Introdução
Educação e dignidade: construção histórica de garantias de direitos? Partindo dessa questão, o presente trabalho tem por objetivo fazer uma breve reflexão sobre educação, partindo do pressuposto de que se pensar uma organização sistêmica eficiente e eficaz para a Educação é uma tarefa complexa do ponto de vista teórico e prático, e, nesse sentido, se faz necessário sempre voltar o olhar para os marcos regulatórios do processo de formulação das políticas educacionais. Numa perspectiva da pesquisa qualitativa como caminho metodológico, faremos uma reflexão teórica tendo como base os marcos das Constuições brasileiras.
A educação é um constructo histórico, representando, a um só tempo, direito e conquista, sociabilidade e sistematicidade no campo do conhecimento. Ao longo da história humana, tem sido o esteio da edificação das diversas civilizações que vicejaram no Planeta Terra, desde as mais antigas às hodiernas. Essas sociedades se desenvolvem de forma totalmente hierárquica, com base na opressão e plena de injustiças sociais. Em certo sentido, a educação, em tais sociedades, fundamenta também as barreiras da liberdade, da emancipação e da formação do sujeito autônomo. A educação é, sim, um marco basilar ao sucesso individual. Nisto, é o principal meio pelo qual as forças políticas e econômicas dominantes exercem o poder. Certo é que a educação é contraditória, pois as relações no mundo do capitalismo são contraditórias.
Com isto, percebemos que a sociedade na qual vivemos hoje se apresenta profundamente marcada pela desigualdade social, naturalizada pelo consenso da responsabilidade individual da obtenção de meios de vida, tais como: educação, moradia, saúde e trabalho. A busca por direitos fundamentais passa de garantia de direitos constitucionais a bens de consumo. Sendo assim, observamos que, no modelo de sociedade atual, a privação de vida digna é percebida como se fosse apenas mais uma característica particular como a cor da pele, formato dos olhos, por exemplo, de cada indivíduo que compõe esse grupo social. A realidade que vivenciamos expõe com clareza o marco social entre os mais abastados e menos abastados na sociedade brasileira e, em particular, na sociedade alagoana, onde os índices sociais apontam para enormes diferenças marcadas pela falta de condições básicas de sobrevivência como alimentação, moradia, saúde e educação.
Essa situação de desigualdade é mais uma consequência peculiar de um Estado- Nação que desde seus primórdios cultivou a distancia social, conjugado a desigualdades de classe, de raça, de cor, como concepção de ordem política econômica e cultural, reforçada nas legislações ora outorgadas ora promulgadas, em geral com influências de mandatários.
Numa sociedade patriarcal, escravagista como a brasileira do Império, num Estado patrimonialista dominado pelas grandes oligarquias do patriciado rural, as classes dirigentes não se sensibilizavam com o imperativo democrático da universalização da educação básica (FÁVERO, 2001, p. 67).
A esta herança perversa, juntam-se as enormes dificuldades oriundas de um universo produtivo em transformação com um modelo econômico que busca a crescente concentração de renda, trazendo consigo questões como subemprego, baixos salários, pouca ou má escolaridade, desemprego estrutural gestado pelas novas imposições produtivas que pressupõem nova organização da educação e do trabalho.
Observamos que esse modelo excludente de construção social reduz, cada vez mais, as possibilidades de mobilidade e ascensão dos setores menos escolarizados, dentre os quais: jovens e adultos com baixa escolaridade, idosos, negros, índios, e outros. Além de preconizar políticas compensatórias de assistência solidária e voluntariado social, deixando evidente a carência de meios de vida, de tempo hábil e recursos, que possibilitem o indivíduo frequentar regularmente a escola, frente à busca de ganhos para atender necessidades familiares.
“O mito da cultura da pobreza, segundo o qual os pobres não melhoram suas condições de vida porque não querem, desfaz-se, sempre na dura frieza das evidências, empíricas e históricas” (ABRANCHES,1985, p. 16). Faz-se interessante, ao Estado-Nação, que a pobreza em todos os âmbitos domine o imaginário, sensibilizando a sociedade e, consequentemente, levando a uma série de providencias de ordem solidária e voluntária visando atenuar o mal-estar-social. Desobrigando, dessa forma, o Estado da responsabilidade de implementação de políticas responsáveis no tocante a sanar as mazelas sociais construídas historicamente, tanto que a sobrevivência é hoje a grande preocupação das classes menos abastadas, mediante a escassez de bens, serviços e a apropriação da riqueza socialmente produzida.
O direito a uma vida digna e à garantia de direitos básicos, dispostos na Constituição Brasileira de 1988, como: alimentação, saúde, moradia e principalmente educação com qualidade social, torna-se cada vez mais uma grande problemática de nossa atualidade. A questão esbarra em encontrar ou construir caminhos políticos, econômicos e culturais que garantam tais direitos de forma igualitária, protegendo, dessa forma, a população das mais variadas formas de violências que vão desde as discriminações étnicas, culturais e econômicas até a violência absurda do enfrentamento das classes sociais.
Em termos políticos, somos sabedores de que não estamos diante de uma situação recorrente em que a conquista dos direitos subjetivos do sujeito humano é a busca constante de parâmetros nas relações entre governantes e governados e de ampliação do poder da maioria dos excluídos dos benefícios da riqueza social produzida.
Nestes termos, a conquista de direitos depara-se com negação e limites, estabelecidos ao longo da história da humanidade, principalmente, com as grandes transformações que atingem o mundo ocidental a partir do fim da Idade Média, do Renascimento e do longo e conturbado período de lutas religiosas e políticas na Europa, quando se constrói a ordem política burguesa que toma forma no Estado-Nação.
Ao resgatarmos a reflexão de pensadores dos séculos XV, XVI, XVII, XVIII, como Maquiavel, Hobbes, Locke, Rousseau e outros (CHEVALIER, 1982), perceberemos que os fundamentos políticos-ideológicos, da citada época, embasam a organização das sociedades atuais nas ideologias liberais, agravadas sob a inspiração do neoliberalismo, nos modelos autoritários que sustentam a violência institucionalizada nos regimes democrático-representativos de nosso tempo. Trazemos como grande exemplo O contrato social de Rosseau, que não é estabelecido entre indivíduos, “mas do contrato de cada um consigo mesmo, o que transforma cada indivíduo num cidadão”. As cláusulas desse contrato reduzem-se em uma só: “a alienação total de cada associado, com todos os seus direitos, à comunidade”. É o que constitui um “corpo coletivo”, a “vontade geral que indica as características gerais da soberania: ela é inalienável, indivisível, infalível, absoluta”. A lei seria a expressão da vontade geral. “Rousseau, que funda toda a soberania na razão, sabe que o homem é capaz da irrazão: donde a necessidade de um legislador, nem soberano, nem governante, simples conselheiro em matéria de razão[...]” (CHEVALIER, 1982, p. 73-76).
A concepção de Rosseau, de vontade geral, permite a leitura de que cada homem é ao mesmo tempo legislador e sujeito. Ele obedece à lei que ele mesmo faz, o que pressupõe uma vontade geral distinta da soma das vontades particulares. Em torno desse fato, elaboram-se as formas de administrar o poder e de legitimá-lo pela doutrina do senhor absoluto, da coincidência de interesses entre o pessoal e o público, da igualdade da natureza entre todos e do direito de propriedade de si mesmo e do que obtém com o trabalho. Além disso, terá liberdade de abrir mão em favor da sociedade, de uma forma geral, impossível de ser exercida.
Parâmetros da Liberdade na Sociedade Brasileira
A liberdade e a igualdade de direitos de todos os homens deparam-se, sempre, com o enorme problema da relação entre a lei, a enunciação de princípios de direito natural e a organização do poder, que possa assegurar os direitos constituídos legalmente. De forma prática, os limites esbarram na soberania política, proporcionando as grandes contradições. Refletimos com Chauí (1989, p. 20) que
A prática de declarar direitos significa, em primeiro lugar, que não é um fato óbvio para todos os homens que eles são portadores de direitos e, por outro lado, significa que não é um fato óbvio que tais direitos devam ser reconhecidos por todos. A declaração de direitos inscreve os direitos no social e no político, afirma a sua origem social e política e se apresenta como objeto que pede o reconhecimento de todos, exigindo o consentimento social e político.
No Brasil, retrato dessa contradição, que muito protelou a abolição da escravatura, por exemplo, foi sua coexistência com o direito de propriedade. Assim como em outros países, no rastro das idéias liberais, depois da independência, e com a Constituição de 1824 declara que todos os homens são iguais, com direito à vida e à liberdade.
Os direitos civis e políticos, estabelecidos pelo novo Estado Liberal, contradiziam, na prática e na lei, o direito assegurado aos cidadãos abastados à propriedade dos escravos. Assim, a estes foi negado toda possibilidade de direitos sociais constitucionalmente estabelecidos como: o direito ao bem-estar social e econômico, ao trabalho livre, à liberdade pessoal, à integridade física, à participação social e cultural, à educação e aos serviços sociais como um todo, além do direito de participar do exercício do poder político por meio do direito ao voto, ou seja, aos escravos continuou sendo negado o direito à cidadania e à educação.
Essa situação do sistema escravocrata, no Brasil, perdurou por longas décadas do sistema escravocrata, transformando-se numa perspectiva mais concreta de desmontagem só em 1871, com a promulgação da Lei do Ventre Livre. Ao tempo em que se manifestava, mais abertamente, a preocupação com a mão de obra, tornando-se o centro dos debates entre os mandatários, que passaram a financiar a vinda de trabalhadores estrangeiros, sobretudo europeus.
Mais uma vez ficam claras as contradições, pois certamente existia por trás desta iniciativa, não só a preocupação com mão de obra, mas também estava presente o desejo de “branquear” a população brasileira, misturando as teorias racistas européias aos interesses nacionais pois “o anseio de uma onda branca (imigrantes) para combater a presença negra explicitava-se nos discursos da Assembléia, nos textos de jornais, nas obras literárias e “filosóficas”. (SANTOS, 2002, p. 102)
Mas a contradição, no Brasil, não se ateve somente àqueles sujeitos na condição de escravos, mas a outras camadas sociais, principalmente a dos menos abastados, tampouco foi superada, pois nos dias atuais percebemos que a garantia de direitos sociais, claramente dispostos nos textos das várias Constituições brasileiras, que podem ser resumidos na igualdade de acesso a cultura letrada, ainda estão longe de ser alcançados por todos, mesmo com a trajetória histórica de lutas, em todos os sentidos, pois segundo Romanelli (1984, p.88)
Um dos aspectos que mais evidenciam a falta de coerência interna do sistema educacional brasileiro é o seu baixo rendimento, o qual se mede por sua capacidade de assegurar o acesso da população escolar do nível elementar de ensino aos níveis médios e superior. O alto grau de seletividade do sistema, “peneirando” a maior parte da população que nele ingresse, no decorrer da vida escolar, faz com que exista um enorme descompasso entre os diferentes níveis.
Essas questões acentuam-se com ideologias socialistas, implantadas no século XX, que lograram garantir os direitos básicos à sobrevivência, já citados neste texto, sustentados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, após a Segunda Guerra Mundial. Percebemos, porém, que o que foi tão amplamente discutido está longe da prática, é tanto que a bandeira de luta de movimentos mundiais se dá pela ampliação e garantia dos direitos aos desprotegidos de toda sorte, seja das minorias étnicas, políticas, religiosas e/ou aqueles que vivem à margem da civilização.
Mas, acreditamos que as desigualdades, construídas historicamente, são consequências das ordens sociais, que derivam das decisões ou interesses dos mais abastados, decisões estas legitimadas hoje pelo neoliberalismo, cuja única política possível é a de sociedade de mercado, com seus critérios de produtividade e competitividade crescente. Desta feita, a redução de custos e maximização dos lucros elimina as fronteiras da entrada do capital internacional, propiciando a interferência e manipulação dos organismos internacionais nas políticas sociais, deslocando modelos de um país a outro. Dessa forma são “flexibilizadas” as diretrizes, principalmente trabalhistas e educacionais, sob a égide dos mandatários.
Assim sendo, as possibilidades de igualdade social ficam cada vez mais reduzidas, visto que com os modelos importados são privilegiados, principalmente o campo do trabalho àqueles que tiveram maiores possibilidades.
Políticas Educacionais - busca nas Constituições
Ao direcionarmos nosso olhar para as políticas educacionais brasileiras das últimas décadas, poderemos melhor ilustrar essa questão e poderemos perceber nitidamente os efeitos das estratégias liberais, agora neoliberais, que têm levado as Instituições de Ensino a direcionarem seu trabalho, principalmente, para as necessidades do mercado. Haja vista que as mudanças ocorridas no cenário educacional nacional na década de 30 não surgiram por acaso, nem só por compromisso político dos governantes, mas pela sociedade que, impulsionada pelo capitalismo, exigia acesso à educação de novos sujeitos sociais - a classe trabalhadora urbana -, conforme Romanelli (1978, p. 76)
[...] a intensificação do capitalismo industrial do Brasil, que a revolução de 30 acabou de representar, determinou consequentemente o aparecimento de novas exigências educacionais. [...] a nova situação [...] veio modificar profundamente o quadro das aspirações sociais, em matéria de educação, e, em função disso a ação do próprio Estado.
Contudo, vale ressaltar que as mudanças foram também decorrentes da pressão de educadores da década de 20 que, imbuídos de idéias inovadoras em matéria de educação, fomentaram discussões acerca do acesso da população à escola e da qualidade do ensino brasileiro como condição de construção de uma sociedade nova, democrática e cidadã, contribuindo de forma significativa para as reformas da década de 30, período da revolução burguesa no Brasil, no campo da educação.
Necessário se faz citar que a pressão, principalmente por parte desses educadores, os escolanovistas, contribuiu para a criação do Conselho Nacional de Educação, em 1931, e efetivação da Reforma Educacional Francisco Campos. Ela traz seis Decretos que reorganizam todos os níveis e ramos da educação e do ensino. Assim, responsabilizando o Estado pela expansão do ensino público pautado na laicidade, prevalecendo até 1942. Porém, nesse mesmo ano, começou a ser aprovado o conjunto das chamadas “Leis Orgânicas do Ensino”, mais conhecidas como Reforma Capanema, que retrocedem no dever do Estado para com a educação. Nesta, por meio da política educacional, se reproduz a ideologia dominante pautada na reprodução da força do trabalho para expansão e acumulação capitalista, derrotando assim o movimento da escola nova.
Vale enfatizar que, no Conjunto de Leis Orgânicas da Educação Nacional, o objetivo do ensino secundário e normal era o de formar as elites condutoras do país. Enquanto que o objetivo do ensino profissionalizante era o de oferecer formação direcionada aos filhos dos operários, aos menos afortunados, àqueles que necessitavam ingressar na força do trabalho, mesmo que precocemente, dando continuidade na implantação, na sociedade brasileira, de política econômica com base capitalista, segundo um modelo urbano- industrial, interessante à classe burguesa.
Com isso, a educação em nosso país atrela-se na busca de acompanhar a intensificação do processo capitalista. É tanto que a Constituição de 1946, com princípios liberais e tendências democráticas, se comparada à Constituição de 1937, de caráter conservador, assegura liberdade de pensamento, descentraliza o sistema de ensino, define a educação como “direito de todos” e responsabilidade do poder público em ministrar o ensino, com liberdade à iniciativa privada em promovê-lo. Porém, atribui à União competência para legislar sobre “diretrizes e bases da educação nacional”, gerando, assim, obscuridade no texto legal. Isso leva governo e sociedade civil organizada, em meio ao crescimento da indústria e aparente tranquilidade no campo político, a acirrarem discussões ideológicas sobre educação. Tais discussões “repercutiram fortemente no processo de elaboração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional...” (CURY, 2000, p. 53), que teve projeto encaminhado para a Câmara dos deputados em 1948 e aprovação através da Lei 4.024 só em 1961, após longos treze anos de disputa por interesses, principalmente por parte dos defensores da escola privada.
Assim, a nossa Primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que carrega um visível favorecimento ao ensino particular, visto que abre possibilidades de investimento de verbas públicas em instituições privadas, se constitui num documento adequado ao projeto de modernização do país, encampado pela mística desenvolvimentista de Juscelino Kubitschek, que abria espaço para o capital internacional, embasando promessas de crescimento econômico, social e político, bem como distribuição de riqueza. Desta forma, coloca o destino da educação de nosso povo sob controle dos conservadores, haja vista a contenção da expansão do ensino em limites menores do que aqueles reivindicados pela demanda social da educação e liberdade de ensino, nesses moldes, a aprovação da Lei
Foi uma oportunidade com que contou a sociedade brasileira para organizar seu sistema de ensino, pelo menos no aspecto formal, de acordo com o que reivindicava o momento, em termos de desenvolvimento. Foi a oportunidade que a nação perdeu de criar um modelo de sistema educacional que pudesse inserir-se no sistema geral de produção do país, em consonância com os progressos sociais já alcançados. Ocorreu porém que as heranças não só cultural, como também as da forma de atuação política, foram suficientemente fortes para impedir que se criasse o sistema de que carecíamos. O horizonte cultural do nosso homem médio, sobretudo do nosso político, ainda limitava muito a sua compreensão da educação, como fator de desenvolvimento e como requisito básico para vigência do regime democrático (ROMANELLI, 1984, p.183).
O Brasil vivencia, também, nesse período, experiências de educação popular, por meio de movimentos distintos, alguns por iniciativa de organismos internacionais, a exemplo da UNESCO. Tais movimentos tinham claro objetivo de qualificar mão de obra para a modernização econômica capitalista e controle das organizações populares e outros envolvidos com movimentos populares reivindicatórios, com objetivo de conscientização política para mudanças estruturais. Porém, a maioria desses são destruídos com o Golpe Militar de 1964, que dá início ao período de Ditadura Militar no Brasil e atrela de vez a educação ao mercado de trabalho, incentivando a profissionalização na escola média, objetivando conter as aspirações ao ensino superior. Nesse período, surgiu o processo de comprometimento da educação com organismos internacionais, pois o governo militar assina o primeiro acordo, que seria um convênio entre o Ministério da Educação e Cultura (MEC) e a United States Agency for International Development (USAID), em 1965. O citado acordo de ajuda financeira buscava “legitimar toda uma transformação modernizadora imposta à realidade brasileira, no sentido de direcionar a sua racionalidade capitalista” (ARAPIRACA, 1982, p. 110). O estudioso enfatiza que o projeto tinha claras intenções de garantir o lucro do capital estrangeiro ao internalizar os valores competitivos do império.
Com isso, o Regime Militar, refletindo na educação o caráter antidemocrático de sua proposta de governo, passa a perseguir educadores em função de posicionamentos ideológicos. Com isso, alguns se exilaram, muitos trocaram de função, recolhendo-se à vida privada, e, daqueles que continuaram a luta contra os ditames do governo militar, muitos foram calados para sempre e alguns sobreviveram na clandestinidade. A perseguição também se aplicou a estudantes, que quando se manifestavam eram tidos como baderneiros, passíveis, assim, de punições como prisão, tortura e morte.
Neste clima de total insegurança, promulga-se a Constituição de 1967, de acordo com Fávero (2001), esta foi uma constituição excludente, estando a sociedade civil reprimida em toda e qualquer tentativa de organização, privada dos canais de participação política, o que possibilitou “ ...uma Constituição que garantisse às elites, aliadas aos militares e aos tecnocratas, a manutenção dos privilégios” (FÁVERO, 2001, p. 52).
Após a Constituição de 1967, outorgada pelos militares, pela qual são retirados percentuais fixos de recursos destinados à educação, dá-se sequência à política pró- imperialista do governo militar, transformando em acordo o convenio com a USAID. Com isso, forma-se o Grupo de Trabalho da Reforma Universitária - GTRU, composto por técnicos brasileiros, que receberam treinamentos em instituições do USA, e assessores americanos. O grupo tinha em vista efetivar reformas no ensino brasileiro, cujo projeto transformou-se na Lei 5.540/68, lei que fixa normas de organização e funcionamento do ensino superior e sua articulação com a escola média.
Nesse período, deu-se a grande expansão das universidades no Brasil. Para acabar com a questão dos "excedentes" (aqueles que tiravam notas suficientes para adentrar nas universidades, mas não conseguiam vaga para estudar), foi criado o vestibular classificatório.
Em continuidade à contra-reforma imperialista no ensino, promulga-se a Lei 5.692/71, que regulamenta o ensino de primeiro e segundo graus, que reformula a Lei 4.024/61, ampliando a obrigatoriedade escolar de quatro para oito anos, aglutina o antigo primário com o ginasial, suprimindo o exame de admissão e criando a escola única profissionalizante. Uma das características desta Lei estava voltada para a formação educacional de cunho profissionalizante, em atendimento à defesa do "milagre econômico", planejava-se fazer com que a educação contribuísse, de forma decisiva, para o aumento da produção brasileira.
O acordo celebrado pelo Ministério da Educação (MEC) e a USAID, além de implementar a contra-reforma de cunho ditatorial no ensino, contribuiu para o desenvolver outras formas de ajustes estruturais para escravizar vários setores, dentre os quais a imprensa brasileira e outros meios da comunicação ideológica, contando com a “parceria” com as oligarquia e a burguesia burocrática. Numa busca pelas Constituições Brasileiras, encontramos situações instigantes para uma comparação:
Constituição de 1824: a gratuidade da instrução primária está definida em seu artigo 179: “A instrução primária é gratuita a todos os cidadãos”, mas não se estabelece em caráter de obrigatoriedade. E o Ato Adicional de 1834 eximia a União de oferecer esse ensino às províncias, que por sua vez não tinham condições objetivas de efetivá-lo por escassez de recursos.
Constituição de 1891: houve omissão com relação à manutenção do princípio da gratuidade, pois não se previa mecanismos para assegurar este direito, sendo mais oportuno aos interesses da elite manter a descentralização do Ato Adicional, que desobrigava a União da educação primária, pois, do contrário, poderíamos ter tido um outro histórico de acesso à educação letrada pelas camadas populares, inclusive as marginalizadas. Nesse período, temos a separação legal entre Estado e Igreja na organização curricular, em que é apregoado o ensino laico, proibindo manifestações de cunho religioso na escola.
Na revisão constitucional de 1926 é criado o Conselho de Educação, que, depositário da proposta de unidade pedagógica, tem uma tarefa centralizadora: integrar a imensa nação brasileira através da educação, para manter uma ideia de ordem social, que já procurava atender aos interesses do processo de produção industrial urbano. Na Lei de 1937, outorgada por Getúlio Vargas, o reconhecimento da liberdade de ensino para as “associações e pessoas coletivas particulares”, garante o lugar da Igreja Católica, e o que era direito de todos assume a feição de ensino público pago.
E fecha-se o círculo: no esquema político autoritário que se implantou no Brasil a partir de 1930 e que culminou em 1937, o ensino religioso era, ao mesmo tempo, um instrumento de formação moral da juventude, um mecanismo de cooptação da Igreja católica e uma arma poderosa na luta contra o liberalismo e no processo de inculcação dos valores que constituíam a base ideológica do pensamento político autoritário (FÁVERO, 2001, p. 151).
A Constituição de 1946 expressa a dificuldade de legislar para a democracia nas terras brasileiras, a polêmica em torno do ensino de religião toma mais corpo que a questão do ensino gratuito para todos e “a gratuidade se restringe ao ensino primário, contra o que ninguém se pronuncia” (FÁVERO,2001, p. 182). A idéia de educação como direito de todos se estende ao lar, ressaltando o papel da família no ato de assumir a educação dos filhos.
A Constituição de 1967 mantém a gratuidade do ensino primário e abre caminho para o ensino médio privado com a proposta de concessão de bolsas: “tratou-se de adequar o projeto educacional, em todos os níveis e em todas as modalidades do ensino e da formação profissional, ao novo projeto nacional” (FÁVERO, 2001, p. 253). Foi o projeto de uma “Constituição que garantisse às elites, aliadas aos militares e aos tecnocratas, a manuntenção de seus privilégios” (FÁVERO, 2001, p. 238).
A Constituição de 1988, ao afirmar que Educação é direito de todos e dever do Estado, traz ganhos como o princípio da gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais, com garantia ao ensino fundamental, incluindo os que se encontram em situação de distorção idade/série; como a progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio.
A Constituição de 1988 foi a mais avançada na história do Brasil, no que se refere a garantias de acesso ao ensino elementar. E conseguiu retratar a onda de movimentos sociais organizados em defesa de diversas causas e comprometidos com a luta por uma educação de qualidade, revelando a divisória entre os que defendem a educação como bem público e gratuito e os defensores da privatização desse bem.
Tavares (2003, p. 92), em análise da gestão democrática nas propostas e projetos de lei da Constituinte de 1987, afirma que
O que fica evidenciado é que a concepção de gestão democrática não se restringe apenas às condições de implementação de uma política educacional. Os documentos contêm proposições para que ela abranja desde a formulação até o controle e avaliação dessas políticas, o que na prática significa a autonomia presente desde as instâncias superiores até as unidades escolares. Insiste-se, na maioria dos documentos, na transparência quando da utilização dos recursos públicos como forma de garantia para democratização.
Assim, percebemos que, no tocante à concepção de público e privado, a Constituição de 1988 deixou uma abertura para o deslizamento de recursos públicos aos investimentos privados, com as mais sutis justificativas, tais como: investimentos em instituições sem fins lucrativos, filantrópica ou confessional; por meio de bolsas para suprimir carências de vagas, como apoio financeiro para pesquisas etc.
Democracia - as possibilidades históricas
Democrática na aparência, a sociedade brasileira ainda é essencialmente antiga e autoritária. Nosso conceito de democracia é extremamente limitado, restrito apenas ao plano jurídico, expressando-se em frases pomposas como: todos são iguais perante a Lei, todo cidadão tem direito ao voto ou educação direito de todos e dever do Estado.
Se fizermos uma pequena análise sobre esta questão, verificamos que o governo de Fernando Henrique Cardoso impôs à educação pública, em especial às universidades, um processo de crise política e estrutural no qual, gradativamente, foi-se transformando o público em privado. A exemplo, podemos citar a abertura de inúmeras faculdades e centros universitários privados e a terceirização de serviços dentro das universidades públicas. Também é possível citar a Sistemática de Avaliação Institucional implantada sob o comando do então ministro da educação Paulo Renato de Souza, e ainda, os vetos no que tange à questão do financiamento que se deu sobre o Plano Nacional de Educação.
Considerações Finais
Percebemos que não são somente os interesses e as práticas econômicas que constituem uma nação, mas, acima de tudo, as identidades sócio- ético-políticas. É necessário que sejamos uma sociedade de iguais, mesmo onde haja diferença de cor, raça ou posição Socioeconômica, na qual não sejam necessários determinados grupos, como é o caso dos afrodescendentes, estarem vivendo a dramaticidade do racismo étnico no Brasil para fazer valer seus direitos, que estão garantidos nas legislações vigentes do nosso pais.
Para tanto, necessário se faz que as políticas desenvolvidas sejam realmente públicas, quebrando a lógica do neoliberalismo, que leva à crença de que tudo se equivale e que as normas, conteúdos e formas do mundo empresarial se aplicam diretamente aos fenômenos e às instituições sociais.
Com a eleição do governo brasileiro em 2003, os movimentos de educação revitalizaram suas esperanças, no tocante a proceder a um amplo e democrático processo de debates, para que as reivindicações históricas desse setor fossem transformadas em conquistas. Muitos foram os avanços, porém, o que se vê hoje é uma descontinuidade da política do governo que vigorou até 2016, sinalizando que as políticas públicas estão sendo implementadas no sentido de atender, mais uma vez, ao que reza o Fundo Monetário Internacional e o Banco Internacional de Desenvolvimento, as grandes instituições financeiras do setor privado.
Percebe-se que a intenção do Poder Público de aprovar reformas no ensino brasileiro, tanto na educação básica como no ensino superior, o mais rápido possível, se depara com a importante pressão de instituições e órgãos que defendem educação enquanto direito público e subjetivo com as garantias dispostas na Constituição Federal e, ainda, o disposto no Plano Nacional de Educação.
Mesmo com as pressões dos movimentos em defesa da educação pública, constata- se, na atualidade, que a construção de bases e instrumentos para uma reforma tendenciosa da educação superior brasileira, em curso, indica o aprofundamento do viés privatista da Educação. Assim, também se aprofundam as defesas dos movimentos de Educação em defesa da necessidade de mudanças nas estruturas de educação superior no sentido de ampliar e não subtrair direitos, buscando o caráter público destas instituições. Entidades como Conselhos de Educação ( principalmente os Conselhos Estaduais e Municipais), Sindicatos e Movimentos Estudantis vêm abrindo grandes debates e defendendo as propostas do Plano Nacional de Educação da dociedade brasileira, no sentido de garantir a oferta de educação, em todos os níveis, etapas e modalidades, como pública, gratuita e de qualidade social, com a ampliação de vagas em instituições com estrutura física e pedagógica adequada. Dessa forma, dando condições para que as instituições de ensino brasileiras respondam à altura de um projeto contra a exclusão social e pela inclusão de todos os estudantes nas escolas públicas, considerando que a história mostra que, há vários séculos, muitos são os excluídos do acesso a direitos fundamentais como a educação.
É urgente e necessário se reparar essa dívida social histórica do Estado Brasileiro no que se refere à discriminação e falta de oportunidades, imposto por concepções arcaicas e excludentes, percebidas ainda hoje na sociedade brasileira.
Essa discussão nos leva inevitalmente a pensar na natureza das Escolas de Educação Básica e Superior, no seu papel social e no seu futuro na sociedade brasileira. Nisso, a primeira ideia importante a ser ressaltada é que a Instituição de Ensino Pública não pode ser confundida com um balcão de negócios ou uma agência prestadora de serviços, mas sim um espaço de socialização e construção de conhecimentos, de onde derivam a pesquisa, a produção de ciência, cultura e tecnologia a partir de um processo dialético pautado no seu Projeto, construído na coletividade para a coletividade.
Nesse sentido, enfatizamos que a participação de diversos segmentos da sociedade na formulação, monitoramento e avaliação das políticas públicas educacionais se faz premente. Pois isso certamente contribuirá para que efetivamente o Estado Brasileiro se comprometa com a garantia do direito à educação, como direito humano inalienável.