Introdução
A desigualdade no direito à educação tem, dentre outras causas, a própria configuração do Estado brasileiro que, durante todo o século passado, não conseguiu estabelecer um arranjo federativo capaz de enfrentar essa problemática com uma melhor definição das competências entre os entes federados e o estabelecimento de mecanismos que assegurassem as condições financeiras e técnicas para que as políticas educacionais alcançassem o objetivo de proporcionarem uma formação plena.
Reforçando a necessidade de estabelecimento de um Regime de colaboração, diversas legislações e políticas educacionais foram desenvolvidas a partir da Constituição Federal de 1988. Esses dispositivos apontam a necessidade de pactuar um regime de colaboração entre os entes federados para que o direito à educação seja assegurado de forma mais igual entre as regiões brasileiras, com o objetivo de diminuir as desigualdades no acesso, de modo que se possa efetivar o Estado de direito, democrático e republicano. A interdependência entre os entes da federação é o modelo adotado na Carta
Magna de 1988 e o foco da ação estatal deveria ser o cidadão, atendido em plenos direitos, conforme prescreve a lei. A articulação deveria acontecer a partir de princípios, diretrizes e metas que considerassem as necessidades do país, dos estados e municípios, levando- se em consideração suas necessidades e peculiaridades. Está implícito, no conceito de interdependência, que não seria possível construir um projeto de nação que assegurasse plenamente os direitos aos cidadãos sem a articulação e a integração dos entes federado. O objeto de estudo foi analisado a partir da abordagem do ciclo de políticas desenvolvido por Ball na década de 90, apresentado por Mainardes (2006). Esse autor defende a necessidade de não apenas descrever as políticas, mas de compreender o processo de gestação e a complexidade que é a implementação das medidas adotadas.
Para Ball (2001), o ciclo de políticas constitui-se em um método que busca compreender o processo de construção e execução das políticas públicas. Vai muito além de um exercício descritivo. Busca compreender, de fato, como essas políticas são constituídas e a forma como são colocadas em prática.
O ciclo de políticas não tem a intenção de ser uma descrição das políticas, é uma maneira de pensar as políticas e saber como elas são “feitas”, usando alguns conceitos que são diferentes dos tradicionais como, por exemplo, o de atuação ou encenação (enactment). Quero rejeitar completamente a ideia de que as políticas são implementadas. Eu não acredito que políticas sejam implementadas, pois isso sugere um processo linear pelo qual elas se movimentam em direção à prática de maneira direta. Este é um uso descuidado e impensado do verbo. O processo de traduzir políticas em práticas é extremamente complexo; é uma alternação entre modalidades. A modalidade primária é textual, pois as políticas são escritas, enquanto que a prática é ação, inclui o fazer coisas. Assim, a pessoa que põe em prática as políticas tem que converter/transformar essas duas modalidades, entre a modalidade da palavra escrita e a da ação, e isto é algo difícil e desafiador de se fazer. E o que isto envolve é um processo de atuação, a efetivação da política na prática e através da prática (MAINARDES; MARCONDES, 2009, p.305).
Para encaminhamento do estudo e com vistas a fazer as análises pretendidas na pesquisa, optou-se por se utilizar os dois primeiros contextos apresentados no trabalho de Mainardes (2006) conforme os estudos de Ball: o contexto da influência e o contexto da produção do texto descritos a seguir.
O contexto da influência permite a análise do processo de construção dos discursos, assim como do início da proposição das medidas adotadas, buscando compreender como é alcançada a legitimidade dos conceitos apresentados. Neste processo, busca-se analisar as tendências e influências que estão presentes e o porquê de sua imersão no processo de elaboração. Neste contexto, busca-se identificar que atores nacionais e internacionais estão presentes, no processo de elaboração das políticas, e como as suas diretrizes são legitimadas no ambiente local.
O contexto da produção é aquele no qual a política ganha forma para atender ao objetivo da comunicação com o público em geral. Os textos oficiais são o resultado de negociações, no âmbito dos poderes legislativos e dos confrontos com os grupos organizados. Nesse aspecto, ganha relevância a linguagem adotada para comunicar as ações a serem desenvolvidas e a identificação dos grupos ausentes no processo de elaboração das políticas e como esses foram silenciados.
O presente estudo utilizou-se da pesquisa bibliográfica e documental. A pesquisa bibliográfica pretendeu situar o objeto de estudo em sua perspectiva histórica, procurando demonstrar que a discussão sobre o direito à educação, especialmente para as camadas populares, foi e é objeto de disputa e de tensões.
O projeto de regime de colaboração do Estado do Acre
No Estado do Acre, desde 1999 até 2018, uma única coligação político-partidária conduziu a gestão do Governo. Uma de suas marcas foi a implementação de uma agenda de modernização administrativa que, na visão de Damasceno (2010), alinhou bandeiras históricas do campo progressista com princípios elencados em diretrizes de organismos internacionais, marcadamente de orientação gerencial. Este modelo produziu um conjunto de reformas administrativas que introduziram mudanças significativas na organização estatal. Para que estas medidas pudessem ser efetivadas, tornou-se necessária a realização de alianças com os governos municipais, principalmente nas áreas da saúde e da educação.
Em 2005, foi promulgada a Lei n° 1694 que objetivava instituir o Sistema Público da Educação Básica do Estado do Acre face às diretrizes da educação nacional e demais instrumentos legais relativos ao regime de colaboração entre as redes de ensino do Estado e Municípios.
No caso da capital Rio Branco, essa colaboração possibilitou a adoção de uma série de medidas, entre as quais se destacam: a divisão da responsabilidade pela oferta do ensino fundamental, na qual o Município ficou responsável pelos anos iniciais compartilhado com o Estado, que responsabilizou-se pelos anos finais do ensino fundamental; a municipalização das escolas de educação infantil do estado; a estadualização das escolas de ensino fundamental que ofertavam os anos finais; o reordenamento da rede de escolas estadual e municipal, para distribuir a oferta de vagas mais próximas das residências dos alunos; a gestão pedagógica das escolas dos anos iniciais da rede estadual e municipal, por parte da Secretaria Municipal de Educação (SEME); a implementação do Programa de Avaliação da Aprendizagem dos Alunos (PROA), e do Sistema Estadual de Avaliação da Aprendizagem Escolar (SEAPE); a construção de orientações curriculares para os anos iniciais, comuns para as duas redes; a produção de materiais pedagógicos comuns, nas duas redes, para os três primeiros anos do ensino fundamental e classes de aceleração; a implementação de programa de formação continuada para os profissionais das duas redes.
O regime de colaboração estabelecido em Rio Branco ocorre, de 2005 a 2012, em um contexto de implementação de reformas desenvolvidas pelo Governo Federal, que contou com a adesão do Estado do Acre. O Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE), o Plano de Ações Articuladas (PAR) e o Programa de Inclusão Social e Desenvolvimento Sustentável do Estado do Acre (PROACRE) foram instrumentos que possibilitaram que uma agenda de programas e ações fossem desenvolvidas, em todos as redes municipais de ensino do Estado.
O processo de reforma do Estado brasileiro, iniciado na década de 1990, promoveu uma mudança nas relações intergovernamentais, a partir do enfraquecimento da influência dos governos estaduais que, em função da grave crise econômica do período, tiveram que adotar as medidas de ajustes fiscais impostas pelo Governo Federal, comprometendo as suas capacidades de investimento e manutenção de políticas públicas. Como consequência, houve uma centralização do processo de definição das finalidades e diretrizes de políticas públicas, dos mecanismos e instrumentos de financiamento e dos procedimentos relativos ao controle e avaliação das ações desenvolvidas.
Desse modo, a relação entre os entes federados ocorre de forma verticalizada, com a União centralizando a concepção e o desenho dos projetos e políticas a serem desenvolvidos, em nível nacional, com os Estados e Municípios funcionando como executores de medidas concebidas em outras esferas de poder. Este desenho choca-se com o federalismo cooperativo, adotado na Constituição Federal de 1988, que pressupõe o estabelecimento de relações federativas horizontais para a execução de políticas conjuntas, mantida a autonomia dos entes e compartilhando responsabilidades sobre o seu financiamento (ARAUJO, 2010; 2005).
Nessa perspectiva, a descentralização das políticas educacionais é apresentada como mecanismo de indução de eficiência, eficácia e de transparência, na utilização dos recursos e da prestação de contas dos resultados de aprendizagem, repercutindo em um melhor atendimento, por parte do Estado, na oferta da educação. Este processo se efetiva com a transferência de responsabilidades para as instâncias regionais e locais.
No caso das políticas educacionais, justifica-se a utilização desses instrumentos a partir dos indicadores que apontavam que o Brasil não assegurou o direito à educação a toda população em idade escolar e que a qualidade da aprendizagem dos alunos não atendia aos ditames e necessidades do mercado de trabalho. Assim, alinhado aos princípios da Nova Gestão Pública, métodos de gestão, utilizados na gestão privada, são amplamente difundidos para os sistemas educacionais e escolas, com o objetivo de ampliar a eficiência, o controle e a responsabilização dos gestores pela aplicação dos recursos e resultados obtidos (OLIVEIRA, 2015).
A defesa das políticas de descentralização está presente nos diagnósticos e agendas de políticas dos organismos internacionais, especialmente os que promovem o financiamento de políticas educacionais, como o BIRD, que veem nessas iniciativas meios para realizar processos de desburocratização do Estado, melhoria nos indicadores de eficiência e ampliação da autonomia dos governos locais e das gestões escolares, como formas de assegurar responsabilização pelas políticas e produzir incrementos nos indicadores adotados para verificar os resultados das ações implementadas. Este processo de descentralização das responsabilidades, entre os entes administrativos, compõe uma das muitas ideias de modernização do Estado.
Desta perspectiva, a descentralização é considerada um instrumento de modernização gerencial da gestão pública, pela crença nas suas possibilidades de promover a eficácia e a eficiência dos serviços concernentes (Melo, 1997). Assim, é difundida como um poderoso mecanismo para corrigir as desigualdades educacionais, por meio da otimização dos gastos públicos. Apesar de os postulados democráticos serem recorrentemente reafirmados, estes se apresentam como justificativa da transferência de competências da esfera central de poder para as locais, respaldadas em orientações neoliberais, com o objetivo de redução do Estado às suas funções mínimas, de acordo com as inspirações/adaptações de corte hayek-smithiano (AZEVEDO,2002, p.54).
Essa agenda de reformas do Governo Federal foi adotada no processo de reformas do Acre, a partir de 1999, com o início da gestão da Frente Popular do Acre. Como já explanado, o Governo do Estado adotou princípios e diretrizes da Nova Gestão Pública para reestruturar a máquina pública estadual e levar adiante um projeto de desenvolvimento, baseado na sustentabilidade ambiental e na melhoria dos serviços públicos. Diferente do que ocorria no cenário nacional, em que se desenvolveu um conjunto de medidas orientadas por um viés econômico de redução do tamanho do Estado, para aumentar a eficiência e a competitividade, com diminuição dos investimentos em custeio do serviço público, no Acre houve a necessidade de implementar reformas que permitissem o funcionamento dos serviços básicos à população (ALMEIDA JUNIOR, 2006).
Damasceno e Santos (2011) destacam que um dos setores não priorizado no processo das reformas educacionais foi, justamente, a representação dos profissionais da educação. No diagnóstico do planejamento estratégico, os sindicatos foram classificados como uma ameaça à implementação das medidas.
A outra ação considerada central na implementação do processo de reforma educacional consistiu em estabelecer uma mudança radical na relação entre o governo e o sindicato dos professores.
Essa relação entre governo e sindicato obedecia, segundo Almeida Júnior (2006), ao seguinte ciclo: iniciava-se com o movimento de greve liderado pelo sindicato dos professores para pressionar o governo por percentuais de aumento; o governo, por sua vez, fazia uma contraproposta ao sindicato, justificada pela falta de dinheiro; terminava com a categoria aceitando o percentual “possível” no processo de negociação, retornando às atividades e já se preparando para uma nova mobilização (DAMASCENO; SANTOS, 2011, p. 174).
Desse modo, o resultado eleitoral impôs uma agenda de cooperação entre o Governo do Estado e os Municípios, principalmente os que tinham à frente das gestões partidos ligados à FPA. O caso mais simbólico foi o de Rio Branco, que voltava ao domínio da FPA, oito anos depois de o governador Jorge Viana, ter deixado a prefeitura, com bons índices de avaliação, mas sem conseguir fazer o seu sucessor, em 1996. A eleição de Raimundo Angelim contribuiu para consolidar o projeto de poder do grupo político que comandava o Estado do Acre desde 1999, criando as condições para o alcance de novas vitórias em disputas eleitorais vindouras. Uma das medidas implementadas foi a aprovação da Lei estadual 1694/2005, que instituiu o Sistema Público de Educação Básica do Acre buscando normatizar, a partir da legislação vigente, o regime de colaboração entre os sistemas de ensino.
Uma das primeiras decisões implementadas, ainda no ano de 2005, foi a de compartilhar a responsabilidade pela oferta da educação básica em Rio Branco. Assim, a educação infantil e os anos iniciais do ensino fundamental ficariam a cargo do Município, enquanto o Estado se responsabilizaria pelos anos finais do ensino fundamental e o ensino médio. Esta divisão de responsabilidades ensejaria um processo de municipalização de escolas estaduais e estadualização de escolas municipais.
Pode-se dizer que o processo foi iniciado a partir de uma espécie de “acordo de cavalheiros”, posto que somente em dezembro de 2005 é que passou a existir uma legislação que normatizava o processo de municipalização e estadualização de escolas. A iniciativa nasceu de forma arriscada, haja vista ter ficado à mercê da disposição dos gestores em levarem adiante as medidas necessárias para a efetivação de um processo tão complexo.
O modelo adotado parte das obrigações constitucionais previstas nos parágrafos 2º e 3º do art. 211 da CF, que atribui aos Municípios a prioridade de atuação no ensino fundamental e na educação infantil e, aos Estados, o ensino fundamental e médio, como prioridade para a sua atuação.
Este arranjo entre os entes necessitava ser normatizado, de modo que as medidas iniciadas pudessem ganhar a estabilidade necessária e desejada. Assim foi aprovada a Lei 1694/2005 que instituía o Sistema Público de Educação Básica do Estado do Acre. Esse dispositivo resgata uma série de definições e orientações presentes na legislação nacional, visando uma uniformização de procedimentos a serem adotados pelos gestores estaduais e municipais, tendo em vista a organização de um sistema de educação comum aos entes.
Ocorre, no entanto, que o texto da lei delegou ao Estado e Municípios, o estabelecimento de regulamentos para a efetivação do regime de colaboração, e estes não foram elaborados (CF. MORAIS,2016). Aqui se inicia um primeiro rompimento, na perspectiva de constituição de um sistema público de educação, pois, ao não se definirem os procedimentos para implementação da Lei 1694/2005, impôs-se a necessidade de adoção de instrumentos de relacionamento entre os entes, no Estado (convênios, termos de compromisso), que restringiam as ações ao tempo das gestões e a objetos bem específicos, perdendo a possibilidade de exercício de uma gestão sistêmica.
Oliveira e Ganzeli (2013), ao analisarem os instrumentos jurídicos disponíveis para a concretização do regime de colaboração, em decorrência da ausência de uma legislação nacional que traga uma normatização para os procedimentos relativos ao tema, afirmam que os instrumentos disponíveis não favorecem o estabelecimento de relações intergovernamentais que concorram para atender ao disposto na CF.
A engenharia jurídica e administrativa disponível tem nos convênios uma importante ferramenta, pelo fato de que favorecem agilidade aos acordos firmados entre os entes. No entanto, Oliveira e Ganzeli (2013) ressaltam que eles são limitados e precários, já que não asseguram uma maior estabilidade às políticas em desenvolvimento, ficando restritos aos mandatos dos gestores, limitando as ações das políticas de governo e não de Estado.
Os convênios são instrumentos ágeis para o estabelecimento e desenvolvimento de programas governamentais, são empregados geralmente em políticas de governo e não de Estado, dado o processo de elaboração, de tramitação dos mesmos e o grau de abrangência temporal. Os convênios não são obrigatórios, devendo haver concordância de ambas as partes para seu estabelecimento, repactuação quando do vencimento e rescisão por vontade de quaisquer das partes conveniadas. Observa-se que convênios, principalmente entre estados e municípios, não raro são lançados pelos primeiros com vantagens iniciais, atuando como efeito demonstrativo para a obtenção de apoio dos segundos. Não é incomum que a obtenção dos pleitos em determinada secretaria estadual esteja ligada à assinatura de convênio em outra secretaria. A questão partidária pode também facilitar ou dificultar a assinatura de convênios públicos (OLIVEIRA; GANZELI, 2013, p. 1038).
Esses instrumentos ficam dependentes da relação política dos gestores, implicando na precarização das relações intergovernamentais, e podem ser rescindidos a qualquer momento. No convênio assinado entre o Governo do Acre e o Município de Rio Branco, a sua revisão seria anual, com possibilidade de rescisão a qualquer tempo, por interesse de uma das partes, bastando a comunicação com antecedência de 30 dias, e que o ente propositor da rescisão respondesse pelas obrigações assumidas. Assim, uma relação tão complexa entre dois entes, que envolve a gestão de uma política pública e de recursos financeiros, fica na dependência de uma configuração política, que pode ser modificada a cada dois anos, na dependência dos resultados dos processos eleitorais.
Araújo (2010) afirma que estas relações podem ser de cooperação ou de coordenação federativa. A cooperação refere-se à construção de um modelo de gestão em que as competências concorrentes e comuns são implementadas em conjunto. A coordenação pressupõe uma relação em que um ente, de maior poder e maior capacidade financeira, estabeleceria processos e procedimentos que seriam implementados por outro ente, com vistas a alcançar um conjunto de resultados.
A construção de um sistema de educação pressupõe uma visão sistêmica dos fatores e processos que afetam o funcionamento das unidades de ensino, com reflexo nos órgãos gestores. Assim, ao deixar a política de recursos humanos sem uma clara normatização, verifica-se que as tratativas para o estabelecimento do regime de colaboração deixaram escapar um importante fator.
A ausência de regulamentação sobre a questão dos servidores de um ente lotados em unidades diferente da do órgão ao qual mantinham vínculo empregatício acabou por excluir os profissionais que estavam inseridos no processo de permuta da gestão das unidades escolares. Não poderiam ser eleitores e nem eleitos para os cargos de direção das escolas em que atuavam. A definição sobre as ações de promoção da qualidade da aprendizagem para as escolas públicas também foi remetida para outros instrumentos utilizados para viabilizar atos de colaboração. No entanto, nos objetivos declarados para o Sistema Público de Educação Básica, a qualidade estava associada ao alcance de padrões de aprendizagem, descritos em referenciais curriculares a serem adotados por todas as redes que aderissem ao Sistema Público de Educação (ACRE, 2005).
É preciso destacar que o formato de assistência técnica e pedagógica implementado impôs uma relação de coordenação de política educacional frente aos Municípios. A SEE entraria com as definições, as finalidades, processos e financiamento das ações, com vistas à melhoria da qualidade de ensino, e as secretarias municipais participariam do processo de implementação, ou seja, haveria uma coordenação estadual com o objetivo de melhorar os indicadores de aprendizagem, especialmente o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica - IDEB, tanto das escolas da rede estadual, quanto das municipais, operando um processo de indução, para que os Municípios procedessem à adoção das políticas elaboradas pelo Estado do Acre, com vistas ao atendimento das diretrizes nacionais e dos organismos externos de financiamento.
Esta lógica de organização das políticas educacionais, baseadas na coordenação federativa, não é suficiente para implementar o regime de colaboração, pois está baseada em arranjos conjunturais que podem ser desfeitos, circunstancialmente, por alterações nos polos de poder envolvidos no processo de discussão da política pública.
Araújo (2010) qualifica estes arranjos como “mini pactos”, pois não há a regulamentação do regime de colaboração.
Chamamos de “mini pactos” porque, de fato, não regulamentam a matéria (o regime de colaboração), mas estabeleceram “formas de colaboração” para estreitar as obrigações dos entes federados na oferta educacional, garantindo o direito à educação e amenizando a desigualdade e o caráter predatório e competitivo da federação, reforçada pela Constituição Federal de 1988. Na área de educação, também podemos citar - além das políticas de criação de fundos via emendas constitucionais já discutidas - ações de coordenação da União, com a indução de políticas para a área de educação traduzidas, erroneamente, como colaboração, como é o caso dos testes em larga escala, das definições curriculares e, recentemente, do Plano de Desenvolvimento da Educação e do Plano de Ações Articuladas (ARAÚJO, 2010, p.239).
Pode-se afirmar que a implementação do regime de colaboração entre o Governo do Acre e o Município de Rio Branco, além de discutir as relações intergovernamentais para efetivar o direito à educação na cidade, ancorou-se em um processo de indução de políticas nacionais e estadual, baseadas em uma perspectiva de inclusão social e de alinhamento com uma visão gerencial da educação, que repercutiu fortemente na organização dos sistemas de ensino e das escolas.
Nesse contexto, se ressalta, também, que a forma de controle das políticas educacionais, estabelecidas na rede estadual, foi transferida para a rede municipal de ensino de Rio Branco, alinhando a organização dos sistemas de ensino com um único projeto de gestão pedagógica.
Em linhas bastante gerais, esse foi o caminho percorrido pelo processo de regime de colaboração, em Rio Branco, que se iniciou com a produção de uma lei, a qual visava dar um caráter sistêmico à gestão da política educacional, mas que em virtude da ausência de regulamentos que definissem com maior clareza procedimentos e ritos para a discussão e enfrentamento de contradições, acabou por reduzir as relações intergovernamentais entre o Governo do Estado e o Município de Rio Branco a pactos específicos de temas visando o alcance de objetivos comuns, mantendo a verticalidade como um princípio dessas relações.
Considerações finais
A complexidade da análise das políticas públicas em educação, especialmente no caso de ser anotada uma série de imprecisões e indefinições, como a construção do regime de colaboração, envolve uma série de fatores que vão desde a organização federal do Estado brasileiro até a divisão de competências comuns e concorrentes entre os entes. Estes fatores, dentre outros, não permitem, nos limites deste trabalho, uma avaliação conclusiva, indicando a necessidade de novos estudos sobre o tema, com vistas a adensar análises e produzir outro patamar de investigação e de elucidação das questões que margearam este processo e lhe definiram as características gerais.
Pode-se dizer que a análise do processo de implementação do regime de colaboração, em Rio Branco, revelou a dificuldade de se estabelecer relações intergovernamentais que prezassem por princípios do federalismo cooperativo adotado pela Constituição de 1988, que estabeleceu competências comuns e concorrentes entre os entes, impondo forma de compartilhamento de responsabilidades e de condições básicas para que fossem assegurados os direitos consignados no texto constitucional.
A ausência de uma regulamentação federal do regime de colaboração possibilita a construção de arranjos federativos para a oferta do direito à educação, que podem variar de relações intergovernamentais que considerem, ao mesmo tempo, as diretrizes nacionais, conforme é apontado pela Constituição Federal, e as peculiaridades regionais e locais, resultando numa horizontalidade em que são respeitadas a autonomia dos entes, assim como em uma descentralização da política pública educacional, resultante de uma pactuação nacional. Este formato permite que as ações governamentais perpassem os governos, ganhando estabilidade e condições de implementação que vão além da boa vontade dos gestores de plantão.
De modo análogo, pode produzir formatos de colaboração que tenham, na relação de dependência, um dos seus pilares. As diretrizes e orientações são definidas nas esferas de poder que detém maior capacidade técnica e possibilidades de financiamento, sendo que há um processo de descentralização das políticas públicas para os entes que não possuam quadros técnicos que deem conta da formulação das estratégias adequadas às suas peculiaridades e nem às condições de financiamento, que assegurem o acesso com qualidade à educação, tornando-se necessária a submissão às diretrizes de quem elabora e financia as políticas.
O regime de colaboração é apontado na Constituição Federal e na LDBEN como o instrumento jurídico adequado para que a União, os Estados, Distrito Federal e os Municípios organizem os seus sistemas de ensino, que podem ser exclusivos ou compartilhados. Porém, a discussão, no campo legislativo não foi priorizada, resultando na indefinição tanto dos princípios como dos mecanismos que viabilizem as formas de colaboração e construção do Sistema Nacional de Educação, bem como dos modelos de organização dos sistemas de educação nos Estados e Municípios.
A exigência de um regime de colaboração entre os entes federados faz-se necessária no panorama educacional brasileiro, pois o atendimento educacional ocorre, no caso da educação básica, nas escolas das redes estadual e municipais de ensino, que possuem padrões de qualidade diferentes, com planos de valorização profissional distintos e propostas pedagógicas díspares, mantendo um atendimento desigual dentro do mesmo Estado e na mesma cidade, dissipando os efeitos da redistribuição dos recursos. Assim, é necessário a produção de mecanismos que favoreçam a implementação do federalismo cooperativo, para que os entes possam prover as políticas públicas, de modo que consigam superar a histórica desigualdade no acesso aos direitos e exercício da cidadania.
A estratégia adotada, apesar do discurso de ampliação da democracia e respeito à autonomia dos entes federados, resultou em um processo de indução das políticas nacionais, nos Estados e Municípios, revelando a dificuldade de se manter relações intergovernamentais baseadas na cooperação. A descentralização de ações, elaboradas em outras instâncias de poder, desnuda a passividade e a dependência dos entes subnacionais ao poder central, em virtude da concentração de recursos no Governo Federal, fazendo com que os entes que não possuam capacidade de investimentos e consintam na adoção de políticas e intencionalidades elaboradas em outra esfera de poder. Esta mesma relação acaba por se repetir entre os Governos dos estados e dos Municípios.
Nesse sentido, tem-se o cenário em que o Governo do Estado do Acre buscou desenvolver formatos de colaboração com os municípios que permitissem a ampliação do direito à educação em toda extensão do território acreano. Fortemente influenciado por uma lógica gerencial da gestão, desenvolveu um conjunto de políticas que resultassem na ampliação do acesso à escola, na melhoria das condições de trabalho e de estudos dos profissionais da educação, assim como no alcance de um patamar de qualidade adequado às séries e etapas de ensino estudadas.
Assim, a produção da Lei 1694/2005 explicitou, de forma clara, em sua ementa e no texto normativo, a intenção de instituir um Sistema Público de educação, a partir da regulamentação do regime de colaboração, conforme o estabelecido na legislação vigente. Ocorre que o processo de elaboração desta lei foi influenciado por todo o contexto de reformas do Estado em execução que, no caso do Acre, foi adotado como mecanismo de reestruturação da máquina pública estadual, como forma de se retomar a credibilidade do governo, com vistas a possibilitar o acesso aos recursos federais.
Foi, ainda, influenciada pelo contexto político local, no qual o governo estadual e o do Município de Rio Branco, comandados, de forma simultânea, pelas mesmas forças políticas, permitissem que fosse adotada, por ambos os entes, a mesma agenda de reformas nas duas redes de ensino, produzindo resultados que contribuiriam para a melhoria do acesso à educação na cidade. O sucesso das gestões permitiria, evidentemente, a construção de discursos políticos favoráveis à manutenção do poder dos partidos presentes no comando dos entes.
O federalismo cooperativo se estabeleceria de forma plena, de modo que as ações relativas à educação se efetivariam, com uma menor influência da mudança dos humores dos gestores, permitindo uma maior estabilidade, operacionalidade e coerência ao planejamento educacional. O exercício das competências constitucionais para a oferta do direito à educação, por parte dos entes, ocorreria em um ambiente de interdependência permitindo, dentro destes limites, o respeito a autonomia das partes.
Ao não estabelecer a regulamentação dos mecanismos necessários para a efetivação do Sistema Público de Educação, em Rio Branco, o regime de colaboração teve de utilizar instrumentos que, por sua natureza, limitavam as ações dos governos a períodos determinados e ações restritas ao mero repasse de recursos. Convênios e termos de compromissos foram os principais instrumentos que viabilizaram a execução de ações pactuadas.
Um bom começo para o exercício dessas relações seria tomar como ponto de partida os Planos Nacional Estadual e Municipal de educação, que apresentam diretrizes e metas que, uma vez alinhadas corretamente, permitirá uma repartição de responsabilidades que assegurem o respeito à autonomia dos entes, incluídos os recursos necessários para o cumprimento dos compromissos assumidos para a década, superando os interesses e projetos políticos de poder. O federalismo cooperativo seria efetivado, ao se assegurar as condições para que a instância federativa indicada assumisse, de forma adequada, sua responsabilidade, superando as disputas e conflitos dos jogos de poder.