Introdução
Este artigo discute as experiências estaduais e dos municípios capitais no Brasil acerca das competências, das responsabilidades, das funções e das atribuições dos diretores escolares, em busca de evidenciar como esses entes federados tratam a questão normativamente. Considerando o disposto na Constituição Federal e na legislação educacional, as redes públicas têm autonomia para definir as formas de escolha ou de contratação dos seus diretores escolares, respeitando os princípios gerais da administração pública. Nesse sentido, encontramos variadas formas de materialização de competências que cabem ao diretor entre os 53 entes federados (26 estados, 26 municípios capitais e Distrito Federal) analisados nesse levantamento, seja no que toca ao formato legal, seja no conteúdo propriamente dito. Ademais, encontramos indicações de tais responsabilidades na maioria dos casos analisados, mas é significativa a quantidade de unidades da federação que não apresentam qualquer lista de atribuições do diretor escolar.
Cumpre observarmos que a expressão “competências” não aparece em boa proporção dos textos analisados, possivelmente indicando a falta de uma compreensão comum ou consenso a respeito1. Assim, em diversos documentos analisados, inferimos a noção de competência a partir de expressões como “compete ao diretor escolar”, as quais podem ser mais analogamente compreendidas como “cumpre ao diretor”, ainda que não necessariamente representem a noção de competências como conjunto de dispositivos que pretende definir referenciais de conhecimento (conceitos e procedimentos) e habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais) para o exercício da função.
Em menor proporção, vimos também outras formas de tratar a questão: responsabilidades, fatores, incumbências, ações, critérios, indicadores, considerações e perfil, indicando a complexidade da definição do que se pretende com a exposição de uma relação de aspectos importantes na escolha, na formação e na avaliação do trabalho do diretor escolar. Neste artigo, todavia, esses termos serão usados indistintamente.
Outra rápida e necessária observação diz respeito ao termo “diretor escolar”. Em todos os casos estaduais e municipais analisados, o cargo/função (SOUZA, 2007a; SCALABRIN, 2018) foi nomeado como tal: diretor. A despeito da literatura referir-se, por vezes, ao “gestor escolar”, frente à aridez legal, o termo apropriado é “diretor escolar”. Em nosso entendimento, a variação possível a ser usada é dirigente escolar, evitando-se o termo “gestor”, porque gestor é todo aquele que desempenha funções de gestão, o que pode compreender outras pessoas, com funções mais específicas na gestão da escola, além disso, como indicado, a definição operacional pelas legislações dos distintos estados e municípios assim o consideram (como diretor) e, portanto, consideramos conveniente denominá-lo da mesma forma.
Parte da literatura nacional sobre gestão escolar tem se debruçado sobre a questão central deste artigo, e as ênfases recaem dominantemente sobre as atribuições e os papéis dos diretores diante dos desafios emersos com reformas educacionais e com a conjuntura da política (educacional). Todavia, esses são estudos em menor quantidade quando a temática de investigação é a direção escolar.
Em levantamento bibliográfico no Portal Educ@, que congrega os principais periódicos da área de educação no Brasil, sobre a direção escolar encontram-se trabalhos que versam sobre as relações entre esse objeto e a macropolítica, na forma de influências ou impactos de reformas educacionais sobre a atuação do dirigente escolar (CATTONAR, 2006; PARENTE, 2017; SILVA, 2018) ou sobre a relação entre aspectos da política educacional e a direção escolar (MIRANDA; GARCIA; VERASZTO, 2020; OLIVEIRA; CARVALHO, 2018; PEREIRA, SILVA, 2018).
Há, também, estudos de caso sobre desafios, dificuldades e mesmo atuações exemplares (na direção de boas práticas de gestão), como são os casos de Abdian, Oliveira e Jesus (2013), Gobbi et al. (2020), Homrich e Cordeiro (2017), Medeiros (2011), Melo e Miranda (2020) e Souza e Castro (2021). Outro aspecto diz respeito ao processo de escolha de dirigentes escolares tratado por Bezerra (2009), Chaves, Novais e Guedes (2018), Girardi e Cabral Neto (2021) e Hojas (2015).
Ainda, temos estudos mais conceituais sobre a direção escolar (LIBERATO, 2017; MARANGONI, 2020; PARO, 2010; SOUSA; VIDAL 2020; SOUZA, 2019; WERLE; MANTAY; ANDRADE, 2009), sobre o perfil dos ocupantes dessa posição nas escolas e sobre a especificidade de seu trabalho (HOJAS; ABDIAN, 2015; OLIVEIRA; WALDHELM, 2016; SOARES; TEIXEIRA, 2006; SOUZA, 2009; SOUZA; GOUVEIA, 2010) e sobre a formação de diretores escolares (ABDIAN; HOJAS; OLIVEIRA, 2012; CASTRO, 2009; OLIVEIRA; CARVALHO; BRITO, 2020).
A maior parte desses estudos não se dedica à análise de elementos específicos da função do diretor escolar, suas responsabilidades, suas atribuições, suas competências, ainda que circunscrevam bem o universo (de trabalho) do diretor escolar. Seguramente há, em outras fontes, outros trabalhos que se debruçam sobre a questão, em especial teses e dissertações que nem sempre estão disponíveis na forma de artigos, mas, de qualquer sorte, a partir do breve levantamento é possível indicar que:
a) Os diretores escolares desempenham uma função com diferentes faces que concorrem (ou devem concorrer) para a dimensão pedagógica da escola, isto é, essa é a razão principal do trabalho do diretor.
b) As atividades institucionais, administrativas e financeiras têm sido modificadas mais recentemente, com o advento de políticas que focalizam resultados e que querem fazer a escola incorporar princípios e procedimentos do mundo da administração de negócios. A despeito disso, o fazer do diretor escolar é, desde sempre, preenchido em boa proporção por responsabilidades técnico-administrativas e institucionais.
c) A gestão democrática (e o papel do diretor para a sua implementação) é um horizonte importante e que ainda demanda reflexões e esforços, dada a necessidade de sua ressignificação, considerando que o contexto educacional (e político) é distinto daquele da década de 1980, quando esse princípio foi aposto na Constituição Federal.
d) O diretor escolar é, antes de tudo, um trabalhador docente e, como tal, tem em sua formação as mesmas virtudes, lacunas e problemas que os demais profissionais do magistério possuem. Sua formação inicial deve ser melhorada como a de todos os profissionais da educação. Sua formação continuada deve compreender aquelas dimensões mencionadas (pedagógica, política e administrativa) do seu trabalho, bem como a natureza político-pedagógica do processo da gestão escolar.
Iniciativas estaduais e de municípios capitais na definição de competências esperadas para o trabalho do diretor escolar
Metodologicamente, este estudo buscou a maior amplitude e, simultaneamente, a maior precisão possível na procura por documentos legais dos governos estaduais e das capitais que tratam das atribuições, das competências e das responsabilidades dos diretores escolares. Para tanto, fizemos buscas nas páginas dos governos estaduais bem como no site “Leis Estaduais”2 e, ainda, utilizando um buscador geral na Internet. No caso dos municípios capitais, procedemos da mesma forma, mas utilizamos o site “Leis Municipais”3. Trata-se de uma busca, portanto, de legislação vigente; assim, se algum dos entes federados indicados já possuiu, mas revogou alguma legislação a respeito do assunto, nós a desconsideramos. Dominantemente buscamos, em todas as fontes, por legislação que versasse sobre “Diretor Escolar”, “Direção Escolar”, “Escolha de Diretor Escolar”, “Gestão Escolar”, “Gestão Democrática”. Encontramos, em todos os 53 casos, diversas peças legais para nosso levantamento, mas somente em 29 casos (16 estados, o Distrito Federal e 12 municípios) havia material que indicasse de maneira explícita, detalhadamente ou não, a relação de atribuições do diretor escolar. É possível que nos 24 casos (dez estados e 14 municípios) nos quais não obtivemos sucesso, existam outros documentos nos quais tal relação se apresente, por exemplo, manual de curso ou concurso ou teste seletivo, programa de formação continuada etc. Entretanto, trabalhamos apenas com as principais peças legais disponíveis online, daí quiçá tal limite no alcance dos resultados. Em nossa avaliação, contudo, o levantamento se mostrou rico e suficiente para o objeto em tela.
O quadro com a classificação de todo o material se encontra disponível em link no portal ResearchGate, na Internet4, considerando a extensão do texto e a impossibilidade de deixá-lo anexado a este artigo. Nesse material, estão apresentados, em seis apêndices, os quadros com as competências, as responsabilidades, as atribuições etc., indicadas nos documentos estaduais e municipais analisados.
Os dados documentais, sintetizados no Quadro 1, evidenciam aquele conjunto de 29 unidades da federação que possuem nos documentos pesquisados alguma lista de atribuições do diretor escolar, o que equivale a 54,7% do universo de casos. Dentre eles, quatro estados apresentam listas resumidas, com poucos elementos indicados, que são os casos do Piauí, de Pernambuco, do Paraná e do Mato Grosso do Sul. Os demais 24 casos (dez estados e 14 municípios) não apresentam nenhum documento com tal conteúdo, o que representa 45,3% do total.
Estado/Capital | Documento consultado |
---|---|
Piauí | Decreto No 12.766, de 17 de setembro de 2007 |
Pernambuco | Decreto No 38.103, de 25 de abril de 2012 |
Paraná | Resolução No 3373/2015 |
Mato Grosso do Sul | Lei No 5.466, de 18 de dezembro de 2019 |
Acre | Lei No 3.141, de 22 de julho de 2016 |
Rondônia | Lei No 3.018, de 17 de abril de 2013 |
Amazonas | Resolução No 122, de 30 de novembro de 2010 |
Amapá | Lei No 1.503, de 9 de setembro de 2010 |
Tocantins | Edital No 001, de 25 de agosto de 2017 |
Rio Grande do Norte | Lei No 585, de 30 de dezembro de 2016 |
Sergipe | Edital No 12, de 6 de junho de 2019 |
Espírito Santo | Lei No 5.471, de 22 de setembro de 1997 |
Minas Gerais | Resolução No 1.812, de 22 de março de 2011 |
São Paulo | Resolução No 56, de 14 de outubro de 2016 |
Mato Grosso | Lei No 7.040, de 1 de outubro de 1998 |
Goiás | Lei Nº 20.115, de 6 de junho de 2018 |
Distrito Federal | Portaria Nº 180, de 30 de maio de 2019 e Portaria Nº 15, de 11 de fevereiro de 2015 |
Manaus | Resolução Nº 038, de 3 dezembro de 2015 |
Macapá | Lei Nº 2.324, de 1 de julho de 2019 |
Fortaleza | Lei Nº 169, de 12 de setembro de 2014 |
Natal | Lei Nº 147, de 4 de fevereiro de 2015 |
João Pessoa | Lei Nº 13.775, de 4 de julho de 2019 |
Salvador | Decreto Nº 30118, de 29 de agosto de 2018 |
Maceió | Lei Nº 6.482, de 22 de outubro de 2015 |
Vitória | Lei Nº 4.747, de 27 de julho de 1998 |
Belo Horizonte | Decreto Nº 11.834, de 15 de outubro de 2004 |
São Paulo | Decreto Nº 54.453, de 10 de outubro de 2013 |
Porto Alegre | Lei Nº 12.659, de 8 de janeiro de 2000 |
Cuiabá | Lei Nº 5956, de 26 de junho de 2015 |
Fonte: Elaborado pelos autores (2022).5
Entre as regiões brasileiras, encontramos o Sudeste com a maior presença de casos com documentos indicando a relação de atribuições do diretor escolar (75%). Já o Sul é a região com a menor incidência, com apenas um terço das unidades com alguma referência. As regiões Norte e Nordeste alcançaram 50% das unidades com listas de atribuições, e o Centro-Oeste atingiu 71%.
A despeito da proporcionalidade na apresentação de relação de atribuições do diretor escolar, em números absolutos, o Nordeste traz o maior número de unidades: nove, sendo quatro estados e cinco capitais. A distribuição, por região, dos estados e dos municípios capitais investigados bem como o total de casos encontrados encontra-se na Tabela 1.
Região com lista | Estados/DF | Capitais | Total | % | Total de casos possíveis | % |
---|---|---|---|---|---|---|
Norte | 5 | 2 | 7 | 24,1 | 14 | 50 |
Nordeste | 4 | 5 | 9 | 31,0 | 18 | 50 |
Sudeste | 3 | 3 | 6 | 20,7 | 8 | 75 |
Sul | 1 | 1 | 2 | 6,9 | 6 | 33,3 |
Centro-Oeste | 4 | 1 | 5 | 17,2 | 7 | 71,4 |
Total | 17 | 12 | 29 | 100 | 53 | 54,7 |
Fonte: Elaborada pelos autores (2022).
Outra observação se refere aos tipos de legislação utilizados pelas unidades que listaram atribuições ao diretor escolar (Tabela 2). Dos 29 casos, 55% têm tal relação de responsabilidades em uma lei estadual ou municipal. Outros 17% utilizaram Decretos, a mesma quantidade lançou mão de Resoluções e apenas 7% utilizaram Editais e, finalmente, um caso utilizou Portaria. Isso é importante, porque das peças normativas em questão, a lei é aquela que passa por um processo de discussão coletiva e pública nas casas legislativas e, por isso, potencialmente, pode ter recebido olhares, críticas, sugestões dos representantes da população e, com isso, pode ter alcançado mais publicidade. Cabe ressaltarmos ainda que uma lei tende a garantir maior estabilidade no trato da questão, uma vez que sua alteração é um processo mais complexo do que a substituição de uma daquelas outras peças mencionadas.
Tipo de legislação analisada | Estados | Capitais | Total | % |
---|---|---|---|---|
Lei | 8 | 8 | 16 | 55,2 |
Decreto | 2 | 3 | 5 | 17,2 |
Resolução | 4 | 1 | 5 | 17,2 |
Edital | 2 | 0 | 2 | 6,9 |
Portaria | 1 | 0 | 1 | 3,4 |
Total | 17 | 12 | 29 | 100 |
Fonte: Elaborada pelos autores (2022).
No levantamento feito com o material coletado, identificamos seis grupos/dimensões que sintetizam temas acerca da questão deste estudo: a) Aspectos institucionais da gestão escolar; b) Gestão democrática; c) Gestão pedagógica; d) Aspectos administrativos e financeiros da gestão escolar; e) Planejamento e avaliação; f) Formação continuada.
Aspectos institucionais da gestão escolar
Na dimensão que trata das variáveis institucionais da gestão escolar, encontramos uma das atribuições que mais se repete em todos os casos analisados: representar a escola. Esse dispositivo está presente em 14 casos (50%), com pequena variação na sua apresentação textual. É compreensível, pois diretores historicamente são considerados justamente os principais representantes da escola (SOUZA; GOUVEIA, 2010), seja qual for a forma de escolha do diretor escolar. Curiosamente, os dois casos de concurso público para diretores de nossa amostra (São Paulo estado e capital) não apresentam essa tarefa na lista de atribuições.
No que tange às relações com as instâncias superiores, temos algumas variações, que vão desde “Apoiar as iniciativas e atividades programadas pela Secretaria de Educação (SE)”, passando por “Desenvolver outras atividades delegadas por superiores e compatíveis com sua função” e “Fornecer, com fidedignidade, os dados solicitados pela SE”, até “Implementar a política educacional da SE”. Essa relação, nem sempre explícita nos textos, mas evidente no cotidiano dos dirigentes escolares, se coaduna com uma percepção clássica da questão (SOUZA, 2007a). Cabe assinalar que, ainda que pouco estudada, tal relação no cotidiano escolar transcende grandemente essas poucas indicações que os documentos apontam.
Em outra frente, encontramos em alguns casos a explicitação daquilo que a literatura vem apontando sobre a crescente responsabilização docente, nesse caso do diretor escolar, pelos resultados escolares (KLIKAUER, 2015; NEWMAN; CLARKE, 2012; PARENTE, 2017; SILVA, 2018). Na legislação estudada, encontramos expressões como “Responsabilizar-se pela legitimidade dos resultados dos estudantes”; “Apresentar anualmente à SE e Conselho Escolar e à comunidade o cumprimento das metas do Projeto Político-Pedagógico e da avaliação interna da escola”; “Zelar pela taxa de aprovação dos alunos”; e mesmo alguns aspectos mais diretamente relacionados aos indicadores de resultado nas avaliações estandardizadas, como: “Zelar pelo crescimento contínuo dos resultados das avaliações externas” e “Assegurar o cumprimento [...] das metas [do] Índice de Desenvolvimento da Educação Básica - IDEB”. É certo que os resultados são uma dimensão importante do fazer pedagógico e escolar, e que os dirigentes escolares, assim como todos os trabalhadores da educação, devem ser cobrados no cumprimento de suas atribuições; todavia, chama atenção a centralização da cobrança de resultados sobre os diretores e desses para com os professores, especialmente no caso dos documentos que expressam pequena preocupação com o processo pedagógico, propriamente dito, ignorando, ao que parece, a dependência dos resultados do processo formativo.
No que tange às questões legais, tanto encontramos atribuições de cumprimento dos dispositivos legais (“Cumprir e fazer cumprir a legislação vigente”; “Cumprir e fazer cumprir o Regimento Escolar” etc.), quanto encontramos atribuições vinculadas à elaboração de normas complementares (“Adotar decisões de emergência em casos omissos no Regimento Escolar”; “Baixar normas complementares”) e procedimentos mais específicos em termos legais, como “Participar, em conjunto com a equipe escolar, da definição, implantação e implementação das normas de convívio da unidade educacional”. Essas entradas relacionadas aos aspectos legais são uma herança da história da composição do campo da administração escolar e das atribuições do diretor (SOUZA, 2007b) ainda muito presente na sua definição.
Finalmente, em relação à segurança, encontramos apenas dois casos com menção a esse tema: “Cumprir as determinações da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes” e “Resguardar a segurança e a integridade física, psicológica e moral dos alunos”. É curioso que essa temática não esteja mais presente, considerando especialmente as preocupações das famílias e da sociedade em geral em relação ao problema.
Gestão democrática
Em relação à gestão democrática, tomando como referência os parâmetros legais dispostos na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) - Lei No 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (BRASIL, 1996) - e aspectos que a literatura aponta como componentes da gestão democrática (SOUZA, 2009), há informações mais genéricas em diversos casos, indicando simplesmente a atribuição de coordená-la ou exercê-la. Em outros, temos aspectos mais detalhados, com destaque para o conselho escolar e para o projeto político-pedagógico (PPP), como: “Administrar a unidade escolar em consonância com as diretrizes definidas pelo projeto político-pedagógico, [e] as deliberações do Conselho Escolar”; “Assegurar gestão escolar democrática e participativa promovendo um ambiente harmonioso, favorável, saudável para a aprendizagem do aluno e da comunidade escolar”; “Organizar e dinamizar o Conselho Escolar, visando o princípio da cogestão”; “Implementar as decisões tomadas pelo Conselho Escolar quanto aos aspectos pedagógicos, administrativos e financeiros”; “Construção coletiva do projeto pedagógico da escola”; “Efetivação de uma gestão escolar democrática e participativa, com envolvimento dos diversos atores, particularmente os membros do conselho escolar e demais órgãos colegiados”.
Além disso, em um caso encontramos a indicação de “promoção do diálogo” como uma atribuição ao diretor, e em alguns casos o reconhecimento da necessidade de desenvolvimento de ações de controle social, como: “Implementar processos que evidenciem a transparência na gestão escolar”. E, ainda, diversas referências à integração com a comunidade: “Articular-se com as famílias e a comunidade, visando a um trabalho participativo no processo educacional”; “Promover a integração da unidade educacional com a comunidade”.
É emblemático que em apenas sete casos (24%)6 não tenhamos encontrado nenhuma referência à gestão democrática. Isso mostra a preocupação das administrações públicas, em alguma medida, com o cumprimento do dispositivo constitucional. Cabe ressaltarmos, no entanto, que essa é uma questão que deveria estar presente em todos os casos, pois a Constituição Federal e a LDB (BRASIL, 1988, 1996) determinam a gestão democrática como o parâmetro organizativo da escola básica pública há mais de 25 anos.
Gestão pedagógica
Os casos analisados dedicaram também, em boa proporção, preocupação com as questões pedagógicas, no sentido mais estrito. São 19 casos (65%) com indicações nesse grupo, a maioria fazendo referência à atribuição do diretor na coordenação pedagógica da escola, como: “Organização do trabalho escolar: [...] a permanência e a aprendizagem do aluno”; “Coordenar o desenvolvimento das atividades pedagógicas [...]”; “Coordenar [...] o processo de ensino-aprendizagem”. Também há menções a aspectos mais específicos do processo pedagógico, como aqueles relacionados à inclusão: “Assegurar na escola um ambiente educativo de respeito às diferenças, apoiado em valores, acolhedor e positivo, como condição para promover a aprendizagem entre os estudantes, contribuindo significativamente para reduzir as desigualdades de aprendizagens”; “Realizar ações que promovam a melhoria da qualidade da escola e o comprometimento com a promoção das aprendizagens dos alunos na perspectiva da educação inclusiva [...]”.
Há também atribuições vinculadas diretamente ao atendimento e à responsabilidade em relação aos alunos: “Notificar ao Conselho Tutelar, ao juiz competente da Comarca e ao representante do Ministério Público a relação dos estudantes que apresentem quantidade de faltas acima de 50% acima do permitido”; “Acompanhar juntamente com o pedagogo e professores, a frequência dos alunos”; “Garantir o acesso e a permanência do aluno na escola [...]”; e até “Aplicar as sanções aos alunos, quando for o caso”. Como pode ser observado, não encontramos aqui tarefas de escuta e de diálogo com os estudantes, mas, sim, a preocupação com sua frequência à escola como elemento mais importante. Há, todavia, uma exceção, pois encontramos um caso que indica: “Liderar o trabalho pedagógico na escola, assegurando a aprendizagem a todos os alunos”, demonstrando a centralidade do trabalho do diretor em torno das questões pedagógicas e enfatizando a aprendizagem dos alunos como o eixo para o exercício de seu trabalho (PARO, 2010).
Aspectos administrativos e financeiros da gestão escolar
No que concerne aos aspectos administrativos e financeiros, temos uma profusão de alternativas elencadas nos casos estudados, uma vez que em todos eles há pelo menos uma atribuição nessa dimensão. Trata-se da dimensão mais regulamentada, provavelmente porque ela é, em boa proporção, a face mais evidente do trabalho do diretor diante da estrutura burocrática do sistema de ensino, ainda que não figure ou não deva figurar efetivamente como sua prioridade na condução da gestão escolar (SOUZA, 2007a).
Encontramos muitas referências a aspectos gerais nessa dimensão, como: “Coordenar as atividades administrativas e financeiras da escola”. Há também uma lista considerável de aspectos mais específicos, como: “Assinar a documentação, [...] com o secretário escolar, relativa à vida escolar dos alunos matriculados na unidade de sua competência”; “Garantir a legalidade, a regularidade e a autenticidade da vida escolar do aluno”; “Responsabilizar-se pela atualização e expedição da documentação escolar”; “Fornecer dados requeridos pelo sistema de ensino, censo escolar”; “Assinar declarações, ofícios, diplomas, certificados, históricos escolares, transferências, outros documentos”; dentre outros.
E, ainda: “Responsabilizar-se pela administração financeira e prestação de contas dos recursos materiais e financeiros recebidos”; “Submeter [...] para exame e parecer, no prazo regulamentado, a prestação de contas dos recursos financeiros”; “Submeter ao Conselho Escolar o plano de aplicação financeira, bem como a prestação de contas”; “Elaborar planos de aplicação dos recursos financeiros da escola, [...]”; além de outras variações de redação que remetem à mesma questão.
Em diversos casos, encontramos ainda algumas atribuições vinculadas à gestão de pessoas, reconhecendo que a função de dirigente na escola deve ser responsável pela condução de uma equipe de profissionais para o alcance dos objetivos da escola: “Organizar o quadro de recursos humanos disponíveis conforme as funções [...]”; “Liderar o comprometimento e o desenvolvimento profissional das pessoas e das equipes”; “Aplicar sanções disciplinares regimentais a professores, servidores e alunos”; “Enviar as faltas dos servidores”; “Organizar a lotação e controlar a assiduidade e frequência” etc. Afora algumas poucas menções a um papel de liderança da equipe de trabalho, a maior parte dessas atribuições está vinculada a um papel burocrático de controle, de fiscalização e de sanção. Seguramente a gestão das pessoas que trabalham na escola é algo muito mais amplo do que as tarefas citadas indicam, mas a noção de chefe burocrata parece predominar, o que tende a se agravar na proporção em que a gestão focada em resultados cresce (PARENTE, 2017; SILVA, 2018), uma vez que os mecanismos de controle e de cobrança se desenvolvem mais.
Uma categoria última apontada nessa dimensão é o patrimônio escolar. Também aqui, os casos que se remetem à questão utilizam variações pequenas de algo como “Responsabilizar-se pela manutenção e conservação do espaço físico”. Encontramos, porém, outras entradas como: “Manter atualizado o tombamento dos bens públicos e o controle interno do material”; “Garantir que os serviços, materiais e patrimônios sejam adequados e suficientes às necessidades das ações e dos projetos da escola”; “Indicar necessidades de reforma e ampliação do prédio e do acervo patrimonial” e “Coordenar a utilização do espaço físico da unidade educacional”. Essas outras tarefas abrem perspectivas interessantes e mais alargadas sobre a noção de ambiente educacional (espaço e recursos no envolvimento com pessoas), que é um elemento central na edificação de um projeto pedagógico de qualidade.
Planejamento e avaliação
O planejamento e a avaliação constituem-se em uma dimensão própria nesse levantamento, mesmo sabendo que eles interferem e estão conectados a aspectos diversos das outras dimensões. Optamos por tal separação pelas evidências de que a maioria dos casos registra atribuições específicas e diversas aos diretores no que concerne às ações de planejar e avaliar a escola, atribuindo-lhes considerável importância.
O PPP aparece como elemento central nesse tópico, pois, em 22 casos (76%), a expressão surge, ainda que com pequenas variações como projeto pedagógico ou proposta pedagógica. Trata-se do item específico mais citado entre todas as fontes. Ocorre que, na maioria dos casos mencionados, a atribuição que recai ao diretor é de coordenação da elaboração e execução do PPP, mencionando que tal elaboração é de responsabilidade coletiva, indicando o conselho escolar como um parceiro e, em menor proporção, o coletivo de profissionais da educação, embora este seja, efetivamente, quem deve elaborar tal documento de acordo com o disposto no Art. 14 da LDB (BRASIL, 1996). Em poucos casos, não há menção à construção coletiva do PPP, mas infelizmente percebemos dois exemplos inadequados para tal atribuição: “Participar da construção e encaminhar à SEED [Secretaria Estadual de Educação], o PPP da escola”; “Elaboração e cumprimento do Projeto Político-Pedagógico”, nos quais não se faz referência à produção ou atualização coletiva do planejamento escolar.
O acompanhamento do planejamento, como uma das etapas do processo de gestão escolar, também aparece listado em alguns casos como atribuição do diretor: “Acompanhamento das atividades de planejamento da docência”; “Monitorar a implementação do PPP, do PDE-Escola, [Plano de Desenvolvimento da Escola]”; “Monitorar continuamente, com os Coordenadores pedagógicos, os índices da qualidade da aprendizagem na Unidade Educativa”, dentre algumas outras variações do mesmo tema.
Uma novidade, ao que parece, é a menção à investigação de problemas e à inovação nos processos de tomada de decisões, que também aparecem de várias maneiras. Alguns exemplos são: “Buscar, de forma proativa, estratégias para solucionar dificuldades e superar obstáculos”; “Gerenciar, de maneira estratégica, processos de implementação de inovações, de mudança e transformação”. Essas terminologias, ainda que dúbias, podem indicar tanto um avanço para além da burocratização (SOUZA; GOUVEIA, 2010), quanto um incremento do neo-burocratismo, na forma de gerencialismo ou algo do tipo. A predominância na busca de solução de problemas se articula a uma expressão usual no serviço público: “Apurar e fazer apurar irregularidades de que venha a tomar conhecimento”, que toma, pela amplitude da expressão, um leque variado de possibilidades de ações na solução de problemas.
As tomadas de decisões não são destacadas como algo emblemático e aparecem explicitamente em apenas dois casos, ambos com a mesma expressão: “Utilizar diagnósticos e evidências para tomada de decisões”. É certo que a tomada de decisões também está inserida na gestão escolar em outras entradas desse levantamento, e por isso caracterizações e qualificações desse processo estão também subsumidas nessas outras entradas.
No que tange à avaliação, separamos três chaves para analisar os casos. A primeira diz respeito à condução da avaliação escolar, em sentido amplo. A segunda refere-se ao estabelecimento de metas e à análise de desempenho. E a última refere-se especificamente ao Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB).
Na primeira entrada, temos uma profusão de atribuições, como: “Coordenar o processo de avaliação das ações pedagógicas [...]”; “Monitorar e avaliar o desempenho dos professores, coordenadores, agentes administrativos educacionais e alunos”; “Promover espaços coletivos de reflexão sobre os resultados obtidos pela escola e dos planos a serem implementados”; “Apoiar o desenvolvimento e divulgar a avaliação pedagógica”; “Garantir a aplicação das avaliações oficiais de aprendizagem” etc.
Sobre metas e desempenho, temos um número menor de casos propondo responsabilidades ao diretor escolar, mas, mesmo assim, vimos dentre tais propostas algumas mais relacionadas ao desempenho estudantil: “Adotar medidas para elevar os níveis de proficiência dos alunos e sanar as dificuldades apontadas nas avaliações externas”; “Gerenciar a escola, buscando sempre a eficiência no uso dos recursos públicos, com vistas ao melhor resultado na aprendizagem dos aluno”; “Zelar pelo crescimento contínuo dos resultados das avaliações externas”. E, de outro lado, temos também proposta para metas e desempenho em uma dimensão mais alargada, tomando-se o planejamento escolar como foco: “Apresentar anualmente ao CE o cumprimento das metas definidas no PPP”. E, ainda, aqui temos alguns casos nos quais identificamos uma relação hierárquica, com a definição de metas e de cobrança de desempenho vinculada às instâncias superiores no sistema de ensino: “Apresentar anualmente à Secretaria de Educação e CE e à comunidade o cumprimento das metas do PPP e da avaliação interna da escola”; “Pactuar anualmente as metas com a SE”.
Finalmente, em relação ao IDEB, temos apenas dois casos, com pequena variação na apresentação, mas ambos se referindo ao acompanhamento, à avaliação e à promoção da análise dos resultados do Índice. Tal registro se mostra importante porque, a despeito da relevância do indicador e do seu uso na política educacional nacional, o destaque pontual a esse índice evidencia a preocupação de levar o diretor escolar a estar atento aos resultados, o que é uma forma também de responsabilização (PARENTE, 2017; SILVA, 2018) com o desenvolvimento de uma gestão escolar focada em resultados.
Formação continuada
A última dimensão que descrevemos se ocupa das atribuições referentes à formação continuada dos docentes e do próprio diretor da escola. Quanto a esta, temos apenas um caso que indica responsabilidades: “Participar, semanalmente, de momento formativo em serviço, realizado pelo tutor educacional”. É curioso que o diretor escolar, responsável pela condução de uma instituição formativa, não seja responsável, na ampla maioria dos casos, por buscar ampliar seus conhecimentos por meio de momentos formativos. O que, se somado ao reconhecimento da insuficiência de parâmetros e das diretrizes de formação inicial (OLIVEIRA; CARVALHO; BRITO, 2020), configura um quadro comprometedor, uma vez que teremos dirigentes escolares com formação inicial frágil e sem previsão ou propostas de políticas de formação continuada.
Todavia, quanto às atribuições do diretor para a formação dos demais profissionais da escola, encontramos algumas atribuições listadas: “Promover a formação continuada em serviço [...]”; “Estimular o desenvolvimento profissional dos professores e demais servidores em sua formação e qualificação”; “Criar condições para a viabilização da formação continuada em serviço da equipe escolar”, e variações do mesmo tema. Mesmo com essas referências, o conjunto de casos é de pouco mais de 20% que indicam alguma responsabilidade quanto à formação continuada, o que parece realmente pouco.
Conclusões
O levantamento apresentado mostra a diversidade de aspectos abordados pelos governos estaduais e municipais em relação às responsabilidades do diretor escolar. Alguns pontos se repetem com mais intensidade, no que tange às atribuições institucionais da direção escolar, como representar a escola, zelar pelo patrimônio ou pelo regramento oficial. Mostrou-se também bastante presente o reconhecimento do diretor como um articulador da gestão democrática e do PPP, sendo que essa última tarefa é a que mais se repete nos casos analisados.
Por um lado, a noção de liderança não é explicitada na maioria dos casos, mas aparece nas normativas de alguns estados e municípios. Por outro lado, é compreensível considerar que tal habilidade de mobilização, de influência e de coordenação do grupo de pessoas da escola esteja contida em outros aspectos e atribuições, como a condução da política escolar, das questões pedagógicas, da gestão de pessoas etc.
As atribuições administrativas compuseram o aspecto mais citado em todas as fontes, mesmo com a literatura reconhecendo que são tarefas complementares, uma vez que acessórias do desenvolvimento da função social primeira da escola, que é marcadamente pedagógica. O reconhecimento do diretor como uma pessoa que tem atribuições pedagógicas não é algo tão evidente, pois mesmo encontrando referências associadas a essa natureza do trabalho, não parece haver nos documentos dos casos analisados uma centralidade na questão pedagógica.
Conectado ao que a literatura criticamente aponta, parecem ter presença importante na lista de atribuições do diretor escolar aquelas que associam seu papel ao de um gerente, fiscal ou supervisor. Dito de outro modo, estão muito presentes nas listas observadas elementos de responsabilização, tanto no controle e na cobrança sobre o diretor, quanto deste para com a equipe da escola, focalizando os resultados e o desempenho escolares. Isso se coaduna, em alguma medida, com o reconhecimento de parte da literatura que vimos de que a função dirigente na escola passa por tensões e mudanças que podem colocar em xeque as tradicionais formas como vemos o trabalho do diretor escolar.
Finalmente, chama atenção outro aspecto importante: as propostas de responsabilidades dos diretores escolares não diferenciam as etapas de ensino em que atuam esses trabalhadores docentes, isto é, não há o reconhecimento nos documentos consultados acerca das especificidades do trabalho do diretor da Educação Infantil, do Ensino Fundamental ou do Ensino Médio, e menos ainda em relação às modalidades de ensino, as quais, com duas únicas exceções que mencionam ações de inclusão e de oferta de condições adequadas para o atendimento da educação especial, ignoram as atribuições concernentes ao trabalho em escolas especiais ou com oferta de Educação Especial, Educação Integral, Educação de Jovens e Adultos (EJA), Educação Profissional, Educação Indígena ou Quilombola e Educação do Campo.
Isso é emblemático porque os documentos dos casos consultados se referem, por exemplo, às atribuições de avaliação, ao alcance de metas e ao desempenho, em larga medida vinculando-as às avaliações externas, as quais, salvo melhor juízo, não alcançam as escolas de Educação Infantil ou de EJA. Também não há referências acerca de responsabilidades sobre os diferentes tempos na Educação Integral e tempos e espaços na Educação do Campo ou Indígena e Quilombola, dentre vários outros exemplos. Assim, o que vimos parece traduzir listas de responsabilidades para todos os diretores escolares, mas vendo-os prioritariamente como dirigentes de escolas de Ensino Fundamental e de Ensino Médio, urbanas, de tempo regular.
Este estudo apontou as formas regulamentadas sobre as responsabilidades dos diretores escolares e evidenciou algumas limitações no que se refere à regulamentação das competências previstas para o cargo/função em uma amostra de entes federados brasileiros. Com isso, esperamos colaborar para a discussão que se faz necessária no cenário acadêmico e na agenda política educacional, considerando a relevância desse profissional nas escolas públicas brasileiras.