Introdução
As reformas promovidas pelo Estado brasileiro, a partir de 1990, tiveram repercussões nos campos da economia, da política, no papel do Estado, nas políticas sociais, bem como nas políticas educacionais. Com o argumento de busca pela melhoria da qualidade da educação, o Brasil adotou instrumentos como as avaliações em larga escala e, em seu bojo, a política de responsabilização educacional. A referida política tanto colabora na consolidação do processo de avaliação em larga escala como traz consigo a política de bonificação que atua como mecanismo de recompensa ou punição nesse processo.
Alguns estados brasileiros adotaram a política de bonificação, dentre os quais o estado do Acre que em 2009 instituiu a política na remuneração do magistério público da rede estadual de ensino do Acre, concretizada mediante o Prêmio Anual de Valorização e Desenvolvimento Profissional (PVDP) e, seguindo similar perspectiva, o município de Rio Branco/Ac, conforme publicado em Diário Oficial em 24 de julho de 2014, adotou o Prêmio pela Elevação da Qualidade da Aprendizagem – PEQ, por meio do Decreto nº 946 de 22 de julho de 2014, destinado aos servidores efetivos e provisórios vinculados a Secretaria Municipal de Educação e que exerçam suas funções nas escolas.
Nesse aspecto, o objetivo deste artigo é apresentar os resultados de uma pesquisa referente ao Prêmio pela Elevação da Qualidade da Aprendizagem (PEQ) do Município de Rio Branco/Acre e suas implicações no trabalho docente. Assim, para compreender essa política, adotou-se uma metodologia que envolveu revisão bibliográfica, baseada, principalmente em Ball (2010), Brooke (2006, 2008), Freitas (2012, 2013), Oliveira (2013), Jacomini e Penna (2016), Shiroma e Evangelista (2011), bem como também uma análise documental como forma de conhecer o percurso legal da política e pesquisa empírica. Dessa forma, o artigo encontra-se organizado em três partes. Primeiramente, será abordado o contexto que serve de base para as políticas de bonificação e responsabilização educacional, em seguida, são colocados em evidência e analisados os documentos que sustentam a criação do PEQ e, por fim, são apresentados dados da pesquisa empírica realizada junto a um grupo de professores da rede pública de ensino do Município de Rio Branco, seguido de algumas considerações quanto ao estudo desenvolvido.
O contexto das políticas de bonificação e responsabilização em âmbito educacional
As políticas públicas educacionais adotadas no Brasil, principalmente a partir dos anos de 1990, seguem perspectivas similares a de políticas implementadas em outros países. Com a disseminação das políticas de responsabilização educacional, o Brasil se encontra dentre os países da América Latina que vem aderindo à tal política. Brooke (2008), autor brasileiro adepto dessa política, procura conceituá-la. Para o autor:
define-se [...] política de responsabilização como uma tentativa de melhorar os resultados das escolas mediante a criação de consequências para a escola ou para professores individuais, sejam elas materiais ou simbólicas, de acordo com o desempenho dos alunos medido por procedimentos avaliativos estaduais ou municipais (BROOKE, 2008, p.94).
A política de bonificação é parte da política de responsabilização educacional, assim, para entender o seu funcionamento partimos dos apontamentos de Brooke (2006), o qual ressalta que a bonificação se atrela ao quarto ingrediente do sistema de responsabilização. Quanto a estes ingredientes, segundo o autor acima citado, tem-se:
O primeiro, diz respeito ao ingrediente autoridade, no qual tais autoridades tem a decisão de tornar público os níveis de desempenho das escolas; o segundo é o ingrediente informação que trata da utilização de testes padronizados para o recolhimento de informações acerca do desempenho dos alunos; o terceiro é o ingrediente padrões, no qual são estabelecidos critérios para definir as escolas que obtiveram bons resultados; e o quarto é o ingrediente consequências, configurando-se como critérios para a aplicação de incentivos ou sanções mediante os padrões estabelecidos (BROOKE, 2006, p. 380).
Com base nesses ingredientes apontados pelo autor, percebe-se que a bonificação necessita de um instrumento que seja o seu critério de aplicação. Nesse aspecto, temos como instrumento o que Brooke (2006) chama de segundo ingrediente, os testes padronizados. Como pode-se perceber, para que um profissional da educação receba ou não um incentivo é necessário que se tenha delimitado um critério e este é estabelecido mediante o resultado de uma avaliação em larga escala.
Ainda tendo como referência os estudos de Brooke (2006), destacamos que os países pioneiros na adoção da política em questão foram a Inglaterra e os Estados Unidos da América. No que se refere a abordagem nacional, é possível afirmar que diversos estados brasileiros adotaram a política de bonificação em seus sistemas de ensino. De acordo com a pesquisa de Perboni (2017), a partir da realização de mapeamentos das avaliações externas e em larga escala, desenvolvidas nas redes estaduais do Brasil, foi categorizada:
ao menos cinco tipos de premiação instituídas pelos governos estaduais. Um primeiro tipo, com premiações não diretamente vinculadas aos resultados dos alunos nas provas. O segundo estabelece premiação por meio de metas que se vinculam a índices de desempenho que, por princípio incorporam outros elementos em sua composição, como o fluxo escolar. Um terceiro grupo premia os melhores alunos nas avaliações. Um quarto tipo de premiação envolve também os resultados nas avaliações, mas se diferencia por envolver outros fatores. O exemplo de Minas Gerais e Pernambuco que estabelecem uma contratualização de metas com as escolas. Classificamos, ainda, um quinto exemplo de premiação que a vincula aos resultados, mas premia tanto as melhores como também as piores escolas, justificando a necessidade de melhorias destas últimas (PERBONI, 2017, p. 3-4).
Em seus estudos, Perboni (2017) aponta sete estados brasileiros em que cada um deles aplica um tipo de premiação, os quais são: Paraíba, Amazonas, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pernambuco e Ceará.
Em relação ao Estado do Acre, temos um importante estudo realizado por Braidi (2018), mediante esse estudo e associando às tipologias de prêmio categorizadas por Perboni (2017), podemos apontar que a premiação adotada no Estado do Acre se vincula ao quarto tipo, pois além de relacionar o recebimento do bônus aos resultados das avaliações dos alunos, engloba também outros fatores, o Estado em questão desmembra o prêmio em dois públicos, sendo um para os professores e o outro para a equipe de gestão.
Autor crítico da política de bonificação no âmbito educacional, Freitas (2013) ressalta que se refere a uma lógica empresarial inserida na educação e que “há implicações gravíssimas para a área da educação quando se coloca a lógica empresarial dentro da escola, dentro da área educacional” (FREITAS, 2013, p. 361). A implicação grave da qual Freitas (2013) fala se agrava mais ainda quando atinge principalmente o professor, intensificando seu trabalho. Assim, o autor coloca:
O que significa para uma empresa educacional manter-se no mercado? Ela tem de derrubar custos. Como é que está a discussão americana? Hoje o problema das escolas charters passou para outro patamar. Uma escola charter – que em Washington responde por 43% da rede pública e em Nova York por quase 50% – está se virtualizando para poder ser competitiva. Há 500, 600 alunos dependurados em um professor online. Ela virtualizou porque a única maneira de ser competitivo na área educacional é aumentar o tamanho de turmas e precarizar o professor (FREITAS, 2013, p. 361).
Nas observações de Freitas (2013), percebemos o quanto pode haver consequências negativas ao inserir a lógica empresarial no âmbito da educação pública, tanto para os alunos quanto para os profissionais, principalmente os docentes, tornando precária suas condições de trabalho.
Interessa-nos agora situar e compreender o percurso legal que consolidou a instituição do PEQ na rede municipal de ensino de Rio Branco/AC, considerando as legislações que sustentam tal política.
O Prêmio pela Elevação da Qualidade da Aprendizagem: percurso legal
Os documentos legais que embasam o percurso de implementação do PEQ, foram sintetizados no quadro 1:
Lei | Conteúdo |
Lei nº 1.892 de 03 de abril de 2012 | Institui o Plano de Cargos, Carreiras e Remuneração dos Servidores da Administração Pública Direta do Município de Rio Branco e revoga a Lei Municipal nº 1.795, de 30 de dezembro de 2009. |
Lei nº 2.039 de 09 de abril de 2014 |
Altera as Leis Municipais nº 1.892, de 03 de abril de 2012, e nº 1.959, de 20 de fevereiro de 2013. Esta Lei inclui no art. 16 e 45 da Lei nº 1.892 alterações referentes ao Prêmio pela Elevação da Qualidade da Aprendizagem – PEQ. |
Lei Complementar nº 35 de 19 de dezembro de 2017 | Instituiu o Plano de Cargos, Carreiras e Remuneração dos Servidores da Educação Pública do Município de Rio Branco – PCCR. |
Decreto | Conteúdo |
Decreto nº 946 de 22 de julho de 2014 | Regulamenta o Prêmio pela Elevação da Qualidade da Aprendizagem – PEQ, de que trata o artigo 45 da Lei 1.892 de 03 de abril de 2012, que Institui o Plano de Cargos, Carreiras e Remuneração dos Servidores da Administração Pública Direta do Município de Rio Branco. |
Fonte: Quadro elaborado pelas autoras.
A Lei nº 1.892, de 03 de abril de 2012, faz referência ao PEQ em seu artigo 16 quando trata da remuneração dos servidores públicos municipais de Rio Branco. Neste artigo, em seu inciso II, alínea “y”, a lei aponta que o Prêmio pela Elevação da Qualidade da Aprendizagem (PEQ) faz parte da remuneração dos servidores, no enquadramento das verbas transitórias.
Importante ressaltar que a inclusão desta verba transitória foi realizada pela Lei nº 2.039, de 09 de abril de 2014, que alterou também outros itens da Lei do PCCR dos Servidores do Município de Rio Branco, itens esses que não se referem ao PEQ.
Em consonância com a Lei nº 1.892/2012, a Lei Complementar nº 35 de 19 de dezembro de 2017 reitera em seu artigo 23, inciso II, alínea m que o Prêmio fará parte das verbas transitórias dos servidores. Essa Lei ressalta os valores a serem pagos. Na descrição do artigo 25, afirma-se o seguinte:
Os servidores administrativos e professores, efetivos e provisórios, lotados na Secretaria Municipal de Educação, que exerçam suas funções nas unidades de ensino municipal terão direito ao Prêmio pela Elevação da Qualidade da Aprendizagem – PEQ, previsto na alínea m, inciso II, do artigo 23, respeitados os valores máximos estabelecidos no Anexo IX desta Lei (RIO BRANCO, 2017).
De acordo com o anexo IX da Lei Complementar Nº 35/2017, tem-se como valores máximos os expressos no quadro 2:
Categoria | Valor (R$) |
---|---|
Profissionais do Magistério | R$ 1.672,33 |
Servidores Administrativos | R$ 724,00 |
Fonte: Lei Complementar nº 35/2017.
A instituição do PEQ, presente nas leis apresentadas, direcionam para o entendimento da ideia de valorização docente estar vinculada a adoção da política de bonificação. E, consoante a esse pressuposto, temos o entendimento da Secretaria Municipal de Educação que visualiza o prêmio como valorização dos profissionais da educação.
Para verificar o que foi apontado acima, vejamos o conteúdo do Ofício3 encaminhado pelo secretário municipal de educação, à época, Márcio José Batista, a presidente do SINTEAC e SIMPLAC, no ano de 2014, sobre o Relatório de Implementação do PEQ. Após cumprimentos formais no ofício, temos como pontos iniciais, as seguintes descrições:
1. O Prêmio pela Elevação da Qualidade da Aprendizagem – PEQ representa a concretização da Política de Valorização desta gestão municipal, regulamentada e prevista no artigo 45, da Lei nº 1.892, 03 de abril de 2012, que institui o Plano de Cargos, Carreiras e Remuneração dos Servidores da Administração Pública Direta do Município de Rio Branco. Com essa finalidade, procuramos adotar de maneira objetiva os critérios do referido prêmio, alcançando todos os profissionais da educação que possibilitam e contribuem para o sucesso da aprendizagem em Rio Branco.
2. Adotamos como princípio para construção dos critérios do PEQ a proposta do Comando de Negociação dos Trabalhadores em Educação – composto por representantes dos dois sindicatos da categoria, visando, primordialmente, a elevação da aprendizagem dos alunos. Por isso o prefeito Marcus Alexandre determinou que se chamasse Prêmio pela Elevação da Qualidade da Aprendizagem – PEQ, como forma de reconhecer e bonificar os profissionais que obtiverem êxito no processo de ensino e aprendizagem dos seus alunos (OFÍCIO/GAB/SEME Nº 499/2014).
Fica explícito que, para a gestão da Secretaria Municipal de Educação, tal feito correspondia a uma política de valorização dos profissionais, pensamento seguido pelos dois sindicatos da categoria, à época, de modo que, compreendendo o bônus como valorização, fizeram a defesa da criação de tal bonificação semelhantemente a já existente no âmbito do estado.
Nessa perspectiva, é muito importante ressaltar que para os estudos acadêmicos, de cunho científico, como citado por Oliveira (2013), a política de valorização dos professores, e demais profissionais da educação, não é representada mediante a política de bonificação, uma vez que esta última é vista também como um aspecto da política de responsabilização educacional.
A regulamentação do PEQ se deu mediante o Decreto nº 946, de 22 de julho de 2014. Em seu art. 2º, o decreto aponta que seu princípio norteador é “assegurar maior e melhor aprendizagem dos alunos, bonificando os profissionais que obtiverem êxito no processo de ensino e aprendizagem” (RIO BRANCO, 2014). Desse modo, entende-se que somente os profissionais que obtiverem “êxito”, nos termos do decreto, serão bonificados.
Destacamos que o chamado êxito está atrelado a pontuações previamente estabelecidas para a maioria das categorias de profissionais da educação e, em outros casos, ao alcance de índices de metas estabelecidas para as avaliações externas. Quanto às categorias incluídas são: Professor da Educação Infantil; Coordenador Pedagógico de Pré-Escola; Diretor de Pré-escola; Assistente de Creche; Coordenador Geral de Creche; Professor do Ensino Fundamental do 1º ao 5º ano; Professor do Ensino Fundamental do 6º ao 9º ano; Diretor do 1º ao 5º e do 6º ao 9º ano do ensino fundamental; Coordenador Pedagógico do 1º ao 5º e do 6º ao 9º ano do ensino fundamental; Professor da Educação de Jovens e Adultos (EJA); Coordenador Pedagógico da EJA e Profissionais da Educação Especial.
No conjunto das categorias citadas, os professores de 1º ao 5º ano das escolas de ensino fundamental I, anos iniciais, foram os sujeitos que responderam os questionários que serviram de sustentação empírica a este estudo. Desta forma, as concepções que serão apresentadas em seguida, são embasadas na perspectiva de dezesseis destes profissionais.
O PEQ como mecanismo de responsabilidade educacional e suas implicações no trabalho docente
Considerando o objetivo deste artigo, em apresentar os resultados da pesquisa referente ao PEQ, faremos destaque a seguir de algumas questões que envolveu a discussão, momento em que revelamos algumas percepções dos sujeitos, obtidas mediante os questionários aplicados.
Ao serem questionados se o prêmio é vantajoso ao processo de ensino e aprendizagem dos alunos e como essa vantagem é percebida, treze professores responderam com elementos direcionados para o sim, vejamos as justificativas que alguns deles apresentaram:
Traz vantagens porque nós professores e todo o corpo escolar nos mobilizamos em prol de um ensino de qualidade para todos (Professor I do 1º ano/EFI4).
Sim. Apesar de ser obrigação do professor favorecer a aprendizagem de todos os alunos, o prêmio faz com [que] o professor vá além dos limites e se esforce ao máximo para não deixar nenhum aluno sem aprender (Professor I do 5º ano/EFI).
Sim. Acredito que ao estimular o professor, o aluno também é atingido por esse estímulo, favorecendo assim o processo de ensino e aprendizagem (Professor I do 3º ano/EFI).
Mesmo sabendo que é nossa obrigação e função, com a gratificação recebemos um incentivo, um reconhecimento ao nosso trabalho que nos anos atuais tem sido árduo (Professor VI do 1º ano/EFI).
As justificativas apresentam o prêmio como um estímulo, uma motivação, assim como também uma maneira de levar o docente ao seu esforço máximo, com vistas a receber o valor. A exemplo disso, um outro professor afirma:
É sim um incentivo, no sentido de aumentar a renda, mas o professor acaba se tornando o único responsável pela meta. Sabendo que existem vários fatores que extrapolam a competência docente, como por exemplo, a falta de material didático e recursos tecnológicos para o auxílio do professor (Professor I do 2º ano/EFI).
Nesse sentido, destacamos que muito embora os professores vejam o prêmio como incentivo, reconhecem que outros fatores se fazem necessários para corroborar com uma boa atuação docente com vistas a oferta de uma educação de qualidade. Atendo-se à uma análise mais detalhada, faz-se pertinente refletirmos sobre o que aponta Shiroma e Evangelista (2011), quando à época da Reforma de Estado, nos anos de 1990, no que se refere aos direcionamentos do Banco Mundial (BM). Frente a isso, as autoras descrevem que:
O BM justifica sua posição afirmando que inculcar essa nova cultura de resultados é necessário para dar respostas mais imediatas aos países “doadores” sobre os retornos de seus “investimentos” e também para que os países da região possam efetuar os ajustes necessários e atingirem resultados e metas mais rápida e eficazmente (SHIROMA et al., 2008). O Banco é contundente ao afirmar que a nova cultura depende de uma mudança de comportamento e requer uma evolução nas mentalidades (SHIROMA; EVANGELISTA, 2011, p. 137).
Podemos identificar que há uma visão de que o incentivo do prêmio acarreta em maior esforço por parte do docente e que assim há o alcance de bons resultados, sendo este colocado como sinônimo de educação de qualidade, quando na verdade o que se está atendendo é a uma cultura de resultados demandadas por Organismos Multilaterais. Ressaltamos que a avaliação do processo de ensino é necessária, o que se questiona é o entendimento de resultados em testes como sinônimo de qualidade educacional. Ainda com base em Shiroma e Evangelista (2011), a avaliação não deve ser um fim e sim o meio.
Certamente processos avaliativos fazem parte da rotina de trabalho do professor interessado em conhecer o nível de apropriação pelos alunos dos conhecimentos ensinados, para reorientar suas aulas, para identificar onde estão as dificuldades dos alunos, para rever metodologias de trabalho. A avaliação processual e ao fim do ano permitem aferir a possibilidade de o aluno prosseguir seus estudos ou não. Avaliar é preciso. Contudo, nos últimos tempos, a reificação da qualidade, tomada como valor absoluto nos debates sobre avaliação, parece ter se tornado a mola mestra a gerar animosidades no campo das políticas públicas e na relação com os professores (SHIROMA; EVANGELISTA, 2011, p. 134).
Ainda no mesmo questionamento, outros professores responderam:
Não, mesmo porque o PEQ tem um valor muito pequeno, mas sempre é bem-vindo (Professor II do 5º ano/EFI).
Não! Porque acaba levando os docentes a focarem em habilidades que os alunos precisam desenvolver em cada ano, contudo, os alunos não chegam com o mesmo conhecimento em cada ano e não conseguem se sair bem no PROA5 e o trabalho realizado com esses alunos para que eles alcancem outros saberes não são mensurados nestes testes de conhecimento padronizados (Professor I do 4º ano/EFI).
É possível perceber que o Professor I do 4º ano/EFI aponta que outros conhecimentos trabalhados em sala de aula não têm como ser avaliados e que, também, apenas alguns saberes são enfatizados no processo de ensino e aprendizagem. Tal elemento remete ao que Freitas (2012) alerta no tocante ao estreitamento curricular, uma vez que apenas algumas áreas do conhecimento serão abordadas nos testes padronizados.
Quando os sujeitos docentes foram questionados em como o PEQ se apresenta para eles, tivemos o que mostra o gráfico 1:
Mesmo destacando que um dos sujeitos marcou mais de uma alternativa, percebemos que a metade do grupo vê o PEQ como um prêmio aos profissionais da educação, mas que controla as ações desempenhadas pela escola e pelo professor. Expressamente, temos opiniões dos sujeitos que ilustram a regulação docente que se faz presente no contexto do processo de ensino.
Temos, nesse contexto, “a perda de autonomia do professor sobre o seu processo de trabalho [que] evidencia a precarização do trabalho docente e sua desvalorização política e social” (JACOMINI E PENNA, 2016, p. 185).
Questionamos se o professor se sente como corresponsável por alcançar as metas da avaliação do PROA, quatorze sujeitos docentes responderam que sim e alguns apontaram como isso se materializa:
Sim! Pois mesmo ele [o professor] sabendo que fez um bom trabalho, se não alcançar as metas, pode ser visto como incompetente, mesmo todos sabendo que os alunos não vivem apenas na escola e que são seres subjetivos que vivem em diversas realidades sociais e de risco (Professor I do 4º ano/EFI).
Sim, no trabalho diário com a turma, com objetivo de se desenvolver as habilidades cobradas na prova (Professor II do 4º ano/EFI).
Ele se sente é responsável mesmo, porque os resultados implicam diretamente em seu fazer pedagógico de acordo com as orientações recebidas na escola (Professor III do 4º ano/EFI).
Sim, pois é através das avaliações que percebem a aprendizagem dos alunos e com isso os professores também são avaliados (Professor V do 1º ano/EFI).
Sim, pois tudo depende do professor para alcançar o objetivo do PEQ (Professor III do 5º ano/EFI).
Quando colocadas as metas das avaliações, no caso do PEQ mediante a avaliação do PROA, é possível perceber que todo processo canaliza a responsabilidade maior, e quase que exclusiva, a figura do professor. Nessa perspectiva, chamamos atenção para o fato de que é insustentável atribuir apenas ao docente a responsabilidade plena pelo aprendizado do aluno e podemos identificar que os professores participantes da pesquisa sentem tal encargo no exercício do trabalho, pois, conforme apontado por Freitas (2013), fica a cargo do professor cerca de 17% a 20% dos efeitos que implicam na aprendizagem dos alunos, sendo assim, uma pressão muito grande sobre o profissional.
Como complemento da pressão que é exercida sobre o professor, levantamos a hipótese de determinado docente, por dois anos consecutivos, não alcançar as metas para recebimento do prêmio, e como esse profissional seria visto na escola em que trabalha. O gráfico 2 mostra as opiniões dos sujeitos:
O gráfico aponta para o entendimento de como o professor se sente frente aos conceitos que lhes são atribuídos mediante os resultados das avaliações e recebimento – ou não – do Prêmio. A partir do fato de que o professor é visto como um profissional que não tem compromisso com o trabalho, tendo em vista não ter alcançado as metas para receber o prêmio, reiteramos a ideia de que há um direcionamento para que o professor se esforce além do que lhe compete para corresponder às expectativas que se coloca nas avaliações externas, não apenas para receber o prêmio, mas também para que suas condutas moral e profissional sejam mantidas com respeito e boa reputação. É nesse aspecto que podemos observar que o recebimento ou não do prêmio não fica apenas na escala financeira para o professor, finda por afetar a sua dimensão moral. Como aponta as autoras:
As preocupações com os resultados do trabalho do professor e a relação desses resultados com os recursos investidos conduziram a políticas de avaliação como estratégia de indução de procedimentos e conteúdos político-pedagógicos que, como se referiu, objetivavam a adesão dos professores às reformas propostas. Essas iniciativas redundaram na política de “responsabilização pelos resultados” que se procura impingir aos professores (SHIROMA; EVANGELISTA, 2011, p. 135).
Nestes termos, fica sob responsabilidade quase única do professor a pressão por alcance de resultados estabelecidos, tendo em vista demandas de mercado anteriormente instauradas. E nessa condição a política de bonificação é colocada como um prêmio pelos bons resultados alcançados, sendo que o que tem ocorrido é um mecanismo de regulação da atuação dos professores, pois sai de cena qualquer autonomia que existisse.
Questionamos aos sujeitos docentes se existia algum mecanismo interno a escola que pretendesse verificar os avanços dos alunos com relação aos descritores das áreas de língua portuguesa e matemática, e obtivemos respostas como:
O mecanismo é o diagnóstico realizado a cada bimestre (Professor III do 1º ano/EFI).
Sim, avaliações diagnósticas mensais, simulados e também os planejamentos (Professor VI do 1º ano/EFI).
Simulados mensais com habilidades do PROA (Professor II do 4º ano/EFI).
Sim, planilhas com erros e acertos dos alunos por descritores, realizados em avaliações internas (Professor I do 4º ano/EFI).
Em análise deste aspecto, temos:
A gestão por resultados pressupõe um forte sistema de avaliação, critérios e indicadores definidos. Os reformadores alegam que quanto mais normatizada, informatizada, computadorizada, despersonalizada for a avaliação, mais adequada, posto que se tornaria mais refratária à subjetividade do avaliador. Contudo, a ênfase hipertrofiada nos instrumentos e mecanismos de avaliação tem produzido uma reorganização nas instituições educacionais que retiram boa parte do tempo que dedicariam ao trabalho educativo para registro de informações, preenchimento e envio de relatórios às instâncias superiores (SHIROMA E EVANGELISTA, 2011, p. 135).
A gama de simulados realizados coloca em exaustão não apenas o aluno como também o professor, pois terá que a cada simulado aplicado, preencher planilhas com os resultados, reduzindo a educação escolarizada a resolução de testes preparatórios para exames em larga escala e desconfigurando o processo amplo que envolve a escolarização. E, por mais que o professor se coloque em uma postura crítica quanto a esses mecanismos, percebemos que ele é colocado em circunstâncias de avaliação, pois a sua competência também será medida, sendo comparada aos resultados. Assim, temos o que de fato Freitas (2012) chama de “desmoralização moral do professor”.
Nesse aspecto é que identificamos que o referido prêmio, finda ser responsabilidade apenas do docente, pois os critérios para a maioria dos profissionais da educação recebê-lo se reduzem ao alcance de determinada pontuação que está vinculada às atividades inerentes a própria função, enquanto que o professor do 1º ao 5º ano do ensino fundamental, anos iniciais, tem o recebimento condicionado ao rendimento dos seus alunos nas avaliações externas, mesmo que tais resultados dependam de outros fatores para além da docência.
Outro elemento que percebemos nessa situação é a presença da cultura da performatividade, entendida como:
uma cultura ou um sistema de “terror” que emprega julgamentos, comparações e exposição como forma de controle, atrição e mudança. O desempenho (de sujeitos individuais ou organizações) funciona como medida de produtividade ou resultado, ou exposição de “qualidade”, ou “momentos” de produção ou inspeção. Ele significa, resume ou representa a qualidade e o valor de um indivíduo ou organização num campo de avaliação (LYOTARD, 1984, p. 46 citado por BALL, 2001 p. 109).
Dada a situação de exposição dos rendimentos nas avaliações externas, o professor é colocado em uma situação de submissão aos mecanismos da política de responsabilização educacional, (re)construindo uma nova identidade docente.
Na sequência, frente a pergunta se o pagamento do prêmio interferiu na qualidade do ensino público ofertado, tivemos as respostas conforme apresentadas no gráfico 3:
Percebemos que na concepção dos sujeitos participantes da pesquisa, o pagamento do PEQ, embora seja visto pela maioria como uma motivação a mais, devido o valor extra recebido, não tem impacto direto com a qualidade do ensino ofertado pela rede municipal de ensino, pois a maior parte ou acredita que o prêmio ajudou a manter a qualidade do ensino ofertado ou não alterou a sua oferta. É a partir dessas percepções que apontamos que a política de bonificação não se constitui em uma política efetiva nas perspectivas de qualidade educacional nem tampouco na valorização dos profissionais da educação.
Nessa busca de verificar o pensamento dos sujeitos quanto às interferências do PEQ, questionamos se acreditavam ser o prêmio mais efetivo do que um aumento real no vencimento base dos profissionais. Do total, doze sujeitos responderam que não, os outros quatro justificaram a resposta sim, argumentando que veem o prêmio como mecanismo de motivação. Analisando por um viés financeiro, não podemos fechar os olhos, de modo que é válido considerar que nenhum dos profissionais acham ruim receber um valor a mais no seu salário, entretanto, nos atemos a mostrar que esse valor embora tenha sido colocado pela secretaria municipal de educação como forma de valorizar o profissional, não se configura como o que é entendido de fato como valorização docente. Primeiramente, a valorização profissional, conforme colocado por Oliveira (2013), se constitui, dentre outros fatores, por meio da valorização salarial. A autora destaca que:
São numerosos estudos que demonstram a perda de autonomia dos docentes pelos processos de massificação do ensino trazida pela expansão da escolaridade, o arrocho salarial imposto a esses trabalhadores combinado à deterioração das condições de trabalho, em muitos casos afetando a saúde dos trabalhadores, a crescente feminização do magistério, entre outros aspectos que foram ocorrendo nas últimas décadas do século passado. [...] As condições de trabalho e de carreira e, especialmente a remuneração, oferecidas pelas redes públicas de educação básica no Brasil, têm tido efeito direto sobre a busca por essa profissão entre os jovens egressos do Ensino Médio que vão seguir seus estudos. (OLIVEIRA, 2013, p. 53).
Percebemos que a questão salarial se apresenta como elemento preponderante no quesito valorização, juntamente com as condições de trabalho e a carreira, entretanto, a premiação finda por ser apenas um paliativo frente a situação.
Indagados se a política de bonificação deveria perdurar por longo tempo, predominantemente, os sujeitos docentes responderam que sim, sendo apenas três deles opinando por não. Vejamos algumas das justificativas dos que são favoráveis:
Sim. Porque é um incentivo a mais para os profissionais trabalharem, visto que o salário do professor ainda não é valorizado (Professor III do 1º ano/EFI).
Sim, pois o salário base de um docente com apenas um contrato é muito baixo e não dá pra ter uma vida digna com apenas um único contrato, o que torna a bonificação um renda extra e bem-vinda (Professor I do 2º ano/EFI).
Já que o professor não tem um salário digno, tem que continuar (Professor II do 4º ano).
É notório que os argumentos para continuação do prêmio vinculam-se ao baixo salário do professor, a sua desvalorização salarial como profissional. Assim, vejamos a opinião de um dos sujeitos que responderam não:
Não! Penso que o que deve ser feito enquanto política educacional é a valorização do professor com relação ao seu salário, as formações continuadas, incentivos a cursos de pós-graduação e sua valorização e respeito por parte de muitos gestores de escolas (Professor I do 4º ano/EFI).
Frente ao contexto adverso de perdas de direitos que se alarga cada vez mais, é perceptível que o professor vê pouca ou nenhuma perspectiva de valorização, enxergando a política de bonificação como um meio de valorizar, mesmo que por um mecanismo que exclua. Vale ressaltar que conquistas já foram alcançadas, como a Lei nº 11.738 de 16 de julho de 2008, na qual os 26 estados, Distrito Federal e municípios são obrigados a pagar
o mesmo valor e oferecer condições similares de trabalho, contratação por 40 horas e a destinação do limite máximo de dois terços da carga horária para o desempenho de atividades de interação com os educandos devendo um terço ser dedicado a atividades extraclasse (OLIVEIRA, 2013, p. 52).
Desse modo, a política de bonificação, atrelada a responsabilização educacional, ao invés de valorizar o docente, lhe incube, principalmente, de dar conta de todo o processo de ensino, atribuindo ao professor a responsabilidade dos resultados educacionais alcançados, mesmo não fornecendo a esse profissional as condições básicas para o ensino. Tais aspectos levantados podem ser percebidos na fala de um professor, que para além de responder as questões, fez o seguinte apontamento:
O prêmio é muito importante por conta da crise financeira em que vivemos e do baixo valor dos nossos salários, mas a secretaria antes de cobrar dos professores, principalmente, e da escola, deveria nos dar o mínimo de qualidade no local de trabalho. Temos muitos obstáculos todos os anos letivos e pelo menos cinquenta por cento deles a secretaria poderia resolver, como por exemplo, material didático, climatização, reforma, ampliação. Nossa escola ainda é de madeira e com poucos ventiladores, um calor excessivo. Todos os anos nossa escola consegue o prêmio, mas é por conta do comprometimento de sua equipe, professores empenhados que tiram do pouco que ganham para investir no seu trabalho, para que haja um resultado satisfatório (Professor VI do 1º ano/EFI).
Na fala do professor percebemos que o prêmio de fato é bem-vindo, porém, apenas por questões financeiras, não ocupando um espaço relevante no fazer do professor. Como adverte Freitas (2012), é desmoralizante acreditar ou supor que um docente irá trabalhar por saber que seu rendimento (ou dos seus alunos) será recompensado com um valor monetário a mais, além do salário que é fruto do seu próprio trabalho.
Dos dezesseis sujeitos participantes da pesquisa, dez afirmam ter recebido o prêmio desde sua criação e os outros seis afirmam que não, por fatores como terem se afastado da sala de aula, por motivos de saúde ou por motivos diferentes. Vale lembrar que a seleção dos participantes, sujeitos deste estudo, foi realizada com base no ano de 2017, sendo este o único ano que tivemos os dados de pagamento disponibilizados pela Secretaria Municipal de Educação. Ressalta-se, ainda, que o PEQ, a partir do ano de 2020, foi divido e incorporado ao vencimento dos servidores municipais de educação, em valores similares para todos os profissionais.
Considerações finais
O caminho trilhado para que a política de bonificação fosse implantada em Rio Branco-Acre, seguiu similar perspectiva do modelo implementado na rede estadual de ensino público do Estado do Acre. Nas abordagens teóricas embasadas em uma literatura de viés crítico, é notório o entendimento de que a adoção da política de bonificação não produz resultados positivos no âmbito da educação pública, mesmo assim, os estudos revelam que tal política ganha força sendo implementada em várias redes de ensino no Brasil.
O percurso legal para a instituição do Prêmio pela Elevação da Qualidade da Aprendizagem (PEQ) revela que as leis que embasam a implementação do Prêmio e a posição de seus proponentes, advogam a ideia de ser o prêmio um mecanismo de valorização docente, muito embora a literatura aponte outros elementos que podem ser reveladores da valorização dos professores, tais como salário, carreira, remuneração e condições de trabalho, o que remete ao entendimento de que a política de bonificação por si só não deve ser entendida como valorização docente.
Muito embora um dos princípios defendidos para a implantação do PEQ é o de elevar a qualidade da aprendizagem no município, as evidências empíricas revelam que pouco se pode dizer que o referido Prêmio tenha sido o responsável pelo avanço da qualidade educacional em contexto local. O que é possível afirmar é que a maioria dos sujeitos o veem como uma recompensa que em contrapartida controla a ação pedagógica, principalmente dos professores, retirando-lhes sua autonomia, elemento fundamental na atividade docente e que lhe é tão cara em suas lutas.