia (2006), Vinha e Tognetta (2006). A despeito disso, o tema, ainda, é tratado como um tabu em muitas escolas, que evitam discussões sobre essa questão entre os educandos e os educadores.
Por esses e outros problemas decorrentes da situação, pesquisas na área são relevantes, pois, por afetar a convivência, contribuem, entre outros fatores, para uma precarização do ambiente escolar, influenciando a prática pedagógica, com professores com dificuldades em exercer a sua profissão (AQUINO, 1996).
Essas dificuldades têm contribuído para o alto grau de incidência de transtornos psicológicos nos docentes, como ansiedade, estresse, dentre outros, levando até mesmo à chamada Síndrome de Burnout, causada por pressões e expectativas em torno desses profissionais, e que pode acarretar afastamentos, licenças, abandono da profissão, precarização do ambiente de trabalho e adoecimento mental (ANDRADE; CARDOSO, 2012).
Também interfere na atuação docente, refletindo mudança na didática das aulas e na maneira de enfrentamento desse entrave pedagógico (ZECHI, 2014), tal fato pode ser positivo quando metodologias ultrapassadas são alternadas por didáticas atrativas que se aproximam da realidade dos estudantes, contextualizadas ao cotidiano destes. Por outro lado, pode ocorrer, também, excesso de rigidez e controle em virtude da dificuldade dos docentes em lidar com a questão.
Há um documento presente nas escolas que é utilizado para Registros de Ocorrências de Indisciplinas, que neste artigo intitularemos de ROI. O ROI, nas escolas, normalmente, é um documento em que se registra a vida escolar do estudante, principalmente as questões de indisciplina e violência, e serve de consulta para pais ou responsáveis, docentes, gestores, funcionários e autoridades legais:
Uma das formas mais tradicionais de controle e disciplinamento instituído pelas escolas são os chamados “Livros de Ocorrências” ou “Livro Preto”. Este mecanismo já recebeu várias denominações (Livro de Penalidades de Alunos, Termo de Censura, Livro de Sanções, entre outros), mas com o mesmo objetivo: o cumprimento das normas das escolas pelos alunos, professores e funcionários (MORO, 2002, apud FONSECA; RODRIGUES; ANTONIO, 2012, p. 753).
A presente pesquisa teve como tema a indisciplina escolar e como objetivo analisar os Registros de Ocorrências de Indisciplinas (ROI) em escolas Estaduais de uma cidade do interior do Estado de SP levando em conta os registros mais frequentes e os encaminhamentos feitos.
2 INDISCIPLINA/DISCIPLINA
É visível o quanto a indisciplina pode abranger um grande número de situações e também como esse conceito, por ser influenciado pela cultura, varia, seja individualmente, socialmente e mesmo historicamente. Caracteriza-se como conceito muito amplo que pode ter vários significados de acordo com uma possibilidade inumerável de variáveis, entre elas valores e expectativas (REGO, 1996).
Por possuir diversos significados, é comum definir como indisciplina uma série de situações díspares como: algumas formas de participação nas aulas (muitas perguntas e comentários sobre o tema), conversas sobre o próprio conteúdo da aula, conflitos, agressões físicas e verbais, discussões, conversas ao celular, movimentação pela sala de aula, uso do celular para ouvir música, discussão com o amigo até mesmo sobre a aula, não realização da tarefa, falta de material, falta do uniforme, entre outras ocorrências. Refletindo sobre a flexibilidade desse conceito, que varia de cultura para cultura, geração para geração e até de pessoas para pessoas, Lourencetti e Palma (2011, p. 739-740) apontam que:
[...] Desta forma, um ponto a ser refletido é a relação sociedade, cultura e a indisciplina. Como expressa Parrat-Dayan (2009), “A indisciplina relaciona-se com um conjunto de valores e expectativas que variam ao longo da história entre culturas diferentes, nas diferentes classes sociais”. Os tempos passam, as pessoas mudam, a cultura muda, os valores são modificados e assim também é a indisciplina, o que para os mais velhos era indisciplina, hoje pode não ser mais e ainda muitos outros fatos podem ter sidos incorporados ao conjunto denominado de indisciplina. Para cada cultura temos significados diferentes para a indisciplina [...].
A percepção da indisciplina escolar e outros fenômenos existentes nas instituições educativas pode atingir infinitas formas, pois dependerá das relações existentes, da visão de mundo e história de vida de cada indivíduo e a própria cultura regional, ou seja, o que é indisciplina para um docente, estudante, gestor pode não ser para outros iguais na mesma escola. Ou, ainda, pode variar de acordo com as escolas e contexto histórico. Considerando-se a enorme abrangência, para o presente estudo, foi adotado o conceito de Garcia (2006, p. 126):
esse conceito se articula a noção de ruptura e negação de esquemas norteadores e reguladores na escola. Entendemos a noção de indisciplina como relativa, fundamentalmente, a rupturas relacionadas às esferas pedagógica e normativa da escola. As expressões de indisciplina comumente refletem transgressões a parâmetros e esquemas de regulação da escola, e podem ser pensadas como formas de ruptura no contrato social subjacente às relações e intenções pedagógicas na escola, cujo eixo seria o processo de ensino-aprendizagem.
A partir da conceituação adotada, buscamos, no presente estudo, verificar quais os registros de indisciplinas mais frequentes no ROI e quais as medidas mais adotadas para lidar com esse fenômeno.
3 METODOLOGIA
Trata-se de pesquisa quali-quantitativa ou mista. Como apontam Dal-Farra e Lopes (2013, p.70):
Os métodos mistos combinam os métodos predeterminados das pesquisas quantitativas com métodos emergentes das qualitativas, assim como questões abertas e fechadas, com formas múltiplas de dados contemplando todas as possibilidades, incluindo análises estatísticas e análises textuais.
Esse artigo pertence a um estudo maior em que foram utilizadas como técnicas de pesquisa: observações não participantes e entrevistas semiestruturadas para levantamento dos estudantes com comportamentos considerados indisciplinados e somente os registros desses discentes foram considerados na análise documental realizada neste artigo.
Fizeram parte do estudo seis escolas de um grupo de vinte instituições Estaduais de uma cidade do interior do Estado de SP. Utilizou-se o critério de saturação dos dados para o encerramento do levantamento das informações, em seis escolas. Primeiramente, escolhemos as instituições aleatoriamente, em seguida foi solicitada autorização destas para participarem da pesquisa. Todas as escolas selecionadas concordaram em participar do estudo e foram identificadas por meio de letras, de A a F.
Foram escolhidas, também, aleatoriamente, três turmas de 9º ano de cada escola, que foram observadas durante aulas de Educação Física e de mais duas disciplinas selecionadas por meio de um sorteio. Após as observações das aulas, foram realizadas entrevistas com os professores cujas aulas foram acompanhadas e com um membro da equipe gestora para levantamento dos estudantes considerados indisciplinados.
Em todas as escolas, escolhemos observar aulas e realizar entrevistas com o componente curricular de educação física, pelo interesse em conhecer os estudantes em outro contexto a não ser o de dentro das salas de aulas.
Os estudantes considerados indisciplinados foram identificados com base nas observações das aulas e das entrevistas, e, posteriormente, foram analisados os registros presentes no ROI, apenas, desses estudantes.
A presente pesquisa foi aprovada pelo CEP da Universidade, por meio do Parecer: 794.093 e CAAE: 32175514.8.0000.5404.
A partir da junção dos dados das observações e das entrevistas, foram identificados treze estudantes na Escola A, dezessete estudantes na Escola B, dezesseis estudantes na Escola C, treze estudantes na Escola D, doze estudantes na Escola E, e vinte e quatro estudantes na Escola F com comportamentos considerados indisciplinados, totalizando noventa e cinco sujeitos.
Efetuamos análises documentais dos casos registrados nos ROIs desses estudantes. Foram analisadas as ocorrências do ano da observação das aulas após a entrevista com a equipe gestora, ou seja, analisamos todas as ocorrências do início do ano até a data em que foi realizada a última entrevista do estudo. Como as entrevistas foram realizadas ao longo do ano, houve diferenças quanto ao período considerado, portanto, no Quadro I, apresentamos a quantidade de meses considerados em cada escola, em relação aos registros presentes nos ROIs.
Escola | Data de levantamento do ROI | Meses de registros considerados |
A | 20/11/2014 | 09 |
B | 25/11/2012 | 09 |
C | 27/11/2014 | 09 |
D | 06/11/2014 | 08 |
E | 24/06/2015 | 05 |
F | 23/06/2015 | 05 |
Fonte: Autoria própria.
Como apontado, para a análise do ROI, foram levantadas informações sobre quais eram as principais ocorrências dos estudantes caracterizados como indisciplinados e quais as medidas tomadas para lidar com a indisciplina nas escolas.
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO
A Tabela 1 apresentada foi elaborada com base na síntese dos registros de ocorrências de indisciplina levantados no ROI, por escolas, envolvendo os estudantes considerados indisciplinados. O total de ocorrências desses 95 discentes em todas as escolas foi de um mil setecentos e cinquenta e três (1753) situações. Cabe destacar que, algumas vezes, em um mesmo registro, havia mais de uma situação de indisciplina, por exemplo, conversas e brincadeiras durante as aulas.
Os comportamentos abaixo levantados resultam da somatória dos dados encontrados nos ROIs das seis escolas participantes:
ESCOLA A | ESCOLA B | ESCOLA C | ESCOLA D | ESCOLA E | ESCOLA F | TOTAL | |
---|---|---|---|---|---|---|---|
OCORRÊNCIAS DE INDISCIPLINAS | |||||||
Não realizar as atividades | 2 | 224 | 6 | 112 | 8 | 91 | 443 |
Atrapalhar a aula, causar tumultos, bagunçar e conversar | 1 | 161 | 9 | 108 | 7 | 8 | 294 |
Não trazer o material | 0 | 56 | 0 | 42 | 1 | 68 | 167 |
Realizar brincadeiras | 0 | 62 | 1 | 58 | 0 | 8 | 129 |
Não obedecer / retrucar às ordens / esnobar | 1 | 31 | 8 | 59 | 0 | 0 | 99 |
Desrespeitar o professor | 0 | 3 | 5 | 23 | 13 | 0 | 44 |
Utilizar aparelhos eletrônicos | 8 | 18 | 12 | 2 | 0 | 0 | 40 |
Desrespeitar as regras 4 | 0 | 0 | 0 | 14 | 0 | 16 | 30 |
Sair da aula sem autorização | 1 | 4 | 6 | 20 | 0 | 2 | 33 |
Passear pela sala de aula | 0 | 3 | 0 | 17 | 0 | 2 | 22 |
Sair do lugar do mapa de sala | 0 | 10 | 2 | 9 | 0 | 0 | 21 |
Desrespeitar os colegas | 0 | 2 | 3 | 8 | 2 | 0 | 15 |
Jogar “bolinhas de papel”, “aviões de papel”, borrachas etc. | 0 | 4 | 2 | 5 | 0 | 0 | 11 |
Agredir fisicamente | 0 | 1 | 0 | 5 | 3 | 0 | 9 |
Comer na sala de aula | 0 | 0 | 0 | 9 | 0 | 0 | 9 |
Utilizar palavras de baixo calão | 0 | 0 | 1 | 4 | 1 | 0 | 6 |
“Matar Aula” | 0 | 0 | 0 | 4 | 0 | 0 | 4 |
Desrespeitar os funcionários | 0 | 0 | 0 | 2 | 0 | 0 | 2 |
Desrespeitar a diretora | 0 | 0 | 1 | 1 | 0 | 0 | 2 |
Discutir verbalmente | 0 | 0 | 0 | 1 | 0 | 0 | 1 |
Não trajar uniforme | 0 | 0 | 0 | 1 | 0 | 0 | 1 |
Outros | 0 | 90 | 12 | 77 | 14 | 3 | 196 |
TOTAL - NÚMERO DE OCORRÊNCIAS | 13 | 669 | 68 | 581 | 49 | 198 | 1578 |
Total de número de estudantes analisados | 13 | 17 | 16 | 13 | 12 | 24 | 95 |
Total de meses analisados em cada escola | 9 | 9 | 9 | 8 | 5 | 5 | 45 |
MÉDIA 01 - Ocorrências pelo total de estudantes5 | 1 | 39,4 | 4,3 | 44,7 | 6 | 8,3 | 16,6 |
MÉDIA 02 - “MÉDIA 01” / total de meses | 0,1 | 4,38 | 0,5 | 5,6 | 1,2 | 1,7 | 0,4 |
Fonte: Autoria própria
Na Escola A, embora não possamos afirmar que situações sem registros não tenham ocorrido (pode ser que os professores não tenham registrado alguns casos de indisciplina), é possível verificar que, ou não havia o hábito de se registrarem todas as ocorrências dos estudantes no ROI, ou a quantidade de ocorrências, quando comparada às outras escolas foi efetivamente menor, haja vista a baixa quantidade de registros presentes no caderno. Além disso, somente havia ocorrências registradas pela professora de ciências, com exceção de uma ocorrência registrada pela professora de língua inglesa sobre a turma em geral: “Sala extremamente barulhenta com muitas brincadeiras infantis. Alunos sem compromisso com as atividades propostas e que desafiam, a todo o momento, a autoridade dos professores” (ROI, 05/09/2014).
Com relação ao ROI, a maioria dos registros referiu-se ao uso de celulares, além de ocorrência sobre a não realização das atividades e atrapalhar o andamento das aulas.
Na Escola B, havia o hábito de se registrarem as ocorrências dos estudantes no ROI. Havia registros de ocorrências de indisciplina de quase todos os professores, com exceção de artes e educação física e observou-se uma predominância dos professores de ciências e matemática. A maioria dos atos de indisciplina possuiu algum registro, sendo uma predominância para a não realização de atividades, não trazer o material didático, conversar, brincar e atrapalhar o andamento das aulas.
Na Escola C, havia o hábito de se registrarem as ocorrências dos estudantes no ROI. Havia registros de ocorrências de indisciplina de diversos professores. A maioria dos atos de indisciplina possuiu algum registro. Houve predominância destes, em relação a estudantes que: atrapalham a aula, causam tumultos, bagunçam e conversam, e utilizam aparelhos eletrônicos.
Na Escola D, havia o hábito de se registrarem as ocorrências dos estudantes no ROI. Havia registros de ocorrências de indisciplina de diversos professores e, inclusive, equipe gestora. Todos os atos de indisciplina possuíram algum registro. Houve predominância destes para estudantes que: atrapalham a aula, causam tumultos, bagunçam e conversam, não obedecem/ retrucam as ordens/esnobam e não realizar atividades.
O uso de aparelhos eletrônicos constitui, apenas, duas ocorrências registradas, situação que pode ser explicada pelo rigor que essa escola adota em relação ao tema, proibindo, de forma categórica, esse uso, como encontramos em uma de nossas observações de aulas.
Na Escola E, a quantidade de registros no ROI foi razoável, havendo o hábito de registrarem as ocorrências dos estudantes, preferencialmente, pela equipe gestora, e não pelos docentes. A maioria dos atos de indisciplina não possuía algum registro, sendo uma predominância para desrespeitar ao professor e outros.
Na Escola F, havia o hábito de se registrarem as ocorrências dos estudantes no ROI. Merece destaque o fato de que havia ocorrências registradas por todos os componentes curriculares, com exceção de educação física. Também destacamos a alta incidência de não atividades não realizadas e ausência de material escolar, o que pode refletir no próprio trabalho da escola.
Nos ROIs, nas seis escolas, verificamos que “não realizar as atividades” foi o mais frequente em três das seis escolas6. Nas demais escolas, apareceram mais utilizar aparelhos eletrônicos em duas escolas, e desrespeitar o professor em uma escola:
(OCORRÊNCIAS - ESCOLA B): Data: 10/03/2014 Matéria: Matemática Ocorrência: “Não realiza as atividades, não copia a pauta, não coloca data, ou ficou conversando ou lendo um livro que solicitei que guardasse por 3 vezes”. (OCORRÊNCIAS - ESCOLA F): Data: 05/03/2015 Matéria: Artes Ocorrência: “A aluna não apresentou tarefa de sala, não participou da aula e apresentou falta de estudo”. (OCORRÊNCIAS - ESCOLA A): Data: 29/09/2014 Matéria: Ciências Ocorrência: “Adolfo7 estava usando celular em aula. Chamei a atenção, se ofendeu e disse que ia sair e saiu”. (OCORRÊNCIAS - ESCOLA E): Data: 02/03/2015 Matéria: Equipe Gestora Ocorrência: “O aluno está com comportamento inadequado, faltando com respeito com a professora de Ciências durante a formação do mapa de sala, com a professora Eva teve atitudes inadequadas durante a aula. A mãe compareceu no dia 02/03 para tomar ciência da suspensão do aluno durante o dia 27/02.”
Em segundo lugar, nas aparições nos ROIs, identificamos os atos: atrapalhar a aula, causar tumultos, bagunçar e conversar em três das seis escolas, nas demais escolas foram: não realizar as atividades em duas escolas e não trazer o material em uma escola.
Em terceiro lugar nos ROIs encontramos os atos: realizar brincadeiras, não obedecer/ retrucar às ordens/esnobar em duas escolas, atrapalhar a aula, causar tumultos, bagunçar e conversar e desrespeitar as regras. Não consideramos o terceiro lugar na Escola A, pois esta não utilizou o ROI com frequência e, nesta, aparecem três ocorrências empatadas em terceiro lugar com, apenas, uma aparição.
Sobre os motivos que levam a esses comportamentos, como alerta Boarini (2013), é preciso levar em conta o momento histórico e as muitas dimensões que afetam essa situação. Não é possível responsabilizar, apenas, o estudante, ou a escola ou mesmo a família, há de se considerar a multiplicidade de fatores que influenciam a indisciplina escolar. Outro ponto levantado pela autora, e considerado neste artigo, refere-se ao fato de que:
o comportamento indisciplinado pode estar revelando os conflitos velados da instituição e, mais que isso, pode estar indicando a insatisfação com uma escola, que dia a dia torna-se cada vez mais anacrônica e incompetente para cumprir sua função social. (BOARINI, p.128, 2013).
Esse aspecto mostra-se relevante quando consideramos que a maior parte dos atos de indisciplina retratados nos ROIs aqui analisados diz respeito a não fazer tarefas, usar aparelhos eletrônicos ou atrapalhar as aulas. É possível analisarmos que esses comportamentos revelem a insatisfação mencionada pela autora supracitada.
Os dados encontrados no presente estudo corroboram o estudo de Fonseca; Rodrigues; Antonio (2012, p. 756-757):
nas duas escolas, as ocorrências mais registradas remetem a acontecimentos que estão presente (sic) no cotidiano das escolas: alunos que não fazem as atividades, que são indisciplinados, que atrapalham a aula. Outro registro comum se refere a chegar atrasado à aula ou mesmo deixar de entrar para a sala de aula, sendo que a principal providência tomada pela escola é a deixar o aluno fora da sala e registrar os fatos no Livro de Ocorrência. Isto é valido para os dois grupos de alunos: os protagonistas de violência e os não protagonistas. Neste sentido, não podemos deixar de registrar que se um aluno não tem interesse em assistir a determinada aula seu objetivo é atingido facilmente.
Também foi analisada, nos ROIs, a forma de lidar com as situações de indisciplina:
ESCOLA A | ESCOLA B | ESCOLA C | ESCOLA D | ESCOLA E | ESCOLA F | TOTAL | |
---|---|---|---|---|---|---|---|
MEDIDAS ADOTADAS | |||||||
Aviso, Comparecimento ou Convocação dos Pais | 0 | 17 | 19 | 40 | 7 | 1 | 84 |
Encaminhado à Direção/Coordenação/Mediação | 0 | 11 | 24 | 23 | 7 | 0 | 65 |
Colocado para fora da sala de aula | 1 | 6 | 0 | 9 | 0 | 1 | 17 |
Suspenso | 0 | 3 | 1 | 1 | 5 | 0 | 10 |
TOTAL - MEDIDAS ADOTADAS | 1 | 37 | 44 | 73 | 19 | 2 | 176 |
Total de número de estudantes analisados | 13 | 17 | 16 | 13 | 12 | 24 | 95 |
Total de meses analisados em cada escola | 9 | 9 | 9 | 8 | 5 | 5 | 45 |
MÉDIA 01 - Medidas adotadas pelo total de alunos | 0 | 2,2 | 2,8 | 5,6 | 1,6 | 0 | 1,9 |
MÉDIA 02 - “MÉDIA 01” dividida pelo total de meses | 0 | 0,2 | 0,3 | 0,7 | 0,3 | 0 | 0 |
Fonte: autoria própria.
Encontramos quatro atitudes principais: aviso, comparecimento ou convocação dos Pais em cinco escolas, encaminhado à Direção/Coordenação/Mediação em quatro escolas, estudante ser colocado para fora da sala de aula em quatro escolas, e suspensão em quatro escolas. Notamos também no estudo de Fonseca; Rodrigues; Antonio (2012) e, no presente estudo, que alguns estudantes com comportamentos considerados indisciplinados não estão motivados e estimulados em participar das aulas e não querem permanecer dentro da sala, buscando, assim, situações para ficar fora da aula, ou seja, quando os professores retiram os estudantes da sala para conseguirem desenvolver suas aulas, eles estão beneficiando os estudantes infratores das regras de convivência e esses discentes, portanto, atingem os seus objetivos. Sendo essas ocorrências encontradas também no estudo abaixo, no qual os estudantes chegam a comemorar a punição, pois os castigos os retiram das aulas:
embora dificilmente a suspensão se concretizasse, os alunos, segundo os docentes, começaram a “gostar do fato de que quando acumulavam três registros levavam suspensão” e ficavam no mínimo um dia em casa, depen dendo da gravidade das ações em que estavam envolvidos. Os alunos chegavam até mesmo a “comemorar as suspen sões”. Pelos diferentes motivos apontados, os registros, de acordo com os professores, deixam de ser úteis, tornando -se apenas mais um trabalho realizado pelo professor e que não têm resultados. Sendo assim, mais um elemento de desgaste na relação professor-aluno e na construção da identidade do professor ou de sua figura de autoridade a ser respeitada; desgaste que parece gerar sofrimento psíquico no trabalho, e, em alguns casos, estresse, se não adoeci mento. (FONSECA; SALLES; SILVA, 2014, p. 41).
Essas medidas constituem formas negativas diretas de lidar com a indisciplina escolar, pois atuam com a exclusão, suspensão e excesso de advertências que podem ter o efeito contrário, pois o estudante pode revoltar-se contra a grande quantidade de regras que, muitas vezes, não fazem sentido e contra certas atitudes autoritárias. Isso pode ocasionar o aumento dos problemas de indisciplina.
Também é medida ineficiente a pura anotação no ROI, que, no estudo apresentado neste artigo, mostrou-se banalizado em alguns casos e não refletia em melhorias significativas no trato da indisciplina escolar. Trata-se, em certos casos, de lidar com a indisciplina transferindo o problema que ocorre na sala de aula para a direção escolar, dessa para a família e outras esferas profissionais que não estão diretamente envolvidas com a instituição escolar.
Essas atitudes, apenas, mudam o problema de lugar, mas não o soluciona, pois, quando o estudante retornar para a sala de aula, provavelmente, o que causou o tumulto estará lá e haverá reincidência do comportamento. Esses fatores são negativos, pois, consoante Vinha e Tognetta (2006, p. 14-15),
o professor precisa conhecer bem como seu aluno desenvolve-se e aprende para que realmente o auxilie nesse processo, adequando o ambiente escolar de forma a respeitar essas características infantis, e não fazer exigências desnecessárias e mesmo absurdas como ocorre cotidianamente. Ao invés de utilizar procedimentos temporários da educação para o presente, que leva o sujeito a conformar-se com as normas, devido às manipulações feitas pelos adultos, como o poder da autoridade, o uso de recompensas (notas altas, pontos positivos, considerações especiais, elogios, etc.) e de punições (notas baixas, advertências, castigos, ameaças, etc.), visando à formação de pessoas autônomas, faz-se necessário que a apropriação das normas seja por meio da reflexão, discussão e ação, permitindo à criança perceber as consequências naturais decorrentes de suas atitudes (reciprocidade).
Ou seja, utilizando-se os mecanismos registrados nos ROIs como forma de lidar com as indisciplinas, estaríamos utilizando procedimentos temporários por meio de recompensas e punições.
Dessa forma, poderíamos até conseguir a disciplina naquela aula ou por certo momento, mas isso deixaria de existir quando a premiação ou sanção não estivesse mais presente, mantendo os estudantes na heteronomia, prejudicando, assim, a formação da autonomia, que somente será possível em ambientes que ofereçam a reflexão, a discussão e a ação para que as regras sejam entendidas e incorporadas, como retratado por Araújo (1996) a partir do referencial piagetiano.
Constatamos acima que a forma de lidar com a indisciplina escolar é semelhante nas escolas, por exemplo, estudante ser colocado para fora da sala de aula, encaminhamento à direção e convocação dos responsáveis são as ações mais comuns adotadas. Encontramos resultados parecidos nas observações das aulas e nas entrevistas.
Questionamos a utilização do ROI nas escolas. Na Escola A, ele quase não é utilizado, nas Escolas B e D ocorre o contrário, há estudantes com mais de cinquenta registros de ocorrências de indisciplina. Portanto, se há um valor tão alto, o registro não está funcionando, pois, se este funcionasse, os estudantes não teriam tantas ocorrências, já que, a partir do primeiro registro e das atitudes tomadas pela escola, eles já teriam mudado de comportamento, como constatamos num registro abaixo:
(OCORRÊNCIAS - ESCOLA B): Data: 02/10/2014 Matéria: Matemática Ocorrência: “Não aguento mais não realizarem nada em sala de aula é o tempo todo conversando e mexendo no celular, em redes sociais e música. Inúmeras advertências verbais e ocorrências no caderno, inclusive já tomei o celular”.
Ou seja, notamos certa banalização nesse ROI, constatamos que muitas ocorrências importantes não são registradas e outras simples são exacerbadas, o que leva a um total descrédito da comunidade escolar, especialmente os estudantes, a esse documento. Como percebemos no estudo de Negrão e Guimarães (2006, p. 214), os estudantes relatavam que o livro de ocorrência não “dava em nada”:
Outros questionaram a utilização dos registros que a escola faz ao sugerir que esse negócio do livro de ocorrência não dá em nada. Os pais nem vêm aqui. (...) Eu acho que tinha que levar pro Conselho Tutelar. Ainda que tem que ter uma testemunha quando tiver confusão na classe. Porque a gente sempre perde. O diretor só acredita nos professores. Tinha que avaliar os dois lados. [Quem poderia ser essa testemunha?] Podia ser um aluno bom, ele ia ser do lado dos alunos.
Corroborando isso temos um registro na escola D, em que um estudante relata que não dá importância a esse documento:
Data: 18/03/2014 Matéria: Língua inglesa Ocorrência: “O aluno continua desrespeitando as regras e comendo em classe, também está sempre fora do seu lugar no mapa durante a troca de professores. Obs.: na última aula (6a aula), o aluno estava comendo chicletes, O aluno também disse que poderia anotá-lo porque não liga para as anotações”. (Grifo Nosso).
O ROI passa a ser um documento meramente burocrático nas instituições educativas quando serve, apenas, para comprovar atitudes que os estudantes tiveram nas aulas, mas sem auxiliar a formação dos discentes e no desenvolvimento da autonomia moral. Nesse estudo encontramos significativas diferenças entre as escolas e até entre os professores de uma mesma instituição, havendo mais registros de alguns docentes do que outros. Isso pode revelar a falta de cultura preventiva da indisciplina por meio desse documento.
Muitos estudantes e docentes consideram o ROI, livro preto, caderno de ocorrências, livro de ocorrências, dentre outros nomes algo sem importância, ou seja, um documento meramente burocrático presente nas instituições, em que os educadores registram alguns acontecimentos, como respaldo e garantia do seu trabalho, mas que não atinge o objetivo principal esperado, que constituiria uma melhoria para os aspectos pedagógicos e, consequentemente, a minimização dos casos de indisciplinas escolares como exposto por Fonseca; Salles; Silva (2014).
Um documento realmente eficiente e eficaz acompanharia toda a vida escolar do estudante, bem como um conhecimento da realidade em que cada indivíduo vive e não apenas ocorrências, em sua maioria, de atos de indisciplina, que levam, apenas, a uma exposição e constrangimento desnecessário dos discentes. Corroborando isso, Ratusniak (2012) afirma:
nesse sentido, o caderno de ocorrências passou a assumir o estatuto de defesa da escola contra possíveis omissões, uma prova de que a escola resguarda o direito de seus alunos. A análise das frequências apontou para um decréscimo considerável dos registros, pois na nova economia disciplinar o caderno de ocorrências não se apresentou mais tão eficaz como prática de controle, governo e disciplinarização. Isso demonstrou que as formas de resistências - materializadas na recusa em modificar os comportamentos e no descaso pelos seus efeitos manifestado pelos alunos reincidentes, na indisponibilidade das famílias em permitir que a escola conduza e reconduza suas formas de viver, nos silêncios que manifestam a recusa de confessar e de assumir a culpa - ocupam os espaços vazios das práticas disciplinares, produzindo novas formas de fazer na escola. (RATUSNIAK, 2012, RESUMO).
É possível que um trabalho preventivo que utilize de registros, mas de uma forma mais aprofundada e complexa realmente contribua para a melhoria das relações institucionais e favoreça o desenvolvimento da autonomia moral e intelectual dos estudantes e de toda a comunidade escolar e, também, diminua os casos de indisciplina escolar.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente pesquisa teve como tema a indisciplina escolar e como objetivo geral analisar os Registros de Ocorrências de Indisciplinas em escolas Estaduais de uma cidade do interior do Estado de SP e como objetivo específico identificar quais os registros mais frequentes e os encaminhamentos em situações de indisciplinas. Por ser um tema presente em todas as escolas, consideramos tal assunto de primordial importância para todos os programas didático-pedagógicos, o que deve ser considerado, estudado, e constitui desafio crescente que deve ser enfrentado.
Houve diferença nos ROIs nas escolas, o que leva a alguns questionamentos: será que uma escola tem mais ocorrência em relação a outra? Ou será que há um excesso de registros por parte de algumas escolas? Inclusive, dentro da própria escola, por que um professor registra tanto e outro não? Será que há diferença no comportamento dos estudantes nas diferentes aulas?
Os registros escolares são importantes para a formulação e implementação de projetos preventivos que lidem com a indisciplina escolar, entretanto, observamos neste artigo que ocorre uma banalização do ROI, sendo muitas vezes utilizado como uma forma de punição que não soluciona as causas da indisciplina nas escolas. Muitas vezes, há uma revolta nos estudantes que lidam com esse documento, ignorando-o ou enfrentando de forma esnobe ou desrespeitando docentes e gestores.
Os registros dos comportamentos indisciplinados dos estudantes variaram quanto à quantidade, mas, quanto aos tipos de situações, houve mesmo certa similitude entre as escolas analisadas, sendo grande parte dos registros referentes ao não desenvolvimento de tarefas, uso de aparelho eletrônico (celular), ou realização de bagunça durante a aula, situações que podem transparecer uma falta de interesse dos estudantes sobre o contexto das aulas. Quanto às ações assumidas pelas escolas, as opções são poucas e, principalmente, referem-se a medidas de encaminhamento para direção ou coordenação e notificação aos pais ou responsáveis, o que, a respeito dos dados, não tem resolvido a questão, já que alguns estudantes têm seus nomes recorrentemente mencionados nos ROIs.
A questão da indisciplina escolar hoje nos traz muitas dúvidas. Devemos salientar a importância dessa discussão e de um debate profícuo sobre a indisciplina escolar em todas as escolas para que haja compreensão por parte dos protagonistas dessa instituição, a fim de proporem alternativas para esse entrave pedagógico que tanto limita na busca de uma educação de maior qualidade e para que possamos ganhar em conhecimento, ensino e aprendizagem por parte de todos.
É necessário que o tema seja tratado nos cursos de formação de professores, bem como nos processos de formação continuada, para que as vivências escolares e os projetos que visam à diminuição de violência e indisciplina escolares sejam bem-sucedidos, pois notamos que, muitas vezes, há uma boa vontade dos professores, mas faltam experiências e vivências eficazes, consequentemente falta compreensão por parte de toda a comunidade escolar a respeito de como desenvolver, adequadamente, tais projetos.