1 A EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA
A Educação Superior iniciou seu desenvolvimento no Brasil por volta de 1808, com a chegada da família real vinda de Portugal, quando: “[…] foram criadas as escolas de Cirurgia e Anatomia em Salvador (hoje Faculdade de Medicina da UFBA), a de Anatomia e Cirurgia, no Rio de Janeiro (atual Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro) e a Academia da Guarda Marinha, também no Rio” (MARTINS, 2002, p. 4). Segundo Durham (2003), a preocupação da aristocracia de então estava voltada à formação de profissionais necessários para gerir o Estado e às necessidades locais, como advogados, engenheiros e médicos. Esses profissionais diplomados tinham postos de trabalho privilegiados/prestígio social e apenas a elite daquela época alcançava esse nível de ensino e instrução.
Com o passar dos anos, as instituições de educação superior (IES) foram se expandindo no Brasil, inicialmente de forma discreta; mas foi a partir de 1930, com a criação do Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública, que o crescimento das IES se deu de forma exponencial. No ano seguinte (1931), foi aprovado o Estatuto das Universidades Brasileiras, que vigorou até 1961 e que, entre as medidas para a abertura de uma universidade, indicava a obrigatoriedade de pelo menos três dos seguintes cursos: Direito, Medicina, Engenharia, Educação, Ciências e Letras (BRASIL, 1931). Segundo Rocha (2019, p. 61) “De 1940 até 1960, a população brasileira cresceu cerca de 70%, já a população universitária, nessa mesma época, triplicou. E o crescimento continuou exponencial após a década de 60”. Na época (década de 1960), havia muitos estudantes excedentes, ou seja, aprovados em vestibular, mas que aguardavam uma vaga, tanto no setor público, como no setor privado (ROCHA, 2019). Esse represamento desencadeou a pressão popular junto ao governo para o aumento do número de vagas nas IES. A esse respeito, assevera Cavalcante (2000):
Entre 1960 e 1974, as instituições de ensino superior cresceram 286%, o número de cursos por elas mantidos, 176%, e o número de alunos, 1.059%. Entre 1969 e 1974, a demanda por ensino superior – considerada em termos do número de inscritos nos concursos vestibulares – cresceu 237% e a oferta de vagas, 240%
(p. 9).
Dessa forma, a Educação Superior, que ainda não era obrigatória no Brasil, passa a se expandir mais fortemente, e a população menos favorecida passa a ter a oportunidade de cursar esse nível de ensino, antes totalmente elitizado, o que representou uma das principais mudanças na Educação Superior do século XX (ainda que por obrigações legislativas). Na década de 90:
[...] no ensino superior, estudantes oriundos de famílias com renda de até 6 salários-mínimos representavam aproximadamente 12% dos matriculados em instituições privadas e 11% em instituições públicas. Tanto no setor privado, quanto no público, a proporção de estudantes oriundos de famílias com renda acima de 10 salários-mínimos ultrapassa os 60%, o que desmistifica a crença de que os menos favorecidos é que freqüentam a instituição privada
(MARTINS, 2002, p. 3).
É nesse período que se começam a surgir as primeiras normas legais específicas para aqueles que são público-alvo da Educação Especial4 (PAEE). Estes começam a ser contemplados, em certa medida, com tal aumento/expansão no número de vagas, e sua chegada às IES torna-se cada mais frequente, inicialmente de forma bastante tímida. Atualmente, já são mais de 35 mil estudantes PAEE nesse nível de ensino (INEP, 2015).
Desde 1996, por meio do Aviso Circular nº 277, destinado aos reitores das instituições federais de educação superior (Ifes), vem se discutindo a inclusão de estudantes público-alvo da Educação Especial (PAEE) nesse nível de ensino. O referido documento continha sugestões e orientações que visavam eliminar barreiras de acessibilidade aos candidatos que participavam do processo seletivo para ingresso nas universidades.
Os ajustes necessários aos estudantes são divididos em três momentos específicos, a saber: na elaboração do edital, no momento dos exames vestibulares e no momento da correção das provas (BRASIL, 1996). Vale ressaltar que, em 1994, houve a publicação da portaria nº 1.793, recomendando a inserção da disciplina Aspectos–Ético–Políticos– Educacionais da Normalização e Integração da Pessoa Portadora de Necessidades Especiais nos cursos de Pedagogia, Psicologia e em todas as licenciaturas e a inserção de conteúdos sobre as pessoas com deficiência nos cursos da área de Ciências da Saúde (Educação Física, Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Medicina, Nutrição, Odontologia e Terapia Ocupacional), no curso de Serviço Social e nos demais cursos superiores de acordo com as suas especificidades (BRASIL, 1994). No entanto, tal portaria contempla de maneira não direta as pessoas com deficiência, apenas incluindo conteúdos sobre elas, fazendo com que os futuros profissionais, das mais diferentes áreas, passem a ter contato, em sua formação, com informações sobre esses sujeitos. Vale ressaltar que tais documentos são resultado de diversas conferências em prol da pessoa com deficiência, em nível mundial, como a Declaração de Salamanca, importante marco no mundo que trata sobre inclusão de pessoas com deficiência na esfera educacional.
Desde então, uma dezena de leis foram publicadas para garantir o acesso (ingresso + permanência) da pessoa com deficiência nas IES. Em 2016, uma importante Lei foi publicada nº 13.409/2016 –, modificando a Lei nº. 12.711/2012), sobre reservas de vagas, passando a contemplar as pessoas com deficiência. Segundo tal norma:
Em cada instituição federal de ensino superior, as vagas de que trata o art. 1º desta Lei serão preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados pretos, pardos e indígenas e por pessoas com deficiência, nos termos da legislação, em proporção ao total de vagas no mínimo igual à proporção respectiva de pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição, segundo o último censo da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE
(BRASIL, 2016).
A Portaria nº 1.117, de 2018 (BRASIL, 2018), estabeleceu as taxas percentuais para a reserva de vagas para os estudantes com deficiência: aqueles que têm muita dificuldade ou não conseguem de modo algum executar uma ou mais tarefas apresentadas pelo Censo Demográfico de 2010 em consonância à linha de corte do Grupo de Washington de Estatísticas sobre Deficiência5 são elegíveis para fazer jus à reserva de vagas.
Diversas políticas públicas foram promulgadas para que a Educação Superior fosse expandida, o que, de certa forma, alcançou os menos favorecidos. Pode-se suspeitar que o objetivo de tal crescimento tenha sido motivado pelo interesse na ampliação da mão de obra qualificada para atender ao mercado com a globalização, “cujos ideais buscam a expansão do ensino sob a ótica mercadológica” (ROCHA, 2015, p. 15).
Em 2015, a Educação Superior brasileira tinha 0,47% de estudantes PAEE e a Educação Básica, cerca de 2%, números ainda baixos, se comparados aos dados apresentados pelo IBGE no tocante ao percentual de pessoas com deficiência no Brasil, que registrou, em 2010, cerca de 8,1% de pessoas com deficiência visual, física e auditiva ‒ que não conseguem de modo algum ou têm grande dificuldade em realizar determinadas tarefas cotidianas relacionados à sua deficiência – e, também as pessoas com deficiência mental/intelectual. Diante disso, conhecer melhor os números desses sujeitos na educação podem ajudar na proposição de políticas públicas a esse segmento, por vezes alijado da educação devido à sua condição diferenciada.
Nesse contexto, o objetivo principal da pesquisa cujos dados são relatados neste artigo foi apresentar um panorama das matrículas de estudantes PAEE nas IES brasileiras (públicas e privadas) em comparação com as matrículas de estudantes no geral com base nos microdados do Censo da Educação Superior de 2015. Esse panorama se mostra relevante por ser aquele imediatamente anterior à Lei de Reserva de Vagas de 2016, e pode ajudar a compreender a situação desse púbico específico em relação a seu acesso na Educação Superior, para, posteriormente, colaborar para compreender os impactos dessa legislação em relação a esse mesmo público. Nesse sentido, de forma mais específica, objetivou-se descrever as características das IES, em relação aos seguintes aspectos: organização acadêmica, categoria administrativa, mobilidade acadêmica dos estudantes PAEE em relação aos total de matriculados e, ainda, as 10 IES (que ofertam tanto cursos presenciais e/ou a distância) mais frequentadas pelos estudantes PAEE no ano de 2015.
2 CAMINHOS PERCORRIDOS NA SELEÇÃO DOS DADOS
A pesquisa fez uso de uma abordagem quantitativa descritiva em base de dados populacional. Estudou-se o ano de 2015, no qual as matrículas de estudantes PAEE6 autodeclarados somou 37.927 em um total geral de 8.027.297 estudantes em cursos de graduação contados no Censo da Educação Superior. Esses números representam estudantes com a matrícula na condição de: formado7 em 2015 ou cursando8, cursos de IES públicas ou privadas, inseridos no Censo da Educação Superior, por um pesquisador institucional (PI), indicado pela instituição de Educação Superior (IES).
A pesquisa não lidou diretamente com seres humanos, pois seus dados estatísticos são provenientes do banco de dados disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e, de acordo com as Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisa Envolvendo Seres Humanos e complementares (Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde), está dispensando de aprovação desse comitê.
Como se trata de um banco de dados nacional, para implementação e construção das tabelas, exigiram-se ferramentas de apoio computacional do programa R (versão 3.6), utilizando métodos de programação e estatística aplicada, sendo que os dados aqui apresentados serão em formato de tabelas e gráficos, para visualização das informações.
Nas tabelas apresentadas, na primeira linha de cada uma destas, há a indicação do número total/bruto naquela categoria. Na segunda linha, apresenta-se a porcentagem da região (exemplo: Sul) em comparação ao total no geral – Brasil - (o que soma 100% na coluna) e, na terceira linha, é apresentada uma comparação da própria região com suas matrículas, somando-se assim 100% na linha. Dessa forma, é possível fazer duas comparações: uma relativa ao quanto aquele percentual representa no Brasil (a coluna) e outra relativa ao quanto ele representa dentro da região (na linha).
A figura 1 permite a seguinte interpretação: na Educação Superior brasileira, temos 14.909 estudantes de cor branca e que são PAEE, isso representa (segunda linha) 100% das matrículas (somando todas as regiões, o total será de 100% no Brasil). A terceira linha mostra que há de 39,31% de estudantes de cor branca PAEE na Educação Superior, e os outros 60,69% são compostos de estudantes de cores preta, parda, amarela, indígena; os que não quiseram declarar sua raça/cor e aqueles de quem a IES não dispõe do dado para declará-los no Censo da Educação Superior.
Para a obtenção e análise dos dados, utilizou-se um computador de alto desempenho. Além disso, usaram-se o software estatístico SAS ® (versão 9.2), o software R (versão 3.6) e planilhas organizadas em Microsoft® Office Excel.
3 PERFIL DAS IES: RESULTADOS E DISCUSSÕES
PAEE | Geral | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Univer. | Centro Univer. |
Faculd. | IF e CEFET |
Univer. | Centro Univer. |
Faculd. | IF e CEFET |
|
Brasil | 25.865 | 4.857 | 6.313 | 892 | 4.273.15 5 | 1.357.80 2 | 2.251.46 4 | 144.87 6 |
100% | 100% | 100% | 100% | 100% | 100% | 100% | 100% | |
68,2% | 12,81% | 16,65% | 2,35% | 53,23% | 16,91% | 28,05% | 1,8% | |
Norte | 2088 | 330 | 462 | 69 | 342.712 | 102.673 | 189.131 | 13.093 |
8,07% | 6,79% | 7,32% | 7,74% | 8,02% | 7,56% | 8,4% | 9,04% | |
70,8% | 11,19% | 15,67% | 2,34% | 52,92% | 15,85% | 29,2% | 2,02% | |
Nordeste | 9.342 | 624 | 1.309 | 476 | 843.074 | 191.737 | 612.081 | 47.788 |
36,12% | 12,85% | 20,73% | 53,36% | 19,73% | 14,12% | 27,19% | 32,99% | |
79,5% | 5,31% | 11,14% | 4,05% | 49,75% | 11,31% | 36,12% | 2,82% | |
Sudeste | 8.270 | 1.949 | 2.586 | 123 | 1.973.40 1 | 640.794 | 957.600 | 46.916 |
31,97% | 40,13% | 40,96% | 13,79% | 46,18% | 47,19% | 42,53% | 32,38% | |
63,97% | 15,08% | 20% | 0,95% | 54,53% | 17,71% | 26,46% | 1,3% | |
Sul | 4.091 | 1.272 | 1.024 | 114 | 741.140 | 273.559 | 277.884 | 18.618 |
15,82% | 26,19% | 16,22% | 12,78% | 17,34% | 20,15% | 12,34% | 12,85% | |
62,93% | 19,57% | 15,75% | 1,75% | 56,52% | 20,86% | 21,19% | 1,42% | |
Centro- Oeste | 2.074 | 682 | 932 | 110 | 372.828 | 149.039 | 214.768 | 18.461 |
8,02% | 14,04% | 14,76% | 12,33% | 8,72% | 10,98% | 9,54% | 12,74% | |
54,61% | 17,96% | 24,54% | 2,9% | 49,37% | 19,74% | 28,44% | 2,44% |
Fonte: Rocha (2019, p. 175).
As IES estão divididas em: universidades, centros universitários, faculdades, institutos federais (IF) e centros federais de educação tecnológica (Cefet), cada qual com suas características e particularidades. As universidades possuem estruturas maiores (infraestrutura, servidores/colaboradores etc.) e maior independência; caracterizam-se pelo tripé ensino, pesquisa e extensão; são pluridisciplinares quanto à formação ‒ um terço do seu corpo de professores tem que ter titulação de mestrado e/ou doutorado e também um terço dos professores precisa ter regime de dedicação integral. Os IF e Cefet são equiparados às universidades federais para fins de regulação, supervisão e avaliação (BRASIL, 2017).
Os centros universitários se caracterizam por ter pelo menos um quinto do seu corpo docente em regime de tempo integral e, como as universidades, um terço do corpo docente com titulação de mestrado e/ou doutorado, além de pelo menos oito cursos com avaliação satisfatória junto ao MEC (BRASIL, 2017). As faculdades não têm autonomia e não estão obrigadas a desenvolver pesquisa e dependem de autorização do MEC para abrir novos cursos. Não há exigência quanto a percentuais de titulação e regime de dedicação exclusiva.
Quanto à distribuição das IES no Brasil, em 2015 eram constituídas, em sua maior parte, por faculdades (83,75%), conforme gráfico a seguir:
Apesar de as faculdades constituírem a maior parte das IES do Brasil (1.980 de um total de 2.364), o número de matrículas nessas instituições é menor do que nas universidades, que constituem 195 das 2.364 IES no Brasil (8,24%). Em 2015, as matrículas em universidades representaram 53,23% e 68,2% (estudantes no geral e estudantes PAEE, respectivamente), o que demonstra que: o percentual de estudantes PAEE em universidades é maior que o de estudantes no geral. Destaca-se que grande parte dessas IES tem infraestrutura maior, recursos humanos, pedagógicos e, por vezes, clareza no tocante aos aspectos legais na inclusão de estudantes PAEE. Assim, na maioria das universidades há: “[...] núcleos de acessibilidade, presença de intérpretes de Libras e outros itens importantes – em contraste com as instituições menores, como é o caso das faculdades […]” (ROCHA, 2019, p. 178). Tais recursos são, por vezes, escassos, e não há, em muitas faculdades, uma cultura ou política inclusiva para os estudantes PAEE.
O gráfico 2 demonstra a representatividade das universidades, uma vez que estas, apesar de serem poucas, têm percentual maior de matrículas que centros universitários, faculdades, IF e Cefet somados, dado seu grande porte. Pela leitura da tabela 1, é ainda possível identificar que 79,5% dos estudantes PAEE estão em universidades na região Nordeste e o menor percentual é encontrado no Centro-Oeste: 54,61%. Nas matrículas no geral, o menor percentual também está na região Centro-Oeste: 49,37%, e o maior percentual na região Sul: 56,52%. No entanto, as variações nas matrículas no geral são menos discrepantes do que para os estudantes PAEE.
Nos centros universitários, IF e Cefet, a comparação das matrículas de estudantes no geral e do PAEE têm pequenas variações, como descrito na tabela 1. No entanto, as matrículas nas faculdades apresentam grande discrepância, já que, no geral, temos 28,05% das matrículas em faculdades e, para o PAEE, esse número se reduz para 16,65%, sendo a região com o menor percentual o Nordeste (11,14%) e com o maior, o Centro-Oeste (24,54%), variação de mais de 100%. No geral, a maioria das matrículas em faculdades está no Nordeste (36,12%) e o menor percentual está no Sul (21,19%).
Os núcleos de acessibilidades “visam eliminar barreiras físicas, de comunicação e de informação que restringem a participação e o desenvolvimento acadêmico e social de estudantes com deficiência” (BRASIL, 2011) nas IES. São de grande relevância na inclusão desse público, conforme mostram as pesquisas (OLIVEIRA, 2011; GUIMARÃES, 2011; MIRANDA, 2014). Estão presentes em todas as IES federais, uma vez que a sua criação foi incentivada com financiamento por parte do governo, o que provavelmente leva os estudantes PAEE a procurem essas instituições para cursar sua graduação, e, assim, estão em maior percentual nessa organização acadêmica do que em faculdades e centros universitários.
Fonte: Rocha (2019, p. 179).
Em relação à categoria administrativa, a Educação Superior brasileira está dividida em rede pública e privada de ensino. Quando do surgimento da Educação Superior, na época do Império, havia apenas a rede pública e, devido à necessidade de expansão das vagas, a educação começou a ser comercializada. Atualmente, a maior concentração de matrículas está nessa categoria administrativa (75,68% das matrículas). Segundo Oliven (2002, p. 7): “Como a pressão pelo aumento de vagas tornava-se cada vez mais forte, logo após 1968, ocorreu uma expansão do setor privado, que criou inúmeras faculdades isoladas, nas regiões onde havia maior demanda […]”. Foi assim que a rede privada começa a se expandir e capilarizar-se por todo o país, conforme mostra bem o gráfico seguinte.
Como pode-se perceber pelo gráfico 3, a maioria das IES, em 2015, são privadas (2.069 de 2.364), representando mais de 87% das IES brasileiras. Segundo Oliven (2002, p. 7): “Essa expansão do sistema ocorreu com a aquiescência do governo e, no ano de 1980, mais da metade dos alunos de terceiro grau estava matriculada em estabelecimentos isolados de ensino superior, sendo 86% em faculdades privadas”.
As matrículas na Educação Superior concentram-se majoritariamente na rede privada de ensino: 75,68%. No entanto, para o PAEE esse percentual se reduz para 58,47%. Já na rede federal, as matrículas no geral representam 15,33% e para o PAEE esse percentual dobra: 33,98%. Esses números mostram que as políticas públicas implementadas na IFES têm grande contribuição para o aumento no número de matrículas de estudantes PAEE (se observado, principalmente, em uma série histórica, o que não é o caso deste artigo, que visa imprimir um retrato anterior à lei de reserva de vagas).
Outro dado que chama a atenção é que 59,43% dos estudantes PAEE das IFES brasileiras estão na região Nordeste. A região Norte concentra, destes, apenas 7,57% (menor percentual) ‒ mas há que se considerar que essa é a região menos populosa do país. A região Nordeste ainda tem o maior percentual “na linha”: 65,19% dos seus estudantes estão em IFES e os demais, nas redes estadual (8,49%), municipal (0,54%) e privada (25,79%). O menor percentual de estudantes em IFES está na região Sudeste, em que 12,05% estão na rede federal; 4,39% na estadual; 1,23% na municipal e 82,23% na rede privada. O que fica evidente é que as regiões Nordeste e Sudeste para o PAEE apresentam grandes discrepâncias em relação às matrículas gerais e essas peculiaridades indicam a necessidade de investigações mais pontuais. Nas matrículas no geral, as discrepâncias são menores ‒ a região com o maior percentual de estudantes em IFES é a região Norte: 22,5%; 7,22% estão na rede estadual, 0,87% na rede municipal e 69,41% em IES privadas. O menor percentual de matrículas em IFES no geral é registrado na região Sudeste: 10,42%. Os demais estudantes estão nas redes estadual (6,82%), municipal (1,36%) e, com o maior percentual, privada: 81,41%.
De modo geral, as maiores diferenças percentuais estão nos estudantes PAEE, mais do que nas matrículas no geral, o que talvez se deve à reserva de vagas que algumas IES já adotavam antes mesmo de 2016 e de leis publicadas em prol desse público, sobretudo na rede federal de Educação Superior (Programa Incluir, avaliação dos cursos e das IES quanto aos requisitos de acessibilidade, entre outras).
Brasil e Regiões | PAEE | Geral |
---|---|---|
Sim** | Sim | |
Brasil | 189 100% 0,5% |
23.094 100% 0,29% |
Norte | 0 0 0 |
181 0,78% 0,03% |
Nordeste | 144 76,19% 1,23% |
5.338 23,11% 0,31% |
Sudeste | 31 16,4% 0,24% |
13.331 57,72% 0,37% |
Sul | 7 3,7% 0,11% |
3.053 13,22% 0,23% |
Centro-Oeste | 7 3,7% 0,18% |
1.19 15,16% 0,16% |
*Estudantes que realizaram mobilidade acadêmica nacional (sendo que só os estudantes de instituições federais e universidades estaduais são aqui contabilizados) e internacional (intercâmbio ou Ciência Sem Fronteiras9).
**Foi incluída apenas a coluna “SIM, possui mobilidade acadêmica” pois a instrução para as IFES (quando no preenchimento das informações) é deixar em branco quando o estudante se encontra em situação de formado, devendo, portanto, só informar os estudantes que estão cursando. Dessa forma, há muitas linhas sem preenchimento dessa informação. O percentual na linha foi realizado em comparação ao total geral e dos estudantes PAEE da Educação Superior, de cada um dos estados e regiões.
Fonte: Rocha (2019, p. 191).
A mobilidade acadêmica conta com atividades dentro e fora do país. Quando ela ocorre no país, objetiva-se “fomentar a cooperação técnico-científica entre as IFES. O programa de mobilidade acadêmica entre as IFES busca atender às necessidades em nível federal de construir uma unidade nacional entre as instituições públicas de educação superior” (UNESCO, 2013, p. 25). Quando ela ocorre fora do país, a mobilidade acadêmica internacional “[...] está sujeita à existência de um acordo entre uma Universidade Brasileira e Universidade ou Instituto de Pesquisa do exterior ou, ainda, acordos de cooperação entre o governo brasileiro e um governo de outro país com a participação de Universidades brasileiras” (UNESCO, 2013, p. 26).
De forma geral, a mobilidade acadêmica promove a internacionalização da instituição de ensino, uma vez que esta será inserida no mundo globalizado. Um importante programa para a promoção da mobilidade acadêmica foi o Ciência sem Fronteiras, que objetivou a inserção internacional das IFES. Possibilitou que cientistas e estudantes estrangeiros viessem ao Brasil e que estudantes brasileiros frequentassem universidades de excelência.
Em pesquisas realizadas sobre a temática, por exemplo a de Oliveira e Freitas (2016), verificou-se que os estudantes que realizaram a mobilidade tinham “desejo de conhecer outras culturas e de alcançar maior amadurecimento por meio da experiência da mobilidade”, visto ser esse desejo “uma motivação que se sobressai nesse grupo, além do aprendizado ou aperfeiçoamento de uma língua estrangeira” (OLIVEIRA; FREITAS, 2016, p. 242).
A mobilidade acadêmica tem transposto barreiras e levado as IES além de fronteiras que muitas vezes as delimitam. Em 2015, apenas um reduzido número de estudantes realizou mobilidade no ou fora do país: 0,29% (no geral). Para os estudantes PAEE, esse percentual foi maior que o geral: 0,5%. A região com o menor percentual de estudantes no geral (0,03%) e para o PAEE (0%) foi a região Norte, em que nenhum estudante PAEE fez mobilidade acadêmica, em nenhum dos seus sete estados. O maior percentual para as matrículas no geral é registrado no Sudeste (0,37%) e, para os estudantes PAEE, no Nordeste (1,23%).
Os dados evidenciam que ainda são poucos os estudantes brasileiros que têm a oportunidade de realizar mobilidade acadêmica e desperta a atenção para os dados de estudantes PAEE, que têm percentuais maiores que as matrículas no geral, indicando um campo para futuras investigações, além da possibilidade de ampliação da mobilidade acadêmica para o conjunto dos estudantes de nosso país.
Nome da IES | Quant. PAEE | Percentu al Represe ntativo em compara ção às matrícul as do PAEE | Matrí culas na IES em 2015 | Percentual Representa tivo em comparaçã o às matrículas no geral | Percentua l do PAEE em comparaç ão às matrícula s da IES |
---|---|---|---|---|---|
Universidade Federal do Ceará | 3.971 | 10.47% | 26.214 | 0,33% | 15,15% |
Universidade Paulista | 2.197 | 5.79% | 343.471 | 4,28% | 0,64% |
Universidade Federal da Paraíba | 1.167 | 3.08% | 32.130 | 0,40% | 3,63% |
Universidade Nove de Julho | 1.115 | 2.94% | 135.363 | 1,69% | 0,82% |
Universidade Norte do Paraná | 1.036 | 2.73% | 353.432 | 4,4% | 0,29% |
Universidade Estácio de Sá | 902 | 2.38% | 207.450 | 2,58% | 0,43% |
Universidade Anhanguera – Uniderp | 751 | 1.98% | 152.816 | 1,90% | 0,49% |
Universidade Federal do Rio Grande do Sul | 734 | 1,93% | 27.768 | 0,34% | 2,64% |
Universidade Federal do Piauí | 707 | 1,86% | 29.484 | 0,37% | 2,40% |
Centro Universitário Leonardo da Vinci | 692 | 1,82% | 96.481 | 1,2% | 0,72% |
*A escolha pelas 10 principais IES deve-se ao fato de haver 1.186 IES brasileiras com pelo menos uma pessoa PAEE, o que torna inviável tal descrição em uma tabela.
Fonte: Rocha (2019, p. 196).
As 10 IES com maior número de estudantes PAEE não são necessariamente as 10 maiores IES brasileiras para as matrículas no geral. Em 2015, segundo Rocha (2019, p. 196):
As 10 IES brasileiras com maior número de matrículas no geral são: Universidade Norte do Paraná (353.432 matrículas), Universidade Paulista (343.471 matrículas), Universidade Estácio de Sá (207.450 matrículas), Universidade Anhanguera - Uniderp (152.816 matrículas), Universidade Nove de Julho (135.363 matrículas), Centro Universitário Internacional (124.196 matrículas), Centro Universitário Leonardo da Vinci (96.481 matrículas), Universidade de São Paulo (61.944 matrículas), Centro Universitário de Maringá – Unicesumar (57.622 matrículas) e Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (50.748 matrículas).
Assim, as maiores IES brasileiras não são aquelas mais responsáveis (proporcionalmente) pela inclusão/ingresso de estudantes PAEE. Cerca de 90% das 10 maiores IES brasileiras são privadas e, para o PAEE, esse percentual se reduz para 60% destas, sendo os outros 40% constituídos de IFES que congregam os maiores públicos de estudantes PAEE (todas públicas).
As Universidades Federais do Rio Grande do Sul (UFRGS), do Piauí (UFPI), da Paraíba (UFPB) e do Ceará (UFC) são as quatro IES públicas que estão entre aquelas com maior número de estudantes matriculados PAEE, “[...] o que indica a importância de realizar pesquisas com essas universidades para verificar suas ações relativas ao acesso e permanência desse público” (ROCHA, 2019, p. 197).
A UFC tem 10,47% de estudantes PAEE do total brasileiro (37.927), e isso representa, do total de suas matrículas no geral, 15,15%, lembrando que: o percentual de PAEE no ano de 2015 no Brasil era de 0,47% (37.927 de 8.027.297 matrículas) e a UFC declarou ter um número 20 vezes maior que a média nacional.
Destaca-se, como IES com o maior PAEE [na região Nordeste], a Universidade Federal do Ceará (UFC), que tinha 3.971 estudantes PAEE, em 2015. No entanto, no seu censo interno http://www.acessibilidade.ufc.br/quem-sao-as-pessoas-com-deficiencia/) publicado em sua página, há o registro, em 2015, de 23 estudantes com deficiência visual, 34 estudantes com deficiência auditiva, um estudante com deficiência múltipla e 12 estudantes com deficiência física, o que corresponde 1,76% do total declarado no Censo para o Inep. [...]. A UFC, porém, declarou-os [os dados] como verdadeiros e passam, então, a compor as estatísticas oficiais brasileiras da Educação Superior (INEP, 2015b). Acreditamos, assim, que pode haver inconsistências entre as informações fornecidas pela IES para o Censo e os censos internos realizados via núcleos de acessibilidade.
(ROCHA, 2019, p. 143)
Existe, assim, na UFC, um possível aumento de estudantes PAEE em decorrência dessa expressividade das altas habilidades/superdotação constante nos dados dessa IFES.
Em segundo lugar, com um dos maiores quantitativos de PAEE, está a Universidade Paulista (Unip), com mais de 340 mil alunos, entre os quais um pouco mais de 2 mil são PAEE, o que representa 0,64% das matrículas dentro dessa IES, um número pouco expressivo, se comparado à UFC (15,15%), à UFPB (3,63%), à UFRGS (2,64%) e à UFPI (2,4%), ou seja, apesar de a Unip constar quantitativamente como uma IES do Brasil com grande número de estudantes PAEE, percentualmente esse número é baixo.
Estamos trilhando no caminho de haver IES cada mais plurais no Brasil, com a vigência da Lei de Reserva de Vagas (BRASIL, 2016). O provável é que, nos próximos anos, os números sofram grandes mudanças, aumentando a diversidade presente nessas instituições, que, por anos, mantiveram seu ingresso restrito a poucos e com certa homogeneidade entre os seus estudantes (ROCHA, 2019).
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As IES no Brasil se constituíram, incialmente, para poucos: as elites. Assim, a diversidade era pequena e existia, até certo ponto, uma homogeneidade entre seus estudantes, o que foi sendo transformado aos poucos com a vigência de políticas de igualdade de direitos, a valorização da diversidade humana e a empatia de dirigentes, legisladores e administradores para com aqueles menos contemplados por políticas pouco sensíveis à sua condição.
Ainda estamos distantes de números ideais quanto ao ingresso de estudantes PAEE na Educação Superior brasileira, mas estamos no caminho da construção de IES cada mais diversas, sobretudo quando analisamos os percentuais/características de instituições públicas, que vêm adotando paulatinamente mudanças – em razão de leis ou pela presença de gestores mais sensíveis às questões da diversidade – e, com isso, há uma transformação desse cenário, do qual o PAEE esteve por anos alijado.
De forma geral, os números apresentados pelo Censo da Educação Superior de 2015 para os estudantes PAEE mostram que, em sua maioria (seja quantitativa/dados brutos ou percentual em relação as matrículas no geral), esses estudantes estão em universidades, com prevalência desse público na região Nordeste do país e sendo destaques a UFC, a UFPB e a UFPI, provavelmente, fruto de políticas públicas de financiamento para acessibilidade (núcleos de acessibilidade) e de ações locais que merecem maior investigação. No tocante à mobilidade acadêmica, há baixos percentuais no geral e para os estudantes PAEE, com percentuais semelhantes entre si.
Os estudantes PAEE têm ganhado espaço quanto ao ingresso nas IES e vêm, com isso, pressionando o governo federal para a construção de políticas públicas, principalmente quanto à sua permanência, um gargalo ainda a ser superado. Ainda que tenham o ingresso garantido, ainda terão que trilhar um longo caminho para que consigam, no decorrer do seu curso, ter a garantia de oportunidades com relação aos demais estudantes.