Introdução
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), no campo educacional e em outras políticas sociais, houve a transferência da responsabilidade estatal de gerenciar processos decisórios de formulação de políticas para as unidades federadas municipais e para a sociedade civil. Assim, a partir da década de 1990, configurou-se uma alteração significativa do papel do Estado nos processos de administração, nos processos decisórios e nos processos de garantia de direitos à população, pois se abriram espaços institucionalizados de participação dos cidadãos (PEREIRA, 2008).
Os municípios, com a Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), são compreendidos como entes federados e autônomos para organizarem seus Sistemas de Ensino em regime de colaboração com o Estado e a União, sendo na Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996 (BRASIL, 1996) explicitadas as formas pelas quais se dá esse regime em relação aos Sistemas de Ensino. A autonomia dos entes federados junto com a perspectiva democrática de participação e representação da sociedade civil na tomada de decisões, representam condições de superação das formas rígidas e hierarquizadas de controle das políticas educacionais segundo Araújo e Mororó (2020). Ainda que a integração dos Sistemas Municipais de Educação às políticas e planos educacionais da União e dos Estados seja previsto na LDB de 1996, os Sistemas Municipais de Educação e as consequentes instituições e regulamentação interna do CME são instituídos por lei municipal, apresentando configurações das mais diversas. Deste modo o CME se constitui de um importante mecanismo de controle social de criação e efetivação das políticas educacionais no âmbito municipal. Deste modo os CME, as condições relativas a sua implementação e funcionamento, e eventuais problemas e desafios se concretizam de forma particular em cada realidade municipal, ainda que condicionados pelas políticas Estados e União.
Mais especificamente, e de acordo com documento oficial do Ministério da Educação (MEC), os Conselhos de Educação são órgãos do executivo, situados na estrutura de gestão do sistema de ensino e, na maioria dos municípios, são vinculados à Secretaria de Educação. Dessa forma, são dadas funções gerais de competência a esses órgãos, são elas: a) consultiva, que diz respeito ao assessoramento ao respectivo Executivo na área de educação; b) deliberativa, que se refere ao poder de decisão em matérias específicas, com competência atribuída pela lei de criação ou outros instrumentos normativos próprios; e c) consultiva ou deliberativa, que diz respeito à natureza da função (BRASIL, 2004).
Estratégias foram implementadas para dar suporte aos Conselhos Municipais de Educação (CMEs), a exemplo do Programa Nacional de Formação de Conselheiros Municipais de Educação (Pró-Conselho), que configurou um programa de ação governamental, coordenado pela Secretaria de Educação Básica (SEB/MEC), e foi instituído através da Portaria Ministerial nº 3.272, de 6 de novembro de 2003. São significativos, inclusive, os estudos que discutem/analisam as ações desenvolvidas no âmbito desse programa (STIVAL, 2015; DALLA CORTE; MELLO, 2015). Stival (2015), por exemplo, analisa a formação realizada no estado do Paraná e destaca que o curso proporcionou a abordagem de “[...] elementos importantes que subsidiaram os cursistas para aplicabilidade respaldados nos aspectos legais, pedagógicas e políticos [...]” (STIVAL, 2015, p. 27.931). Dalla Corte e Mello (2015), por sua vez, analisam a conjuntura histórica dos Conselhos de Educação e a abrangência do programa. As referidas autoras argumentam sobre a importância do programa para o fortalecimento da gestão democrática, em sintonia com seu objetivo de criação.
Outros estudos têm como foco sistematizar dados sobre a produção acadêmica relacionada aos CMEs. Sob essa perspectiva, Souza e Vasconcelos (2006) apresentam um panorama acerca da produção teórica-conceitual e teórica-empírica do eixo temático Política, Gestão e Financiamento de Sistemas Municipais Públicos de Educação no Brasil, no período de 1996 a 2002. A análise realizada pelos autores possibilitou um balanço sobre as produções que enfocam os Conselhos de Educação no Brasil, em especial sobre aquelas que envolvem os CMEs e os Conselhos de Acompanhamento e Controle Social (CACCs). Entre os resultados, Souza e Vasconcelos (2006) evidenciam que a maior parte da produção é oriunda da região Sudeste e que a participação da sociedade local nos conselhos é a principal problemática enfocada nas produções. Diante disso, os autores defendem a “[...] necessidade de se melhor compreender a natureza e o funcionamento desses Conselhos, tornando-os objetos de um universo quantitativa e qualitativamente mais amplo de investigações, visando, sobretudo, à intervenção social” (SOUZA; VASCONCELOS, 2006, p. 39-40).
Silva e Dalla Corte (2017), por sua vez, realizaram uma investigação no portal de periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), caracterizada como estado do conhecimento, acerca da formação de conselheiros municipais de educação. Os autores sinalizam que não há muitos estudos sobre CME e que a questão da formação dos conselheiros é ainda uma questão menos recorrente.
Esses trabalhos que envolvem revisão de literatura e análises de produções acadêmicas evidenciam tanto a necessidade de ampliação das discussões sobre a temática CME quanto a importância de estudos com caráter de estado do conhecimento (OLIVEIRA; NEZ, 2018; SILVA; DALLA CORTE, 2017). Diante disso, entendemos que há carência de trabalhos envolvendo o mapeamento de produções, em particular de teses e de dissertações, que contribuam para a sistematização dos principais enfoques relativos aos Conselhos Municipais, considerados no âmbito da pesquisa acadêmica. Acreditamos que discussões presentes em produções realizadas na última década, em especial, podem ajudar a compreender alguns aspectos, entre eles, quais os principais desafios na gestão e na atuação desses órgãos.
Este artigo teve como objetivo4 apresentar um panorama acerca dos estudos que problematizam ou evidenciam desafios que os CMEs enfrentam, a partir de teses e de dissertações disponíveis no banco de dados da CAPES. O olhar foi direcionado, de modo especial, para alternativas e problematizações que poderão ser encontradas nos documentos que possam trabalhar em prol do enfrentamento dos possíveis desafios práticos dos CMEs brasileiros.
Metodologia
Esta pesquisa tem natureza qualitativa (LÜDKE; ANDRE, 1986) e se configura como uma revisão de literatura que tem como material empírico os trabalhos encontrados no catálogo de teses e de dissertações da CAPES5 . Adotamos como recorte temporal o período de 2009 a 2020 e realizamos a busca usando os termos conselho municipal e conselhos municipais. Também utilizou-se como filtro de pesquisa a área da educação. Inicialmente, foram localizados 145 trabalhos com o termo usado no singular e 70 com o termo no plural, totalizando 215 resultados. Excluindo aqueles que se repetiam, restaram 91 trabalhos. Com esses dados, iniciamos um processo de refinamento dos achados, a partir das seguintes ações:
Leitura dos títulos.
Exclusão dos trabalhos que não faziam nenhuma relação com a educação/escola. Após essa etapa, 72 pesquisas foram selecionadas.
Na sequência, um segundo refinamento da busca foi realizado e contemplou os seguintes encaminhamentos:
Localização e cópia dos resumos dos trabalhos.
Leitura dos resumos, que culminou com um segundo refinamento, em que 54 trabalhos foram selecionados. Esta seleção foi feita excluindo aqueles que, após a leitura e a análise de seus resumos, não traziam a reflexão sobre os conselhos municipais, a educação e a escola.
Posteriormente, um último refinamento foi realizado com a intenção de classificar os estudos localizados quanto à sua relação com o reconhecimento de possíveis desafios práticos dos CMEs brasileiros e estratégias de enfrentamento. Para tal, os resumos foram relidos e aqueles que evidenciaram desafios práticos do CME foram selecionados. Depois de feita essa seleção, agrupamentos conforme a similaridade do que era discutido pelos trabalhos foram realizados. Esse terceiro refinamento resultou na seleção de 39 resumos, cujos focos estão, de algum modo, relacionados a entender a prática dos CMEs e suas problemáticas envolventes.
A partir desse filtro e desse objetivo de seleção, três categorias emergentes foram delineadas, a saber:
Implementação e atuação ordinária dos conselhos municipais, desarticulações entre os meios e os fins: essa categoria englobou estudos cujo foco estivesse relacionado com desafios do processo de implementação e de atuação ordinária dos CMEs e possíveis entraves subjacentes a essa ação.
Atuação dos conselhos municipais na mediação entre políticas educativas específicas de níveis federais e municipais: nessa categoria, são reunidos trabalhos que focam na atuação do CME em relação a políticas públicas específicas, tais como as voltadas para educação infantil e educação especial, que, de alguma forma, evidenciaram dificuldades e impasses para a implementação e a manutenção dessas políticas.
Falta de autonomia dos CMEs e suas implicações na qualidade da educação: essa categoria diz respeito aos trabalhos que assumem como foco uma atuação mais ampla dos CME abordando os desafios da autonomia dos CME para uma atuação efetiva em ações e em formulações de políticas locais que busquem a qualidade do ensino e da educação como um todo.
Os resultados da análise dos resumos, bem como a relação com a categoria e as considerações sobre o tema, serão apresentados na sequência.
Apresentação e discussão dos resultados
Os trabalhos foram codificados e apresentados por ordem cronológica. O primeiro número representa a categoria e o segundo a ordem numérica. Dessa forma, o código 01.1 diz que o trabalho é pertencente à primeira categoria e é o primeiro trabalho desta.
Categoria 1 - Atuação, implementação e estudos de caso de conselhos municipais
Os trabalhos vinculados a essa categoria trouxeram, de alguma maneira, os entraves, as dificuldades ou as potencialidades que essas instituições vêm apresentando ao longo dos anos em seus territórios. Compondo a categoria estão 21 trabalhos, conforme consta no Quadro 1.
Código | Estudos localizados |
---|---|
01.01 | SILVA, D. B. Conselhos Municipais de Educação na Instituição dos Sistemas Municipais de Ensino do Rio Grande do Sul. 2009. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009. |
01.02 | SILVA, C. A. H. Gestão democrática do ensino público: um estudo do Conselho Municipal de Educação de Rio Claro no período de 1997 a 2004. 2009. Dissertação (Mestrado em Educação) - Instituto de Biociências, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2009. |
01.03 | MORESCHI, E. Os conselhos municipais de educação: o caso do município de São José dos Pinhais. 2010. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Tuiuti do Paraná, Curitiba. |
01.04 | MARTINIANO, M. S. Gestão democrática na educação: a experiência de participação no Conselho Municipal de Educação de Campina Grande-PB (2009-2010). 2010. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2010. |
01.05 | ALVES, E. F. Conselhos municipais de educação em Goiás: historicidade, movimentos e possibilidades. 2011. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2011. |
01.06 | MACEDO, M. L. Institucionalização do sistema municipal de educação de Gurupi: avanços e recuos. 2011. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade de Brasília, Brasília, DF, 2011. |
01.07 | PEREIRA, S. O conselho municipal de educação como espaço de participação nas decisões educacionais e da democratização da gestão pública do município de Atibaia-SP. 2013. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2013. |
01.08 | SANTOS, P. E. Institucionalização dos conselhos municipais de educação nas capitais brasileiras: a luta por uma nova hegemonia política. 2014. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2014. |
01.09 | MACHADO, M. F. P. Conselho Municipal de Educação de Teresópolis: criação, funcionamento e atribuições. 2014. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Católica de Petrópolis, Petrópolis, 2014. |
01.10 | OLIVEIRA, M. T. Conselho Municipal de Educação em municípios do Estado de São Paulo: Instituição, atribuições e plano municipal de educação. 2014. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Ciências Humanas, Universidade Metodista de Piracicaba, Piracicaba, 2014. |
01.11 | SCHERER, R. M. D. Sistema Municipal de Ensino: da sua constituição às contribuições para as políticas públicas de educação no município. 2015. Tese (Doutorado em 2015) - Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2015. |
01.12 | LONGO, L. V. Atuação do conselho municipal de educação em Aurelino Leal/BA. 2015. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal de Santa Cruz, Ilhéus, 2015. |
01.13 | MAIA, W. J. S. Os desafios do gestor educacional na implementação do conselho municipal de educação em Urucurituba-AM. 2016. Dissertação (Mestrado em Gestão e Avaliação de Gestão Pública) - Faculdade de Educação, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2016. |
01.14 | CASTRO, S. B. D. Conselho Municipal de Educação de Feira de Santana: o contexto da produção dos textos oficiais. 2016. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2016. |
01.15 | LIMA, N. P. O conselho municipal de educação de São Luís/MA: composição, percepções e ações práticas na gestão municipal. 2017. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2017. |
01.16 | QUEIROZ, V. C. B. O papel dos conselhos municipais de educação do estado de Minas Gerais na formulação de políticas públicas de educação. 2017. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2017. |
01.17 | BARCELOS, F. S. A participação dos conselhos municipais de educação na elaboração dos planos municipais de educação do estado de MS. 2017. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal de Grande Dourados, Grande Dourados-MS, 2017. |
01.18 | DUARTE, A. L. Enunciados dos conselheiros municipais de educação: desafios e perspectivas. 2018. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2018. |
01.19 | OLIVEIRA, H. G. O processo de criação e implementação do CME no município de Novorizonte. 2018. Dissertação (Mestrado em Gestão e Avaliação da Educação Pública) - Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2018. |
01.20 | ARAÚJO, C. S. F. O Conselho Municipal de Educação: a participação e o controle social das políticas educacionais. 2018. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Vitória da Conquista, 2018. |
01.21 | PIMENTA, J. A. Gestão democrática da Educação: análise da sua materialidade nos sistemas municipais de educação da mesorregião sul do Maranhão. 2019. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Maranhão, São Luís, 2019. |
Fonte: Elaboração própria (2020)
De maneira geral, as pesquisas que classificamos nessa categoria apresentam reflexões importantes a respeito dos desafios que os CMEs ainda enfrentam na execução de suas atividades. Em primazia, os trabalhos apontaram que o mecanismo de funcionamento dos CMEs pautavam-se no que eles chamaram de uma lógica burocrática e “dedicado às funções deliberativa e normativa” (01.14); o que, segundo esses estudos, prejudica seu desempenho, no sentido de fazer com que o órgão se torne muito ritualista, técnico, focado mais em seu funcionamento interno e no cumprimento de determinações legais se perdendo nos meios em detrimento fins do CME, que segundo esses trabalho deveria ser o de auxiliar para a efetivação do direito à educação a todos/todas. É fundamental destacarmos o equívoco que pode gerar o não discernimento entre a burocracia e o que tem sido chamado de “racionalismo técnico”. Este gerado pelo foco excessivo nos meios, em cuidados técnicos percebidos como ações neutras, mas que podem esconder interesses e intenções pouco polares. Já a burocracia, tomada agora não numa acepção comum, conforme empregada em parte dos estudos analisados, diz respeito à forma de organização das sociedades modernas atuais, da qual o próprio Estado faz parte (MOTTA, 1996).
Para Motta (1996), o Estado possui aparelhos: 1) repressivos; 2) ideológicos; e 3) econômicos. Sendo o sistema penitenciário um exemplo do primeiro, os sistemas de ensino e escola são exemplos do segundo - “uma vez que visa à transmissão do sistema de ideias que interessam às classes dominantes” (MOTTA, 1996, p. 5) -, e as empresas privadas seriam um exemplo do terceiro. Todos eles são essencialmente burocráticos, regidos por cinco ou seis características, que refletem o formalismo, a impessoalidade e o profissionalismo como aspectos centrais na concepção de burocracia.
As características da burocracia, segundo Max Weber, são detalhadas por Motta (1996) e sintetizadas por Schaefer (2006), nos seguintes termos: 1) Divisão do trabalho (especialização); 2) Hierarquia de autoridade; 3) Normas e regulamentos; 4) Impessoalidade; e 5) Emprego baseado em qualificações técnicas.
Pensando sobre isso, destacamos que o próprio CME pode ser considerado como parte da burocracia estatal, já que é instaurado a partir de um projeto de lei municipal, que define muitos aspectos de seu funcionamento. Então, sinalizamos que, talvez, o órgão seja também um “reflexo” de toda a conjuntura em que está inserido, pois essa “[...] estrutura legal que dá suporte à organização dos CMEs nos municípios estudados é insuficiente para assegurar o seu efetivo funcionamento nos termos propostos [...]” (TEIXEIRA, 2004, p. 707). Dessa forma, os CMEs correm o risco de acabar se tornando “meros legitimadores das políticas públicas, locais esvaziados de participação, com sua existência dependendo da boa vontade do governante de turno” (01.03, p.5), perdendo com isso o seu sentido de instrumento de controle social com potencialidades de colocar em prática princípios da gestão democrática.
Classificado como “Permeado de contradições” (01.14, p. 08), ou uma instituição que “não se dão sem contradições e ambiguidades” (01.01, p.06) e de forma atual de funcionamento cartorial e “burocrática” (01.07), independente do contexto, os trabalhos pontuaram que os CMEs apresentam limites de atuação e limites para o exercício da democracia representativa almejada. Como citado pelo estudo 01.08, parece existir um movimento contraditório entre a atuação burocrática e/ou democrática.
Segundo dois trabalhos (01.04; 01.15), essas fragilidades referentes aos termos “burocráticos” são retratadas como reflexos "não só de práticas individuais, mas, sobretudo, das formas e das condições de participação vivenciadas nessa gestão e em outros contextos por esse Conselho de Educação de acordo com os limites próprios da educação brasileira” (01.04, p. 7). Assim sendo, esses aspectos parecem ser impostos pelo desenho institucional, pela “dinâmica associativa e condições políticas do município, bem como pela atuação dos atores em interconexão com outras arenas decisórias” (01.16, p.06).
Ainda, como evidencia 01.12, quando um CME se manifesta somente como natureza fiscalizadora, há maior propensão para geração de conflitos, no que tange à formulação de políticas locais, o que também resulta em uma cultura de absenteísmo participativo.
No entanto, apesar das dificuldades levantadas pela maioria dos trabalhos, há aqueles que identificaram possíveis estratégias para enfrentamento desses entraves. Segundo 01.08 (p.08), a atuação “burocrática” seria uma possibilidade para os CMEs se tornarem “trincheiras avançadas”, pois seria através das lutas hegemônicas travadas que os projetos da sociedade e da educação são confrontados, constituindo, assim, novas relações entre sociedade civil e sociedade política.
Sobre a realização da qualificação sistemática no interior do CME, esta é colocada como estratégia para melhorar a atuação dos conselhos, pois, segundo o estudo 01.10 (p.08), “[…] os conselheiros, uma vez melhor instrumentalizados, possam atuar e inferir na esfera pública e lutar por uma educação de direito e de qualidade”. Essa estratégia também é defendida por Oliveira e Nez (2018), as autoras argumentam que, a partir da formação teórica, técnica e política dos conselheiros, é possível efetivar uma gestão educacional democrática. Para as referidas autoras:
[…] os CMEs podem ser instrumentos para a constituição de uma gestão democrática e participativa, caracterizada por novos padrões de interação entre governo e sociedade em torno de políticas sociais, bem como podem ser estruturas burocráticas; ou ainda, instrumentos de acomodação dos conflitos e de integração dos agentes do sistema (OLIVEIRA; NEZ, 2018, p. 359).
Outro ponto que merece destaque em nossa análise é que, como aponta o resumo do estudo 02.06, quer seja pelos conflitos políticos-ideológicos das relações entre grupos, quer seja pela limitação na atuação ou pelo desconhecimento da representatividade e do lugar político-ideológico que o CME ocupa no município, os CMEs ainda possuem muita dificuldade em atuar de forma efetiva em suas funções.
Categoria 2 - Atuação dos conselhos municipais na mediação entre políticas educativas específicas de níveis federais e municipais
A Categoria 2 englobou 16 trabalhos e evidencia os percalços que os CMEs enfrentam ao gerir uma política pública ou social.
Código | Estudos localizados |
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02.01 | SILVA, D. B. Conselhos Municipais de Educação na Instituição dos Sistemas Municipais de Ensino do Rio Grande do Sul. 2009. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009. |
02.02 | MAGALHÃES, L. M. O processo de construção da autonomia do Conselho Municipal de Educação. 2011. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade de Brasília, Brasília, DF, 2011. |
02.03 | BASÍLIO, P. M. Desafios para a formulação de políticas de Educação Infantil: um estudo sobre a atuação do Conselho Municipal de Educação de Duque de Caxias. 2012. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012. |
02.04 | AUGUSTIN, I. R. L. Concepções de membros do conselho municipal de educação acerca da educação da pessoa com deficiência intelectual. 2012. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul, 2014. |
02.05 | NASCIMENTO, M. E. O papel do Conselho Municipal de Educação de Campo Grande/MS no processo de elaboração e implantação do Plano de Ações Articuladas - PAR (2007-2010). 2013. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Católica Dom Bosco, Campo Grande, 2013. |
02.06 | FRANCO, M. W. N. B. Conselho Municipal de Educação e Plano de Ações Articuladas: o município de Riachuelo (2007-2013). 2015. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2015. |
02.07 | LONGO, L. V. Atuação do conselho municipal de educação em Aurelino Leal/BA. 2015. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Estadual de Santa Cruz, Ilhéus-BA, 2015. |
02.08 | FERNANDES, M. A. S. Conselho Municipal de Educação: figurações, interdependências e políticas de educação especial. 2016. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2016. |
02.09 | SANTOS, C. R. A implementação da lei de ampliação do ensino fundamental de nove anos no município de Itabuna/Bahia: o olhar do Conselho Municipal de Educação. 2016. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Estadual de Santa Cruz, Ilhéus-BA, 2016. |
02.10 | TORMES, D. D. S. As políticas públicas e os Conselhos Municipais de Educação: em foco o financiamento. 2016. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2016. |
02.11 | BRITO, M. C. S. C. O Papel do Conselho Municipal de Educação de Belo Horizonte na formulação de políticas públicas para a educação infantil. 2016. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2016. |
02.12 | BUCCIO, M. I. S. S. Políticas Públicas na modalidade da educação especial: a atuação dos conselhos no município de Araucária-PR. 2017. Tese (Doutorado em Educação) - Escola de Educação e Humanidades, Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2017. |
02.13 | MONTESANO, B. M. O Conselho Municipal de Educação e a educação infantil. 2017. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2017. |
02.14 | KIELING, G. S. Conselho Municipal de Educação em contexto de sistema municipal de ensino: gestão e proposições na/para a educação infantil-RS. 2017. Dissertação (Mestrado em Políticas Públicas e Gestão Educacional) - Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2017. |
02.15 | ARAUJO, M. S. A lei 10.639 em Feira de Santana - BA: percursos e visões do conselho municipal e das escolas na efetivação das políticas afirmativas (2003-2012). 2018. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Estadual de Feira de Santana, Novo Horizonte, 2018. |
Fonte: Elaboração própria (2020)
Inicialmente, para refletirmos sobre os resultados dessa categoria, é necessário pontuarmos o que seriam as políticas públicas e as políticas sociais. Como evidenciado por Hofling (2001), há uma diferença entre as políticas públicas e as políticas sociais. Para o autor, as primeiras são de responsabilidade do Estado, correspondem a direitos assegurados constitucionalmente e, logo, elas não podem ser resumidas como políticas regionais. O direito à educação, por exemplo, pauta uma série de políticas públicas, e a tomada de decisão destas envolve uma rede de agentes da sociedade e de órgãos públicos.
No que tange às políticas sociais, elas são políticas públicas que têm suas raízes nos movimentos populares do século XIX, que tiveram como objetivos principais a diminuição das desigualdades sociais, seja no atendimento às necessidades materiais e socioeconômicas, ou no enfrentamento da pobreza (HOFLING, 2001). Dessa forma, política social pode ser entendida como um modo de combater ou enfrentar as desigualdades sociais existentes no nosso tecido social e tem, sob pano de fundo, uma questão social envolvente. Podemos dizer que todas as políticas relacionadas à efetivação do direito pleno à educação escolar teriam relação, direta ou indiretamente, com o enfrentamento da desigualdade social.
Como possível de ser analisado pelos trabalhos classificados nessa categoria, das políticas educacionais existentes, observamos que a temática Educação Infantil (02.02; 02.10; 02.12; 02.14) seguida da Educação Especial (02.03; 02.07; 02.11), foram os temas mais abordados nos trabalhos. É possível inferir, ainda, que de modo geral, a maior parte dos estudos tem como foco principal políticas de estado, contemplando de forma indireta políticas sociais.
Diante disso, sobre a Educação Infantil, trazemos para reflexão os resultados do trabalho 02.02. Segundo esse trabalho, as instituições privadas de Educação Infantil estão constantemente na pauta do conselho, diferente do que acontece com a rede pública que parece não suscitar a atenção dos conselheiros. Isso pode ser uma decorrência da implementação das atuais políticas neoliberais de privatização, que também interferem na qualidade do ensino e na ampliação das desigualdades sociais, conforme aponta a literatura (BASSO; NETO, 2021).
Por outro lado, os estudos 02.10 e 02.12 trouxeram elogios e poucas dificuldades no que tange ao âmbito da Educação Infantil. Por exemplo, 02.11 aponta “a centralidade da educação infantil nas atividades desenvolvidas, com destaque para a atuação da Câmara Técnica de Educação Infantil, além da capacidade de o órgão possibilitar experiências mais democráticas, contando com a participação de setores da sociedade e fomentando outros espaços de discussão como as Conferências Municipais de Educação”(02.11,p.8).
A respeito das políticas públicas sobre educação especial, os estudos evidenciaram dificuldades dos CMEs, na gestão dela. Segundo 02.04, “os conceitos de inclusão de alunos com DI, ainda, estão em processo de constituição” e “o fato de encontrarmos alunos frequentando escolas comuns não significa que eles estejam de fato incluídos nos processos de ensino e aprendizagem, proporcionados pela escola” (p.08).
Compreendemos, com base nesses resultados, que é necessário efetivar e ampliar espaços para a promoção do direito dos estudantes com deficiência. No entanto, tal como aponta o trabalho 02.08, não é suficiente apenas a atuação dos CMEs nessa questão. Das dez análises realizadas pelo estudo, evidenciou-se que a prática conselhista pouco servia “[...] aos anseios de um sistema educacional, se o seu colegiado não conciliar duas dimensões interrelacionadas e complementares: a política e a técnico-burocrática”(p.11)
A ampliação da duração do Ensino Fundamental de oito para nove anos (02.01; 02.08) e a atuação do CME nas políticas de financiamento vinculadas ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) (02.09) também foram os temas discutidos nos estudos alocados nessa categoria. Nesse contexto, destacamos a necessidade dos CMEs em atuar na ampliação e na qualidade do ensino, no sentido de reivindicar e auxiliar na construção da efetivação do direito à educação a todos/todas.
Portanto, nesse contexto de formulação e de implementação de políticas sociais e de Estado, os CMEs ter um papel fundamental na efetivação da cooperação entre entes federativos conforme já anunciado na Constituição de 1988 e melhor definido na lei de Diretrizes e Bases de 1996, na que consiste por um lato . Por ser um órgão que faz a interface entre o Estado e a sociedade civil, podendo ser composto por diversos segmentos da sociedade, por incorporar atribuições, como de normatização, de regulamentação, de acompanhamento e de fiscalização, os CMEs possuem um potencial significativo de contribuir com o exercício da democratização e a efetivação de políticas, sociais ou públicas, voltadas ou em interface com a educação. No entanto, como apontado pelos trabalhos, a participação dos CMEs analisados ainda não ocorre de forma plena, por diverso entraves que enfrenta. Entendemos que essas dificuldades surgem pela complexidade/dificuldade que os CMEs possuem em efetivar o seu papel de mediador entre Estado e Sociedade Civil e entre os entes federados (Municipal, Estadual e Federal). O foco dado para essa categoria diz respeito a esse papel que o CME exerce mediando políticas de nível Federal e Estadual, sejam elas originários das reivindicações socialmente ou não, com as política locais, podendo ter um papel fundamental na efetivação do “regime de colaboração” entre os Sistemas de Ensino nos três níveis, que preconiza o artigo 211 da constituição federal, segundo o qual “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino”(BRASIL, 1988). Na Lei de Diretrizes e Bases de 1996 fica mais explícito ainda o lugar do CME, como um dos órgãos que faz parte do Sistema de Ensino Municipal - sendo instaurado sua composição e dinâmica por legislação municipal própria - podendo contribuindo com a adequação às políticas e planos educacionais da União e dos Estados.
Ou seja, as políticas específicas de nível federal como aquelas abordadas nas teses e dissertações analisadas no âmbito desta categoria, necessariamente passam pelo CME para que sejam incorporadas às políticas educacionais do município. Alguns dos desafios nesse processo puderam ser evidenciados.
Categoria 3 - Falta de autonomia dos CMEs e suas implicações na qualidade da educação
Na Categoria 3 foram alocados três estudos, relacionados no Quadro 3.
Código | Estudos localizados |
---|---|
03.01 | PIOLLI, G. P. Z. Conselhos Municipais de Educação de Artur Nogueira, Holambra e Paulínia: Instâncias democráticas ou de regulação do Estado? 2016. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2016. |
03.02 | BORGES, G. S. O direito à educação e a qualidade socialmente referenciada do ensino: a atuação do Conselho Municipal de Educação de Mineiros/GO. 2017. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal de Goiás, Jataí, 2017. |
03.03 | DIAS, R. F. A perspectiva da qualidade de educação presente nas ações do Conselho Municipal de Educação de Rio Verde. 2018. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal de Goiás, Jataí, 2018. |
Fonte: Elaboração própria (2020)
Os trabalhos alocados nesta categoria relacionam, particularmente, a questão da falta de autonomia com a qualidade do ensino e da educação como um todo. Neste sentido, o trabalho 03.02 sinaliza que, embora os CMEs sejam compreendidos como espaços democráticos participativos, responsáveis por exercer funções deliberativas e de controle e de mobilização social no âmbito educacional, no caso estudado, não foi possível observar o exercício da autonomia por parte do conselho. Pois a maioria das decisões tomadas pelos conselheiros passa por algum tipo de controle por parte do Poder Executivo municipal, o que demonstra, segundo a pesquisa, uma fragilidade na atuação do colegiado na garantia do direito à educação, já que não há evidências no sentido de uma aproximação entre os Conselhos Escolares e a sociedade, com o objetivo de buscar melhorias no sistema municipal de ensino.
A pesquisa 03.03 também sinalizou que a falta de autonomia do conselho pode inferir na qualidade do ensino. Conforme demonstrado no trabalho, apesar de ter um orçamento e existir um processo seletivo para a composição de seus membros, há entraves significativos que são desfavoráveis para sua atuação, como a falta de infraestrutura, a forma de escolha dos membros e o fato de que a duração do mandato do conselho coincide com o mandato do chefe do Poder Executivo. Todos esses fatores, a saber, interferem em sua autonomia, refletindo negativamente na perspectiva da qualidade social da educação.
Após a análise desses trabalhos, nos questionamos: como os CMEs poderiam contribuir para a qualidade social da educação? Por que os pontos destacados nos trabalhos, como a infraestrutura e a escolha dos membros, afetam o dinamismo do órgão, bem como a qualidade do ensino? Vale ressaltar que a efetivação de uma escola de qualidade e, principalmente, do ensino, apresenta-se como um complexo e grande desafio. Isto porque ela envolve dimensões e relações sociais mais amplas, questões macroestruturais, intraescolares e outros tantos determinantes (DOURADO; OLIVEIRA, 2009).
Com respeito ao papel dos CMEs nesse contexto, segundo Bordignon (2010), essas instituições colaboraram para a efetivação da qualidade do ensino na medida em que ele:
[...] se estrutura em dois eixos: na sua natureza de órgãos de Estado, como condição essencial para o exercício de suas funções, e no moderno princípio de organização em rede, como base para a atuação de forma articulada, interconectada. (BORDIGNON, 2010, p. 16).
Retomando a respeito das funções dos CMEs, uma das principais delas é a fiscalização. Os CMEs, portanto, a partir da supervisão realizada nas unidades escolares, aplicam sanções nas unidades escolares em caso de descumprimento de normativas e de leis. Nesse caso abordado pelo trabalho 03.03, como um órgão que está com carência estrutural (seja ela qual for) poderá exercer a função de identificar o descumprimento de funções legais e demandas não atendidas nas unidades de ensino? Parece que há uma precariedade nessa dinâmica: a falta de organização interna afetando diretamente na sistematização das fiscalizações. Dessa forma, os CMEs, para articular e mediar a relação entre a sociedade e os gestores da educação, parecem depender de uma base sólida, oriunda de si.
Assim, foi possível identificar, através da leitura dos trabalhos, que há limites, desafios e dificuldades dos CMEs para atuar sobre a qualidade de ensino e da educação. Em primazia, novamente, limites burocráticos foram sinalizados como um dos fatores mais determinantes para essas dificuldades, como já discutido anteriormente.
Considerações finais
Considerando que os CMEs são órgãos responsáveis em assumir funções regimentais visando contribuir com as políticas públicas educacionais municipais, o presente estudo teve como objetivo apresentar um panorama acerca dos estudos que problematizam ou evidenciam desafios que os CMEs enfrentam, cotidianamente, no exercício de suas funções, considerando o catálogo de teses e de dissertações da CAPES.
Apesar de a revisão de literatura realizada neste estudo não ter contemplado o que se denomina de “estado da arte” (FERREIRA, 2002) e ter envolvido somente os resumos dos 39 trabalhos selecionados, os resultados apresentados trazem importantes parâmetros que permitem caracterizar os principais desafios evidenciados na literatura acerca dos CMEs. Conforme sinaliza Alves e Viegas (2019), as potencialidades da participação têm um espaço maior ocupado no mundo ideal da legislação, enquanto os desafios estão situados no mundo real. Nos parece compreensível a percepção de que a participação da sociedade civil nas políticas de ensino público prevista com força de lei (por exemplo, na CF 88 e na LDB 1996) faça parte de um “mundo ideal”, pois como parte da superestrutura ligada dialeticamente à infraestrutura diz respeito apenas à uma camada da realidade que, tomada de forma desarticulada, pode gerar a interpretação de que se trata de um outro mundo, distante do “mundo concreto, do mundo vivido”. Mas ainda assumindo essa particularidade, grande parte dos direitos se referem a conquistas de lutas históricas cuja memória muitas vezes se perde. Assim, a efetivação das potencialidades expressas em legislação federal, principalmente aqueles relacionadas aos processos de gestão democrática e de controle sociais dos sistemas de ensino respeitando a cooperação e autonomia dos entes federados, inevitavelmente precisam ser construídas também a partir dos contextos municipais locais, no enfrentamento dos desafios práticos vivenciados em cada um desses contextos. É nesse sentido que destacamos a importância de identificar e avançar na compreensão dos desafios em relação aos Sistemas de Ensino Municipais, principalmente aqueles relacionados à efetivação das potencialidades das ações do CME para garantir a participação da sociedade civil, o controle social e oferta de ensino público de qualidade - considerando as diversas maneiras com que podem ser configurados os CME em cada Município.
Destacamos a prevalência “do processo burocrático” apontado como uma dificuldade, como evidenciamos na discussão da primeira categoria, denominada “Atuação, implementação e estudos de caso de conselhos municipais”. No entanto, sinalizamos que é preciso levar em consideração a visão simplista sobre o que seja “burocracia”, pois, a partir disso, poderemos reconhecer os limites do CME em nossa sociedade disciplinar - a qual é marcada por um autoritarismo brutal, que reflete a própria forma de estruturação burocrática de todo o Estado, do qual as escolas e as redes de ensino são parte, compreendidas como dispositivo de controle social -; seja como um dos “aparelhos ideológicos do Estado” ou como “esquemas disciplinares” que visam ao pleno controle, forçando a sujeição dos indivíduos, a fim de obter docilidade-utilidade, conforme caracteriza Foucault (1987).
Os CMEs, portanto, configuram mecanismos de reprodução ou de controle social que incidem nos níveis da rede de ensino. Isso nos auxilia a compreender os limites e a potência efetiva que os CMEs podem ter em recriarmos uma sociedade mais justa. Isso implica, entretanto, na superação do desafio evidenciado na terceira categoria, relacionado à falta de autonomia dos órgãos, que muito pode se alinhar com “a questão da burocracia” apontada pelos trabalhos.
Assim, diante dos resultados obtidos com esta investigação, apontamos que trazer discussões sobre os possíveis entraves de atuação dos CMEs permite aprofundar conhecimentos sobre os processos de institucionalização, de democratização e político-culturais. Essas reflexões se configuram, para nós, como aportes para o desempenho da gestão democrática, bem como qualifica a melhoria das funções dos conselhos.