Magnífico Reitor da Universidade Federal do Paraná, companheiro de luta em defesa da Universidade Pública, Professor Ricardo Marcelo Fonseca;
Magnífica Reitora da Universidade Federal de Minas Gerais, Professora Sandra Regina Goulart Almeida;
Excelentíssima Vice-Reitora da Universidade Federal do Paraná, mulher, guerreira, Professora Graciela Ines Bolzon de Muniz;
Cara amiga de Departamento, de Setor e de trajetória de vida em conjunto, representante da Comissão de Honra desta homenagem, Professora Claudia Regina Baukat Silveira Moreira;
Caros Conselheiros e Conselheiras do Conselho Universitário da Universidade Federal do Paraná;
Queridos discentes, técnicos administrativos e docentes que constituem a comunidade do Setor de Educação;
Nosso queridíssimo Homenageado, Doutor Honoris Causa da Universidade Federal do Paraná, Professor Carlos Roberto Jamil Cury;
Senhoras e senhores que nos acompanham nesta transmissão via canal do cerimonial da Universidade Federal do Paraná;
A concessão do título de Doutor Honoris Causa é sempre um momento especial de reconhecimento, que a Universidade concede a educadores - no sentido amplo da palavra - que contribuíram para a consolidação e a expansão do ensino, da ciência, da cultura, e do compromisso social da nossa instituição.
Mas ao começar a pensar no que deveria dizer aqui hoje, comecei a tentar lembrar, quando foi a última vez que a UFPR concedeu esse título, a partir de uma iniciativa do Setor de Educação. Pode ser o limite do meu próprio conhecimento da história de nosso Setor, mas, pela memória, não consegui lembrar quando foi. Relembro este fato para salientar que não é algo comum ou corriqueiro para o Setor de Educação prestar essa honraria e essa homenagem aos nossos educadores.
Assim, resolvi me fazer um conjunto de questões. Em primeiro lugar, porque a iniciativa de propor ao Conselho Universitário a concessão desta honraria, já que não nos é habitual. Na sequência me questionei por que a entregar a Carlos Roberto Jamil Cury. Por fim, porque o fazer nesse momento que vivemos.
Para responder a primeira questão, me vem à mente o eterno dilema: a história faz os seres humanos, ou os seres humanos fazem a história? Ao longo da nossa trajetória como humanidade, essa questão já foi pontuada de várias maneiras. No campo conservador, o inglês Edmund Burke, feroz crítico da Revolução Francesa, ao atacar a Declaração dos Direitos do Homem, dizia: “Eu nunca conheci o homem; eu conheço apenas o inglês, o francês, o alemão”. Ou seja, para Burke só existia o indivíduo e jamais a abstração histórica ou mesmo o coletivo, o social. Em contraponto, no campo progressista, Marx, no início do 18 Brumário, afirma: “Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado”. Na literatura, Tolstói, em Guerra e Paz, afirma: “O rei é escravo da história. A história, ou seja, a vida inconsciente, comum, a vida de colmeia da humanidade, usa todos os minutos da vida do rei para si mesma, como um instrumento para alcançar os seus objetivos”. Na educação, nosso campo, o nosso centenário patrono Paulo Freire afirma: “Educação não transforma o mundo. Educação muda as pessoas. Pessoas mudam o mundo”. Eu poderia continuar com referências até o infinito, como Elias, Berger e Luckmann, Hemingway, etc..., etc..., etc... Mas creio que os exemplos já são suficientes para responder a primeira questão. Devemos render homenagens ao coletivo, à comunidade, à sociedade, à história, à cultura, à educação que faz o indivíduo, mas igualmente devemos homenagens e honrarias ao indivíduo.
Passo então a segunda questão, mas por que homenagear Carlos Roberto Jamil Cury? A apresentação que Claudia fez da trajetória de vida e da trajetória acadêmica do Cury, poderia já nos ser suficiente para responder a questão. Mas talvez, isso significaria apenas justificar a homenagem ao indivíduo e poderíamos questionar, por que não outros indivíduos com trajetórias pessoais e acadêmicas igualmente singulares. Creio, portanto, que se faz necessário reunir o indivíduo e seu lugar na história. Nestes termos, faz-se necessário compreender Carlos Roberto Jamil Cury no campo educacional brasileiro. Não vou fazer um retorno a toda história da educação brasileira, mas me concentrar na construção do campo educacional democrático no Brasil, a partir de finais dos anos de 1970 e meados dos anos de 1980; que vão desaguar na Constituição de 1988, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996, nos avanços progressistas que conquistamos ao longo dos anos 2000 e da resistência que hoje exercemos.
Cury não é apenas um intelectual que pensou e refletiu sobre a educação pública. Cury é um personagem político. Um militante que nos ajudou a construir um sistema educacional público mais inclusivo e a fazer avançar a democratização do acesso e do aprendizado, ampliando o alcance do direito à educação.
Mas eu diria um pouco mais. Carlos Roberto Jamil Cury vai além do indivíduo amoroso, cordial e carinhoso que conhecemos. Cury é um símbolo do campo educacional democrático e progressista. Se o Centro Acadêmico de Pedagogia de nossos discentes homenageia Anísio Teixeira; se hoje debatemos nominar o auditório do Setor de Educação com o nome de Paulo Freire; eu gostaria de lembrar que Cury é portador e perpetuador da herança desses nomes tão importantes. Cury é parte intelectual e política singular do nosso campo educacional democrático, progressista e popular.
Por fim, nos resta a questão: por que agora? Não precisamos esconder de ninguém o inferno que enfrentamos no momento: ataques constantes à nossa democracia, desde o golpe jurídico, parlamentar e misógino de 2016; cortes contínuos no financiamento da educação pública e, em especial, das universidades; negação das contribuições da ciência, seja no que diz respeito ao cuidar da vida, seja no que diz respeito a construção das políticas educacionais; uma pandemia que nos isola, nos rouba o abraço, a convivência e o carinho; um governo que abriga genocidas e que condena à morte centenas de milhares de pessoas por sua política ineficiente e descomprometida com a vida. Mas se o momento é tão duro, por que devemos homenagear e celebrar agora? Respondo a esta questão, lembrando de uma música da trilha sonora do filme Ata-me, de Pedro Almodóvar, que tem sido muito cantada durante a pandemia:
Resistiré, erguido frente a todo
Me volveré de hierro para endurecer la piel
Y aunque los vientos de la vida soplen fuerte
Soy como el junco que se dobla, pero siempre sigue en pie
Resistiré, para seguir viviendo
Soportaré los golpes y jamás me rendiré
Y aunque los sueños se me rompan en pedazos
Resistiré, resistiré...
Celebrar e homenagear o Cury, neste momento, é ato de resistência. É ato político. Em um momento que teima em tentar nos desumanizar, homenageamos a doçura, o carinho, o compromisso, a coerência política, a inteligência humana.
Cury, estamos longe. Você se encontra nas Minas Gerais em que cresci, mas sinta a profundidade da admiração, do respeito e do carinho que o Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná lhe dedica. Sinta-se profundamente abraçado por toda comunidade do Setor de Educação. Tenho certeza de que toda a nossa comunidade está comigo neste abraço caloroso, pois agora você faz parte de nossa história e de nosso Setor.
Parabéns!