Introdução
Na estruturação histórica da oferta da Educação Pública no Brasil, há uma série de determinações legais de caráter mandatório que devem ser contempladas nos encaminhamentos da gestão municipal, configurada pela dinâmica federativa do país. Tal estrutura é delineada pela Constituição Federal Brasileira (CF) de 1988 (Art. 211), que evidencia a possibilidade de decisões compartilhadas dentro do sistema federativo, ao estabelecer e distribuir incumbências no que diz respeito à organização e ao financiamento dos sistemas educacionais: os “Municípios atuarão prioritariamente no Ensino Fundamental e na Educação Infantil”, em contrapartida, a União em “função redistributiva e supletiva” atuará no sentido de garantir a “equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira” (BRASIL, 1988).
Pressupõe-se, segundo Affonso (1995, p. 5), uma “organização territorial, de articulação do poder nacional com poderes regional e local”. Arretche (2002) considera que essa definição informa a possibilidade de atuação de cada nível de governo em uma área política, segundo a qual as unidades federativas gozam de relativa autonomia, enquanto os interesses gerais constituem a soberania da nação.
Trata-se, portanto, de atribuir, aos municípios e estados, certa autonomia política, administrativa e financeira, em razão da prerrogativa que os ampara, que implica conjuntamente ações colaborativas, porém na condição de subordinados por um governo central.
Nessa dinâmica de “distribuição” das responsabilidades, os municípios têm buscado cada vez mais alternativas para dirimir as despesas públicas, ao mesmo tempo que buscam atender às demandas locais. Ainda que o ordenamento jurídico brasileiro estabeleça o regime de colaboração entre União, estados e municípios, ele não informa ou orienta complementarmente como isso ocorrerá (ARAÚJO, 2012 e 2013; CARVALHO, 2018), tornando-se, assim, um campo fértil de apropriação do setor privado no trato da educação pública (ADRIÃO; PERONI, 2005, 2008 e 2013; PERONI, 2011 e 2015), por perceber, nesse espaço, novos horizontes de exploração e acumulação do capital, mediante estratégias de manutenção e valorização dos grupos empresariais, conferindo assim a ideia de investimento social desprovido de intencionalidade.
Para isso, o presente estudo tem como objetivo analisar os mecanismos de inserção da lógica privada no regime de colaboração entre governo federal, mercado e municípios.
A opção metodológica baseia-se na abordagem qualitativa de característica teórico-bibliográfica e documental (CELLARD, 2016), amparada nas seguintes fontes: Brasil (1988, 1996, 2007, 2010, 2011, 2012a, 2012b, 2012c, 2012d, 2013, 2014 e 2018), Natura (2017), Positivo (2018), entre outras.
O estudo situa a necessidade de análises das propostas governamentais no Brasil, que têm optado, sobretudo desde os anos de 1990, pela desarticulação do patrimônio público e pela privatização dos serviços de execução direta. Porquanto os governos federal e municipal têm recorrido nos últimos anos ao modelo de Arranjos de Desenvolvimento da Educação (ADE) como caminho à descentralização/transferência da gestão pública, em matéria de políticas educacionais, para o setor privado/mercantil.
Estado e Gestão: os caminhos adotados para a oferta da educação pública
No processo histórico de garantia e ampliação do direito à educação, os governos centrais têm estabelecido estratégias suplementares no contexto da implementação das políticas educacionais por meio do emprego mínimo de 18% da receita arrecadada, conforme Art. 212 (BRASIL, 1988). Acrescenta-se, ainda, as contribuições sociais relacionadas, como o caso do salário-educação (parágrafo 5º do Art. 212) distribuído pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e, como Ato das Disposições Transitórias (Art. 60), que previu o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF); e em vigor desde 2007, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (FUNDEB), sendo este marcado agora por um processo intenso de disputas sobre sua reafirmação como política de financiamento da educação básica.
Tais vinculações estão previstas no horizonte da garantia dos direitos fundamentais e das finalidades da prestação de serviços públicos, mas também consideradas despesas por parte dos governos e, por isso, presumidas (Art. 165, CF/1988) nos instrumentos de planejamento da administração pública: Plano Plurianual (PPA), Lei de Diretrizes Orçamentárias e a Lei Orçamentária Anual. Dispositivos que preveem, como alternativa de atendimento dos serviços prestados, o envolvimento complementar e/ou total do setor privado e organizações sociais em termos de racionalização e realização das políticas públicas em todo território nacional.
Período | Parte que trata |
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1991-1995 | A reestruturação do gasto público federal terá como objetivos básicos: entre outras, ajustar a execução das políticas públicas federais a uma nova conformação do Estado, que privilegie as iniciativas e a capacidade gerencial do setor privado |
1996-1999 | No desenvolvimento social, além da preocupação com a eficiência, a eficácia e a equidade na alocação de recursos públicos, entre outras áreas, para a educação, o governo aprimorará os mecanismos de descentralização das ações, além de favorecer a participação da sociedade na condução de iniciativas na área |
2000-2003 | Os programas serão formulados de modo a promover, sempre que possível, a descentralização, a integração com estados, municípios e a formação de parcerias com o setor privado |
2004-2007 | Desenvolvimento da cogestão e de parcerias com as organizações da sociedade civil, na implementação das políticas sociais |
2008-2011 | Gestão participativa das políticas públicas, contínua interlocução com conselhos setoriais, sindicatos, associações de empresários e organizações sociais |
2012-2014 | Formar parcerias, dividindo responsabilidades na construção de uma gestão com inclusão social, por meio da ampliação do diálogo com os movimentos sociais e com a sociedade civil organizada, de maneira que esses setores participem das pautas relevantes e da elaboração das políticas públicas |
2016-2019 | Aprimorar os processos de gestão, monitoramento e avaliação dos sistemas de ensino, considerando as especificidades da diversidade e inclusão, em cooperação com os entes federados, estimulando a participação social |
Fonte: Brasil (1991, 1996b, 2000, 2004, 2008, 2012a e 2016).
Pode-se notar, com base nos dados, que a presença do setor privado é vislumbrada (1991-1995) como um mecanismo de reestruturação dos gastos sociais ao movimentar inicialmente princípios gerenciais como norte da administração pública e que, posteriormente, confirma a opção e reforça a intenção de buscar o seu aperfeiçoamento pela orientação de uma nova governança (1996-2003), sinalizando as possibilidades administrativa, executiva e reguladora de interferência privada. A partir de 2003, tal configuração busca outros caminhos pela via da vertente societal, que considera a complexidade das relações políticas a partir da mobilização de diferentes canais de participação e pela modelagem de novos desenhos institucionais.
Essa vertente surge como uma resposta ao papel ativo dos movimentos na ampliação dos espaços políticos de deliberação e decisão no que diz respeito aos questionamentos, cada vez maiores, acerca da capacidade da democracia representativa nos embates das agendas específicas (BRASIL, 2010), mas, também, por conta das críticas ao modelo representativo, que desconhece, segundo Fleury (2006), outros mecanismos e experiências de negociação de finalidade consensual entre atores socialmente constituídos.
A combinação de reivindicações dos diversos grupos socias, somada a alternância partidária de orientação democrática-popular, inaugura no Brasil um cenário propositivo que impõe, como demanda, uma nova institucionalidade democrática. Nesse contexto, “a democracia passa a ser vista, mais do que um procedimento, como uma prática social na qual se constroem identidades coletivas” (FLEURY, 2006, p. 86). A autora explica que esta postura de ampliação da esfera política pela via da inovação social-institucional surge de uma expectativa de “concertação” da democracia.
Por esse caminho, realiza-se mudanças, conforme aponta De Paula (2014), na formação e na atuação da burocracia pública, que, no processo de transição democrática, trouxe para a pauta a necessidade do envolvimento de instituições do âmbito consideradas como mais qualificadas no trato das problemáticas sociais, que, em linhas gerais, seguiu-se pelos “mesmos parâmetros utilizados para a formação de gerentes de empresas” (DE PAULA, 2014, p. 169), o que, para a autora, contribuiu em parte para a permanência das proposições iniciadas na década anterior.
De acordo com Schneider (2005, p. 39), a percepção é que
[...] os recursos estatais e as capacidades organizacionais não acompanham os efeitos da diferenciação social e os atores estatais são incapazes de garantir sozinhos os recursos necessários para a produção de políticas, o complexo parlamentar e governamental se torna em proporções cada vez maiores dependente da cooperação e da mobilização coletiva de recursos de atores não-estatais e privados.
Essa confluência, à participação social de orientação gerencial, pode ser analisada como uma investida do modelo societal de caráter reformista, iniciado em 2003 pelo governo de orientação popular, que gerou expectativas de concessões por direitos sociais, mas também de abertura do diálogo político com outros grupos minoritários que, até então, encontravam-se à margem das discussões. Todavia a postura reformista tem como gargalo a sua instabilidade, porque nada garante que o mundo reformado seja constante, em razão da exploração continuar a ser mesma (MASCARO, 2013 e 2015), o que muda são as justificativas, regularmente atualizadas pelos meios ideológicos de processamento do senso comum: crise do Estado, racionalização, flexibilização, modernização, competividade, inovação, mobilização em rede.
A compreensão dessa estrutura se dá pela apreensão de que o “Estado não é um aparato técnico, externo ao capital, e sim um produto dele” (MASCARO, 2015, p. 22), com vistas à sua crescente e contínua acumulação, processa-se mecanismos de abertura das barreiras nacionais, fronteiras econômicas e culturais, mediante a integração das diretrizes mercantis de expansão.
Nesse processo, Schneider (2005) distingue “governança” como um arranjo de negociação das configurações relacionais de intercâmbio de conhecimentos e recursos entre diferentes atores públicos e privados, nas quais são estabelecidos sistemas institucionais de normatização, responsáveis por (re)definir as capacidades de ação das organizações.
Tais estruturas, segundo o autor, podem ser mobilizadas tanto nos arranjos dentro de uma mesma instituição como entre outras. “Esse é um mecanismo em que os objetivos da organização são definidos no topo e disseminados obrigatoriamente de cima para baixo por meio de correntes de ordens e controle centralizado de recursos” (SCHNEIDER, 2005, p. 36).
Desse ponto, situam-se as decisões governamentais em rede, dentro de uma perspectiva horizontal de negociação, no entanto, como sistemática de condução, ocorre de forma verticalizada. Igualmente, o tratamento político dado a uma determinada questão social deixa de ser um conteúdo específico de uma hierarquia governamental e passa a ser intermediada em uma base planificada em redes ou, como Procopiuck e Frey (2009, p. 65) denominam, de “lógica reticular”, que se refere ao fluxo de entrada e saída de diversos atores, os quais “ com seus diferentes pontos de vista sobre os resultados, tende a tornar as interações fluídas e formar uma ampla gama de centros instáveis de tomada de decisão”.
Essas imbricações têm gerado nuances cada vez mais complexas de formulação política, que “de tal maneira híbrida ou heterárquica, que os níveis não são sempre claramente separados, mas, ao contrário, atores de diferentes níveis com frequência cooperam [influenciam] no processo de produção de políticas” (SCHNEIDER, 2005, p. 38), o que resulta em um processo de mudanças da relação entre Estado e sociedade civil. Mudanças que ensejam perspectivas de arranjos decorrentes de “redes de políticas públicas”, concebidas como “mecanismos de mobilização de recursos políticos em situações em que a capacidade de tomada de decisão, de formulação e implementação de programas é amplamente distribuída ou dispersa entre atores públicos e privados” (SCHNEIDER, 2005, p. 40).
Nessa direção, chama-se atenção para um aspecto determinante, que deve ser abordado em razão da influência exercida nesses espaços de negociação (SCHNEIDER, 2005) ou, como Procopiuck e Frey (2009) chamam, de arenas interativas, que dizem respeito ao poder de “argumentação” dos grupos dominantes (grandes empresários, agências de regulação e financeira). Por compreender que a forma da política “é espelho da mercadoria” (MASCARO, 2015), isto é, a estratégia da governança engendrada em redes molda-se, não explicitamente, para dar forma social à mercadoria, ao passo que anuncia como “inovação” a possibilidade de extensão dos canais participativos entre os diversos grupos sociais, em maior ou menor medida, mas que não deixam de ser, significativamente, marcados por aqueles em posição de domínio.
Assim, pode-se inferir, de um modo geral, que os mecanismos de controle sempre sofrerão forte influência nos espaços de discussão que tratam das capacidades de reorganização econômico-social, mesmo que tais instâncias sejam ampliadas e estendidas a outras vozes/atores que dela não fazem parte.
Contudo também é importante ressaltar, nesse período em particular, o discurso político-ideológico que se apropria de elementos de reivindicação das minorias e das demandas da sociedade civil como um todo, em especial da classe trabalhadora, mas que comumente tem se colocado a favor de organizações não estatais, particularmente daquelas atreladas ao mote empresarial.
Estratégias de descentralização das responsabilidades educacionais
A CF de 1988 (Art. 22), estabelece como competência privativa da União legislar sobre as diretrizes e bases da educação nacional; já como atribuição comum às três instâncias federativas (Art. 23), “proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação, à ciência, à tecnologia, à pesquisa e à inovação”. Além disso, firma-se a exigência de que cada ente, ao instituir suas normas sobre seus sistemas educativos, atente para a observância dos princípios que regem a organização da educação nacional, o que requer a necessária articulação para que o princípio da autonomia que resguarda a atuação nos três âmbitos federativos não prescinda a unidade nacional.
A prerrogativa é citada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei nº 9.394/1996, ao reafirmar as indicações constitucionais e apontar como pressuposto a prática de gestão descentralizada mediante a criação dos sistemas municipais de ensino e, consequentemente, a gestão dos processos, entre estes, aqueles relacionados à implementação de políticas voltadas às ações de qualificação do ensino ofertado.
Sobre o aspecto da descentralização, Azevedo (2002, p. 58) considera que é uma ideia “que sempre foi identificada pelas forças progressistas como aspirações por maior participação nas decisões e, portanto, como práticas democráticas substantivas”. No entanto, para a autora, essa compreensão foi inteiramente ressignificada, em razão da transferência considerável do montante de responsabilidades para os entes estaduais e municipais, sob a camuflagem discursiva de distribuição ajustada de encargos entre as instâncias federativas, mas, ainda, sob o controle do governo central.
Para Souza e Faria (2004), a descentralização no contexto brasileiro foi identificada como municipalização, que, diante da centralização das decisões no nível federal, acabou por ocultar o que se pode denominar de divisão técnica e política da gestão da educação. Desse modo, segundo Oliveira (2007), apresenta-se uma perspectiva em que a ação autônoma promovida por seus sujeitos coletivos, na intenção de compartilhar do processo de decisão das políticas públicas, é substituída pela concepção de que cabe à instância local o compromisso de execução das tarefas, enquanto um grupo seleto que compõe o núcleo estratégico encarrega-se do planejamento e deliberação do que deve ser implementado.
Dentro desse arranjo, os municípios brasileiros têm se organizado para o cumprimento das intenções historicamente previstas e retificadas nas orientações normativo-legais: CF/1988; LDB/1996; Parâmetros Curriculares Nacionais (1998); Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para a Educação de Jovens e Adultos (2000); Plano Nacional de Educação (PNE) de 2001; DCNs para a Educação Especial na Educação Básica (2001); DCNs para a Educação Básica nas Escolas do Campo (2002); Lei nº 11.274/2006; Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação (2007); Ementa Constitucional nº 59/2009; DCNs para a Educação Infantil (2009); DCNs para o Ensino Fundamental de nove anos (2010); DCNs para a Educação Escolar Indígena (2012); PNE de 2014; Planos Municipais de Educação; Base Nacional Comum Curricular (BNCC) em 2017; além da estrutura física e administrativa que envolve a operacionalização destes.
É preciso completar o processo de planejamento tendo em vista a organização federativa do Estado brasileiro, com a elaboração e o alinhamento dos planos de educação decenais dos estados e municípios. Da mesma forma, cabe atenção para alinhar e harmonizar os planos plurianuais e demais peças do ciclo orçamentário com o PNE. (BRASIL, 2014b, p. 23).
Na materialização do regime colaborativo com vistas à implementação das políticas educacionais que preveem as diversas determinações supracitadas, observa-se as considerações do Conselho Nacional de Educação e da Câmara de Educação Básica no que diz respeito ao Parecer nº 9 de 2011 e a Resolução nº 1 de 2012, ao apresentar o Arranjo de Desenvolvimento da Educação (ADE), como um “instrumento de gestão pública para a melhoria da qualidade social da educação e ao seu desenvolvimento territorial e geopolítico”, dentro de um formato de colaboração “horizontal” articulado ao tradicional regime “vertical” (BRASIL, 2012b), visando entre outros aspectos, conforme seu art. 3º:
garantir o direito à educação, por meio da oferta de uma educação com qualidade social, refletida, dentre outros aspectos, pelo acesso, permanência, aprendizagem e conclusão dos estudos;
fortalecer a democratização das relações de gestão e de planejamento integrado que possa incluir ações como planejamento da rede física escolar, cessão mútua de servidores, transporte escolar, formação continuada de professores e gestores, e organização de um sistema integrado de avaliação;
promover a eficiente aplicação dos recursos de forma solidária para fins idênticos ou equivalentes;
incentivar mecanismos de atuação na busca por recursos para prestação associada de serviços;
estruturar Planos Intermunicipais de Educação visando ao desenvolvimento integrado e harmonioso do território e a redução de disparidades sociais e econômicas locais, de forma que os municípios de menor capacidade técnica possam efetivamente se valer desses planos na elaboração dos seus respectivos Planos Municipais de Educação. (BRASIL, 2012b).
Para isso, prevê no seu art. 2º, parágrafos 1º e 2º a “participação de instituições privadas e não-governamentais, mediante convênios ou termos de cooperação”, consideradas como medidas de “descentralização e o fortalecimento da cooperação e associativismo entre os entes federados”, dispondo como estratégias (art. 4º) de implementação:
identificação das instituições e organizações educacionais que atuam na área territorial comum;
levantamento das informações e indicadores educacionais pelos entes federados constituintes do ADE;
motivação para um trabalho coletivo, em colaboração, evitando as indesejáveis sobreposições de esforços;
identificação dos indicadores educacionais mais relevantes para melhorar a qualidade social da Educação;
construção de matrizes de indicadores segundo as dimensões de gestão educacional; formação de professores e dos profissionais de serviço e apoio escolar; práticas pedagógicas e avaliação; e infraestrutura física e recursos pedagógicos, bem como definição das ações comuns ao conjunto dos entes federados do ADE;
elaboração de mapa estratégico do ADE, indicando não só as ações priorizadas, como também os resultados esperados com base nas metas acordadas entre os entes federados participantes do arranjo, tendo por objetivo promover a qualidade social da educação local mediante ações colaborativas;
definição de metas de curto, médio e longo prazo em relação às ações priorizadas que sejam de efetivo interesse comum ao maior número possível de entes federados participantes do arranjo, visando motivá-los a continuar o trabalho em rede;
estabelecimento de Ato constitutivo do acordo firmado pelos participantes do arranjo, com a definição das regras de funcionamento e do gestor local do ADE. (BRASIL, 2012b).
Tais estratégias viabilizam, de acordo com art. 7º a assunção do “modelo de consórcio” - união ou associação de dois ou mais entes da mesma natureza -, consoante a regulamentação da Lei nº 11.107 de 2005, “constituído exclusivamente por entes federados como uma associação pública ou como entidade jurídica de direito privado sem fins lucrativos, podendo realizar acordos de cooperação e parceria com órgãos públicos e instituições privadas e não governamentais” (BRASIL, 2012b).
Nessas condições, o ADE é apresentado como um “planejamento cooperativo”, caracterizado como uma mobilização em rede, na qual um grupo de municípios com “proximidade geográfica e/ou características econômicas e sociais semelhantes, procura compartilhar experiências e conhecimentos para solucionar, conjuntamente, desafios no campo da educação”. Arranjos que implicam estabelecer cooperação entre os envolvidos pela “inserção de valores capazes de permitir o compartilhamento de competências políticas, técnicas e financeiras, visando à execução coletiva de programas de manutenção e desenvolvimento da educação” (BRASIL, 2018).
A atuação cooperativa tem como princípio de ação a “parceria”, que aqui é apreendida (BRASIL, 2011 e 2012b) como um mecanismo de soluções impulsionado pela troca de experiências entre fundações, institutos, organizações sociais e a administração pública municipal. Carvalho (2018) considera que essa alternativa se configura como mais uma nova estratégia de influência direta do setor privado na gestão pública, ao mesmo tempo que abre caminho para a expansão e controle do mercado educacional.
Os Arranjos de Desenvolvimento da Educação
A proposição do ADE tem origem no Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) lançado pelo Ministério da Educação (MEC) em 2007. Momento em que se intenta “reduzir desigualdades sociais e regionais, na educação” por meio “de um acoplamento entre as dimensões educacional e territorial operado pelo conceito de arranjo educativo” (BRASIL, 2007, p. 4, grifo nosso), desenhado por uma ideia de coordenação federativa pautada por duas dimensões:
A primeira, diz respeito à cooperação entre territórios, incluindo aí formas de associativismo e consorciamento. Trata-se da criação de entidades territoriais, formais ou informais, que congregam, horizontal ou verticalmente, mais de uma esfera de governo de entes federados diversos. A segunda dimensão da coordenação vincula-se à conjugação de esforços inter e intragovernamentais no campo das políticas públicas (BRASIL, 2011, p. 5).
Assim, desponta a ideia do arranjo de desenvolvimento, porém, concomitantemente, surge a necessidade de que os municípios reunissem e articulassem o maior número de dados e informações a respeito de suas realidades, de modo que esses dados fossem contemplados por um formato de planejamento pautado pelo fortalecimento do regime de colaboração e pelo sentido de dar continuidade às políticas implementadas de uma gestão para outra.
Com essa expectativa, o MEC lança, ainda em 2007, o Plano de Ações Articuladas (PAR) - um plano estratégico de caráter plurianual e multidimensional estruturado pelo MEC e desenvolvido pelas secretarias de estado e/ou municípios. A elaboração do PAR é requisito necessário para o recebimento de assistência técnica e financeira, de acordo com a Resolução CD/FNDE n° 14/2012, que visa, além dos elementos já citados, também assegurar o desenvolvimento das ações previstas no próprio PDE, mediante avaliação, responsabilização, planejamento e arranjo da gestão educacional, utilizando como instrumentos o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) e o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, ambos instituídos pelo Decreto nº 6.094 de 2007.
A intenção é que o PAR deve ser elaborado seguindo como referência quatro dimensões: (a) gestão educacional, (b) formação de professores e dos profissionais de serviço e apoio escolar, (c) práticas pedagógicas e avaliação, e (d) infraestrutura física e recursos pedagógicos. Essas dimensões são citadas no Parecer nº 9/2011, que aponta esse Plano como um instrumento de inspiração para o planejamento municipal, ao considerá-lo como uma referência na definição de estratégias de atuação no sentido de impulsionar indicadores educacionais a partir de medidas avaliativas que variam de 1 a 4, servindo como base para definições estratégicas de financiamento federal (BRASIL, 2011). Considerado como referência em matéria de planejamento local, os primeiros modelos de arranjos tiveram seus indicadores extraídos do PAR. De tal modo, o caminho inicial incluiu três iniciativas:
(a) levantamento das informações e indicadores educacionais locais dos municípios constituintes do ADE;
(b) construção das matrizes do PAR segundo as suas quatro dimensões e definição das ações comuns ao conjunto dos municípios constituintes do ADE;
(c) elaboração de mapa estratégico do ADE, indicando não só as ações priorizadas em cada uma das quatro dimensões do PAR, como também os resultados esperados com base nas metas acordadas entre os municípios participantes do arranjo, tendo por objetivo promover a qualidade da educação local mediante ações colaborativas (BRASIL, 2011, p. 11).
Por esse caminho, a estratégia de coordenação colaborativa “bem sucedida” consiste na capacidade de atrelar elementos de eficiência e de inovação na administração pública, que congrega “um híbrido de práticas competitivas e cooperativas”, relacionadas à participação dos entes federados e às práticas desenvolvidas no âmbito das “parcerias e dos arranjos integrados tanto no plano territorial, como naquele das políticas públicas” (BRASIL, 2011, p. 5).
Ao tomar o ente local como “peça-chave” nesse processo, assume-se o entrelaçamento de fatores de descentralização com vistas à ampliação das políticas educacionais, a partir do “fortalecimento da cooperação e associativismo entre os municípios” (BRASIL, 2011, p. 7). A partir desses aspectos, situa-se a perspectiva coordenadora por parte dos estados, citada pelo IPEA, em que seria possível estimular um cenário político de negociação federativa, em que há
[...] a indução à assunção de tarefas, por meio da redistribuição de recursos entre as esferas de governo e de instrumentos de auxílio financeiro condicionado às municipalidades. Entretanto, como a maior parte destas ações vem da União, os Estados brasileiros ainda não assumiram um papel coordenador junto aos municípios, tal qual acontece em diversos países federativos (BRASIL, 2010, p. 199).
Embora perceba-se críticas no que tange a tais estratégias descentralizadas (SOUZA; FARIA, 2004; ABRUCIO, 2005; ABRUCIO; SANO; SYDOW, 2010), que, dentro do movimento da redemocratização no Brasil, gerou um tipo de “federalismo compartimentalizado”, no qual cada nível de governo busca encontrar o seu papel específico, mas não há “incentivos para o compartilhamento de tarefas e a atuação consorciada”, resultando em “um jogo de empurra” (ABRUCIO, 2005, p. 49). Sua principal característica “é o predomínio de uma lógica intergovernamental que enfatiza mais a separação e a demarcação entre os níveis de governo do que seu entrelaçamento” (BRASIL, 2010, p. 186), que “já perde força para formas mais coordenadas e cooperativas de federalismo” (ABRUCIO; SANO; SYDOW, 2010, p. 11).
Destarte, o modelo preliminar de ADE foi apresentado com base em quatro experiências iniciadas em 2009, que contou com o suporte do Movimento Todos Pela Educação (TPE), instituições públicas e privadas - Instituto Votorantim, Serviço Social da Indústria (SESI), Confederação Nacional da Indústria, Comunidade Educativa, Fundação Vale e Instituto Natura - com registros nas seguintes 69 localidades brasileiras: do Recôncavo Baiano (12); no Agreste Meridional de Pernambuco (23); no Corredor Carajás do Maranhão (16); e no Noroeste de São Paulo (18), microrregião de Votuporanga (BRASIL, 2011). Cabe destacar que a origem dessas iniciativas, na sua maioria (3 delas), surge como demanda levantada pelo setor privado (Instituto Votorantim, SESI e Fundação Vale) e, apenas a última, como iniciativa do próprio município, no caso da região de Votuporanga.
Todavia a formalização de arranjos já poderia ser observada desde 2008 (IOEB, 2015), ações no sentido de qualificar a opinião pública a favor da proposta por meio de encontros promovidos pelo TPE, aproximando o MEC e a iniciativa privada - representada pelo Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE) -, com a finalidade de debater estratégias de: mobilização do PAR; articulação entre Instituto Votorantim e TPE; acompanhamento da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO); e formação dos gestores municipais.
Nesse contexto de crescente interesse por parte do setor privado referente aos arranjos de desenvolvimento, é importante ressaltar, de acordo com Araújo (2013), que ainda não há no Brasil uma legislação complementar em matéria de regulamentação constitucional sobre o tema “regime colaborativo”, ao ser interpretado como
[...] um instituto jurídico e político que regulamenta a gestão associada dos serviços públicos, sendo afeto às competências materiais comuns previstas no Artigo 23 [CF/1988]. As competências materiais comuns podem ser definidas como aqueles serviços públicos que devem ser prestados por todos os entes federados, sem preponderância e de forma cumulativa, para garantir a equalização das condições de vida em todo o território de um Estado organizado em bases federativas. Neste sentido, o regime de colaboração é um dos mecanismos da matriz cooperativa ou intraestatal do federalismo (ARAÚJO, 2013, p. 788).
No caso da oferta educacional pública, o Art. 211, parágrafo 4º, da Carta Magna determina diz que: “na organização de seus sistemas de ensino, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios definirão formas de colaboração, de modo a assegurar a universalização do ensino obrigatório” (BRASIL, 1988).
A convergência desses fatores evidencia o frequente empenho de entidades representativas de mote empresarial na discussão relacionada ao ADE, como estratégia de regulamentação do regime colaborativo, bem como sua legitimação com o MEC, com o intuito de formalizá-lo como instrumento de gestão pública.
Esse movimento é ressaltado por Araújo (2012), ao apontar que a proposta de normatização advinda de membros da comissão do Parecer nº 09/2011 ligados ao TPE desconsiderou aspectos jurídico-políticos, argumentos e questões debatidas por diversos educadores, na ocasião da Conferência Nacional de Educação (CONAE) em 2010, que adotou como eixo de referência central o tema “Construindo um Sistema Nacional Articulado de Educação: O Plano Nacional de Educação, Diretrizes, Estratégias de Ação”, que defendeu como ponto essencial na regulamentação federativa, o envolvimento das instâncias governamentais “no atendimento à população em todas as etapas e modalidades de educação, em regime de corresponsabilidade, utilizando mecanismos democráticos, como as deliberações da comunidade escolar e local, bem como a participação dos profissionais da educação” (CONAE, 2010, p. 13).
Para a autora, o caminho tomado pela Comissão foi de seguir pelo “atalho silencioso do empresariado” (ARAÚJO, 2012, p. 515), por compreender que
[...] a normativa aprovada pelo CNE está em desacordo com o princípio do federalismo emanado da Carta Magna e ainda com o disposto no Parágrafo único do Artigo 23, que prevê a fixação de Leis complementares para normas de cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional, ou seja, o regime de colaboração para a educação só pode ser regulamentado por Lei complementar, o que requer aprovação no Congresso Nacional por quórum qualificado (ARAÚJO, 2012, p. 523).
Nesse ínterim, foi criado, pelo MEC, um Grupo de Trabalho (GT) para o desenvolvimento de estudos que referendassem a elaboração e a implementação do regime colaborativo no formato de arranjo. Esse grupo foi integrado por um representante de cada órgão ligado ao ministério e de outas entidades representativas: Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino (SASE); Secretaria de Educação Básica (SEB); Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP); Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE); CNE; União Nacional dos Dirigentes Municipais em Educação (UNDIME); Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED); União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação (UNCME); Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais de Educação (FNCE); e um pesquisador escolhido pelo MEC (BRASIL, 2012c).
Os trabalhos do GT foram concluídos três anos depois, resultando na divulgação do Relatório Final (BRASIL, 2015), que, nesse processo de estudos, serviu para incorporar o ADE no texto do PNE (2014-2024), conforme apontado em seu art. 7º, parágrafo 7º: “o fortalecimento do regime de colaboração entre os Municípios dar-se-á, inclusive, mediante a adoção de arranjos de desenvolvimento da educação” (BRASIL, 2014b, p. 46). Dessas intenções, evidencia-se ainda a presença de agências internacionais (BRASIL, 2012d e 2013; IOEB, 2015), a exemplo da UNESCO e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), balizada por reuniões técnicas, troca de experiências, estudos e pesquisas previstas no orçamento do PPA (2011-2015).
No caso da UNESCO, a parceria firmou-se entre os anos de 2011 a 2012 por intermédio do Projeto de Cooperação Técnica denominado “Sistema Nacional Articulado de Educação: Políticas Públicas Pactuadas em Regime de Colaboração”, que objetivou
[...] contribuir para a elaboração de uma proposta de SNE capaz de assegurar a articulação entre os entes federados, bem como a efetivação do regime de cooperação e colaboração, normatizando, coordenando e regulamentando o ensino público e privado para oferta de uma educação de qualidade no país e, na atuação junto aos planos estaduais e municipais de educação para que estejam alinhados em torno das metas do Plano Nacional de Educação (BRASIL, 2012d, p. 38).
Para além dessas parceiras firmadas pelo MEC, é possível também identificar outros caminhos no sentido do fortalecimento da proposta (ADE), mas agora diretamente entre grupos empresariais e organismos internacionais.
Em 2017, foi realizado o I Seminário “Colabora Educação”, promovido pelo Movimento Colabora Educação, criado em 2016 em parceria com o Instituto Natura, Instituto Unibanco, Fundação Itaú Social, TPE, Fundação Lemann, Instituto Positivo, Instituto Airton Senna e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
Essa parceria é avaliada, pelo especialista do Conselho Consultivo da Sociedade Civil do BID no Brasil, como uma cooperação que “possibilita políticas públicas com metas comuns, mais sustentáveis, reduzindo custos e aumentando a eficiência” e, também, por entender “que o Regime de Colaboração é uma condição necessária para a melhoria dos resultados de aprendizagem de todos” (NATURA, 2017, p. 2).
Na mesma ocasião, foi lançado o livro “Cooperação intermunicipal: experiências de arranjos de desenvolvimento da educação no Brasil”, de autoria de Fernando Luiz Abrucio e publicação da Editora Positivo, e teve por objetivo “dar continuidade aos estudos e às análises sobre os ADEs como um importante modelo de colaboração intermunicipal” (ABRUCIO, 2017, p. 15).
Em 2018, o Instituto Positivo também divulgou o início de uma nova pesquisa, a partir de entrevistas com os responsáveis pela implementação dos ADEs, para fins de conhecimento de metas, estratégias e funcionamento. A pesquisa abrange as regiões do Norte Gaúcho, da Chapada Diamantina e do Noroeste Paulista. Nesse mesmo ano, o Instituto ainda lançou, com o Movimento Colabora Educação, a “Revista ColaborAÇÃO”, tendo como objetivo abordar temas e experiências relacionadas à produção e disseminação de informações sobre regime de colaboração e público-alvo: gestores municipais, coordenadores pedagógicos, professores, pesquisadores, comunidade escolar, regionais da UNDIME e do CONSED, institutos, fundações e demais interessados (POSITIVO, 2018).
Nesse cenário, é possível verificar a interferência da agenda empresarial, em particular do TPE, que tem atuado constantemente para a realização da ideia de parceria como caminho à descentralização da gestão pública para o mercado. Ao incorporar massivamente, de acordo com Argollo e Motta (2015, p. 48),
[...] índices e indicadores educacionais como método de gestão das instituições escolares, relacionado com a edificação de uma política de financiamento que valoriza a descentralização territorial pela via de projetos e programas educacionais, onde o aspecto ‘inovador’, difundido, está implicado na estruturação de uma política nacional de aplicação de testes padronizados de aprendizagem dos estudantes.
Pode-se analisar que, no cenário de constituição, elaboração e implementação do modelo de ADE, evidencia-se um processo intenso de articulações políticas por parte de grupos empresariais, com respaldo de gestores federais, estaduais e municipais, assim como das organizações da sociedade civil, sendo estas instituídas por esses mesmos empresários.
Tal processo segue no sentido de influenciar e/ou controlar a construção do SNE, a exemplo do Projeto de Lei nº 5.519 de 2013 em tramitação na Câmara dos Deputados. De modo a delinear consensos sobre o “novo tipo” (ARGOLLO; MOTTA, 2015) de gestão pública que abrange uma atuação conjunta de redes públicas municipais de educação, setor privado e organizações sociais, inaugurando uma nova modalidade de parceria pública. Analisada por Carvalho (2018, p. 121) como um modelo que se apresenta de cunho colaborativo horizontal, mas que, na essência, trata-se de mais uma das estratégias empresariais para “regulamentar novas formas de parcerias público-privadas, abrir novas oportunidades de negócios, redesenhar os mecanismos de gestão das redes municipais públicas de ensino e direcionar a transferência de recursos públicos prioritariamente para os interesses privados-mercantis”.
Embora o discurso propalado manifeste-se de forma positiva em relação ao leque de possibilidades de atuação local para o atendimento das demandas educacionais, é possível inferir que, do modo como está sendo conduzido, esse tipo de arranjo tende a gerar mecanismos de responsabilização dos entes municipais em relação à garantia do direito à educação, em que essa aliança público-privada terá a prerrogativa unilateral de sanar as problemáticas de suas redes de ensino a partir de uma organização baseada em trocas de experiências, sob a coordenação do seu respectivo estado e protagonizado pelo setor privado-empresarial, como se tais questões estivessem descontextualizadas de uma conjuntura maior em relação às suas demandas, tendo em vista um horizonte de recursos cada vez mais escassos.
Esse formato de cooperação horizontal, respaldado no PDE (ARGOLLO; MOTTA, 2015), tem como princípio acentuar o monitoramento e o controle federal por meio da ratificação dos critérios de planejamento e gestão educacional das redes públicas municipais, visto que reafirma o IDEB como importante instrumento de indução das metas e o PAR como ferramenta de referência para gestão no cenário do regime de colaboração voltada à assistência técnica e financeira vinculada pela União para a melhoria dos indicadores de ensino.
Considerações finais
Paralelo à regulamentação da proposta de “arranjos de desenvolvimento” no âmbito educacional analisados até aqui, observa-se que a redefinição do papel do Estado brasileiro, nas últimas três décadas, tem incidido diretamente sobre as políticas sociais, que passam de direitos conquistados historicamente a assunção de novas formas de regulação pautadas pela lógica da flexibilização e da racionalização dos recursos, materializada pelo caráter substitutivo das instituições públicas, por serem diagnosticas pelo crivo gerencial como “ineficientes” e “distantes” dos anseios da sociedade contemporânea.
De tal modo, a incumbência pela execução dos serviços públicos deve ser repassada para a sociedade civil. Para isso, busca-se incentivar a descentralização e a transferência de responsabilidades para os grupos cívicos, mas mantendo no Estado o controle, a coordenação e o financiamento dessas ações.
Essa relação se traduz em uma crescente presença dos setores empresariais na formulação e implementação de políticas públicas, fato percebido com o crescimento acentuado de medidas normativo-legais que conferem reconhecimento hegemônico de ampliação da participação de grupos específicos na esfera da gestão pública, ligados ao mercado de produção e serviços.
Aqui, efetivamente, revela-se a ação material do Estado, no sentido de “mediar” as intenções em prol das demandas empresariais, porém sem deixar de aparentar um certo equilíbrio. Assim, tenciona-se ideologicamente a expectativa de participação democrática-liberal como se fosse a democrática-igualitária.