Introdução
Este artigo é resultado de estudos da dissertação intitulada “Programa Gestão para Aprendizagem: a atuação da Fundação Lemann nas políticas de formação em Redes Municipais de Educação” (SAKATA, 2018). O estudo foi realizado no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE/UNICENTRO), cuja proposta foi investigar a atuação da Fundação Lemann (FL) nas políticas educacionais brasileiras. A pesquisa foi documental e a perspectiva epistemológica dos estudos foi de cunho marxista pautada em Antônio Gramsci1.
Deste modo, este artigo objetiva investigar o Programa Gestão para a aprendizagem (PGA) da FL, em parceria com as redes municipais públicas de ensino de Castro e Ponta Grossa, no Estado do Paraná. Este movimento visa A apreender as concepções de gestão educacional e de políticas de formação continuada postas pelo PGA. Para a análise selecionamos, a partir do site da FL, os seguintes documentos:
MATERIAIS2 | TÍTULO |
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Relatórios anuais | Relatórios de atividades anuais (Total de 15 relatórios de 2002 até 2016) |
DOC01 | Boas práticas em sala de aula: estratégias de professores de redes e escolas públicas que se destacam no Brasil |
DOC02 | Conselho de Classe: a visão dos professores sobre a educação no Brasil |
DOC03 | Excelência com Equidade: dois estudos, um qualitativo e um quantitativo, sobre escolas que conseguem bons resultados com alunos de baixo nível socioeconômico |
DOC04 | Excelência com Equidade: os desafios dos anos finais do Ensino Fundamental |
DOC05 | Ser ou não ser professor da Educação Básica? Salário esperado e outros fatores na escolha ocupacional de concluintes de licenciaturas |
DOC06 | E agora, Werner? Seminário de Economia Brasileira em homenagem ao Professor Werner Baer |
DOC07 | Mais é Menos? Avaliação de impacto do 6º ano experimental |
DOC08 | Gestão de Sala de Aula: avaliação de impacto do programa Gestão de Sala de Aula em escolas públicas estaduais do Ceará |
DOC09 | Conselho de Classe 2015: A visão dos professores sobre a educação no Brasil |
DOC10 | Fichas Excelência com Equidade: a partir da pesquisa Excelência com Equidade, desenvolvemos e disponibilizamos fichas de auxílio a diretores, professores e equipe pedagógica (4 fichas e 1 roteiro) |
DOC11 | Atratividade da carreira docente |
DOC12 | Projeto de Vida: Análise do papel das escolas na vida dos jovens (relatório 1) |
DOC13 | Projeto de vida: o papel da escola na vida dos jovens (relatório técnico) |
DOC14 | Saindo da Inércia? Boletim da Educação no Brasil |
Fonte: Fundação Lemann, sistematizado pelas autoras.
Para além destes documentos, também utilizamos o Edital de seleção do PGA (DOC16) e os Termos de parceria estabelecidos entre a FL e os municípios supracitados (DOC17; DOC18). Fizemos uma pesquisa no site da FL utilizando o termo Gestão para a aprendizagem como descritor. Localizamos 310 vídeos e, após, selecionamos 09 deles, cujo conteúdo possui aproximação com a temática. Em um segundo momento, na busca por outros parceiros que trabalham com a FL no desenvolvimento do PGA, encontramos 01 vídeo que trata da parceria da FL com a Elos educacional, o qual também foi utilizado. Deste modo, para ajudar na análise do PGA, selecionamos 10 vídeos que estão dispostos no quadro a seguir.
MATERIAIS | LINK | TÍTULO |
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VÍDEO1 | https://www.youtube.com/watch?v=ugFH6T1rLIE | Foco pedagógico: como garantir a aprendizagem dos alunos |
VÍDEO2 | https://www.youtube.com/watch?v=ahHMNX9fz1Y | Formação em Gestão para Aprendizagem |
VÍDEO3 | https://www.youtube.com/watch?v=ycBWnaw8pIE | Formar - Redes que transformam a educação |
VÍDEO4 | https://www.facebook.com/fundacaolemann/videos/1602008099859763/ | 1º Encontro Redes Que Transformam - Formar (com a fala da Secretária de Educação de Ponta Grossa) |
VIDEO5 | https://www.youtube.com/watch?v=Ss7_Rc5kGYM | Novas Redes - Gestão para a Aprendizagem 2017 |
VÍDEO6 | https://www.youtube.com/watch?v=hEhtyTKgoxQ | Edital Gestão para a Aprendizagem - Edição 2017 |
VIDEO7 | https://www.youtube.com/watch?v=VoFiLfTVTU0 | Quem são os consultores do Gestão Para a Aprendizagem? |
VIDEO8 | https://www.youtube.com/watch?v=zQ0GirUNPek | Pela Aprendizagem dos Alunos - Sonia Guaraldo |
VÍDEO10 | https://www.eloseducacional.com/quem-somos-2/ | Conheça a Elos Educacional |
Fonte: Fundação Lemann, sistematizado pelas autoras.
Assim, a partir da exposição de todos os materiais selecionados, indicamos que este artigo inicia com um levantamento e análise do PGA e indicativos de como ocorre a sua atuação nos estados e municípios em que a parceria público-privada foi implementada. Após, tratamos especificamente do PGA e sua atuação nos municípios de Castro e Ponta Grossa. Para tanto, fizemos um breve levantamento das principais características destes municípios e pontuamos questões que constam nos Termos de cooperação técnica (DOC17; DOC18) e Edital de Seleção (DOC16).
Ao final do artigo, realizamos uma análise quanto às concepções de gestão educacional e de políticas de formação continuada que perpassam o PGA. Assim, concluímos que a concepção de gestão educacional posta está pautada em resultados medidos por sistemas de avaliações. O foco da FL é o desenvolvimento da gestão por resultados. A concepção de políticas de formação continuada é pautada no discurso de uma formação voltada para a emergência de líderes e gestores de sala de aula. Esta formação tem como finalidade o desenvolvimento econômico.
Do Programa Gestão para Aprendizagem (PGA) ao Programa Formar
Pontuamos que, de acordo com nossa perspectiva epistemológica, entendemos Estado para além de um ordenamento jurídico. A concepção de Estado, na perspectiva gramsciana, está diretamente ligada à categoria sociedade civil e hegemonia, pois, em Gramsci, a sociedade civil é uma instância que corresponde ao Estado, lugar em que ocorre a luta por consensos travada entre as classes sociais. Estas, por sua vez, possuem o intuito de se manter ou conquistar a hegemonia, ou seja, a direção política ideológica. Assim Gramsci, ao discorrer sobre estatolatria, indica que a “análise não seria exata se não se levasse em conta as duas formas sob as quais o Estado se apresenta na linguagem e na cultura das épocas determinadas, isto é, como sociedade civil e como sociedade política” (GRAMSCI, 2016, p. 283).
Deste modo, a classe burguesa se organiza de forma articulada e estratégica no interior do Estado, com o intuito de se manter enquanto classe dirigente. Tanto no que se refere à coerção, Estado stricto sensu, quanto ao consenso na sociedade civil, que em uma de suas múltiplas formas é posta via Parcerias público-privadas (PPP).
Uma delas é o PGA, uma parceria da FL com estados e municípios de todo o país. Com duração de dois anos, ele atua de forma integrada na rede, ao apoiar desde lideranças pedagógicas da secretaria até professores que estão diariamente na sala de aula. Criando estratégias para Secretarias de Educação junto aos gestores das escolas, as ações são alinhadas com um objetivo comum: melhorar a aprendizagem dos alunos3.
Segundo o seu Relatório anual de 2016 (DOC15), o programa atua de forma integrada em quatro níveis: na secretaria, ele contempla lideranças pedagógicas, equipes técnicas, formadores da secretaria, além de gestores escolares. Oferece desde apoio personalizado para identificar desafios e desenhar ações com as secretarias de educação, até formações em gestão pedagógica e didática específica de português e matemática para coordenadores e diretores das escolas e formadores das próprias redes.
Identificamos que a FL, desde o início da implementação do PGA, trabalha em parceria com a Elos educacional. Esta empresa, em suas palavras4, tem como missão contribuir para a “melhoria da Educação por meio de consultoria”, formação de educadores, produção de conteúdo, pesquisa e acompanhamento de práticas educacionais com vistas ao “fortalecimento do ensino e da aprendizagem”, das políticas educacionais e da gestão das escolas.
A criação do PGA ocorreu em 2013; porém, não no formato sistêmico atual. No início, o PGA era um curso a distância voltado para a aprendizagem, que incentivava a cultura escolar de planejamento e observação das classes. O curso era formado por dois módulos temáticos e por um módulo de acompanhamento para implementação do plano de ação. O primeiro era comum a todos os cursistas e abordava o tema gestão estratégica.
No encontro presencial, que acontecia no início do curso, eram abordados os temas de liderança e gestão estratégica, com apresentação de casos e oficinas práticas. Ele era implementado na escola pela equipe gestora ao longo do semestre seguinte e acompanhado pelos formadores. Assim, a criação do curso com certificação para formadores ocorreu em 2014 e em 2015. Este curso estava atuando em 24 estados brasileiros e Distrito Federal, com o chamado projeto piloto. Em 2016, o curso já havia formando mais de 3.000 gestores e 5.000 professores, alcançando mais de 1.500 escolas atendidas em todo o Brasil.
Neste sentido, o PGA desenvolveu-se de forma sistêmica, desde a secretaria até a sala de aula. No segundo semestre de 2016, de acordo com o relatório anual, o programa estava em andamento em nove regiões que foram selecionadas na época: as municipais de Campina Grande (PB), Recife (PE), Franca (SP), Taubaté (SP), Campos do Jordão (SP), Castro (PR) e Ponta Grossa (PR), e as estaduais de Alagoas e Sergipe. Neste relatório, a FL relata, ainda que, para além das redes selecionadas, no final de 2016, o PGA estava presente em 348 escolas, influenciando a educação de 120 mil alunos. O site da FL indicava que havia vagas limitadas e uma série de critérios para a inscrição das redes estaduais ou municipais no PGA, sendo eles: ter no mínimo dez escolas urbanas com Ensino Fundamental; um quadro estável de gestores pedagógicos; e a possibilidade de remanejar a equipe. O processo seletivo das redes envolvia uma série de entrevistas, visitas e um encontro presencial.
Neste movimento, identificamos que a ocorrência das PPP entre as escolas e a FL via PGA ocorria por meio de Edital de seleção. Assim, selecionamos para análise o Edital de Seleção do PGA (DOC16) para a edição do Gestão para a Aprendizagem ao longo de dois anos (julho de 2016 a julho de 2018). Ele é dividido em seções: para melhor visualização, as seções e os conteúdos foram indicados de forma resumida no quadro abaixo.
SEÇÃO | CONTEÚDO |
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I. Contexto | A FL indica que a meta do PGA é um aprendizado de alta qualidade. |
II. Programa Gestão para a Aprendizagem | É indicado que as redes parceiras receberão da Fundação Lemann: a. Consultoria em gestão pedagógica para a liderança pedagógica da secretaria e equipe técnica de acompanhamento pedagógico das escolas; b. Formação de gestores escolares e técnicos pedagógicos da secretaria; e c. Formação de professores, em que os professores da rede também recebem formação continuada nesta temática em formato online. |
III. Requisitos de elegibilidade | A FL indica que é necessária a Disposição para reavaliar a estrutura organizacional do departamento pedagógico da secretaria de educação e atribuição funcional de servidores. |
IV. Processos e critérios de seleção | Estão dispostas as fases da seleção. |
V. Não consta | - |
VI. Responsabilidades e compromissos | Compete às redes selecionadas: - Designar uma equipe na Secretaria - Realizar reuniões semanais entre equipe pedagógica da Secretaria com a equipe de coordenação do programa; - Articular e facilitar a comunicação entre equipe de coordenação do programa com escolas da rede; - Participar de um curso de aperfeiçoamento profissional. Garantir condições para realização de encontros presenciais: - Disponibilizar local e definir horário para realização de encontros presenciais; - Garantir, no calendário escolar, as datas de encontro presencial e de reuniões pedagógicas referentes ao programa; - Arcar com despesas de formadores do parceiro técnico para os encontros presenciais, incluindo deslocamento (aéreo e/ou terrestre), alimentação e hospedagem; - Assegurar a infraestrutura para realização de encontro presencial; - Disponibilizar um funcionário da Secretaria para prestar assistência. Assegurar condições para realização das atividades pedagógicas; - Fornecer condições para que as equipes técnicas, os gestores e professores realizem atividades a distância; - Permitir o uso de filmagens de sala de aula e de feedback; - Preparar cópias dos materiais didáticos necessários. |
VII. Cancelamento do Programa | A FL indica que o PGA será cancelado, caso não houver a participação da Secretaria nas indicações postas pelos formadores do PGA. |
Fonte: Gestão para a Aprendizagem - Edital de Seleção (DOC16, grifos nossos), sistematizado pelas autoras.
Ao problematizar a contrapartida das ações realizadas pelas redes de ensino, percebemos que a FL não discute, em seus materiais, as condições financeiras de implementação das políticas educacionais. Como quesito de qualidade, ela indica uma série de medidas que dependem justamente dessas condições, que ficam ao encargo das redes, como arcar com despesas de formadores do parceiro técnico; assegurar a infraestrutura; e assegurar condições para realização das atividades pedagógicas do programa.
Neste sentido, identificamos que a FL não arca com as despesas na implementação do PGA, somente com a mão de obra dos formadores que se deslocam, com tudo pago pela prefeitura, até as secretarias de ensino. Esta PPP também propõe mudanças que influenciam a autonomia das escolas, como participar de um curso de aperfeiçoamento profissional; garantir, no calendário escolar, as datas de encontro presencial e de reuniões pedagógicas referentes ao programa; monitorar e acompanhar, conforme o cronograma de atividades, a formação de gestores para que atinjam critérios de certificação, etc. Em outras palavras, toda a rede tem que se adequar ao calendário e determinações do PGA.
Entendemos que, ao firmar a parceria com a FL via PGA, as secretarias precisam seguir as exigências da FL, para além de arcar com as despesas do deslocamento dos formadores, equipamentos, locais e reprodução de materiais. Em contrapartida, a meta a ser alcançada se encontra na qualidade da aprendizagem dos alunos. Esta qualidade está atrelada aos índices de Avaliações, tanto as externas quanto as desenvolvidas pela própria FL5.
Ao problematizar a qualidade, concordamos com Adrião e Peroni (2008, p. 125-126) que, ao estudar o Instituto Ayrton Senna, verificam:
[...] que a gestão democrática fica muito prejudicada quando, desde o secretário de Educação até os professores, as tarefas são definidas por um agente privado. Questionamos o que significa o sistema público abrir mão de suas prerrogativas de ofertar educação pública de qualidade e comprar um produto pronto [...] e transformar os sujeitos responsáveis pela educação em burocratas que preenchem muito papéis. Isto, inclusive, contraria a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) no que se refere à gestão democrática da Educação.
Deste modo verificamos, por meio do Edital selecionado para análise e das reflexões realizadas, que para além de ferir a autonomia das escolas, impõe ao professor uma prática neopragmática. A PPP posta no PGA fere o princípio legal de Educação posta por meio da gestão democrática. Este fato ocorre, visto que as secretarias têm que seguir as recomendações do PGA, para além de mudar a sua estrutura organizacional.
Após a análise do Edital, identificamos que, em 2017, ocorreu uma nova parceria da FL e da Elos educacional para a realização do PGA, o MATHEMA6, que entra na formação em didáticas específicas. O objetivo dessa frente é preparar formadores das secretarias, para que eles possam repassar, aos professores da rede, um conhecimento das melhores estratégias de ensino e aprendizagem em disciplinas específicas, no caso, na especialidade de Matemática.
Verificamos que, no começo de 2018, o PGA não constava no site da FL. Em seu lugar, com o mesmo formato sistêmico, a FL implementou o programa denominado Formar. Todas as redes que formaram parceria no PGA estabeleceram parceria no Formar, mas com duração de três anos. Assim, o programa Formar emerge em substituição do PGA, inclusive com as mesmas questões de abrangência atreladas ao PGA (600 mil alunos, 1.500 profissionais da educação e 17 redes públicas). A FL, em seu site, discorre que o Formar possui três anos de duração, que é customizado e atende aos desafios da rede.
Assim, os dados mais recentes7 indicam que o programa Formar está em parceria com 24 redes públicas de norte a sul do país. Em parceria com mais de 2.000 profissionais da educação, entre equipes das secretarias, gestores escolares e professores, influenciando a aprendizagem de mais de 850 mil alunos.
A FL indica, ainda que, para a realização deste novo programa, existem as parcerias com a Elos educacional, a Mathema e a Sincroniza educação8. Entendemos que o movimento desenvolvido pela FL em relação ao PGA não é estático. O PGA modificou-se com o passar do tempo, de acordo com rearranjos desenvolvidos pela FL. Neste sentido, identificamos que existe uma articulação sistemática e contínua entre a classe burguesa para se manter enquanto classe hegemônica9.
De acordo com Pinheiro (2018), indicamos que a FL, ao se aproximar das redes públicas por meio do PGA, desenvolve conhecimentos acerca do espaço em que está atuando. Ou seja, por meio destas experiências de parcerias, a FL passa a conhecer a máquina pública, desde seu funcionamento, propostas de formação, planos de carreira, estrutura das redes, processos pedagógicos, curriculares, avaliativos, etc. Portanto, por intermédio das parcerias, há um movimento em dois sentidos, de fomentar a finalidade educacional voltada à ideologia empresarial neoliberal, e de conhecimento dos processos educativos que são desenvolvidos nas escolas públicas. Assim, a FL desenvolve estratégias, articulações e rearranjos internos, como fez com o PGA, para ir difundindo um projeto societário específico da classe burguesa. A atuação empresarial
[...] bem estruturada vai se redesenhando, atendendo a um número maior de escolas, formando mais gestores, coordenadores, professores e equipes técnicas. Alinhando objetivos, com atuação mais “profunda, sistêmica e convergente”, modificando projetos político pedagógicos, e ocupando espaços nas redes públicas de ensino. Todas essas ações permitem perceber que o interesse empresarial de aproximação com as escolas públicas é crescente e fazem parte de um movimento constante de construção de outro cenário no país, que não está presente somente na educação, ocupa diversas áreas nas quais os entes federados eram planejadores e executores das políticas (PINHEIRO, 2018, p. 266).
Para além de verificarmos que o PGA está em contínua transformação, entendemos que, atualmente, a correlação de forças entre a classe proletariada e a classe burguesa, no interior do Estado, posto na sociedade civil, está hegemonicamente voltada à classe burguesa. Esta classe se organiza de forma articulada e estratégia, tanto no que se refere à coerção, Estado stricto sensu, quanto ao consenso na sociedade civil.
Assim, finalizamos este tópico com perguntas acerca do PGA, no âmbito dos dois municípios estudados: Como ocorrem as PPP nos municípios de Castro e Ponta Grossa? Esta problematização e a reflexão estão no tópico a seguir.
A materialidade do Programa Gestão para a Aprendizagem nos municípios de Castro e Ponta Grossa
O termo de cooperação técnica entre a FL e Castro foi firmado em 24 de agosto de 2016, e o Termo de cooperação técnica entre Ponta Grossa e FL foi firmado em 30 de agosto do mesmo ano. Neste sentido, inicialmente, tratamos de localizar os municípios supracitados e, após, problematizamos as PPP.
O município de Castro está localizado na Região Centro-Sul do Estado do Paraná (Região dos Campos Gerais), tendo por municípios limítrofes Carambeí, Campo Largo, Cerro Azul, Doutor Ulisses, Itaperuçu, Piraí do Sul, Ponta Grossa e Tibagi. Ele está situado a 156,60 km da capital, e sua população censitária é de 67.084 habitantes. Quanto à atividade econômica, o município de Castro tem como base a atividade agropecuária, sendo considerado um dos maiores produtores do Estado do Paraná.
Ponta Grossa é um município localizado no Segundo Planalto Paranaense, na região dos Campos Gerais. Estabelecido no centro do entroncamento rodoferroviário, torna-se importante devido a sua participação no Corredor de Exportação do Paraná. É possuidor do maior parque agroindustrial do Estado, e tem suas raízes no tropeirismo. Situado a 117,70 Km da capital, possui uma população censitária de 311.611 habitantes, quase cinco vezes mais populoso que o município de Castro.
Quanto aos aspectos educacionais, apresentamos dados gerais, no que se refere aos dois municípios, posto pelo número de matrículas.
MUNICÍPIOS | ETAPA DA EDUCAÇÃO BÁSICA | ESTADUAL | MUNICIPAL | PARTICULAR | TOTAL | |
---|---|---|---|---|---|---|
Município de Castro | Educação Infantil | Creche | - | 750 | 285 | 1.035 |
Pré-escola | - | 1.773 | 361 | 2.134 | ||
Ensino Fundamental | 4.754 | 5.035 | 923 | 10.715 | ||
Município de Ponta Grossa | Educação Infantil | Creche | - | 2.341 | 1.877 | 4.218 |
Pré-escola | - | 7.078 | 2.216 | 9.294 | ||
Ensino Fundamental | 20.442 | 20.518 | 9.659 | 50.619 |
Fonte:IPARDES (2018a, 2018b), sistematizado pelas autoras.
Verificamos que o número de matrículas no Ensino fundamental e da Educação infantil, na esfera pública, é maior que o da particular, nos dois municípios. As matrículas, tanto no Ensino fundamental quanto na Educação infantil do município de Ponta Grossa são mais que o dobro do município de Castro, vista a quantidade populacional.
Assim, pontuamos o nosso entendimento sobre a naturalização das PPP, além de outros fatores, que é realizado por um processo de propaganda, ou seja, de significativa publicização acerca da competência da esfera privada na gestão da esfera pública que permeia o seio social, sobre as vantagens de firmar parcerias.
Para além, trata-se de uma escolha política que ocorreu em alguns municípios brasileiros10. Neste sentido, destacamos a fala da Secretária de Ponta Grossa, sobre a parceria com a rede Formar: “Eu acho que essas trocas de experiências são fundamentais e só vem engrandecer nosso trabalho e o trabalho da rede Formar” (VÍDEO4).
Esta fala exemplifica a escolha política feita pelos municípios, ao aderirem às PPP. Ao adentrar os Termos de cooperação técnica (DOC17; DOC18), indicamos que eles possuem vigência de 2 anos. Para além da FL e dos municípios estudados, consta como parceira, nos Termos de cooperação técnica, a Elos orientação e planejamento educacional Ltda. Os Termos de cooperação técnica fundamentam-se no artigo 116 da lei 8.666/93, que regulamenta o art. 37, inciso XXI da Constituição Federal de 1988, e institui normas para licitações e contratos da Administração Pública.
O Parecer 15/2013 da Advocacia Geral da União define o acordo de cooperação como um instrumento jurídico formalizado entre órgãos e entidades da Administração Pública ou entre estes e entidades privadas sem fins lucrativos, com o objetivo de firmar interesse de mútua cooperação técnica, visando à execução de programas de trabalho, projetos/atividade ou evento de interesse recíproco, da qual não decorra obrigação de repasse de recursos entre os partícipes (UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA, 2017).
Assim, amparamo-nos em Araújo e Pinto (2017), que ressaltam o aparato legal-institucional construído com o fim da Ditadura Militar e representado pela Constituição Federal de 1988. Ele manteve formas de articulação entre Estado e mercado. Neste sentido, a partir de 1990, houve alterações no texto constitucional e nos pareceres norteadores da organização e do funcionamento da gestão pública, com o intuito de minimizar as políticas estruturais de proteção social e de regulação do mercado. Este processo de redefinição do aparelho estatal e de seu funcionamento tem sido longo, incluindo alterações e marcos regulatórios dos diferentes níveis governamentais.
Deste modo, o Termo de cooperação técnica do PGA que foi firmado nos municípios de Castro e Ponta Grossa - PR, possui 08 cláusulas. Com o intuito de melhor visualização, dispomos um quadro com as obrigações das Secretarias Municipais de Educação dos municípios estudados, as quais foram resumidas, e as obrigações da FL e Elos educacional:
OBRIGAÇÕES DA SECRETARIA | OBRIGAÇÕES DO INSTITUTO/ELOS |
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2.1.1. Designar uma equipe na Secretaria responsável por: a) coordenar as ações do programa e acompanhar resultados; b) Realizar reuniões semanais; c) Articular e facilitar comunicação entre a equipe da coordenação do programa; d) Participar de um curso de aperfeiçoamento. 2.1.2. Garantir condições para realização de encontros presenciais: a) Disponibilizar local e definir horário para realização de encontros presenciais; b) Garantir, no calendário escolar, as datas de encontro presencial e de reuniões pedagógicas; c) Monitorar e acompanhar a formação de gestores; d) Arcar com despesas de formadores do parceiro técnico para os encontros presenciais, incluindo deslocamento (aéreo e/ou terrestre), alimentação e hospedagem; e) Assegurar a infraestrutura para realização de encontro presencial; f) Disponibilizar um funcionário da SME para prestar assistência. 2.1.3. Assegurar condições para realização das atividades pedagógicas do programa: a) Fornecer condições para que as equipes técnicas, os gestores e professores realizem atividades a distância; b) Permitir o uso de filmagens de sala de aula e de feedback; c) Preparar cópias dos materiais didáticos; d) Possibilitar horários para que os gestores realizem as reuniões; e) Garantir que os formadores possam realizar reuniões com as equipes gestoras, liberando o acesso à plataforma do curso. 2.1.4. Garantir a continuidade do PGA; 2.1.5. Publicar o extrato do presente Termo na imprensa oficial. |
2.2.1. Contratar profissionais capacitados a desenvolver o programa de formação de gestores Gestão para a Aprendizagem. 2.2.2. Disponibilizar vagas para participação do programa Gestão para a Aprendizagem aos coordenadores pedagógicos e diretores do Ensino Fundamental selecionados na rede municipal. 2.2.3. Realizar encontros presenciais conforme definido no Anexo I. 2.2.4. Enviar o material necessário para o encontro presencial a ser utilizado no curso com 1 (uma) semana de antecedência para que seja impresso pela rede. 2.2.5. Fornecer à Secretaria Municipal de Educação SME relatório de aproveitamento dos participantes no curso Gestão para a Aprendizagem, nas atividades presenciais e a distância, mensalmente. 2.2.6 Enviar para a SME uma planilha, ao final do curso, com as entregas das atividades e participação nos encontros de cada participante, para a validação e emissão do certificado. 2.2.7. Emitir os certificados para todos os cursistas que tiverem no mínimo 75% de carga horária do curso, incluindo necessariamente as atividades práticas, conforme disposto na cláusula 1.2.2. a) Atividades práticas correspondem a atividades a serem realizadas na escola com a participação de todos os segmentos da comunidade, como: avaliação da escola, reuniões pedagógicas, observação de aula e filmagem da devolutiva a professores observados, entre outras, de acordo com o módulo opcional de cada escola. |
Fonte: Termos de cooperação técnica dos municípios de Castro e Ponta Grossa (DOC17; DOC18, grifos nossos), sistematizado pelas autoras.
A partir destas obrigações, identificamos que, apesar de os Termos de cooperação técnica, em sua configuração legal, terem como princípio a não transferências de recursos, os municípios precisam arcar com todas as condições de implementação do programa, como: despesas com o deslocamento dos formadores, cópia de materiais e equipamentos nas localidades do curso, e garantir condições para os encontros presenciais. Ou seja, mesma indicação posta no Edital de Seleção do PGA (DOC16) analisado anteriormente.
Para além destas informações, identificamos alguns problemas relacionados aos aspectos financeiros que perpassam os dois municípios. No município de Ponta Grossa, ressaltamos que alguns alunos deixam de ir para as escolas por falta de transporte no município (CUNHA, 2018), e que possui grande fila de espera nas creches. Em Castro, ressalta-se o grande número de indústrias que se instalaram no município (G1 vídeo, 2018), acarretando crescimento desordenado e dificultando as condições financeiras da prefeitura em adaptações.
A partir destes problemas que perpassam os municípios, emergem algumas problemáticas: será que o problema dos municípios se localiza no âmbito da gestão? Por que as secretarias não estabeleceram parcerias com a Universidade Estadual pública que existe em seu entorno, visto que acarretaria em menos despesas e mais qualidade?
Entendemos, como já mencionado, que as PPP, entre outros motivos, decorrem de escolhas políticas realizadas pelos municípios. Todavia, são escolhas realizadas por sujeitos situados em um determinado tempo e espaço e que possuem uma visão de mundo e de sociedade para além de uma formação específica. Justifica-se, assim, que não são todas as prefeituras que, com o mesmo perfil, estabelecem as PPP.
Além das questões financeiras, indicamos que a Secretaria precisou reorganizar toda a sua estrutura organizacional, como calendário e remanejamento de profissionais. Neste sentido, percebemos que esta parceria está em consonância com os estudos de Peroni (2018, p. 223, grifos do autor) ao indicar que [...] “não são mudanças apenas de natureza técnica, mas na gestão, no currículo, nas concepções e objetivos, o que temos chamado, em nossas últimas pesquisas, de ‘conteúdo da educação’’”. Em outras palavras, a incumbência que deveria ser do Estado é passada para o setor privado, a partir de seus interesses.
Desta maneira, as políticas permanecem como uma execução estatal; porém, o privado interfere no conteúdo da educação, desde o currículo, pela via das suas próprias avaliações, até a gestão e organização escolar. Entendemos que, destas obrigações, a FL acaba ditando e monitorado o conteúdo da gestão escolar.
Verificamos que a contrapartida da FL e da Elos educacional posta nos Termos de cooperação técnica limita-se ao desenvolvimento do PGA, junto dos coordenadores pedagógicos e diretores. Estes últimos disseminarão o PGA para o restante da rede, para além dos professores e de todos os segmentos da comunidade, como especificado no item a, elencado no quadro 04.
Destacamos, ainda, o conteúdo da cláusula sexta Dos direitos autorais do curso, no item 6.3: “As partes reconhecem também que será de propriedade exclusiva do Instituto Lemann todos os documentos e materiais resultantes da implementação do curso [...]” (DOC17).
Entendemos que os dados adquiridos pela FL acerca do munícipio ficam sem o acesso do próprio município após o encerramento do programa. Assim, esta PPP fere a autonomia do município, visto que ele não pode seguir ou modificar as determinações do PGA. Este age de forma sistêmica e cíclica, para além de ser uma fonte de informação à FL sobre a estrutura organizacional e gestacional do município.
De modo geral, percebemos que os Termos de cooperação técnica analisados são simplistas e sem detalhamento sobre como irá ocorrer a PPP em sua operacionalização. A cláusula principal a ser analisada concentra-se nas obrigações das partes envolvidas, as quais já foram explicitadas. Para além, indicamos que, apesar de ser mencionado, na cláusula Segunda, item 2.1.5. “Publicar o extrato do presente Termo na imprensa oficial” (DOC17; DOC18), não obtivemos êxito na busca pelos Termos no diário oficial dos dois municípios, o que acarretou em um movimento exaustivo de pedidos, via protocolo, realizados nas prefeituras11. Deste modo, nesta última seção, propomo-nos a refletir e indicar a concepção de gestão educacional e de políticas de formação continuada postas no PGA.
Concepções de gestão educacional e de políticas de formação continuada
Ao refletir sobre a concepção de gestão educacional e de políticas de formação continuada que perpassa o PGA, percebemos que, nos Termos de cooperação técnica (DOC17; DOC18) e no Edital de seleção (DOC16), a discussão dessas duas categorias foram rasas e insuficientes para a análise. Tendo em vista este fato, refletimos a partir dos materiais indicados no início do artigo.
Deste modo, nesta busca permanente da classe burguesa em disseminar seu pensamento liberal para seguir enquanto classe hegemônica, identificamos sua nova estratégia, feita principalmente por intermédio da gestão. Indicamos que a concepção de gestão que perpassa o PGA pauta-se na concepção de resultados medidos por sistemas de avaliação. Portanto, o foco é a gestão por resultados, por meio da lógica empresarial. Neste sentido, os recursos são priorizados em detrimento das questões pedagógicas. Esta concepção perpassa a maioria de seus documentos e relatórios anuais. Como forma de ilustração, dispomos o excerto a seguir:
Com base nos resultados do estudo quantitativo, é possível ainda conjecturar que a presença de melhores condições de ensino e infraestrutura nas escolas tratamento pode ser consequência da efetiva gestão dos recursos e/ou de uma maior obtenção de recursos pelos seus gestores. Como existem muitos programas estaduais e federais por adesão, é provável que as redes dessas escolas tenham sido mais bem-sucedidas nesse sentido, aprimorando seus fatores escolares (DOC03, p. 31, grifos nossos).
Neste sentido, Sandri (2016, p. 111) apresenta apontamentos acerca da gestão por resultados:
A concepção de Gestão Escolar para Resultados, por exemplo, resume a participação da comunidade escolar em ações pontuais como reparar danos da estrutura da escola, mobilizações do estilo "gincanas”, campanhas de arrecadação de recursos e de materiais, trabalho voluntário, enfim participação em atividades imediatas, de curta duração e pragmáticas. Tais ressignificações, além de aparecerem no contexto das políticas educacionais, estão nas propostas de gestão escolar das mais diversas naturezas, como são os casos dos projetos sugeridos pelo empresariado brasileiro para as escolas públicas [...].
A lógica empresarial é transferida para o âmbito educacional, fazendo com que perca o princípio de um direito social. Neste sentido, a meritocracia é fomentada como medição de avaliações internas, para além das já postas externamente. Assim, os professores mais competentes são premiados, e a Educação pública não se encontra atualmente como um serviço exclusivo do Estado stricto sensu. Percebe-se que existe a vinculação dos princípios empresariais no setor público, retirando as suas competências. Este movimento faz emergir o direcionamento dos agentes privados por meio da sociedade civil organizada. Desta forma,
[...] abrindo espaço para que entes privados ou organizações do terceiro setor influenciem no gerenciamento dos sistemas de ensino em determinada região, num modelo de gestão compartilhada ou por concessão, em que o público é administrado privadamente, a pretexto de melhorar a qualidade da educação, numa noção de qualidade instrumental ao mercado. Nesse bojo, encontram-se também propostas de construção de um “indicador nacional” de eficiência na gestão e de ampliação das parcerias com o setor privado (PINHEIRO, 2018, p. 121, grifo do autor).
O PGA, de forma específica, é propagado pelos seus inúmeros vídeos postados no site da FL, pelas suas palestras e conferências. Neste sentido, entendemos que a proposta gestacional localiza-se na gestão por resultados, principalmente nas avaliações propostas. A título de ilustração, trouxemos o excerto a seguir.
As avaliações externas são vistas como instrumentos que contribuem para a Educação. Ao mesmo tempo, o professor deseja formação para ter melhor apropriação dos resultados (DOC2, p. 3).
A partir desta constatação e de nosso levantamento acerca da forma de constituição do PGA, podemos apreender sua vinculação com a MATHEMA, empresa especialista em ensino de Matemática: significa afirmar que são resultados voltados para as avaliações em disciplinas específicas e já conhecidas em programas empresariais, que trabalham em prol de padronizações curriculares, português e matemática. E as outras disciplinas? E a autonomia das secretarias em discutir o Projeto Político Pedagógico nas escolas?
Desta maneira e sem discussões de amplitude política, propaga-se a ideia de que a gestão escolar pública realmente não funciona, sendo indicado o empresariado como sinônimo de eficiência e eficácia para, de fato, realizar a gestão com qualidade. O empresariamento como sinônimo de competência não é algo novo no Brasil: ele vem se ampliando. A partir da percepção do paradigma de gestão posto pelo PGA, em consonância com o modelo discutido em seus programas de uma forma geral, indagamos: este paradigma de gestão está localizado em qual contexto de políticas de formação continuada?
Para discutirmos a concepção de políticas de formação continuada posta no PGA, reportamo-nos a Masson (2009), na sua indicação de que existem duas concepções que remetem às políticas de formação de professores: a sócio-histórica e a neopragmática.
A concepção neopragmática caracteriza-se com a implementação da epistemologia da prática, da formação inclinada para a lógica das competências. Em outras palavras, possui uma abordagem técnico-instrumental, não possuindo discussões teóricas, mas aspectos vinculados à prática profissional de forma utilitarista. Deste modo, esta concepção termina por contribuir para a reprodução da desigualdade.
Defendemos a concepção de políticas de formação continuada denominada por Masson (2009) como sócio-histórica. Esta concepção busca a formação voltada para a emancipação dos sujeitos. Ela foi
[...] construída pelo movimento de educadores, representado pela ANFOPE, e possui caráter amplo, que defende pleno domínio e compreensão da realidade, com consciência que possibilite interferir e transformar as condições da escola, da educação e da sociedade. Essa concepção de formação busca se desenvolver em bases teoricamente sólidas e fundada nos princípios de uma formação de qualidade, com relevância social (MASSON, 2009, p. 17).
A autora indica que, atualmente, pela crise profunda de uma tradição cultural, emergem as escolas do tipo profissional, as quais possuem interesses de ordem prática. Neste sentido, ressalta que
O enfoque presente nas políticas de formação de professores a partir da década de 1990, período em que o Brasil realizou uma ampla reforma na educação, demonstra uma adequação às ideias neopragmáticas, relativistas e subjetivistas, principalmente pela ênfase na epistemologia da prática, na concepção de professor reflexivo e na lógica das competências (MASSON, 2009, p. 145).
Assim, a concepção de políticas de formação posta pelo PGA está em consonância com a concepção posta em todos os outros programas da FL e, a partir de nossos estudos, caracteriza-se como neopragmática. Trouxemos este excerto para exemplificar a concepção posta:
AS CINCO ESTRATÉGIAS A partir das aulas observadas, encontramos cinco estratégias utilizadas pelos professores. Elas serão detalhadas nas próximas páginas e podem ser replicadas ou adaptadas em aulas de todas as disciplinas. Para cada uma delas, trazemos exemplos reais de aulas em que foram usadas (DOC01, p. 6, grifo nosso).
Ressaltamos que o material didático indicado é uma espécie de manual, um receituário com indicações detalhadas de como proceder. Neste sentido, aumenta a responsabilidade dos professores, na medida em que, se não for seguido, não trará bons resultados. Assim, há uma política de culpabilização do docente. Gramsci (2001, p. 12, grifos do autor), ao analisar programas prontos no contexto de sua época, para o ambiente escolar, problematiza:
Com novos programas, que coincidem com uma queda geral do nível do corpo docente, simplesmente não existirá mais nenhuma “bagagem” a organizar. Os novos programas deveriam ter abolido completamente os exames; prestar um exame, hoje, deve ser muito mais um “jogo de azar” do que antigamente. Uma data é sempre uma data, qualquer que seja o professor examinador, e uma “definição” é sempre uma definição; mas e um julgamento, uma análise estética ou filosófica?
Neste sentido, as políticas de formação continuada sob a concepção neopragmática proposta pelo PGA corroboram com o enfraquecimento das análises teóricas dos professores acerca das disciplinas a serem ministradas. Consequentemente, este paradigma de formação não proporciona uma análise da conjuntura posta no seio social. Deste modo, perpetuam os princípios neoliberais, em prol da classe burguesa hegemônica.
Percebemos que, para além de uma formação rasa e voltada para as avaliações dos alunos, os professores também são alvo deste tipo de formação posta pelo paradigma neopragmático. Desta maneira, a concepção de mundo no seio social vai se delineando por indução da ideologia burguesa como consenso posto pelo Estado. Na nossa análise, o paradigma de políticas de formação continuada proposto pelo PGA fomenta esta desagregação, pois não proporciona um viés crítico e emancipado para o desenvolvimento profissional.
Considerações finais
Pontuamos que, ao concluir um artigo, ele não se encontra acabado, devido ao próprio movimento do objeto e às questões que emergem em suas reflexões finais. Sob este prisma, no presente momento podemos pontuar alguns elementos que foram apreendidos no movimento de conclusão deste trabalho.
Como a FL faz parte da sociedade civil organizada e ela, pela nossa perspectiva, compõe o Estado em sua forma integral, a FL é caracterizada como Estado. Neste sentido, direciona as políticas de formação continuada e de gestão educacional por meio de emissão de consensos.
Indicamos que a concepção de gestão que perpassa o PGA pauta-se na concepção de resultados medidos por sistemas de avaliações, por meio da lógica empresarial. Assim, os recursos são priorizados em relação às questões pedagógicas. Esta concepção perpassa a maioria de seus documentos e relatórios anuais. A lógica empresarial é transferida para o âmbito educacional, fazendo com que perca o princípio de um direito social.
A concepção de políticas de formação continuada é pautada no discurso de formação voltada para a emergência de líderes e gestores de sala de aula, tendo como finalidade o desenvolvimento econômico social. Consequentemente, este paradigma não proporciona uma análise da conjuntura posta no seio social.
Assim, nossos resultados indicam a urgência da formação sob o prisma de outra hegemonia, com o intuito de contrabalancear a luta de classes posta na sociedade civil. Acreditamos que a classe trabalhadora pode fomentar uma filosofia crítica e própria a partir da educação, formal e informal.