1 INTRODUÇÃO
Os processos engendrados pelas inovações tecnológicas e comunicacionais, sobretudo digitais, integram (re)configurações que compreendem não apenas aspectos técnicos, mas contextos sociais e culturais que estruturam as formações dos sujeitos. Algumas dessas mudanças repercutem nas maneiras de interação, de acesso à informação, de produção, recepção e circulação de conteúdos, estendendo-se às formas de construção do sujeito e de relação com o outro e com os aparatos técnicos. Assim, essas condições solicitam outro olhar sobre os processos tecnológicos e de formação e suas interferências na dinâmica sociocultural.
As formações educativas em diferentes modalidades, bem como as instituições sociais, são marcadas pelos cenários históricos, culturais e sociais nos quais os processos comunicacionais e seus sistemas constituem fator importante, o que demanda investigações sobre os contextos formativos e a integração de conteúdos sobre a Cultura digital e suas tecnologias, além de suas implicações educacionais, sociais, culturais – com destaque para a formação inicial docente que representa uma fase fundamental para reflexões sobre o processo de ensino e aprendizagem e o contexto de prática com, sobre, para as TICs.
Nesse sentido, fundamenta-se a necessidade de conhecer como temáticas das Tecnologias de Informação e Comunicação e seus desdobramentos (Cultura midiática, Cultura digital, mediação, ferramentas tecnológicas educacionais) são inseridas nas licenciaturas, sob a perspectiva da Midiaeducação que preconiza o tratamento das tecnologias em sua tripla dimensão: metodológico-instrumental, crítica e expressivo-produtiva (FANTIN, 2006; BÉVORT; BELLONI, 2009), assumindo análises dos processos de mediação, de participação, de apropriação cultural, social, político-ideológica, promovidos por meio da interação com as mídias.
Este trabalho4 tem como objetivo investigar a abordagem curricular da Educação para as mídias em licenciaturas dos cursos de Letras com habilitação em Português-Literaturas por meio das três dimensões da Midiaeducação, nas seguintes Instituições de Ensino Superior (IES) públicas: Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Federal Fluminense (UFF), Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) e Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense (IFF). Para isso, foram aplicados questionários a coordenadores do curso e professores das disciplinas sobre temáticas relacionadas às TICs. Assim, o artigo está organizado em seções que abordam as concepções teóricas da Educação Midiática5 em interface com a formação docente que fundamentam a pesquisa (BELLONI, 2009; BÉVORT; BELLONI, 2009; FANTIN, 2006, 2011, 2012a, 2012b; SOARES, 2014a, 2014b, 2014c). Segue-se uma seção para a metodologia utilizada (KAUARK; MANHÃES; MEDEIROS, 2010; BARDIN, 2011), e uma para a análise dos dados dos questionários6, além das considerações finais.
2 EDUCAÇÃO MIDIÁTICA E FORMAÇÃO DE PROFESSOR
A partir das contribuições de Belloni (2009), Bévort e Belloni (2009) e Fantin (2006, 2011, 2012a, 2012b), a Midiaeducação pode ser compreendida como campo teórico e metodológico transdisciplinar que visa promover ações educativas que incluam e medeiem a relação com as mídias e suas linguagens, bem como a cultura midiática. O intuito da área é promover uma formação crítica e criativa que desnaturalize a capacidade autoeducativa das mídias, já que o processo mediativo dos meios de comunicação sofre interferência de outras mediações (família, escola, amigos, igreja etc.), sendo a apropriação que se faz das mídias um fator que pode agregar valor e sentido social às mensagens dos meios de comunicação.
Deste modo, Fantin (2006), analisando os postulados de Rivoltella, e Bévort e Belloni (2009), apresentando as contribuições da Agenda de Paris – UNESCO/2007, reconhecem as dimensões da Midiaeducação7 como: a) Metodológico-instrumental: preocupa-se com a Educação com os meios sob a perspectiva instrumentalista das mídias, considerando as diversas tecnologias como ferramentas didático-pedagógicas que podem ampliar o esquema tradicional de ensino e aprendizagem. Nessa dimensão, a Midiaeducação apresenta-se como ferramenta pedagógica; b) Objeto de estudo ou crítica: volta-se para a Educação sobre os meios/ para as mídias, orientando a leitura crítica e reflexiva de modo a compreender, interpretar e avaliar os usos e os impactos sociais dos meios de comunicação e suas linguagens. Essa abordagem revela a Midiaeducação como tema transversal e componente curricular; c) Expressivo-produtiva: direciona-se para a Educação por meio/através das mídias com o objetivo de promover a interação e o conhecimento criativo dos sujeitos com as mídias. A produção de conteúdos midiáticos no contexto educativo pode favorecer a expressão e a comunicação, procurando ressaltar o aspecto colaborativo e criativo das mídias nas ações pedagógicas. A prática social está no centro dessa abordagem.
Apesar de serem dimensões sem hierarquias ou graus de importância que compreendem as facetas das possibilidades de ações midiaeducativas e que podem ser desenvolvidas em separado, para Fantin (2006), a indissociabilidade entre reflexão e prática revela um movimento que deve estar atento para a pesquisa e para a ação. Isso significa que ensinar e aprender com, sobre e por meio das TICs exige investimento em estudo, observação, análise, planejamento e experimentação. Assim, a pesquisadora fundamenta sobre a dimensão expressivo-produtiva:
Fazer mídia-educação nesta perspectiva significa utilizar as mídias como linguagens, como forma de expressão e produção, pois assim como não se aprende a ler sem aprender a escrever, não se faz mídia-educação só com leitura crítica e uso instrumental das mídias, sendo necessário aprender a “escrever” com as linguagens das mídias. Tal perspectiva insere-se numa pedagogia funcional com concepção alfabética e expressiva, objetivando a interação dos sujeitos com as mídias e promovendo o conhecimento criativo e também crítico de suas linguagens.
(FANTIN, 2006, p. 86)
Nesse sentido, a Educação Midiática volta-se para reflexões de ensino e análise sobre, para e com os meios de comunicação e compõe arcabouço teórico que toma as ações comunicativas em diversos âmbitos para considerar esse processo fundamental na vida social e para estimular práticas democráticas em que a cidadania seja exercida – a partir de propostas educacionais como disciplina, tema transversal, projeto interdisciplinar nas três dimensões. Dentre as variadas vertentes e impasses sobre as ações em Educação Midiática, há consenso entre especialistas (SOARES, 2014a, 2014b, 2014c; MARTÍN-BARBERO, 2000, 2015; BÉVORT; BELLONI, 2009; FANTIN; RIVOLTELLA, 2010; FANTIN, 2012a, 2012b) sobre a imprescindível necessidade de dar a devida atenção para a Educação e a Comunicação. Na interseção entre Educação e Comunicação, tais pesquisadores preconizam que, na formação docente, o processo comunicativo (mídias, tecnologias e linguagens) seja estudado, praticado e aprimorado pelo prisma de uma relação emancipadora. Essa perspectiva requer um ensino para/sobre as mídias, com as mídias e por meio das mídias, a partir de abordagem metodológico-instrumental, crítica (objeto de estudo) e expressivo-produtiva.
A relação entre a Educação e a Comunicação constitui-se a partir de dois pressupostos fundamentais: 1º - a educação só acontece enquanto “ação comunicativa”, já que a própria comunicação configura-se “como um fenômeno presente em todos os modos de formação do ser humano” (SOARES, 2014c, p. 17); 2º - a comunicação, entendida como produção simbólica de intercâmbio de sentidos, é por si mesma uma “ação educativa”. Nesses sentidos, o tipo de comunicação adotado pode caracterizar o processo educativo (ex.: “educação bancária” - modelo vertical de transferir conteúdos; “educação dialógica” - encaminha para uma construção solidária e compartilhada de conhecimentos). Soares (2014c) ainda fundamenta que os modelos de comunicação podem afetar os resultados educativos. Uma comunicação dialógica e participativa com gestão compartilhada dos recursos e dos processos informacionais entre professores, alunos e comunidade escolar pode contribuir com o aumento da motivação dos alunos e com o relacionamento entre professor e aluno, ampliando as possibilidades de aprendizagem, de conhecimento sobre as potencialidades das mídias e de mobilização desses atores para a prática educativa.
Assim, a análise da relação entre Educação e Comunicação pode ser um caminho para refletir os impactos que os processos tecnológicos, culturais e sociais causam nessa relação. Conforme Ismar Soares (2014a), alguns artigos têm fundamentado que “as tecnologias devem ser colocadas a serviço da educação” (SOARES, 2014a, p. 28). Na contramão dessa proposta que parece considerar as tecnologias apenas como ferramentas acessórias de uso facultativo, o pesquisador sugere que a educação retome o ecossistema comunicativo dominado pelo modelo fechado e excludente da sociedade da informação. Para isso, fundamenta a “inversão de rota”: “[...] para além de colocar os aparatos a serviço da educação, torna-se imperioso que a educação seja colocada a serviço do entendimento do que representam as tecnologias para a própria sociedade [...]” (SOARES, 2014a, p. 28).
Ao considerar que os desafios desses processos tecnológicos e culturais chegam aos processos formativos em nível escolar e acadêmico, demanda-se repensar a Educação para além de seu modelo tradicional em que o professor detém a centralidade do processo de ensino e aprendizagem. Nesse âmbito, a formação inicial docente representa uma etapa fundamental para discutir práticas inseridas em uma cultura digital que construam uma relação entre professor e aluno horizontalizada e colaborativa.
Apesar de as diretrizes curriculares nacionais (BRASIL, 1998) preconizarem o conhecimento dos processos comunicacionais, suas linguagens e tecnologias na Educação Básica, tais documentos não sinalizam para a necessidade de reformulação da formação docente para dar condições de ações efetivas de tal abordagem na prática escolar. A BNCC (BRASIL, 2017a) delimita competência que indicia as abordagens metodológico-instrumental, crítica e expressivo-produtiva de estudo das mídias, no entanto as diretrizes curriculares nacionais para a formação docente (BRASIL, 2015) definem as tecnologias de comunicação como estratégias didático-pedagógicas e de análise crítica (CORTES, 2019).
Desta maneira, surgem as questões: Como abordar essa temática da Educação Midiática sem a formação necessária? Será que basta dar ênfase apenas ao uso das TICs na educação? Ater-se à dimensão metodológico-instrumental atende à complexidade dos processos desencadeados pelas tecnologias e seus processos de mediação? Nesse sentido, reafirmam-se reflexões sobre a Educação Midiática e o contexto de formação inicial de professor, considerando as tecnologias de informação e comunicação como dispositivos socioculturais que promovem mediações e outros modos de socialização e construção do conhecimento, demandando apropriações em sua tripla dimensão.
3 METODOLOGIA
O percurso metodológico do trabalho delimita-se, quanto à abordagem do problema de conhecer como temáticas das TICs são inseridas nas licenciaturas, como pesquisa qualitativa porque apresenta vínculo entre o mundo objetivo e a subjetividade dos sujeitos envolvidos (KAUARK; MANHÃES; MEDEIROS, 2010), no caso, os coordenadores e professores e suas abordagens das mídias nas licenciaturas em Letras. Assim, na pesquisa não foram utilizados técnicas e métodos quantitativos. Os critérios que definiram como campo de trabalho os cursos de Letras (Português-Literaturas) de IES públicas no Estado do Rio de Janeiro foram: 1 – Por se tratar de uma licenciatura que abarca formações para disciplinas fundamentais da Educação Básica, além da afinidade com a formação da autora; 2 – Pelas IES públicas terem tal habilitação a ser estudada e por apresentarem diversidade de âmbitos governamentais: federal e estadual, e de categoria institucional: universidade e instituto, já que a proposta é conhecer e não comparar as realidades institucionais e formativas; 3 – Devido ao interesse de conhecer a realidade no Estado do RJ pela relevância social da pesquisa, pois os estudos desenvolvidos nesse âmbito estão concentrados na região Sul do país e no Estado de São Paulo, conforme Cortes (2019).
Como instrumento de coleta de dados, apresentaram-se dois questionários (Apêndices A e B) direcionados aos coordenadores e professores de disciplinas que abordam questões sobre TICs e seus desdobramentos. Como universo da pesquisa foram considerados todos os professores dos cursos de Letras (Português-Literaturas) das IES públicas: UERJ, UFRJ, UFF, UFRRJ, UNIRIO, IFF, que podem abordar alguma perspectiva da Educação Midiática, já que o currículo é compreendido, neste artigo, em suas esferas de ensino, pesquisa e extensão, o que orienta atividades disciplinares, interdisciplinares e transversais. Desta maneira, buscou-se definir o processo de amostragem não-probabilística, representando uma amostra intencional de professores que atuam diretamente com as TICs em disciplinas que apresentam alguma referência às tecnologias. Esse critério de seleção para o fenômeno social investigado justifica-se pelo interesse em conhecer a integração curricular de temáticas sobre as TICs nas licenciaturas em Letras, por isso, direcionou-se a pesquisa para os professores que diretamente trabalham com conteúdos sobre TICs. Assim, com análise das ementas, chegou-se ao total de 29 disciplinas com 32 professores (há disciplinas com mais de um professor, por oferta em mais de uma turma). Os coordenadores perfizeram o universo de seis professores por contemplarem um respondente potencial de cada curso de Letras (Português-Literaturas) das seis IES.
A elaboração dos questionários, a partir de uma inspiração propositiva da entrevista desenvolvida por Bianchi (2014) em sua tese, levou em consideração os desafios apontados pelas pesquisas desenvolvidas por Fusari (1995), Gatti e Barreto (2009), Fantin e Rivoltella (2012) e Bianchi (2014). Essas investigações sobre questões relacionadas à formação inicial docente, dentre elas a integração curricular das TICs nessa fase formativa, concretizam três desafios a serem superados: 1 – Organização curricular de modo disciplinar com visão tradicional de ensino (transmissão de conhecimentos); 2 – Falta de incentivo para a formação continuada dos docentes sobre TICs; e 3 – Ausência de infraestrutura em TICs. Por isso, os questionários foram construídos em torno de três assuntos a serem esclarecidos: 1 – Abordagem do curso ou da disciplina; 2 – Estrutura física e 3 – Formação dos professores de Ensino Superior. Em resumo, os questionários são parecidos, mas com algumas adequações para cada público a que se destinou (coordenadores e professores) de modo a conhecer se existem trabalhos desenvolvidos nos cursos que contemplem alguma relação com temáticas sobre as TICs (no questionário para os coordenadores) ou qual a abordagem das disciplinas que possuem alguma relação com temas das TICs (no questionário para os professores). Os dois modelos de questionários foram divididos em quatro seções: I. Informações gerais; 1. Abordagem do curso/ da disciplina; 2. Estrutura física; 3. Formação dos professores de Ensino Superior, com perguntas abertas e fechadas de múltiplas escolhas.
Os questionários foram enviados por e-mail via Google Forms, tendo como anexo o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE – Apêndice C) com assinatura facultativa, por motivo de dispensa concedida pelo Comitê de ética do sistema CEP/CONEP – Plataforma Brasil. Diversos envios foram realizados com o prazo de resposta ao questionário de 16.07.2019 a 10.08.2019, sendo intensificados os envios dos e-mails uma vez por semana, em dias diversificados (1ª semana na segunda, 2ª semana na terça, 3ª semana na quarta e 4ª semana na quinta) para estimular a participação, além de serem utilizadas outras estratégias, como: edição do assunto do e-mail; envio nominal (personalizado). Utilizou-se na leitura e interpretação do material coletado o método de análise de conteúdo (BARDIN, 2011) com a organização dos dados pela leitura flutuante, almejando entrelaçar abordagens teóricas com as informações dos questionários de modo a “conhecer o texto deixando-se invadir por impressões e orientações” (BARDIN, 2011, p. 126).
4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS
Os dados dos questionários serão apresentados sem assumir as Licenciaturas em Letras (Português-Literaturas) e as instituições de modo isolado e identificado. Por isso, as respostas dos participantes serão analisadas conforme a abordagem e as contribuições de interação com as TICs que eles informaram nos questionários, sem vinculá-los à instituição ou ao curso em que atuam para assegurar o sigilo dos participantes.
Mesmo com variadas estratégias utilizadas para conseguir maior participação dos públicos envolvidos, um número reduzido de respostas foi obtido. Do total de seis coordenadores das Licenciaturas em Letras (Português-Literaturas), cinco responderam ao questionário. No grupo dos 32 professores que ministram disciplinas que abordam as TICs e/ou temas relacionados, apenas quatro contribuíram com a pesquisa, o que totaliza nove questionários respondidos, com representações de cinco instituições.
Por meio da análise de conteúdo (BARDIN, 2011), a apreciação dos dados foi relacionada às três categorias que compreenderam e dividiram a sondagem por meio dos questionários: 1. (4.1) Currículo e a abordagem dos recursos midiáticos; 2. (4.2) Estrutura física e a prática pedagógica; 3. (4.3) Formação continuada sobre TICs dos professores de Ensino Superior. Essa estratégia possibilita entender as informações disponibilizadas, bem como abordagens congruentes, divergentes, e questões recorrentes que revelam desafios para além das especificidades institucionais e de cursos.
4.1 Currículo e abordagem dos recursos midiáticos
Com a análise dos questionários respondidos por coordenadores das licenciaturas e por professores que desenvolvem alguma abordagem das TICs nas disciplinas selecionadas, buscaram-se informações que pudessem compreender os modos de integração de estudos sobre os meios de informação e comunicação na formação inicial docente. As discussões desses direcionamentos seguem as três dimensões da Midiaeducação: metodológico-instrumental, crítica e expressivo-produtiva (FANTIN, 2006; BÉVORT; BELLONI, 2009).
A partir da prerrogativa de as tecnologias proporcionarem atualização, inovação e praticidade, uma das justificativas para o estudo das TICs em cursos de formação de professor reafirmou a importância de essas formações compreenderem as dinâmicas do mundo globalizado que exigem profissionais capacitados, conforme o depoimento:
Coordenador(a) C: É essencial a formação de profissionais capazes de utilizar e acompanhar as evoluções tecnológicas para que as escolas não se imobilizem e burocratizem. O país precisa de profissionais dinâmicos e criativos, que promovam mudanças e sigam as transformações do mundo globalizado em que vivemos. Nessa perspectiva, a tecnologia desempenha um papel central.
O aspecto de as tecnologias promoverem a cultura digital com outros modos de escrita e de realidade linguística, que interferem até mesmo nas capacidades cognitivas, foi outro motivo citado para a integração das TICs ao âmbito formativo de professor. Nesse sentido, uma formação alheia ao contexto das possibilidades de conexões midiáticas e semióticas, conforme define Santaella (2005) como hipermídia: um recurso e uma linguagem inaugural que mesclam hipertexto, multimídias e multilinguagens, e impulsionam outros modos de pensar, agir e sentir; é uma maneira de excluir o aluno do mundo que o rodeia. Do mesmo modo, uma formação inicial docente que não privilegie as TICs pode favorecer a possibilidade de o professor ficar “marginalizado” do contexto da cultura digital. Essa preocupação foi ressaltada nessas respostas:
Coordenador(a) E: A sociedade ocidental, há séculos, é grafocêntrica. O século XXI é, sem dúvidas, "Tics-cêntrico". Logo, não formar o professor para essa nova realidade linguística é deixá-lo na periferia dos novos processos semióticos que surgem todos os dias, é excluí-lo do que se entende hoje por mundo letrado.
Coordenador(a) B: O professor deve estar capacitado para lidar com os modos de escrita e cognição alinhados com a cultura digital, uma vez que todas as narrativas contemporâneas expressam de algum modo as características desse meio.
A resistência e falta de inserção de conteúdos sobre as TICs esteve presente em algumas respostas, demonstrando uma realidade que carece de ensinos de caráter instrumental, algo primário para lidar com recursos de informática, por exemplo. Apesar de o senso comum “naturalizar” o uso de recursos tecnológicos e de informática, faz-se necessária uma intervenção educativa para aprimorar e, até mesmo, para conhecer as possibilidades de utilização dessas ferramentas, sobretudo com o enfoque para o processo de ensino e de aprendizagem. Nessa situação, é preciso aprender a aprender e aprender a ensinar com, sobre e por meio das TICs. Essa advertência para a necessidade de ensino de “ferramentas simples” foi comentada por um respondente quando lhe foi perguntado sobre a importância de estudar as TICs na formação de professor, conforme a seguir:
Professor(a) F: Acredito que a primeira questão seria perguntar se há esta abordagem no curso / se o curso como um todo pensa nestas questões - inclusive no plano curricular. A resposta para o curso onde atuo seria "não": vejo os alunos formados em Letras com muitas dificuldades em se valer de ferramentas simples: editar textos, montar apresentações, selecionar materiais na internet etc.
O estudo das TICs na licenciatura foi considerado também pela capacidade “para conectar conhecimentos do mundo aos da sala de aula” – Professor (a) H, com abrangência de elas possibilitarem construção de conhecimento: “As tics são ferramentas e recursos para construção de conhecimento no contexto da cultura digital. É imprescindível aprender os ‘modos de narrar’ e produzir conhecimento nesse contexto histórico” – Professor(a) I.
A concepção dos recursos tecnológicos de informação como um meio de ensino e mais uma estratégia didática que o professor pode utilizar foi apontada como prerrogativa para o estudo das TICs na formação docente no depoimento do(a) Coordenador(a) D: “Os professores devem estar antenados em como usar as tecnologias de informação em suas turmas de modo a ter mais meios ou ferramentas de ensino com os alunos”. Ficou evidente ainda o entendimento do uso de “novas” tecnologias no ensino de línguas pela demanda de compreendê-las como suporte de vários gêneros textuais, assim explicado:
Professor(a) F: [..] Na área de ensino de línguas (materna e estrangeiras) as novas tecnologias são essenciais por serem suportes de vários gêneros textuais. Professores de línguas devem ter um bom domínio sobre gêneros textuais e suas formas de circulação. Ou seja: é impossível ser professor de línguas hoje e não discutir onde os textos são publicados e qual a implicação disto para leitura, escrita e interação como um todo.
De modo burocrático e impulsionado por uma demanda avaliativa, foi associado o processo de reforma curricular que integra as TICs na licenciatura em Letras como uma pauta impulsionada pelos indicadores do Instrumento de Avaliação do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) – o indicador 1.16, além de outros, especifica conceitos para as TICs no processo de ensino e aprendizagem (BRASIL, 2017b). Assim, considerando os relatos apresentados neste artigo e a pesquisa desenvolvida na tese (CORTES, 2019), pode-se constatar que alguns cursos ainda não compreendem a questão de integração das TICs na formação docente como uma política institucional e, por isso, a iniciativa é desenvolvida pelos professores e não configura uma orientação do curso.
Dentre os quatro professores que contribuíram com a pesquisa, dois docentes são responsáveis por componentes curriculares que não têm como centro formativo conteúdos sobre tecnologias de comunicação (linguagens e produções). Esse aspecto descentralizado da formação foi reafirmado em uma das respostas sobre experiências didático-pedagógicas com TICs, dada pelo(a) Professor(a) F: “Como disse, na área de ensino de línguas é algo que perpassa a formação de leitores e escritores no século XXI. Desta forma é algo que deve ser sempre considerado, mas não coloco como um objetivo central na minha disciplina que tem outras discussões teórico-práticas do fazer docente para discutir”.
Ainda sobre as experiências em ensino, pesquisa e extensão com TICs, cinco participantes citaram disciplinas optativas e obrigatórias desenvolvidas nas licenciaturas como exemplos de trabalhos com temáticas sobre TICs, Cultura digital e/ou ferramentas tecnológicas educacionais. Essas respostas nos questionários são convergentes com a pesquisa documental realizada pela Cortes (2019) que identificou prevalência de inserção disciplinar com escassas proposições em pesquisa, programas, projetos, propostas transversais e cursos de extensão nas licenciaturas em Letras (Português-Literaturas).
Com o objetivo de identificar se a proposta de trabalhar com as TICs parte de uma motivação pessoal, de interesse por estudo na área, ou se é uma orientação do curso, além de sondar a abordagem que se assume nas atividades, foi investigado o que motiva experiência com temáticas relacionadas às TICs. Uma resposta se apropriou do conceito de “Educação bancária” de Freire para comparar o modo como as tecnologias digitais são assumidas como uma solução para a educação, um elemento que atualiza o processo. A partir dessa correlação, um dos participantes buscou desfazer tal concepção. Trata-se do(a) Professor(a) I, que afirmou: “Observo uma tendência à implementação de uma ‘educação bancária’ digital. Me incomoda o modo como as tecnologias digitais têm sido apresentadas como ferramentas que podem ‘revolucionar’ a educação e com minhas pesquisas busco desmontar um pouco esses lugares”.
Alguns depoimentos ressaltaram o interesse por desenvolver estudos que promovam reflexões críticas sobre relações entre literatura, linguagem e cultura digital e sobre prática docente no contexto da cibercultura. Deste modo, os respondentes citaram trabalhos e experiências com TICs e suas motivações em depoimentos como do(a) Coordenador(a) B, que ressaltou: “Disciplinas voltadas especificamente para pensar as relações entre produção literária e cultura digital e o ensino da língua, literatura dentro do contexto da cibercultura, produção de recursos educacionais abertos, projeto de pesquisa que problematiza o ensino e redes de aprendizagem digital, etc”. Outros relatos também citaram interesses por pesquisas como do(a) Professor(a) H, que apontou: “Investigação de práticas docentes nessa área, principalmente de professores de literatura que usam as TICs como recursos pedagógicos”; e do(a) Professor(a) G, que revelou: “Refletir sobre os saberes e fazeres escolares frente às demandas sociais atuais em suas perspectivas e limitações”.
Também foram identificadas propostas que ambientam o entendimento das tecnologias como estratégia didático-pedagógica, recurso que pode contribuir com o ensino, e de disciplinas de base teórica, ambas apontadas como exemplo de uma formação que encaminha duas ênfases de educação com e sobre TICs: metodológico-instrumental e crítica (de objeto de estudo), conforme o comentário a seguir:
Coordenador(a) E: Atualmente estamos construindo uma Biblioteca Virtual do curso de Letras. Também temos experiências de professores que utilizam o google sala de aula, plataforma moodle, redes sociais etc. Também temos duas disciplinas obrigatórias que discutem socio-filosofica-linguistica e semioticamente as TICs e que ao mesmo tempo instrumentalizam os alunos para utilizarem as diversas plataformas existentes hoje, como as fanfictions, por exemplo.
Algumas respostas referiram experiências dos professores com produção de materiais tecnológicos educacionais e indiciaram formações e/ou capacitações para a elaboração dessas atividades didáticas, de acordo com os relatos dos participantes: Professor(a) I: “Produção de REA e como ferramenta didática”; Professor(a) G: “Produção de material e formação continuada de professores. [..] Atividades docentes com ensino fundamental - TIC's nas aulas de língua portuguesa. [...] Organização e desenvolvimento da disciplina de informática educativa”; Coordenador(a) D: “Há laboratórios, cursos de extensão de formação de material didático”; Coordenador(a) C: “Há inúmeras iniciativas nesse sentido [experiências em ensino, pesquisa e extensão com TICs] [...]. A produção e compartilhamento de material didático é apenas um exemplo”; Professor(a) H: “Tive a oportunidade de mexer um pouco com a cultura digital, mediações entre literatura e outras artes, materiais tecnológicos educacionais para a disseminação de práticas leitoras etc”.
Essas condições poderiam influenciar, de algum modo, ambições de estudos com e por meio de TICs nas licenciaturas, no entanto não foram percebidas propostas de criação de materiais tecnológicos educacionais e não foram observadas abordagens expressivo-produtivas nas licenciaturas que explorassem as aptidões evidenciadas pelos respondentes. Tais afirmações estão fundamentadas na triangulação dos dados dos questionários, bem como nas pesquisas realizadas em Projetos Pedagógicos Institucionais, Projetos Pedagógicos dos Cursos, matrizes curriculares, ementas das disciplinas, fluxogramas, projetos de pesquisa e de extensão das seis IES públicas, apresentadas na tese (CORTES, 2019).
Ao serem questionados sobre os impedimentos para abordar e trabalhar com as TICs na formação inicial docente, os participantes apresentaram em maioria (sete respondentes) a falta e precariedade de estrutura física em equipamentos (computadores, datashow, quadros digitais, tecnologias digitais) e em rede (conexão de internet, sinal de celular). Esses problemas ficaram marcados nos depoimentos, por exemplo, do(a) Coordenador(a) C, para quem há “escassez de computadores, dificuldade de manutenção do material existente, precariedade da conexão internet dentro do campus”; do(a) Coordenador(a) B, que apontou “falta de infraestrutura adequada”; do(a) Coordenador(a) D, que citou “falta de recursos”; e do(a) Professor(a) F, que ressaltou: “O principal impedimento é a falta de equipamentos (computadores, datashow, quadros digitais) e de conexão com a internet. É praticamente impossível acessar a internet [...]. Mesmo o sinal de celular é sofrível [...]”.
Além dessas dificuldades em infraestrutura, foram mencionadas faltas de inserção curricular e de ações em extensão que abordem tecnologias digitais e formação docente, além de estar presente nas instituições uma resistência às TICs. Isso foi notado por parte do(a) Professor(a) G ao afirmar a “inexistência de tempos pedagógicos no currículo. Falta de estrutura material [...]”; do(a) Professor(a) H, que revelou que “as ferramentas ainda não estão totalmente disponíveis para todos os licenciandos; é preciso investimento em equipamentos e mais propostas de extensão nessa área”; e do(a) Professor(a) I, que citou “resistência às tecnologias digitais e disponibilidade de recursos tecnológicos”.
Os desafios ressoam dois problemas para inserção de estudos das TICs na formação inicial de professor, apresentados nas investigações de Fusari (1995), Gatti e Barreto (2009), Fantin e Rivoltella (2012) e Bianchi (2014): 1 – currículo disciplinar com práticas tradicionais de ensino, o que configura resistência às tecnologias digitais por parte dos professores, e 2 – falta de infraestrutura que representa mais uma barreira para estudos com, sobre e por meio das mídias e tecnologias de informação. De outro modo, contribuições de dois participantes ampliaram a questão com outros posicionamentos: um no sentido de não perceber impedimentos para trabalhar com as TICs, mas faltar implementação das políticas educacionais nas licenciaturas, conforme relato do(a) Coordenador(a) A: “Não vejo impedimentos. Só há a necessidade de discussão e implementação das políticas. [...]”; e outro depoimento do(a) Coordenador(a) E, que descreveu dificuldades na prática docente ao esclarecer que “o principal impedimento não é da instituição. Temos excelentes laboratórios com ótimos computadores e em número suficiente. O problema é a ponta. Isto é, as escolas onde esses alunos darão aulas não possuem laboratórios de informática, acesso à internet de banda larga disponível aos alunos, entre outros problemas”.
Ao alocar tais problemas para além de uma questão de recursos físicos, seja porque outras questões mereçam destaque primeiro, seja porque a instituição não carece de recursos, os participantes da pesquisa fazem alusão à importância de políticas institucionais que assumam e garantam propostas em diálogo com as “novas” tecnologias e seus processos culturais e sociais, bem como uma formação de professor que estimule o futuro docente a superar qualquer desafio em sua atuação profissional, inclusive os problemas de falta de materiais e equipamentos na escola.
Para tentar confirmar a ênfase que prevalece nas disciplinas, foi oferecida uma pergunta fechada (1.5) com quatro opções (três citaram as dimensões da Midiaeducação) no questionário direcionado aos professores. Em termos quantitativos, a métrica correspondente à abordagem disciplinar das TICs ficou assim distribuída: três marcações para metodológico-instrumental, três marcações para expressivo-produtiva e uma marcação para crítica. Um respondente assinalou a opção “outros” e descreveu a abordagem na disciplina “como algo definidor da forma como os textos circulam atualmente” – Professor(a) A. Os resultados indicam prevalência de conteúdos que instrumentalizam os licenciandos quanto ao uso metodológico das TICs (algo relatado como carente em depoimentos apresentados anteriormente) e de experiências com a produção de conteúdo utilizando recursos tecnológicos/midiáticos para fins educacionais.
No entanto, em relação às três respostas para a opção expressivo-produtiva, por meio das descrições das disciplinas que os professores ministram e comparando com os resultados das análises das ementas realizadas na pesquisa da tese (CORTES, 2019), foram conferidos os encaminhamentos de ordem metodológico-instrumental de duas disciplinas, e metodológico-instrumental e crítica de uma disciplina, não sendo, portanto, observados direcionamentos para ações expressivo-produtivas. Ainda, quanto ao cruzamento das respostas que esses participantes informaram nos questionários para a motivação de trabalhar com temáticas relacionadas às TICs, nenhuma resposta fez referência a estímulos por trabalhos com produções que utilizassem tecnologias digitais.
4.2 Estrutura física e prática pedagógica
As condições de estrutura física e de equipamentos tecnológicos, adequados em quantidade e com suporte técnico e manutenção, foram mencionadas nos resultados analisados anteriormente na primeira categoria (4.1). Essa problemática é um dos elementos centrais que aparecem em reflexões sobre a inserção de novas tecnologias no processo de formação de professor, conforme pesquisas citadas anteriormente (FUSARI, 1995; GATTI; BARRETO, 2009; FANTIN; RIVOLTELLA, 2012; BIANCHI, 2014), devido à necessidade de condições em infraestrutura para o desenvolvimento e permanência de experiências pedagógicas na perspectiva das TICs. No que se refere aos recursos tecnológicos e de informática disponíveis para atividades de ensino, pesquisa e extensão, foi descrito que as instituições, de um modo geral, possuem recursos, mas com precariedade. Alguns relatos expuseram essa escassez, conforme descrições do(a) Coordenador(a) B: “Laboratório de informática”; do(a) Coordenador(a) C: “Recursos insuficientes”; e do(a) Professor(a) B: “Computadores, projetores, internet e salas climatizadas (sem wi-fi)”.
A realidade dos cursos em relação à infraestrutura de TICs (laboratórios, sala de informática, internet, computador e/ou quadro multimídia nas salas de aula etc.) também foi denotada como precária, de acordo com o(a) Professor(a) I: “Infraestrutura a desejar, laboratório com poucos recursos” e o(a) Coordenador(a) B: “Possui laboratórios, mas apresentam uma série de materiais com defeitos”, entre outros. Com exceção de três respondentes: um disse ser boa a estrutura da licenciatura em que trabalha (Professor(a) G); outro mencionou a existência de quadro multimídia, sala de aula com notebooks para alunos e acesso à internet; e um referiu-se a laboratórios de ótima qualidade, descritos nesses comentários do(a) Coordenador(a) D: “Há algumas salas equipadas com quadro multimídia, há laboratórios de informática para os alunos, há salas de aula equipadas com notebooks individuais para os alunos, com acesso à internet”; e do(a) Coordenador(a) E: “Os laboratórios são de ótima qualidade. No entanto, ainda temos problemas com o funcionamento da internet por wi-fi nas salas de aula e alguns improvisos [...]”.
Dois respondentes enfatizaram, nas respostas, os laboratórios da instituição (de informática e de idiomas), mesmo a pergunta sendo direcionada à infraestrutura de TICs da licenciatura, o que pode indicar falta de recursos e laboratórios que pertençam somente ao curso, de acordo com os relatos do(a) Coordenador(a) C, que informou que “o Instituto possui 4 laboratórios de idiomas”; e do(a) Coordenador(a) A, que citou que “o Instituto conta com 2 laboratórios de informática com 20 máquinas. Além disso, todas as nossas salas são equipadas com equipamento multimídia”. Mesmo compreendendo as possibilidades de práticas transversais e colaborativas que o compartilhamento das tecnologias pode promover, a escassez de recursos e de laboratórios para os cursos pode gerar disputas e impedimentos para atividades educacionais frequentes com, sobre e por meio de TICs.
Em relação aos equipamentos que as licenciaturas em Letras (Português-Literaturas) possuem, o item que a maior parte dos respondentes (oito) informou ter nos cursos foi computador com internet, mesmo tendo mencionado em outras questões problemas na rede. Em seguida, apareceram televisão e datashow como opções marcadas por sete participantes. Os outros recursos assinalados foram: – Câmera digital - por seis respondentes; – Filmadora - por seis participantes; – Retroprojetor - por cinco participantes; – Rádio - por quatro respondentes; – DVD - por quatro participantes; – Computador sem internet - por três respondentes; – Quadro multimídia / tela interativa - por dois participantes. As opções “não oferece” e “outros” não foram selecionadas.
Assim, foi possível identificar que os itens que podem auxiliar diretamente o ensino e a aprendizagem na sala de aula, sendo, talvez, os itens de uso mais recorrente, ficaram entre os três recursos mais apontados pelos participantes como aqueles que as licenciaturas possuem, são eles: – Computador com internet - por oito respondentes, – Televisão - por sete participantes; – Datashow - por sete respondentes. O retroprojetor é um equipamento que ainda está presente nos cursos, opção marcada por cinco respondentes. De outro modo, o quadro multimídia ou tela interativa que poderia representar outra opção para trabalhos com e sobre mídias foi o elemento mais escasso com duas seleções apenas.
Com o interesse de conhecer os recursos mais utilizados pelos professores na sala de aula, foram elencadas algumas opções. O item mais usado pelos professores é o computador – selecionado por todos os participantes (nove), seguidos pelo datashow – sete respondentes e pelo quadro branco – seis participantes. A televisão é utilizada por três respondentes. O quadro multimídia/tela interativa foi escolhido por dois respondentes – quantidade correspondente aos respondentes que informaram que o curso possui. O retroprojetor é um equipamento ainda utilizado, conforme dois participantes. Se fossem consideradas somente as repostas dos professores, a ordenação dos três recursos mais usados seria igual: – Computador: quatro professores; – Datashow: três docentes; – Quadro branco: dois professores (retroprojetor - um; quadro multimídia e televisão - nenhum).
Para além dos resultados que denunciam realidades institucionais de infraestrutura precária e equipamentos insuficientes, é imprescindível ressaltar que os investimentos em tecnologias nos processos formativos de professor, e na Educação como um todo, devem estar imbuídos por políticas públicas e institucionais. Esse processo de institucionalização e de sistematização para integração de tecnologias deve promover acesso não apenas instrumental aos licenciandos e professores dos cursos com aprendizagem de conteúdos técnicos, metodológicos, de uso das TICs, mas também possibilidades de acesso que incluam os aspectos sociais, políticos, culturais e pedagógicos das tecnologias de comunicação (FANTIN, 2012b) que impulsionam outros modos de interação, de mobilidade, de acesso à informação, de construção de conhecimento, de colaboração, de comunicação, de práticas educacionais, de mediação, dentre outras (re)configurações. Esses processos tornam fundamentais discussões sobre o que se pode fazer a partir das tecnologias, dentro e fora do espaço educativo, para construção de significados sobre os contextos da cultura midiática e da cultura educativa, para produção de conteúdos, de materiais educacionais de modo a ensinar e aprender com, sobre e por meio das mídias.
Algumas pesquisas que abordam as tecnologias de informação e comunicação e suas inserções educativas (BELLONI, 2009; FANTIN; RIVOLTELLA, 2012) apontam que questões sobre infraestrutura aparecem em políticas públicas para a educação, mas com finalidade principal de garantir inovação tecnológica e o uso instrumental e técnico das TICs. Esses trabalhos fundamentam também que a aquisição de “novas” tecnologias não tem o poder de transformar a realidade institucional e as práticas educativas, tampouco a qualidade dessas, notadamente quando são agregadas de modo instrumental. Nesse sentido, ambienta-se a necessidade de ultrapassar os limites utilitários e o acesso simplesmente operacional das máquinas e seus programas, de modo a possibilitar “fluência tecnológica” que se traduz na utilização de forma crítica e contextualizada das TICs para compreender, interpretar e avaliar os usos e os impactos dos meios de comunicação e suas linguagens.
4.3 Formação continuada sobre TICs dos professores de Ensino Superior
As respostas contidas nos questionários foram veementes ao afirmarem que não são desenvolvidos cursos periódicos de formação continuada sobre temáticas que tratam das TICs. Um respondente informou que a instituição oferece algumas capacitações, mas direcionadas aos funcionários de apoio. Outro participante enfatizou que são oferecidos de um modo geral cursos de formação continuada. Apenas um respondente afirmou que a IES oferece diversos cursos com esse viés e que inclusive possui um departamento que apoia as práticas pedagógicas dos docentes na área das TICs. Isso foi descrito pelo(a) Professor(a) H ao afirmar que a instituição “oferece alguns cursos, mas mais voltados para os funcionários de apoio”. O(a) Coordenador(a) C citou que “em termos de formação continuada para professores, há sobretudo seminários e eventos diversos”; e o(a) Coordenador(a) E assegurou que “a instituição oferece inúmeros eventos e cursos de curta duração integrados a estes. Também temos um setor específico denominado [...] que auxilia os professores em soluções pedagógicas no âmbito das TICs”. Em relação ao questionamento sobre os coordenadores e professores já terem participado de cursos sobre TICs, sete participantes asseguraram que sim, mas que foram externos à instituição, como: oficinas e workshops em congressos, inclusive cursos de iniciativa privada, citado por um participante. Dois respondentes, entretanto, mencionaram que não fizeram capacitações com essa temática.
Ainda perguntados sobre o funcionamento de formação continuada de professores que atuam em disciplinas sobre TICs, os participantes responderam que as instituições não desenvolvem oportunidades nesse sentido. Alguns professores enfocam seus anseios por formação sobre temáticas de TICs em projetos de pesquisa e em participações de congresso. Um respondente destacou a necessidade de investimentos em formação continuada sobre tecnologias que contemplem um programa institucionalizado e em recursos materiais tecnológicos. Assim mencionados: Professor(a) I: “A instituição não oferece formações”. Coordenador(a) B: “Os professores desenvolvem projetos de pesquisa sobre o tema, participam de congressos, etc, mas a universidade não oferece um programa específico dentro do campus”. Coordenador (a) D: “Os professores estão sempre participando de congressos e seminários e cursos”. Coordenador(a) C: “É necessário um maior investimento na formação continuada, assim como no material físico”.
De modo geral, os participantes mencionaram que as IES oferecem incentivos para a formação continuada dos professores sem ter relação direta com TICs. Dentre as ações, encontram-se: organização de eventos, cursos de extensão para professores da Educação Básica e Superior, e de capacitação para docentes da instituição, fomento à pesquisa e à extensão sobre formação continuada, além de apoio à participação em cursos e eventos científicos. Outros estímulos apresentados foram pagamento de bolsas para custeio de cursos, ajuda de custo para deslocamento, política de afastamento parcial e integral dos professores de suas atividades na instituição para estudo, conforme:
Coordenador(a) A: Sim. A atualização docente é ininterrupta na universidade. Nosso instituto constantemente organiza eventos de diferentes naturezas, além de cursos de extensão para docentes da Educação Básica e Superior. Além disso, a própria universidade atua na oferta de capacitação para os docentes.
Coordenador(a) B: Fomenta a pesquisa e extensão em temas relativos à formação continuada.
Coordenador(a) D: Sim. A instituição incentiva a participação em cursos e eventos científicos.
Coordenador(a) E: Sim. Bolsas para pagamento de cursos ou ajuda de custo para deslocamento para universidades públicas distantes do campus. Também temos uma política sólida que concede afastamentos integral e parcial aos professores efetivos via edital semestral.
O âmbito de uma formação docente que correlacione as tecnologias de informação e comunicação, a cultura digital e suas linguagens, e os modos de apropriação educativa, como objeto de estudo, metodologia e práticas expressivas envolvendo alunos e professores, tem sido discutido por pesquisadores como Gonnet (2004), Belloni (2009), Fantin (2006; 2012a), Fantin e Rivoltella (2012). Em um cenário em que os meios de comunicação inundam e transformam a vida social, aprendizagens sobre os processos comunicacionais e tecnológicos tornam-se preponderantes para a atuação do professor que passa a acumular em suas funções a manipulação de recursos tecnológicos como meios didáticos para ensino e aprendizagem e o planejamento de atividades com, sobre e por meio das TICs, considerando a tripla dimensão midiaeducativa (FANTIN; RIVOLTELLA, 2012).
Do mesmo modo que as TICs possibilitam outras formas de mediação entre ensino e aprendizagem, elas demandam concepções metodológicas diferentes das tradicionais. Aos professores são exigidas capacidades profissionais e de aprendizagens para atuarem como produtores de mensagens com tecnologias, como usuários ativos e críticos, e que também sejam mediadores entre os meios e os alunos, impulsionando outros percursos formativos no âmbito das TICs (BELLONI, 2009). E mesmo os professores que não atuam diretamente com disciplinas de temáticas relacionadas às tecnologias, necessitam se apropriar de suas linguagens e funções para atividades acadêmicas e administrativas na instituição.
Assim, “o professor terá que aprender a ensinar a aprender” (BELLONI, 2009, p. 29) e a aprender a ensinar a lecionar, em particular os professores de licenciaturas, porque as experiências e os modos de aprender foram alterados com as TICs. Desta maneira, ao considerar que as mídias, suas tecnologias e linguagens, cumprem a função de mediadoras entre os atores sociais e a cultura, devem-se compreender as modificações que os processos tecnológicos impulsionam com outras maneiras de interação, de acesso à informação, de produção, recepção e circulação de conteúdos, de ações educacionais (remota, a distância, interativa, integrativa de linguagens - verbais, sonoras, visuais), de construção do sujeito, de relação com o outro, com os aparatos técnicos. Essas condições desafiam trânsitos em áreas disciplinares, trabalho em equipe, colaboração, imbuída pela convicção de que o uso das tecnologias pode não significar apenas apropriação, participação da cultura digital, já que a adoção ou não de certas práticas é mais do que uma questão técnica, de uso instrumental das TICs como um acessório, mas de ordem cultural, política e filosófica (FANTIN; RIVOLTELLA, 2012) do que se pretende encaminhar, ou seja: “[...] educar também para a cidadania ou só para a produção?” (BELLONI, 2009, p. 29), ou seria reprodução?
No que se refere à formação continuada dos professores de licenciaturas (formadores de professor) em assuntos sobre tecnologias de comunicação, compreende-se que tal percurso formativo tem relação com três perspectivas para tal formação sobre tecnologias na educação, são elas: 1 – A oferta de programas pelas Instituições de Ensino Superior, nas quais os professores atuam; 2 – O interesse do docente pela temática; e 3 – As experiências dos professores com a temática dentro e fora da sala de aula (BIANCHI, 2014). Esses aspectos podem atribuir outras possibilidades para as relações entre a integração de reflexões sobre tecnologias e formação docente, sobretudo para a criação de programas para formação continuada que requerem envolvimento coletivo da comunidade acadêmica.
Os resultados dos questionários apresentaram que, apesar de os professores terem interesse por capacitações relacionadas às TICs, as instituições não promovem oportunidades de formação direcionadas, especificamente, para temáticas das tecnologias no processo de ensino e aprendizagem. Diante disso, há o reconhecimento de que as experiências formativas dos professores da Educação Superior, em particular das licenciaturas, não são circunscritas somente pelas ações das instituições de que eles fazem parte – alguns participantes relataram experiências em cursos realizados fora da instituição em que trabalham. Ressalta-se, no entanto, que iniciativas sistematizadas institucionais em cursos de formação representam uma função importante em aprendizagens no âmbito das TICs e no modo como a questão é assumida pela IES.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A temática da cultura midiática (tecnologia, comunicação e linguagem) na formação inicial de professor, ainda pouco explorada, encontra-se em estado embrionário com algum fôlego de introdução curricular nos modos disciplinares com viés metodológico e crítico, mas descentralizado do eixo principal formativo das licenciaturas em Letras (Português-Literaturas), apresentado nos documentos institucionais e conferido nos depoimentos dos participantes. Obteve-se referência de somente uma proposta de pesquisa na área, não sendo mencionados programas e projetos de extensão que apresentassem temas sobre as TICs. Percebeu-se, com base em alguns relatos, uma tendência em acompanhar apenas as “inovações” tecnológicas (resumidas em mudanças: linguística, de escrita, de gênero textual, de narrativa; e aquisições de noções de informática, de ferramenta de ensino) sem discussões sobre como as formas de ensinar e de aprender são afetadas pela cultura digital. Esse resultado pode induzir utilizações dos recursos tecnológicos no processo de ensino e aprendizagem de forma tradicional (“bancária”) sem repensar a triangulação entre educação, ensino e aprendizagem como prática de construção colaborativa, a partir da proposta de estudo das três dimensões da Midiaeducação.
A ausência de infraestrutura e de equipamentos tecnológicos, bem como de apoio para implementações, influencia a proposição, o alcance e o impacto das atividades pedagógicas desenvolvidas pelos docentes. Desta maneira, a questão de infraestrutura em tecnologias envolve desafios que precedem a alocação das TICs em salas de aula, como: condições de ordem física dos espaços; apoio técnico para uso e manutenção dos recursos; propostas e orientações metodológicas e pedagógicas para utilização das TICs na formação – âmbitos que definem a qualidade de acesso às TICs (FANTIN; RIVOLTELLA, 2012). Nesse sentido, os desafios apontados por pesquisas desenvolvidas por Fusari (1995), Gatti e Barreto (2009), Fantin e Rivoltella (2012) e Bianchi (2014) foram reafirmados pelos resultados: organização disciplinar com visão tradicional de ensino, falta de incentivo para formação dos professores no âmbito das TICs e precariedade em infraestrutura em TICs.
A percepção das TICs como recursos acessórios, um adorno alegórico que serve para ilustrar e deixar os conteúdos mais atrativos e dinâmicos nas práticas de ensino, permanece nos modos de algumas instituições conduzirem a sua integração. Com isso, tais meios não representam alcances significativos na aprendizagem porque são assumidos predominantemente em suas funções técnicas. É necessário refletir de modo articulado sobre a qualidade, a eficiência e o alcance das políticas públicas e institucionais, a integração das TICs na Educação e a formação de professores, tendo o entendimento de que não basta usar a tecnologia sem pensar em uma concepção de ensino e aprendizagem e de formação que integralize práticas transformadoras em uma perspectiva culturalista de Midiaeducação (FANTIN; RIVOLTELLA, 2012) que se inquiete com perguntas sobre: o que são, o que fazem e como se estruturam as mídias? (CITELLI, 2010), bem como: Por que e como integrar as TICs nas práticas pedagógicas e no percurso formativo da licenciatura em Letras?
A carência de formação para os docentes que dialogue com desafios sobre os processos engendrados pelas TICs, conforme respostas aos questionários, pode ser traduzida em ausência de políticas institucionais que formalizem e estimulem esse encaminhamento. Outros fatores podem também explicar essa carência como a falta de interesse dos professores em participar de capacitações na instituição e a oferta de cursos com conteúdos que os professores já dominam (BIANCHI, 2014). De todo modo, tal lacuna aponta uma situação problemática porque os professores atuantes nas licenciaturas, que deveriam orientar os estudos pedagógicos com, sobre e por meio de TICs, carecem de conhecimentos técnicos, pedagógicos, comunicacionais e culturais sobre a temática. A intervenção educativa no contexto das TICs não é, entretanto, uma escolha para as instituições, algo que pode ser feito ou não, é um saber fundante (GONNET, 2004), tal como é saber ler e escrever: é uma condição para a cidadania ativa (BÉVORT; BELLONI, 2009).