Introdução
O artigo pretende analisar questões referentes aos temas reforma educacional e gestão escolar, visando a apreender o movimento e as contradições inerentes à implementação, na gestão e organização da escola, de políticas públicas articuladas ao processo de reforma educacional formuladas a partir da introdução dos princípios da nova gestão pública, da reconfiguração dos procedimentos avaliativos e da reestruturação curricular.
Este estudo específico, com recorte direcionado à investigação dos temas reforma educacional e gestão escolar no contexto da rede estadual de ensino de Goiás, origina-se de análise de documentos oficiais da Secretaria de Estado da Educação, da Cultura e do Esporte (Seduce)2, em especial, os relativos aos programas Pacto pela Educação, Programa Reconhecer, Sistema de Avaliação Educacional do Estado de Goiás (Saego) e Currículo-Referência. A pesquisa também utiliza-se de revisão da literatura por meio de análise sistemática e criteriosa da produção acadêmica, em especial, dissertações e teses defendidas na área educacional sobre o tema.
Para identificar com maior precisão o objeto da pesquisa, a investigação tem como base a análise dos programas governamentais descritos, cujo objetivo foi alterar o modelo de gestão, avaliação e currículo praticado na rede estadual de ensino de Goiás e compreender as consequências desse processo na condução da gestão e organização das escolas públicas. Nesse cenário, foram levantados questionamentos sobre as reais interferências dos programas na gestão e organização das escolas públicas, bem como na melhoria do processo de ensino-aprendizagem e na composição do trabalho docente.
O contexto educacional brasileiro e os índices educacionais do estado de Goiás
Nos últimos anos, os indicadores de desempenho e os índices educacionais do estado de Goiás demonstraram significativo crescimento. Essa evolução é resultado de um progressivo processo de investimento em políticas de acesso e controle dos resultados educacionais. Essas políticas representaram um incremento no número de estabelecimentos de ensino e matrículas na educação básica. Segundo os dados do Censo Escolar 2018, no estado de Goiás existem 4.668 estabelecimentos de ensino, sendo que a Secretaria de Estado de Educação, Cultura e Esporte é responsável por 1.050 unidades escolares divididas em 981 escolas urbanas e 69 rurais (BRASIL, 2018).
A estrutura administrativa da Seduce é composta por 40 Coordenadorias Regionais de Educação, Cultura e Esporte, denominadas Crece, e o número de 20.466 professores vinculados à rede estadual de ensino (BRASIL, 2018). Em relação ao perfil da rede estadual de ensino, a Seduce mantém convênios com escolas privadas e institui o padrão de gestão militar para diversas escolas da rede. Em 2018, o número de escolas privadas conveniadas com a rede estadual atingiu a cifra de 82 unidades e o número de instituições com o padrão militar de gestão alcançou a quantidade de 56 escolas distribuídas em 42 municípios goianos. Salienta-se também a existência de organizações sociais responsáveis pela gestão de institutos técnicos de educação, como a escola de artes Basileu França, na capital, e instituições de ensino profissionalizante no interior do estado (GOIÁS, SEDUCE, 2019).
Em relação à quantidade de matrículas, em 2018, o número geral de alunos matriculados na educação básica em Goiás, incluindo todos os segmentos, modalidades e dependências administrativas, foi de 1.459.704. No sistema estadual de educação foram matriculados 502.166 alunos3. A preocupação com o acesso e a matrícula na educação básica tornou-se uma política pública nos últimos anos, como demonstra a tabela 1 ao apresentar a série histórica do número de matrículas da educação básica no Brasil e por região geográfica, unidade da federação e dependência administrativa estadual nos anos de 2014 a 2018.
Anos | Total de matrículas - Brasil | Total de matrículas - Centro-Oeste | Total de matrículas - Goiás | Goiás - dependência adm. pública estadual |
---|---|---|---|---|
2014 | 49.771.371 | 3.654.528 | 1.440.552 | 492.134 |
2015 | 48.796.512 | 3.644.924 | 1.440.298 | 490.006 |
2016 | 48.817.479 | 3.643.646 | 1.440.908 | 490.615 |
2017 | 48.608.093 | 3.639.987 | 1.432.261 | 478.250 |
2018 | 48.455.867 | 3.670.932 | 1.459.704 | 502.166 |
Fonte: Sinopse da Educação Básica (BRASIL, 2014; 2015; 2016; 2017; 2018).
A análise da evolução dos índices demonstra um relativo recuo na quantidade de matrículas efetuadas na educação básica, no plano nacional. Esse cenário pode ser explicado por fatores demográficos, a melhoria do fluxo escolar e por índices de evasão ainda presentes no percurso escolar, aspectos que incrementam a necessidade de ampliar o tempo de permanência dos alunos na escola com qualidade de ensino associado a políticas de distribuição de renda como elementos preponderantes a serem considerados na formulação das políticas públicas. O Censo Escolar 2018 registrou 48,5 milhões de matrículas nas 181,9 mil escolas de educação básica brasileiras. São 1,3 milhão estudantes a menos que em 2014, o que representa uma redução de 2,6% em cinco anos. Só no ensino médio o número total de matrículas reduziu 7,1%. Destaca-se a tendência de aumento dos índices de matrícula em Goiás e na dependência administrativa estadual em virtude dos investimentos financeiros do governo federal nas escolas de ensino médio em tempo integral (BRASIL, 2018).
Os índices de matrícula e desistência podem oferecer um quadro sobre a eficiência dos sistemas em garantirem o acesso e a permanência dos alunos na escola. Em relação a esse aspecto, os índices nacionais, em 2015, demonstram significativo avanço em relação ao acesso dos jovens na idade de 6 a 14 à escola, com percentual de 97,7% de matrículas no ensino fundamental. No caso de Goiás, esse índice é ainda maior com 97,9%, aproximando-se da totalidade de alunos matriculados nessa faixa etária. Esse é o resultado de uma intensa política de investimento público e obrigatoriedade de acesso a essa etapa de ensino instituído a duas décadas no Brasil, mas mesmo com as políticas de estímulo, os índices de conclusão do ensino fundamental no Brasil, referente a 2015, de 76% e em Goiás de 80,6% revelam muitos desafios a serem superados (OBSERVATÓRIO, 2018).
Salienta-se que a ausência da obrigatoriedade do acesso de crianças a toda a educação básica, durante um longo período, com prioridade durante a década de 1990 e início dos anos 2000, apenas para o ensino fundamental, significou atraso na garantia de educação aos jovens de 15 a 17 anos, etapa correspondente ao ensino médio. Nessa faixa etária houve um significativo crescimento dos dados: em 2015, o Brasil tinha 84,3% de jovens nessa faixa etária na escola; esse número, apesar de abrangente ao incluir 8.3 milhões de jovens, ainda deixava de fora da escola 1.5 milhões de alunos. O ensino médio refere-se a uma etapa ainda com bastante defasagem e com baixos índices de atendimento. No Brasil, o percentual de jovens de 15 a 17 matriculados no ensino médio é de 62,7% e em Goiás 66%, mas a quantidade de jovens de 19 anos que concluem essa etapa revela uma grande defasagem no Brasil com 58,5%, e em Goiás com 61,5%, em 2015. Isso revela que cerca de 40% dos jovens matriculados não completam essa etapa da educação básica (OBSERVATÓRIO, 2018).
Os índices de distorção idade-série também revelam as limitações das políticas públicas de investimento no efetivo aprendizado dos alunos. A tabela 2 demonstra esses índices de distorção idade-série no Brasil e Goiás.
Local | Ano | Ensino fundamental anos iniciais (6 a 14 anos) |
Ensino fundamental anos finais |
Ensino médio (15 a 17 anos) |
---|---|---|---|---|
Brasil | 2017 | 12% | 25,9% | 28,2% |
Goiás | 2017 | 8,6% | 21,1% | 22,6% |
Fonte (OBSERVATÓRIO, 2018)
É possível perceber um avanço no acesso ao ensino fundamental e a ampliação dos índices relativos ao ensino médio, mas, em contrapartida, a distorção idade-série continua sendo um grave problema de política educacional a ser resolvido. Para além dos elementos econômicos relativos à regularização do fluxo escolar, que representa investimentos duplicados dos governos para manter o aluno na escola e criar novas vagas para acolher os ingressantes, a distorção idade-série revela sérios problemas sociais e pedagógicos ao demonstrar a dificuldade dos alunos de seguirem um percurso contínuo de escolarização.
Com o objetivo de acompanhar a melhoria do desempenho dos alunos na educação básica, foi formulado pelo governo federal o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Esse índice, considerado pelos governos como a principal política de aferição da qualidade, pode demonstrar alguns elementos a respeito das políticas educacionais. A tabela 3 nos mostra a evolução do Ideb no Brasil e Goiás.
Anos iniciais do ensino fundamental | Anos finais do ensino fundamental | Ensino médio | |||
---|---|---|---|---|---|
Ideb Brasil | Ideb Goiás | Ideb Brasil | Ideb Goiás | Ideb Brasil | Ideb Goiás |
2005= 3,8 | 2005= 4,1 | 2005= 3,5 | 2005= 3,5 | 2005= 3,4 | 2005= 3,2 |
2007= 4,2 | 2007= 4,3 | 2007= 3,8 | 2007= 3,8 | 2007= 3,5 | 2007= 3,1 |
2009= 4,6 | 2009= 4,9 | 2009= 4,0 | 2009= 4,0 | 2009= 3,6 | 2009= 3,4 |
2011= 5,0 | 2011= 5,3 | 2011= 4,1 | 2011= 4,2 | 2011= 3,7 | 2011= 3,8 |
2013= 5,2 | 2013= 5,7 | 2013= 4,2 | 2013= 4,7 | 2013= 3,7 | 2013= 4,0 |
2015= 5,5 | 2015= 5,8 | 2015= 4,5 | 2015= 4,9 | 2015= 3,7 | 2015= 3,9 |
2017= 5,8 | 2017= 6,1 | 2017= 4,7 | 2017= 5,3 | 2017= 3,8 | 2017= 4,3 |
Fonte: BRASIL, MEC, INEP, 2017a
A análise dos dados da tabela demonstra que a Seduce realiza um significativo trabalho de acompanhamento, controle e investimento na melhoria dos índices educacionais. No entanto, ressalta-se a dificuldade de conduzir um efetivo processo de melhoria dos índices do Ideb no ensino médio, pois tanto os percentuais nacionais como os goianos demonstram os baixos resultados nessa etapa comparados com os dados relativos aos anos iniciais do ensino fundamental. Esses números podem ser resultado do baixo investimento público na infraestrutura das escolas da rede estadual de ensino, aspecto determinante na formação dos alunos. Em Goiás, somente 85% das escolas possuem biblioteca, 70% laboratórios de informática, 20% laboratórios de ciências, 66% quadras de esportes e 12% salas de leitura. Acrescenta-se a isso a quantidade de professores com contratos temporários. Em relação ao tipo de vínculo empregatício dos docentes da rede pública estadual de ensino, a configuração é constituída por 10.109 docentes com contrato temporário, 45 docentes com contrato terceirizado e 70 docentes com contrato CLT, de um total de 20.466 professores (BRASIL, 2018).
Atualmente, os governos federais e estaduais realizam um significativo esforço para ampliar o tempo de permanência das crianças na escola e na formulação de programas voltados para a melhoria da aprendizagem inseridos na proposta de educação de tempo integral. Todavia as políticas públicas de escolas de tempo integral não avançaram muito no país, apesar de esforços realizados em sua expansão, em especial, durante os anos de 2011 a 2015, em que o índice nacional chegou a 16,8% de matriculados. Em 2016, esse percentual sofre uma significativa queda ao atingir a cifra de 11,6% e, em 2017, uma relativa alta com 15,5% de matriculados (OBSERVATÓRIO, 2018).
De acordo com o Censo Escolar 2018, as matrículas no ensino integral representavam 9,5% do total de estudantes matriculados no ensino médio. O aumento das matrículas em tempo integral é decorrente dos investimentos financeiros oriundos do Programa de Fomento à Implantação das Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral. No entanto, as matrículas em tempo integral no ensino fundamental reduziram entre 2017 e 2018. Salienta-se que a principal ação, no campo pedagógico, formulada pelo governo federal para subsidiar as escolas de tempo integral, foi o Programa Mais Educação (BRASIL, 2018). Apesar dos esforços, a ausência de um projeto formativo de referência nacional para a educação integral restringiu as possibilidades educativas do programa. Além disso, acrescenta-se também as precárias condições estruturais das escolas, a descontinuidade dos repasses de recursos públicos, a ausência das contrapartidas municipais, as limitações do currículo escolar relativo às atividades do programa, a ausência de profissionais capacitados para a realização das atividades pedagógicas propostas etc. (BRASIL, 2017b; SILVA, 2015).
O processo de implementação da reforma educacional em Goiás: programas e ações
A reforma educacional iniciou-se no estado de Goiás no ano de 2011, no governo de Marconi Perillo (2010-2014), com a divulgação do documento Pacto pela Educação - Um futuro melhor exige mudanças e a implementação de suas ações no campo das políticas públicas educacionais. O Pacto pela Educação contém um conjunto de diretrizes e orientações, visando ao redimensionamento dos princípios relativos à gestão, ao currículo e ao processo de avaliação realizados na estrutura educacional do sistema estadual de educação (GOIAS.SEDUCE, 2011). O documento institui uma nova perspectiva teórica que deve orientar a educação estadual, a saber, a responsabilização e a meritocracia. Esses princípios aparecem como o eixo fundamental para o conjunto das políticas educacionais, com o objetivo de instituir um novo sentido na gestão do trabalho pedagógico, no currículo escolar, na avaliação dos alunos e na profissionalização docente.
O Pacto pela Educação efetiva-se como política pública ao difundir cinco eixos e 25 ações com impacto efetivo na gestão e organização da escola4. O documento constitui-se como a principal referência concernente ao processo de reforma educacional em Goiás e a partir de seus fundamentos foram elaborados programas e iniciativas educacionais como o Programa Reconhecer (2011), o Saego (2011) e o Currículo Referência (2013).
O Programa Reconhecer instituiu a política de bônus na estrutura do sistema estadual de educação. A intenção inicial descrita nas leis que definiram o pagamento de bônus de incentivo aos profissionais da educação era estimular o trabalho de regência de sala de aula e, por esse motivo, previa o pagamento de remuneração adicional aos professores da educação básica a partir do critério de assiduidade e de entrega quinzenal do plano de ensino5. Nos anos subsequentes à criação do bônus para o pagamento dos professores, a secretaria estadual de educação definiu para o grupo gestor da escola um índice de acompanhamento da gestão que incluiu, entre outros critérios, o controle do trabalho realizado pelos professores regentes e coordenadores pedagógicos, em especial, no que concerne à assiduidade e à entrega dos planos de aulas, além de definir como responsabilidade desse grupo o lançamento da frequência dos profissionais da educação no sistema interno de controle da gestão escolar, aspectos considerados obrigatórios para o recebimento do bônus de incentivo salarial (GOIAS, 2013).
No entanto, esse processo de descentralização administrativa e financeira articulada aos parâmetros da nova gestão pública somente desenvolve-se plenamente com a criação das políticas de avaliação em larga escala capazes de definir objetivos de proficiência para o desempenho dos alunos e escolas. No caso do estado de Goiás, foi formulado o Sistema de Avaliação Educacional do Estado de Goiás (Saego), em 2011, com o objetivo de produzir diagnósticos sobre o nível de proficiência dos alunos matriculados na rede estadual de ensino e nas escolas particulares conveniadas. Em geral, o Saego mantém o mesmo desenho de avaliação do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), com a diferença de avaliar anualmente os alunos do 2º ano do ensino fundamental em Língua Portuguesa e os alunos do 5º e 9º anos do ensino fundamental e do 3º ano do ensino médio em Língua Portuguesa e Matemática. Para o desenvolvimento pedagógico dos alunos da educação básica foi criada também, pela Seduce, a avaliação dirigida amostral (ADA), com periodicidade bimestral e característica diagnóstica, visando a acompanhar o desempenho escolar dos alunos nas disciplinas de Língua Portuguesa, Matemática e Ciências da Natureza (GOIÁS. SEDUCE, 2015).
Todas essas medidas corroboram com a melhoria do desempenho dos alunos no Índice de Desenvolvimento da Educação Goiana (Idego), obtido a partir dos resultados anuais da Prova Goiás, componente do Saego, com os índices de fluxo escolar da rede pública estadual de ensino. O Idego foi formulado a partir do processo de reforma educacional constituída pelo Pacto pela Educação, com o objetivo de identificar o nível de proficiência dos alunos da educação básica nas disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática e acompanhar o desenvolvimento dos alunos a longo prazo nos processos de avaliação.
Nesse contexto, a matriz curricular desempenha um papel essencial para coordenar a ação dos docentes e os esforços visando a atingir os melhores resultados avaliativos. Assim, a Seduce elaborou, em 2012, o Currículo-Referência cujo objetivo foi definir os conteúdos, o foco e as habilidades a serem trabalhadas pelos professores nas escolas públicas. O Currículo-Referência organiza-se a partir de uma lógica bimestral, o que significa que os professores devem se orientar por um procedimento sequencial na abordagem dos conteúdos e organizar o trabalho pedagógico aos parâmetros da avaliação dirigida amostral (ADA). Apesar de as orientações do documento curricular envolverem o conjunto das disciplinas oferecidas na educação básica, destaca-se a preocupação da Seduce com os conteúdos e habilidades exigidas nos testes avaliativos nacionais (GOIAS. SEDUCE, 2012).
Para efetivar na sala de aula as orientações contidas no Currículo Referência, foram elaborados os cadernos de aprendizagem denominados Aprender mais. Esses cadernos de atividades funcionam como material pedagógico complementar aos livros didáticos utilizados pelos professores nas disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática, em comum acordo com os conteúdos sistematizados pelo currículo e as demandas dos procedimentos avaliativos. Os cadernos Aprender mais, lançados no início de 2017, são direcionados aos alunos dos 5º e 9º anos do ensino fundamental e da 3ª série do ensino médio, com o objetivo de direcionar o trabalho pedagógico realizado pelo professor em sala de aula.
Reforma educacional no estado de Goiás: análise das pesquisas
Esta parte do artigo apresenta os resultados de pesquisas acadêmicas produzidas sobre os temas reforma educacional e gestão escolar no contexto da rede estadual de ensino de Goiás.
Em geral, as pesquisas revelam que a reforma educacional realizada em Goiás, por meio do Pacto pela Educação, intensificou a perda de direitos adquiridos pelos professores da rede estadual de ensino, condicionando-os a uma situação de maior desprofissionalização e precarização nas condições de trabalho. Os trabalhos de Alves (2015) e Araújo Júnior (2013) analisam as mudanças no mundo do trabalho e seus efeitos sobre o trabalho docente, em especial, como essas alterações representaram grande dificuldade para o Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Goiás (Sintego) conseguir agregar os professores em torno da defesa dos direitos e do combate ao processo de privatização em curso na rede estadual de ensino de Goiás6.
Nessa mesma linha, Pessoni (2017) demonstra que o processo de reforma educacional conduzido no estado de Goiás articula-se a uma concepção de educação defendida pelos organismos internacionais, em especial, o Banco Mundial e a Unesco. Essas instituições articuladas aos interesses do capital internacional difundiram, por meio de documentos e conferências, uma visão definida a respeito do processo de descentralização da gestão escolar, das avaliações de larga escala, dos currículos nacionais articulados a procedimentos avaliativos e dos critérios de qualidade associados à avaliação.
Em relação aos efeitos da reforma educacional na gestão e organização da escola, Silva (2014) revela as repercussões das políticas contidas no Pacto pela Educação, na gestão da escola e no processo de ensino aprendizagem. A autora analisa em sua pesquisa os desdobramentos da forte influência da perspectiva de educação defendida pelos organismos internacionais na política educacional do Estado e a presença de organizações não governamentais na implementação de estratégias reformistas. Segundo a autora, determinados aspectos articulam-se, como o programa de reconhecimento e remuneração por mérito, que fortalece práticas de controle e punição na escola, a implementação combinada de políticas avaliativas e curriculares e a redução da autonomia pedagógica dos professores na realização do trabalho.
Nesse contexto, o trabalho de Moura (2016) analisa os efeitos indutivos do Programa Reconhecer e do Prêmio Poupança-aluno, de reconhecimento e remuneração por mérito, na constituição dos valores da meritocracia, da competitividade, da responsabilização, do controle por incentivo/punição presentes na reforma educacional. Segundo a autora, esse movimento contido no processo de reforma contém uma perspectiva neotecnicista de educação ao disseminar uma visão de educação sedimentada sobre os princípios da racionalização das práticas educativas submetidas a procedimentos de avaliação de larga escala.
Na realidade, há diversos trabalhos que analisam a reforma educacional e as articulações com o sistema de avaliação em larga escala instituídos na rede estadual de ensino, bem como as consequências para o processo de aprendizado dos alunos e a autonomia dos professores.
O estudo realizado por Melo (2018) com diretores escolares da rede estadual de ensino mostra a percepção dos dirigentes a respeito das alterações no cotidiano escolar após o crescimento dos procedimentos de avaliação em larga escala instituído nas escolas. A pesquisa demonstrou que o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) provocou diversas mudanças na gestão escolar e a constante preocupação dos diretores em executar ações com vistas a atingir as metas projetadas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) e estabelecidas pela Seduce. Na prática, as avaliações de larga escala projetadas pelo governo nacional e estadual comprometeram a autonomia dos diretores escolares, em especial, por induzirem os conteúdos definidos nas matrizes de referência e instituir o ranqueamento das escolas públicas.
Nesse mesmo sentido, Fernandes (2015) esclarece que as políticas educacionais promovidas pela Seduce, em especial, por meio do Pacto pela Educação e do Sistema de Avaliação Educacional do Estado de Goiás (Saego), baseadas em avaliações de larga escala e em resultados, promovem um esvaziamento do currículo escolar ao estabelecerem a padronização das relações de ensino-aprendizagem com base em competências e habilidades. Segundo a autora, as consequências são prejudiciais aos professores, que têm sua autonomia pedagógica comprometida, e aos alunos, que têm o processo de ensino-aprendizagem restrito à preparação para a realização de testes sistêmicos.
Os trabalhos de Costa (2014) e Medeiros (2013) analisam a cultura de avaliação classificatória instituída no cotidiano escolar por meio da Avaliação Diagnóstica Amostral (ADA), que contém a perspectiva de preparar os alunos, por meio de exames bimestrais, para as avaliações de larga escala, como a Prova Goiás e a Prova Brasil. As autoras salientam os efeitos das avaliações bimestrais com forte conotação classificatória, sem a devida preocupação com a formação dos professores, no que concerne ao reforço da tradicional perspectiva de avaliação contida nas provas, seus efeitos sobre currículo escolar e os impactos nas relações de ensino-aprendizagem, bem como os desdobramentos relativos à intensificação do controle sobre o trabalho docente.
Há trabalhos que apresentam um posicionamento crítico concernente às políticas educacionais implementadas na rede estadual de ensino, em especial, as instituídas pelo Currículo Referência destinado a constituir um padrão curricular articulado às diretrizes avaliativas, com significativo impacto na organização e gestão dos sistemas públicos de ensino.
Os estudos de Matos (2018) revelaram que a formulação do Currículo Referência não contou com a efetiva participação dos professores em seu processo de elaboração. Assim, o documento aparece para os docentes com forte conotação arbitrária e articulada aos procedimentos de avaliação. Segundo Silva (2018a), o Currículo Referência é um texto curricular prescritivo, estruturado na lógica da teoria tradicional do currículo, que se materializa de diferentes formas e com amarras institucionais obrigatórias para sua utilização. Segundo a autora, a implementação do Currículo Referência segue procedimentos capazes de assegurar o mais absoluto controle do trabalho docente, com envolvimento e cobrança de resultados por parte da Seduce.
O trabalho de Silva (2018b) realiza uma significativa análise dos itens contidos nos cadernos do Projeto Aprender mais, elaborado pela Seduce. O estudo investigou 72 itens no caderno do 1º bimestre e 64 itens no caderno do 2º bimestre, relativos aos cadernos de Matemática da terceira série do ensino médio. Segundo Silva (2018b), apesar de a estrutura do Currículo Referência definir os conteúdos a serem trabalhados pelos professores a partir de uma organização bimestral, alguns itens contidos nos cadernos do Aprender mais não constam na bimestralização, o que causa um problema para os docentes seguirem os itens dos cadernos e os conteúdos definidos pelo currículo. Outro aspecto demonstrado na pesquisa, dentre outros, é que a comunidade escolar realiza diversas atividades de revisão dos conteúdos e simulados de provas nacionais com materiais enviados pela própria Seduce, com o intuito de treinar os alunos. Por fim, a pesquisa esclarece que a maioria dos itens dos cadernos obedecem a uma lógica convencional de organização do conhecimento e poucos foram formulados a partir das recomendações das Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino médio, que defende uma perspectiva contextualizada para a organização dos conteúdos e do conhecimento nessa etapa da educação básica.
Considerações finais
Os trabalhos analisados demonstram as repercussões e as críticas ao processo de reforma educacional realizada no estado de Goiás, por meio do Pacto pela Educação. As pesquisas revelam uma perspectiva neotecnicista de educação contida nos contornos da reforma, ao disseminar uma visão de educação sedimentada sobre os princípios da responsabilização e da meritocracia materializados por meio da avaliação classificatória, do currículo padronizado e da competitividade entre os agentes escolares.
Os estudos empreendidos permitiram identificar como os programas conduzidos pela Seduce articulam-se entre si com o objetivo de disseminar esses princípios. O Programa Reconhecer, com o pagamento de bônus e a intensificação do controle das atividades pedagógicas, o Saego, com o estímulo às avaliações de larga escala e o Currículo Referência, com a padronização da matriz associada às bases avaliativas nacionais definidas pela Saeb, tendem a induzir uma lógica de controle e vigilância das ações pedagógicas realizadas pelos agentes escolares.
Esse cenário demonstra que os contornos assumidos pelas reformas educacionais e sua inflexão na área da gestão educacional contêm significativa influência do setor privado e de sua forma de regulação. Em razão das contradições contidas no processo educativo e da disputa política existente na sociedade, a possibilidade de enfraquecer essa tendência de disseminação de princípios de mercado na esfera pública passa pela formulação de um projeto educativo mais orgânico e sistêmico, o que demanda a rediscussão do processo de cofinanciamento do setor privado com recursos públicos, o redimensionamento do poder de grupos privados nas principais esferas de decisões de políticas educacionais e a reavaliação dos parâmetros privados de gestão transferidos para as instituições educativas, aspectos essenciais para restabelecer sobre bases mais sólidas e duradouras o papel do Estado e da sociedade civil organizada como agentes indutores de políticas educacionais e restituir os fundamentos da educação pública, laica e gratuita para todos.