1 INTRODUÇÃO
A Educação Física é uma área de conhecimento que busca o estudo e a intervenção profissional acerca da motricidade humana nas diferentes vertentes e finalidades englobadas pelas práticas da cultura corporal de movimento (BRASIL, 2018). De acordo com a Resolução nº 06/2018, do Conselho Nacional de Educação (BRASIL, 2018), que institui as diretrizes curriculares nacionais para os cursos de graduação em Educação Física, esses devem garantir a formação de profissionais para atuar com diferentes públicos, dentre os quais estão abarcadas as pessoas com deficiência. Nesse caso em particular, a formação deve contemplar a inserção de atividades de pesquisa e ensino que tratem sobre as relações da diversidade na educação e pelos componentes curriculares voltados à Atividade Física Adaptada (AFA) (licenciatura). Do mesmo modo, devem ser compreendidos os objetivos, as necessidades e as expectativas do público com deficiência, de modo a estruturar as atividades físico-esportivas, de cultura e de lazer (bacharelado) (BRASIL, 2018).
Nessa perspectiva, a AFA está presente nos currículos como um espaço de discussão que envolve os conteúdos da formação profissional para intervenção com pessoas com deficiência, sendo entendida como uma subárea da Educação Física, Ciência do Esporte ou Cinesiologia (HUTZLER; SHERRILL, 2007). Esta tem seu desenvolvimento focado nos campos acadêmico-científico e profissional referentes às adequações das variáveis das atividades físico-esportivas que visam garantir a participação de pessoas que apresentem diferentes e peculiares condições para a sua prática (PEDRINELLI; VERENGUER, 2013). Considerando-se, ainda, os impedimentos estabelecidos socialmente nos meios convencionais (ARAÚJO, 2011).
Nesse mesmo contexto, Mauerberg-de Castro (2011) afirma que a AFA deve considerar os interesses e objetivos das pessoas com deficiência e/ou transtornos do desenvolvimento nas atividades físicas, bem como as capacidades desse público, a fim de que se assegure uma participação efetiva e um desenvolvimento satisfatório nessas atividades.
Nos currículos dos cursos de graduação em Educação Física, a AFA tem como finalidade subsidiar a formação dos futuros professores para que estes atuem em uma perspectiva que valorize a diversidade e que seja pautada no estímulo à máxima participação nas atividades, de modo que as potencialidades dos alunos sejam evidenciadas (SILVA; ARAÚJO, 2012).
Contudo, os conteúdos relativos à AFA e/ou à participação e à inclusão das pessoas com deficiência nas práticas corporais têm sido, predominantemente, ofertados em uma única disciplina (ROSSI; MUNSTER, 2013), o que não contribui para uma formação profissional consistente para atuar com esse público em diferentes contextos de ensino (CHICON et al., 2014; MAHL, 2016).
Somado a isso, Fiorini (2011) e Brito e Lima (2012) apontam que nem sempre os conteúdos da AFA compõem a matriz curricular das instituições de Educação Superior, sendo um dos fatores que caracterizam a fragilidade no processo formativo inicial e o despreparo profissional enfrentado na atuação com as atividades físicas para pessoas com deficiência (FIORINI; MANZINI, 2014).
Diante desse cenário, nota-se que ainda persiste um quantitativo reduzido de pesquisas direcionadas a esses conteúdos nos currículos de formação inicial (SILVA, 2011; LOUZADA, 2017; OLIVEIRA, 2017), sobretudo na Região Nordeste. Desse modo, entende-se como relevante a realização de pesquisas nessa perspectiva, com a finalidade de construir um panorama sobre as matrizes curriculares dessa região e examinar os avanços e retrocessos nessa área.
Com isso, este artigo teve como objetivo analisar as disciplinas de Atividade Física Adaptada nos Projetos Pedagógicos dos Cursos de Educação Física das universidades públicas nordestinas.
2 METODOLOGIA
O presente estudo foi caracterizado como uma pesquisa documental, na qual os documentos se configuram como a única fonte de coleta de dados, sobretudo aqueles de origem primária, ou seja, que ainda não foram explorados ou que tiveram apreciação insuficiente (MARCONI; LAKATOS, 2017).
Sendo assim, para compor o corpus da pesquisa se fez essencial identificar as universidades públicas federais, estaduais e municipais da Região Nordeste do Brasil que ofertavam cursos de graduação em Educação Física, para, em seguida, acessar os projetos pedagógicos desses cursos. Optou-se pelas universidades públicas pela obrigatoriedade de publicização desses documentos, o que poderia ampliar o alcance dos mesmos e, consequentemente, a viabilização das análises.
Desse modo, foi consultado o Cadastro Nacional de Cursos e Instituições de Educação Superior (Cadastro e-MEC) para verificar as instituições e os cursos ativos em cada estado, como também, os sítios eletrônicos de cada universidade, a fim de coletar os Projetos Pedagógicos de Curso (PPC). Na Figura 1 estão contidas as etapas das buscas, efetuadas no período de 18 de junho a 22 de julho de 2020, e os respectivos quantitativos de universidades públicas, cursos de Educação Física ativos e de PPC disponíveis.
A partir das buscas, se fez possível apresentar, na Tabela 1, como os cursos de Educação Física estão configurados na Região Nordeste, especificamente no que se refere às habilitações e instituições ofertantes.
Estado | Instituições (nº) | Cursos | PPC Disponíveis | |
---|---|---|---|---|
Bacharelado | Licenciatura | |||
AL | UFAL (01) | 01 | 02 | 03 |
BA | UEFS, UESB, UESC, UFBA, UFRB e UNEB (06) | 00 | 28 | 08 |
CE | UECE, UFC, URCA e UVA (04) | 03 | 06 | 02 |
MA | UEMA e UFMA (02) | 01 | 03 | 00 |
PB | UEPB e UFPB (02) | 02 | 02 | 04 |
PE | UFPE, UFRPE, UNIVASF e UPE (04) | 04 | 05 | 06 |
PI | UESPI e UFPI (02) | 01 | 15 | 00 |
RN | UERN e UFRN (02) | 02 | 03 | 05 |
SE | UFS (01) | 01 | 01 | 02 |
Total | 24 | 15 | 65 | 30 |
Fonte: Autoria Própria (2020).
Em relação aos PPC disponíveis, nos cursos de bacharelado (n=11, 73,33%) foi totalizado um quantitativo inferior em relação às licenciaturas (n=19, 29,23%), ainda que os valores percentis sejam superiores na primeira habilitação citada, o que corresponde a uma maior proporção de cursos de bacharelado incluídos para a análise em comparação com os cursos de licenciatura.
Com base nesse cenário, excetuando-se os estados do Maranhão e do Piauí, em que os PPC não estavam disponíveis, realizou-se a leitura integral dos documentos pertencentes às demais instituições, no intuito de detectar as disciplinas específicas sobre a temática da AFA.
Essas disciplinas foram reunidas para serem analisadas em conjunto, apresentando um panorama sobre esse componente curricular na Região Nordeste, com a identificação das questões relacionadas à obrigatoriedade ou não, nomenclatura, carga horária, período de oferta, ementas e bibliografias sugeridas.
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
A análise documental demonstrou que o estado da Bahia apresentava o maior número de instituições ofertantes de cursos de Educação Física na Região Nordeste (n=6, 25%), seguido dos estados do Ceará (n=4, 16,67%) e de Pernambuco (n=4, 16,67%). Logo após, estavam os estados do Maranhão (n=2, 8,33%), Paraíba (n=2, 8,33%), Piauí (n=2, 8,33%) e Rio Grande do Norte (n=2, 8,33%), que contam com duas instituições em cada estado, sendo uma pública federal e outra pública estadual. Por fim, Alagoas (n=1, 4,17%) e Sergipe (n=1, 4,17%), com apenas uma universidade federal em cada estado.
Verificou-se que os cursos de Educação Física da Região Nordeste eram ofertados por instituições públicas de Educação Superior nas esferas federal (n=12, 50%) e estadual (n=12, 50%), não ocorrendo proposições na esfera pública municipal.
Os cursos ofertados eram, majoritariamente, licenciaturas (n=65, 81,25%), tendo em vista que os bacharelados (n=15, 18,75%) passaram a ser regulamentados posteriormente, por meio da Resolução CNE/CES 07/2004 (BRASIL, 2004a) e do Parecer CNE/CES 058/2004 (BRASIL, 2004b).
Ao analisar os PPC de Educação Física da Região Nordeste, foi possível constatar o quantitativo de 43 disciplinas específicas à temática da AFA, as quais estavam distribuídas entre as universidades públicas e seus respectivos estados, como pode ser observado no Gráfico 1.
Ressalta-se que as 14 universidades contidas no Gráfico 1 ofertavam os 30 cursos de Educação Física que disponibilizaram seus projetos pedagógicos, o que significa que as disciplinas não se referem exclusivamente a um curso, mas sim à instituição.
Com base no exposto, verificou-se que 28 dos 30 cursos analisados disponibilizaram as 43 disciplinas referidas anteriormente, tendo em vista que a Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) e a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), em seus cursos de licenciatura, não ofertavam nenhuma disciplina específica para a AFA. Oliveira et al. (2017) e Castro et al. (2020) expuseram que nem sempre são ofertadas disciplinas direcionadas à inclusão e/ou adaptação dos conteúdos da Educação Física para pessoas com deficiência nos cursos de formação inicial, o que acaba por prejudicar o processo formativo em Educação Física. O prejuízo pode ser ainda mais grave no caso daqueles formandos que puderam vivenciar a disciplina com esses temas e que mesmo assim não se sentem preparados para atuar com o público com deficiência (FIORINI; MANZINI, 2014; CABRAL et al., 2016).
Além do mais, destaca-se que a quantidade de disciplinas voltadas aos conteúdos da AFA é ainda reduzida em alguns cursos e instituições de Educação Superior. Nesse sentido, Ranzan e Denari (2020) discutem que, além da necessidade de um quantitativo maior de disciplinas que envolvam as temáticas direcionadas às pessoas com deficiência, como a Atividade Física Adaptada e a Educação Inclusiva, faz-se necessária a interlocução dessas disciplinas com as demais, de maneira que os conteúdos sejam trabalhados de modo interdisciplinar e complementar, propondo, assim, uma formação mais dinâmica e completa.
Em vista disso, nos PPC de Educação Física da Região Nordeste foram encontradas, ainda, 63 disciplinas (15 eletivas e 48 obrigatórias) que mencionavam o público com deficiência nas ementas e/ou propunham bibliografias voltadas à adaptação dos conteúdos da cultura corporal de movimento para as pessoas com deficiência. Enfatiza-se que tais disciplinas eram diferentes daquelas específicas à AFA e foram ofertadas em 22 cursos dentre os 30 analisados. Isso equivale a cerca de três disciplinas em cada curso, o que ainda pode ser considerado como um fator limitante para garantir uma formação consistente na temática e não proporciona a infusão dos conteúdos da AFA pelos componentes das matrizes curriculares e/ou a transversalidade da temática.
Dentre essas disciplinas não específicas supracitadas, 35 delas (55,56%) abordavam na ementa a AFA ou o esporte (n=21, 60%), a inclusão na Educação Física escolar (n=6, 17,14%), o lazer (n=3, 8,57%), o exercício (n=3, 8,57%) ou a aprendizagem motora e o crescimento motor para o público com deficiência (n=2, 5,72%). Apesar de haver a menção da temática nas ementas, não foram identificadas bibliografias específicas. Da mesma forma, as pessoas com deficiência, na maioria das vezes, estavam citadas como um dos grupos minoritários, de modo que a proposição dos conteúdos da ementa não era direcionada diretamente a esse grupo, sendo desconsideradas as especificidades dessa população.
Por outro lado, foram encontradas 16 disciplinas (25,39%) que apresentavam bibliografias relacionadas às questões da pessoa com deficiência, porém suas ementas não faziam qualquer menção ao público com deficiência. Percebeu-se uma ênfase em bibliografias voltadas às práticas esportivas (n=9, 56,25%), especialmente natação, tênis em cadeira de rodas e handebol em cadeira de rodas; à AFA, exercício e saúde (n=5, 31,25%); e aos atrasos no desenvolvimento motor e à deficiência (n=2, 12,5%).
Por fim, somente 12 disciplinas (19,05%) abarcavam a temática da AFA nas ementas e nas bibliografias, as quais foram, majoritariamente, os estágios curriculares obrigatórios (n=7, 58,33%), seguidas das disciplinas de desenvolvimento motor e psicomotricidade (n=2, 16,67%), dos componentes curriculares de medidas e avaliação (n=2, 16,67%) e das atividades aquáticas (n=1, 8,33%).
Retornando-se à discussão das disciplinas de AFA (43 disciplinas), foi identificado que 11 dos 30 cursos analisados ofertavam mais de um componente curricular específico à AFA, o que pode ser considerado como um fator positivo no cenário nordestino em termos de formação inicial. Salienta-se que são reduzidas as instituições com duas ou mais disciplinas relacionadas aos conteúdos da AFA e/ou inclusão (GONÇALVES et al., 2020).
Quanto ao caráter das disciplinas, contabilizou-se 31 obrigatórias e 12 eletivas, sendo que somente o curso de bacharelado da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) ofertava exclusivamente disciplinas eletivas. Martins (2012) discute que é recorrente a oferta dos conteúdos relativos ao público com deficiência de forma eletiva, o que não fornece subsídios suficientes para a consolidação do processo formativo e para a instrumentalização dos discentes para atuar com a diversidade. Nesse contexto, é papel das demais disciplinas incluir em seus conteúdos as possibilidades de ensino e de participação de pessoas com deficiência nas práticas corporais (ROSSI-ANDRION et al., 2019).
Encontrou-se, também, variedade em relação às nomenclaturas das disciplinas, tal como percebido por outros estudos (CIDADE et al., 2001; LIMA, 2005; BORELLA, 2010). Todavia, se fez possível organizá-los em grupos mais abrangentes considerando as suas similaridades, a saber:
1) Educação Física Inclusiva/Educação Física e Inclusão: 10 ocorrências de disciplinas com essa nomenclatura, sendo a mais frequente no cenário nordestino. Esse aspecto difere-se de estudos anteriores, nos quais a Educação Física Inclusiva não apareceu ou ocorreu apenas de modo ainda esporádico (SILVA, 2011; FERREIRA et al., 2020). Esse resultado demonstra que a perspectiva inclusiva de educação da pessoa com deficiência, que ganhou força no país a partir da segunda década do século XXI, trouxe impacto na formação em Educação Física, particularmente, na disciplina Educação Física Inclusiva.
2) Esportes Adaptados e Paralímpicos: 09 ocorrências de disciplinas com essa nomenclatura foram encontradas, sendo a segunda maior frequência entre os componentes curriculares voltados à AFA. Ferreira et al. (2013) e Gonçalves et al. (2020) asseguram que essa é uma das denominações adotadas para essas disciplinas, notadamente nos cursos de bacharelado. Entretanto, na presente pesquisa observou-se que a oferta tem sido semelhante nos cursos de bacharelado e licenciatura, com os últimos explorando esse conteúdo de maneira mais ampla. Geralmente, nas licenciaturas a oferta tem sido vinculada aos demais temas da cultura corporal de movimento, como sugerido por Sherrill (1998).
3) Educação Física ou Atividade Física para Pessoas com Deficiência: 06 ocorrências de disciplinas com essa nomenclatura foram observadas, as quais subdividiram-se em licenciatura quando se referiram à Educação Física, e bacharelado quando voltadas às possibilidades de prática de atividades físicas por essa população. Essa perspectiva corrobora com o explicitado por Mauerberg-de Castro (2011), que menciona que a Educação Física para Pessoas com Deficiência ou Educação Física Adaptada tem sua consolidação com o ensino na escola, campo de atuação do licenciado em Educação Física, do mesmo modo que a AFA se direciona para outros ambientes que não o escolar, ainda que os focos das duas subáreas sejam semelhantes.
4) Atividade Física Adaptada ou Educação Física Adaptada: 05 ocorrências de disciplinas denominadas AFA e 05 para Educação Física Adaptada. Identificou-se que esses termos são os mais constantes para nomear as disciplinas correlatas ao objeto desse estudo, como examinado por Cidade et al. (2001), Lima (2005), Borella (2010) e Ferreira et al. (2020). No entanto, as universidades públicas nordestinas têm utilizado com menor frequência esses termos, quando comparadas às demais regiões do Brasil, nas quais a nomenclatura Educação Física Adaptada é predominante.
Em relação à terminologia Educação Física Adaptada, Sherrill (1998) aponta que esse foi o termo criado na década de 1950 pela American Association for Health, Physical Education, Recreation, and Dance (AAHPERD), sendo substituído no cenário internacional por AFA, na década de 1970, pelos fundadores da Federação Internacional de Atividade Física Adaptada (HUTZLER, SHERRILL, 2007). Estes consideravam que AFA é uma terminologia mais abrangente e engloba os aspectos de saúde, inclusão, esporte, recreação e reabilitação.
Ainda baseando-se nas discussões de Hutzler e Sherrill (2007), por mais que o termo AFA seja o mais utilizado em uma perspectiva internacional, bem como pelas principais organizações voltadas à temática em questão, como a International Federation on Adapted Physical Activity (IFAPA), em vários países essa terminologia não é a mais difundida e a que apresenta maior utilização, existindo a possibilidade de uso de outras terminologias pertencentes a um contexto epistemológico similar.
Não obstante, no cenário nordestino surge a predominância da conceituação Educação Física Inclusiva em vez de AFA. Acredita-se que essa predominância se deve às transformações nos modelos relacionados à educação da pessoa com deficiência (especializado e/ou integrado para o inclusivo) e aos modelos de deficiência (médico para o social), que buscam a garantia de prática de atividades físico-esportivas para as pessoas com deficiência no âmbito escolar (PEDRINELLI; VERENGUER, 2013). Além do mais, entende-se que pela maior parte dos currículos analisados ser de cursos de licenciatura e pela crescente defesa da inclusão do público com deficiência na rede regular de ensino no Brasil como um todo, o termo AFA passou a ser substituído por Educação Física Inclusiva nas universidades públicas nordestinas.
5) Educação Física Especial: 04 ocorrências de disciplinas com essa terminologia, sendo todas em cursos com habilitação de licenciatura. Destaca-se que essa designação surge no início da década de 1980, com os estudos de Seaman e De Pauw (1982) e de Rosadas (1984), com este último configurando-se como um marco para o desenvolvimento da Educação Física para pessoas com deficiência no Brasil. Mauerberg-de Castro (2011) e Pedrinelli e Verenguer (2013) registraram que Educação Física Especial foi a terminologia utilizada para as disciplinas que abarcavam os conteúdos da Educação Física para pessoas com deficiência a partir da Resolução do Conselho Federal de Educação nº 03/1987 (BRASIL, 1987a), tendo sido sugerida anteriormente como Educação Física e Esporte Especial (BRASIL, 1987b). Essa disciplina surgiu como uma recomendação das instituições de Educação Superior para compor o currículo mínimo dos cursos de Educação Física, fazendo parte dos conhecimentos técnicos da profissão (BRASIL, 1987b), demarcando, assim, a necessidade de saberes específicos para a atuação com pessoas com deficiência nas práticas corporais.
6) Educação Física ou Atividade Física para Portadores de Deficiência e/ou Necessidades Especiais : 04 ocorrências de componentes curriculares com essa designação em cursos de bacharelado. Destaca-se que as denominações “portadoras de deficiência e/ou necessidades especiais” não são mais adequadas para fazer alusão ao público com deficiência, tendo em vista que o termo “portador” remete a algo que ora se tem e ora não, o que não é o caso da deficiência, que tem caráter permanente e, por conseguinte, não se porta (SASSAKI, 2003). Assim, é preciso que os currículos que ofertaram essas disciplinas passem por uma atualização, adequando-se ao que o movimento de pessoas com deficiência reivindica.
Passando à discussão da carga horária, identificou-se que as disciplinas específicas de AFA das universidades públicas nordestinas adotaram o limite inferior de 36h, enquanto o limite superior foi de 90h, com a maior parte das disciplinas definindo 60h como carga horária. Na literatura existe certa divergência quanto a esse ponto. Fernandes e Venditti Junior (2008) constataram uma variação entre 40h e 80h; Borella (2010) verificou cargas horárias desde 30h até 120h, com 60h sendo a mais incidente; e Ferreira et al. (2013) encontraram cargas horárias entre 60h e 180h.
Ranzan et al. (2016) evidenciaram que a carga horária dessas disciplinas é insuficiente para uma formação qualificada dos profissionais de Educação Física e defendem que é necessária sua ampliação. Mais que isso, Rossi e Munster (2013) discutem a necessidade de um maior quantitativo de disciplinas específicas e que os demais componentes curriculares realizem a transversalidade desse tema por todo o currículo, garantindo a infusão dos conteúdos da AFA em toda a matriz curricular.
Nesse mesmo contexto, notou-se que as disciplinas obrigatórias dos cursos de Educação Física nordestinos apresentaram uma maior carga horária em todos os aspectos em relação às eletivas. De tal modo, obteve-se 45h como carga horária mínima das disciplinas obrigatórias e 90h como máxima, com 60h sendo a mais constante. No caso das eletivas, essas oscilavam entre 36h e 60h, sendo 48h a mais frequente.
No que diz respeito aos períodos de oferta das disciplinas específicas, os 31 componentes curriculares obrigatórios foram ministrados, preponderantemente, na metade final do curso, com apenas 05 deles sendo lecionados nos 04 primeiros períodos. No estudo de Borella (2010), foi observado o mesmo que o exposto anterior, o que sugere haver uma concordância na área acerca disso. Corroborando com o citado, Mauerberg-de Castro (2011) menciona que por falta de experiências e por preconcepções acerca das pessoas com deficiência, as quais são pautadas principalmente em um modelo médico, os estudantes do curso de Educação Física podem ter dificuldades para reconhecer os conteúdos mais ou menos importantes no cenário da AFA, visto que esta se trata de uma disciplina de aplicação de conhecimentos anteriores, o que implica que a oferta precoce pode comprometer o desenvolvimento da disciplina pela falta de conhecimentos gerais sobre a Educação Física.
Contudo, além de considerar que os conteúdos dessa temática devem ser perpassados por todos os componentes curriculares, acredita-se que a oferta de disciplinas específicas de AFA deve ocorrer tanto no início do curso, pensando-se em uma modificação desse panorama médico da deficiência por parte dos alunos e possibilitando reflexões acerca das possibilidades e das diversidades presentes nas práticas corporais, quanto na metade, pois os alunos chegam aos campos de intervenção (estágios supervisionados obrigatórios) com um arcabouço teórico-prático limitado sobre a adaptação dos conteúdos da cultura corporal de movimento para os alunos com deficiência (MOURA et al., 2014) e sobre a inclusão desse público nas aulas de Educação Física (CHICON et al., 2014). Porém, sabe-se que, no cenário atual, a maior parte dos cursos adota um componente curricular exclusivo acerca das atividades físicas para o público alvo da Educação Especial (ROSSI; MUNSTER, 2013), o que inviabiliza essa estrutura de currículo e acaba por manter a oferta da disciplina específica de AFA na metade final do curso.
No que concerne às ementas, a maioria teve relação com as nomenclaturas dos componentes curriculares, e tiveram forte conexão com a bibliografia sugerida, havendo, portanto, coerência entre os elementos. Entretanto, notou-se um contexto preocupante em relação às bibliografias dos 30 cursos de Educação Física avaliados, uma vez que 16 disciplinas não apontaram nenhuma referência para estudos, o que pode sugerir uma falta de compromisso e/ou de conhecimentos sobre a disciplina. Esse aspecto evidencia que, por mais que as ementas dessas disciplinas abarquem os conteúdos relacionados à diversidade, é indispensável a existência de referências que respaldem esses saberes (BORELLA, 2010).
Para aprofundar as discussões sobre as ementas e bibliografias das disciplinas específicas de AFA, optou-se pela apresentação de uma visão geral sobre esses aspectos, além de evidenciar as diferenças encontradas nas habilitações (licenciatura e bacharelado) em cada grupo dessas disciplinas (1 - Educação Física Inclusiva/Educação Física e Inclusão; 2 - Esportes Adaptados e Paralímpicos; 3 - Educação Física ou Atividade Física para Pessoas com Deficiência; 4 - Atividade Física Adaptada ou Educação Física Adaptada; 5 - Educação Física Especial; e 6 - Educação Física ou Atividade Física para Portadores de Deficiência e/ou Necessidades Especiais).
Iniciando-se pelas disciplinas de Educação Física Inclusiva, notou-se uma similaridade nas ementas entre os cursos de licenciatura e de bacharelado no que se refere aos fundamentos, recursos pedagógicos, adaptações curriculares e estratégias de ensino em perspectivas inclusivas. Na licenciatura, o foco foi direcionado para a análise e a compreensão da realidade das pessoas com deficiência, bem como aos tipos e às características das deficiências e sobre os conceitos e as políticas de Educação Inclusiva/Educação Especial.
Já no bacharelado, a ênfase se deu na elaboração e na avaliação de atividades físicas inclusivas por meio de adaptações nas regras, no ambiente, nos materiais e nas informações para a participação efetiva das pessoas com deficiência. Essas adequações são definidas por Munster (2013) como adaptações metodológicas para a inclusão de estudantes com deficiência nas aulas de Educação Física, em que se busca adequar as variáveis citadas (regras, espaço físico, materiais/equipamentos e a instrução para a tarefa), a depender das diferentes realidades, objetivos e necessidades do indivíduo ou grupo com deficiência na prática de atividades físico-esportivas.
Em relação às bibliografias, percebeu-se que no bacharelado foram sugeridos somente livros dirigidos à Educação Inclusiva, enquanto na licenciatura houve maior diversidade de referências, incluindo desde os documentos legais sobre Educação Especial/Educação Inclusiva e Atendimento Educacional Especializado, até questões inerentes à deficiência e às adaptações dos conteúdos da Educação Física para o público alvo da Educação Especial.
No que tange às disciplinas de Esportes Adaptados e de Esportes Paralímpicos, verificou-se, também, uma convergência das referências das ementas entre as habilitações da Educação Física. Percebeu-se que as disciplinas buscaram apresentar um panorama histórico, organizacional e evolutivo dos Esportes Adaptados, especificamente em relação às características das modalidades, regulamentos, noções técnicas e táticas, bem como os procedimentos metodológicos de ensino das modalidades esportivas adaptadas (elaboração, aplicação e avaliação de programas de ensino) para pessoas com deficiência nos locais de atuação de cada habilitação. Na escola, nos cursos de licenciatura e nos ambientes não escolares para os cursos de bacharelado.
As especificidades entre as habilitações nessas disciplinas se deram pela utilização do Esporte Adaptado como ferramenta inclusiva e pelo estudo das políticas públicas dos Esportes Adaptados na licenciatura, e pelo aprofundamento dos conhecimentos acerca dos megaeventos esportivos adaptados (Jogos Paralímpicos e Special Olympics) no bacharelado.
Quanto às bibliografias no bacharelado, somente um curso sugeriu referências para complemento dos estudos, as quais se referiram às deficiências física e visual, à AFA e aos Esportes Adaptados na Educação Física. Já a licenciatura incluiu livros sobre a AFA, Esportes Adaptados e Paralímpicos, Educação Física e inclusão por meio dos Esportes Adaptados e, ainda, livros específicos sobre um Esporte Adaptado: o goalball. De acordo com Ferreira et al. (2013), a modalidade esportiva adaptada de goalball figura como uma das mais ofertadas no rol de Esportes Adaptados nos currículos de Educação Física, o que colabora com a compreensão da sua inserção como bibliografia nas universidades públicas nordestinas.
Além do mais, Borella et al. (2020) apontam que a oferta de ações extensionistas voltadas às práticas esportivas adaptadas para pessoas com deficiência é precária nos cursos de formação inicial e continuada em Educação Física, o que se configura como uma das fragilidades para a atuação com o público com deficiência. Somado a isso, Moura et al. (2014) expôs a inexistência de atividades de extensão correlatas ao grupo com deficiência nas matrizes curriculares. No entanto, foi evidenciado nas disciplinas de Esportes Adaptados e de Esportes Paralímpicos a proposição, tanto na licenciatura quanto no bacharelado, de atividades de extensão nessa temática, o que é visto como de grande relevância para o fortalecimento da formação dos discentes.
Ademais, a extensão e as práticas como componentes curriculares em AFA apareceram de modo tímido em 02 cursos dentre os 30 analisados e se referiram a projetos de intervenção em AFA, Educação Física Inclusiva e Esportes Adaptados/Paralímpicos. Entende-se que pelo direcionamento reduzido de disciplinas específicas à AFA, as atividades extensionistas nessa temática são de fundamental importância para garantir oportunidades de aplicação do conhecimento construído por meio dos componentes curriculares teóricos, fortalecendo o processo formativo inicial dos discentes de Educação Física para atuar com o público com deficiência em diferentes contextos educativos.
As ementas das disciplinas de Educação Física para Pessoas com Deficiência (licenciatura) abordaram sobre a caracterização das deficiências e as implicações das mesmas nas práticas da cultura corporal de movimento em uma perspectiva inclusiva. Pedrinelli e Verenguer (2013), ao discutirem a AFA, explicam que essa tem o foco na cultura corporal de movimento.
Do mesmo modo, a disciplina de Atividade Física para Pessoas com Deficiência (bacharelado) incluiu em sua ementa as teorias, os conceitos e as afecções da saúde e de funcionalidade das pessoas com deficiência. Além dos pontos referentes à adaptação, organização de serviços, inclusão, ecossistema, equidade, acessibilidade e tecnologias de assistência para as deficiências e, por fim, as atividades físicas, esportivas, recreativas e de lazer para pessoas com deficiência no âmbito de atuação do bacharel em Educação Física.
Em relação às referências, notou-se uma mescla entre bibliografias clássicas e atuais dirigidas à AFA, à Educação Física e aos Esportes Adaptados nas duas habilitações.
No que se refere às bibliografias das disciplinas de Atividade Física Adaptada e Educação Física Adaptada, tem-se como proposições de conteúdos a AFA, inclusão nas aulas de Educação Física, Esportes Adaptados e avaliação da saúde e da aptidão física de pessoas com deficiência. As ementas apontam o seguinte: 1) licenciatura: conceitos de AFA com base no paradigma inclusivo (fundamentos, características, estratégias e recursos para a inclusão de pessoas com deficiência no âmbito escolar), Esporte Adaptado na escola e elaboração e aplicação de projetos e programas em AFA; 2) bacharelado: buscou-se o estudo e o aprofundamento dos aspectos históricos, didáticos e metodológicos relacionados ao processo de ensino-aprendizagem de pessoas com deficiência em ambientes inclusivos/não inclusivos e formais/informais, assim como as características neuro-anatomo-fisiológicas, sociais e emocionais das deficiências e suas implicações na prática da atividade física, Esportes Adaptados e Paralímpicos.
Gonçalves et al. (2020, p. 10) explicitam que os cursos de bacharelado, em sua grande parte, adotam um eixo epistemológico pautado na área da saúde, estudando “as características morfofisiológicas das deficiências, as respostas às intervenções e suas possibilidades de ação”, do mesmo modo que enfatizam a prática de atividades físico-esportivas adaptadas ou Paralímpicas, como identificado anteriormente.
Nas disciplinas de Educação Física Especial , as referências mais recentes datavam do final do Século XX e início do Século XXI, fazendo menção à inclusão e à Educação Especial. Não foram identificadas bibliografias específicas à Educação Física ou ainda à AFA. Assim, as ementas trouxeram termos mais antigos e atualmente em desuso, como: “excepcional”, “deficiente” e “portador de deficiência e/ou necessidades especiais”. Desse modo, essas disciplinas tiveram o intuito de discutir sobre a realidade do “portador de deficiência” no ensino regular, suas relações sociais e a legislação pertinente. Além disso, discutiu sobre as “pessoas deficientes” em uma perspectiva sociocultural, refletindo sobre a consciência do “corpo deficiente” e sobre a “excepcionalidade” e a inclusão social.
Já nas disciplinas de Atividade Física e Educação Física para Portadores de Deficiência/Necessidades Especiais, verificou-se a menção de bibliografias antiquadas e mais atuais na área da Educação Física, de modo que as ementas apontaram para a caracterização dos esportes para esse público, especificamente das regras e adaptações na prática esportiva adaptada, assim como o estudo das diferentes alterações humanas relacionadas às deficiências e os impactos nas ações pedagógicas na Educação Física. A inclusão da pessoa com deficiência na práxis pedagógica; a história da AFA, a fundamentação, a classificação e as características das deficiências, e as atividades corporais, esportivas e de lazer adaptadas aos diversos tipos de deficiências, em ambiente não formal.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As disciplinas específicas à Atividade Física Adaptada, embora sejam relevantes no contexto da formação inicial em Educação Física e tenham sido ofertadas em maior quantitativo em alguns dos cursos de graduação dessa área nas universidades públicas nordestinas, ainda não conseguem desencadear um processo formativo consistente para a intervenção de professores e/ou profissionais de Educação Física com as pessoas com deficiência na prática de atividades físico-esportivas em diferentes âmbitos educativos.
Esse aspecto é decorrente de vários fatores, tendo destaque a oferta de uma única disciplina que aborde a temática da Atividade Física Adaptada na maior parte dos currículos de Educação Física nordestinos. Tal situação acaba por fragilizar o processo de desenvolvimento e aprofundamento dos conhecimentos específicos para atuar com as pessoas com deficiência nas práticas corporais, em virtude da insuficiência de carga horária nesse componente curricular para tratar a amplitude de saberes teórico-práticos presentes na área da Atividade Física Adaptada.
Somado a isso, em razão de uma parcela considerável das disciplinas ofertadas ser composta por componentes eletivos/optativos e pela proposição limitada de bibliografias para aprofundamento dos estudos, os discentes dos cursos de Educação Física acabam não tendo outras experiências formativas relacionadas à Atividade Física Adaptada para além do(s) componente(s) curricular(es) obrigatório(s) ofertado(s), de maneira que, geralmente, os egressos finalizam a formação inicial despreparados para lidar com a diversidade em sua prática profissional, podendo isso contribuir para a manutenção dos padrões de exclusão ou falta de oportunidades de introdução das pessoas com deficiência nas atividades físico-esportivas.
Do mesmo modo, tem sido notada uma incipiência de possibilidades de aplicação dos saberes teóricos apreendidos por meio das atividades práticas de ensino, o que, acrescido aos fatores anteriores, constitui os déficits formativos dos egressos relacionados aos currículos, especificamente aos conteúdos Atividade Física Adaptada nos cursos de Educação Física.
Além do mais, acredita-se que a diversidade nas nomenclaturas e o direcionamento epistemológico das ementas têm relação com a amplitude e a variedade sociocultural existente na Região Nordeste (e no país) e, também, com as experiências desenvolvidas, ou não, pelos docentes dos cursos de Educação Superior nas formações inicial e continuada no trabalho com esse grupo. Nota-se que, devido a esses pontos, alguns currículos não entendem a temática das atividades corporais para a pessoa com deficiência como relevante, demonstrando em seus planos de ensino e nas ementas uma desatualização em relação às normatizações e paradigmas atuais, ou até a inexistência do direcionamento dos componentes curriculares para as pessoas com deficiência.
Sendo assim, recomenda-se que os cursos de graduação em Educação Física passem a revisar seus currículos, considerando os aspectos instituídos pelas diretrizes curriculares mais recentes propostas pelo Conselho Nacional de Educação, de modo a garantir a incorporação e/ou a ampliação das temáticas inerentes ao público com deficiência e suas relações com as práticas da cultura corporal de movimento como meio de formação inicial em Educação Física. Apesar disso, é importante reconhecer que tais diretrizes fragmentam e pauperizam a formação do profissional de Educação Física.
Diante desse contexto, configura-se como fundamental que os cursos, em suas próximas atualizações curriculares, efetivem a transversalidade da temática da Atividade Física Adaptada por todo o currículo, assegurando a infusão dos conteúdos dessa área em toda a matriz curricular e, consequentemente, garantindo oportunidades mais aprofundadas de desenvolvimento dos saberes para o exercício profissional com o público com deficiência.