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Jornal de Políticas Educacionais

On-line version ISSN 1981-1969

J. Pol. Educ-s vol.16  Curitiba  2022  Epub May 30, 2023

https://doi.org/10.5380/jpe.v16i0.85759 

Artigos

A percepção dos alunos com deficiência sobre a inclusão no ensino superior

The perception of students with disabilities about inclusion in University education

La percepción de los estudiantes con discapacidad sobre la inclusión en la educación universitaria

Francieli Machado de Souza1 
http://orcid.org/0000-0001-7807-6716

Eduardo Gabriel Sebastiany2 
http://orcid.org/0000-0002-8999-0527

Gustavo Roese Sanfelice3 
http://orcid.org/0000-0003-0159-3584

1Mestra em Diversidade Cultural e Inclusão Social. Universidade Feevale. Novo Hamburgo, RS, Brasil Orcid: https://orcid.org/0000-0001-7807-6716. E-mail: francifms@gmail.com

2Acadêmico de Educação Física. Universidade Feevale. Novo Hamburgo, RS, Brasil. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-8999-0527. E-mail: eduardo_n8@hotmail.com

3Doutor em Ciências da Comunicação. Professor Titular da Universidade Feevale. Novo Hamburgo, RS, Brasil. Orcid: http://orcid.org/0000-0003-0159-3584 E-mail: sanfeliceg@feevale.br.


Resumo

Esta pesquisa teve como objetivo analisar a percepção dos alunos sobre o seu processo de inclusão no ensino superior em uma universidade do Rio Grande do Sul. Por meio de uma metodologia qualitativa, descritiva e interpretativa, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com uma amostra de 13 alunos com deficiência. As questões foram agrupadas em três eixos que compreendem o ingresso na universidade, a permanência e as oportunidades profissionais. Os dados coletados sugerem que 1) Os entrevistados em geral têm vergonha ou dificuldade em aceitar a sua deficiência e por isso não usufruíram dos direitos legais de acesso que dispõem; 2) Falas e atitudes de docentes e colegas, bem como problemas de saúde e dores relacionadas a deficiência são desafios para a permanência no ensino superior; 3) A maioria dos entrevistados estava empregado, porém nenhum exercia função compatível ao seu curso.

Palavras-chave: Ensino Superior; Inclusão; Pessoa com Deficiência

Abstract

This research aimed to analyze students' perception of their process of inclusion University education at a university in Rio Grande do Sul. Through a qualitative, descriptive and interpretive methodology, semi-structured interviews were carried out with a sample of 13 students with disabilities. The questions were grouped into three axes that include admission to university, permanence and professional opportunities. The data collected suggest that 1) Respondents are generally ashamed or have difficulty accepting their disability and therefore did not enjoy the legal access rights they have; 2) Speeches and attitudes of professors and colleagues, as well as health problems and pain related to disability are challenges for permanence in higher education; 3) Most of the interviewees were employed, but none had a function compatible with their course.

Keywords: University education; Inclusion; Person with Disabilities

Resumen

Esta investigación tuvo como objetivo analizar la percepción de los estudiantes sobre su proceso de inclusión en la enseñanza universitaria en una universidad de Rio Grande do Sul. A través de una metodología cualitativa, descriptiva e interpretativa, se realizaron entrevistas semiestructuradas a una muestra de 13 estudiantes con discapacidad. Las preguntas se agruparon en tres ejes que incluyen el ingreso a la universidad, la permanencia y las salidas profesionales. Los datos recopilados sugieren que 1) los encuestados generalmente se avergüenzan o tienen dificultades para aceptar su discapacidad y, por lo tanto, no disfrutan de los derechos de acceso legales que tienen; 2) Los discursos y actitudes de profesores y colegas, así como los problemas de salud y dolores relacionados con la discapacidad son desafíos para la permanencia en la educación superior; 3) La mayoría de los entrevistados estaban empleados, pero ninguno tenía una función compatible con su curso.

Palabras clave: Educación universitaria; Inclusión; Persona con discapacidad

Introdução

A inclusão ganhou destaque nos discursos legais e estudos sociais, principalmente a partir do ano 2000, com as convenções da Organização das Nações Unidas (ONU), a implementação de leis brasileiras específicas e pesquisas de cunho social. (THOMA; KRAEMER, 2017).

Entretanto, ao pesquisar sobre o entendimento da chamada inclusão, em um viés voltado às questões sociais, conceitos e entendimentos encontrados são variáveis, tanto conforme o período histórico como, também, de acordo com as áreas sociais às quais os discursos de inclusão estão sendo direcionados. Este estudo, aborda a perspectiva da Educação, mais precisamente no nível de ensino superior, ao grupo social das Pessoas com Deficiência – PcD.

No que se refere às conquistas das PcD, no âmbito do ensino, através de movimentos sociais, houve o aperfeiçoamento das leis que estabelecem os direitos dessa população no Brasil com a Constituição Federal de 1988; a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996; e, a mais atual, a Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015, Lei Brasileira de Inclusão (Estatuto da Pessoa com Deficiência), LBI. Nesta última, a Educação no Ensino Superior, é tratada nos Artigos 28 e 30.

Contudo essa pesquisa realizada no ambiente acadêmico justifica-se aos poucos estudos bibliográficos que encontramos sobre a inclusão nesse nível de ensino, se comparado à Educação Básica. Neste sentido, Santos e Hostins (2015) destacam a importância de desenvolver mais pesquisas com ênfase no ensino superior, visto que até mesmo a legislação brasileira apresenta algumas lacunas e déficits de especificações em comparação às leis1 estabelecidas para a Educação Básica.

Sobre o uso do termo inclusão, Lopes e Dal’Igna (2007) afirmam que se trata de uma invenção do período histórico contemporâneo e tem um sentido de verdade e de realidade, a partir do momento que se torna um discurso social. No entanto, para fazer uma pesquisa sobre um termo com um significado amplo, como é o caso da inclusão, torna-se necessário discutir sobre o seu significado, bem como de qual perspectiva ele será investigado e analisado. Partindo desse pressuposto e considerando a obra A sociedade Vista do Abismo, de José de Souza Martins (2002), antes de discutir sobre a inclusão precisamos compreender sobre a exclusão, pois é a partir dos sujeitos definidos como excluídos que se pensam maneiras para incluí-los. O autor inicia afirmando que exclusão é um tema que faz parte de categorizações imprecisas para definir os aspectos mais problemáticos da sociedade contemporânea no Terceiro Mundo. Dela foi gerado o substantivo excluído como uma categoria social e de uma qualidade sociologicamente identificável nas pessoas e relações sociais, algo como “uma certa consciência social das próprias vítimas da exclusão” (p. 25). Porém, diz o autor, “a categoria ‘excluído’ não é verificável na prática, na vivência dos chamados excluídos” (p. 25).

Torna-se relevante, assim, analisar a percepção do aluno com deficiência, para verificar diferentes pontos de vista com o intuito de compreender a situação da inclusão atualmente em determinado tempo e espaço, neste caso, a Universidade. Para isso, serão utilizadas três categorias pré-estabelecidas sobre o entendimento de inclusão: o acesso, a permanência e as oportunidades desses acadêmicos. A partir delas, este artigo objetiva identificar e analisar a percepção dos alunos com deficiência a esses pontos.

A contribuição do ensino superior na representação da Pessoa com Deficiência na sociedade

Ao se abordar sobre o tema representação social, ou até mesmo sensação de pertencimento, torna-se relevante iniciar com uma breve introdução sobre a principal “parte” envolvida nesse contexto, o corpo. O entendimento de corpo vai além de uma estrutura física da anatomia num sentido estritamente fisiológico, o corpo engloba vários fatores que formam a identidade de um indivíduo e sua representação social e cultural. A sua definição pode ser compreendida tanto pela ciência Fisiológica, com base biológica e expressão corporal, quanto pela Psicanálise, representado pela “inteligência, emoção e sentimento”. Reitera-se, ainda que, há seis dimensões para melhor compreender o corpo em sua plenitude, classificado como física, fisiológica, social, histórica, energética e cultural. Dessa maneira, é possível ter uma visão mais ampla da concepção de corpo e desarticular seu sentido unicamente material (COSTA, 2011 p. 246).

A construção do significado de corpo, conforme Zilotto e Santos (2008), é histórica e social, pois passa por várias transições de significados e de valorização na sociedade conforme o período histórico. Bem como representa uma função social, por meio de sua imagem como a forma de se vestir, tatuagens, comportamento entre outros. Segundo Le Breton (2006), é a aparência do corpo que faz com que o indivíduo tenha sua representação social, ou seja, sua maneira de vestir, pentear, o uso de acessórios e cuidados com o corpo geram a sensação de pertencimento na sociedade.

Conforme Le Breton (2006), a aparência pode ser considerada um sinônimo de aceitação perante a sociedade, com isso, pode ser entendida como o principal fator de preconceito caso não esteja de acordo com os padrões impostos e, assim, desvalorizando-os socialmente. Essa diferença na aparência corporal é considerada como imperfeição moral e/ou de pertencimento, além de ser vista, também, como um estigma. Neste sentido, Amaral (2006, pág 426) menciona:

As pessoas com deficiência causam estranheza num primeiro contato, que pode manter-se ao longo do tempo a depender do tipo de interação e dos componentes dessa relação. O preconceito emerge como um comportamento pessoal, porém não pode ser atribuído apenas ao indivíduo, posto que não se restringe a exercer uma função irracional da personalidade.

As limitações corporais são responsáveis pela construção da identidade e influenciam diretamente nas relações humanas e sociais, impactando assim na desvalorização da Pessoa com Deficiência numa sociedade excludente, visto que um padrão de beleza e uma boa saúde é muito valorizado, já caso apresente alguma deformidade, o indivíduo é representado num patamar social inferior (ZILOTTO e SANTOS, 2008; SANTOS e SILVA, 2011).

A partir dessa breve abordagem sobre o corpo e seu significado, volta-se ao tema desse estudo que se refere à inclusão no ensino superior. Será transcorrido a partir daqui sobre a contribuição da universidade para que essa inclusão realmente aconteça na prática, num viés sobre a representação social do corpo exclusivamente da PcD.

Alguns apontamentos já foram citados em outros momentos desse estudo, quanto aos desafios e barreiras enfrentados pelas PcD para que haja a efetiva inclusão social delas. Já, em relação à universidade há alguns quesitos mais específicos a serem observados, considerados como barreiras para a prática dessa inclusão. Sendo uma delas, a ideia equivocada em confundir integração com inclusão, Omote (2016) cita que o fato de alunos com deficiência terem ingressado na universidade e estarem com os demais alunos sem deficiência não é uma inclusão. Ou seja, “é necessário que os estudantes com deficiência tenham acesso a todas as oportunidades sociais, culturais e acadêmicas, de cuja participação pode depender a sua formação universitária integral”. O autor acrescenta ainda que o ensino superior só pode ser considerado inclusivo quando o ensino for de qualidade e que disponibilize de diversos recursos para que esse ensino seja aproveitado por todos os acadêmicos independentemente de suas limitações ou capacidades.

Outros apontamentos mencionados quanto ao procedimento para que uma universidade possa ser considerada inclusiva é citado por Machado (2014), afirmando que:

Pensar numa universidade inclusiva requer que os profissionais de educação que estejam mais próximos dos educandos a serem incluídos, devem saber mais sobre como agir, como ensinar, como lidar com a diversidade, ter dimensões técnicas. Enquanto os gestores precisam ter mais conhecimento da dimensão gerencial e também administrativa: saber diagnosticar, planejar, controlar e avaliar (MACHADO, 2014, p. 127).

Partindo do pressuposto que as universidades adotem medidas para garantir a inclusão de seus alunos, superando as barreiras anteriormente mencionadas, o ensino superior é considerado o principal ambiente de transformação, mediação e de contribuição para questões relacionadas à inclusão.

Essa inclusão compreendida de modo diferente de integração, significa promover no aluno uma sensação de pertencimento tanto no ambiente universitário quanto no social. O estudo de Braga e Schumacher (2013) corrobora sobre esse fortalecimento do pertencimento social esclarecendo sobre questões de reconhecimento como um fator de desenvolvimento da identidade num viés de combinação de elementos coletivos e individuais.

Essa sensação de pertencimento está associada à valorização social, o reconhecimento do indivíduo na sociedade como cidadão de direitos, sendo esse reconhecimento, de acordo com Souza (2012), numa perspectiva de Charles Taylor, entendido como a atribuição de respeito e autoestima, considerado um vínculo para a formação da identidade tanto individual quanto coletiva. Ainda conforme a tese de Souza (2012), o reconhecimento ou a falta dele atinge diretamente a identidade do indivíduo ou grupo social, impactando na desvalorização social deles que os classifica como grupos inferiores, Além de influenciar na própria autoimagem dessas referidas pessoas, as quais interiorizam essa sensação de desvalorização e sentem-se de forma depreciadas naturalmente. Dessa forma, entende-se a importância do reconhecimento tanto relacionado ao respeito da sociedade à diversidade e, assim, na constituição de uma igualdade de direitos, quanto, para que as leis de igualdade sejam eficazes.

Conforme Nunes e Magalhães (2016), as instituições de ensino superior apresentam um papel importante para o fortalecimento da inclusão social desse grupo social representado pelas PcD, pois, por conter um espaço de discussão e reflexão das questões de diversidade social, é possível proporcionar um senso crítico e inovador para criar estratégia para minimizar as desigualdades sociais e promover uma inclusão social de maneira mais eficaz.

Sobre essas contribuições que são mencionadas no estudo de Fernandes (2016), no qual constata após sua pesquisa, que é possível identificar a intensificação do reconhecimento e pertencimento social dessa população tanto dentro da academia quanto uma preparação para a sua vida social, exemplificando, assim, que a sala de aula é um espaço para reflexão de diversidade cultural bem como é capaz de “(trans) formar as pessoas”.

Teixeira e Maciel (2017) reiteram essa questão, ao afirmar que uma das propostas do Programa Nacional da Educação (PNE) para o nível superior de ensino, é que consigam promover atividades de pesquisa e extensão para diminuir as desigualdades sociais. Bem como, por ter, também, o objetivo de qualificar os alunos para o mercado de trabalho e formar sujeitos críticos, as instituições tornam-se as principais responsáveis em conseguir promover o fortalecimento da sensação de pertencimento desses alunos perante a sociedade.

Para Amorim, Medeiros Neta e Guimarães (2016, p. 244), um fator importante a ser refletido, para a efetivação da inclusão, além dos já citados, consiste em não fragmentar a inclusão por setores sociais, ou seja, é preciso pensar num todo social, não basta a inclusão na Educação, se após esses alunos concluírem o nível de ensino não serem incluídos na sociedade. Os autores sugerem um rompimento nas “barreiras sociais”, no que se refere ao preconceito e reconhecimento, garantindo as Pessoas com Deficiência o direito pleno de “participação na vida econômica, política, social e cultural do país”.

Metodologia

Para alcançar o objetivo proposto neste artigo, a metodologia caracteriza-se como qualitativa, descritiva e interpretativa. A escolha da metodologia qualitativa justifica-se por possibilitar uma análise mais aprofundada dos fatores que influenciam e impactam nos possíveis resultados. (TURATO, 2005).

O contexto da pesquisa ocorreu em uma universidade do Rio Grande do Sul (o nome da Universidade se mantém em sigilo para não revelar ou identificar os participantes da pesquisa – Resolução 510/16 CNS) e teve como instrumentos para a coleta de dados diários de campo e entrevista semiestruturada. A amostra deteve-se aos alunos com deficiência, tendo como critérios de inclusão: alunos com laudo médico; devidamente matriculados no semestre em que ocorreu a entrevista (2019/01); e que aceitassem participar voluntariamente da pesquisa assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE. Por sua vez, os critérios de exclusão foram: alunos sem deficiência e/ou que não tivessem laudo médico; que não estivessem devidamente matriculados; que não aceitassem participar voluntariamente da pesquisa e/ou não assinassem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE.

A Universidade em questão, no ano de 2019 tinha 43 Pessoas com deficiência matriculados em diferentes cursos. Para a escolha dos alunos participantes foi utilizada a técnica de bola de neve, que, conforme Vinuto (2014), é uma forma de amostra não probabilística que consiste em os participantes iniciais indicarem novos participantes, e esses indicarem outros, sucessivamente, até que dados suficientes sejam obtidos para compor a pesquisa, iniciando com três participantes e, através da técnica de saturação, finalizando em 13 entrevistados.

As entrevistas ocorreram no período de 16 de abril de 2019 a 14 de maio de 2019, com a participação de alunos com quatro tipos diferentes de deficiência e que estavam matriculados entre 7 cursos, conforme descrito no Quadro1:

QUADRO 1: Relação dos Alunos com Deficiência que foram Entrevistados 

Pseudônimo/forma de ingresso na universidade Deficiência Curso Data da Entrevista
Elenir (transferência de outra IES) Visual (monocular) Psicologia - Bacharelado 16 abr. 2019
Fabiana (vestibular) Física usuária de cadeira de rodas) Psicologia - Bacharelado 26 abr. 2019
Gabriela (vestibular) Visual Gestão Financeira - Tecnólogo 02 maio 2019
Hugo (vestibular) Física (prótese) Psicologia - Bacharelado 03 maio 2019
Ivone (vestibular) Física (prótese) Direito - Bacharelado 03 maio 2019
Josi (vestibular) Física (musculatura atrofiada do membro inferior esquerdo) Nutrição - Bacharelado 03 maio 2019
Laura (inscrição) Auditiva Pós-Graduação Direito do Trabalho Previdenciário e Processo do Trabalho 06 maio 2019
Miguel (vestibular) Física(“espinha bífida”) Relações Públicas - Tecnólogo 06 maio 2019
Nádia Física (prótese) Direito - Bacharelado 06 maio 2019
Otávio (PROUNI) Múltiplas deficiências (paralisia física do lado esquerdo, visão, intelectual) Quiropraxia - Bacharelado 07 maio 2019
Paula (vestibular) Auditiva Quiropraxia - Bacharelado 09 maio 2019
Queiroz (vestibular) Física (lesão joelho esquerdo) Direito - Bacharelado 09 maio 2019
Renato (vestibular) Física (lesão pé direito) Quiropraxia - Bacharelado 14 maio 2019

Fonte: Elaborado pelos autores.

Um roteiro contendo quinze questões para as entrevistas iniciando com uma apresentação dos participantes, com perguntas referentes a sua história de vida, seguido por questionamentos sobre suas vidas acadêmicas e profissionais.

Após a coleta dos dados, foi utilizada a proposta de análise de conteúdo de Bardin (2016, p. 131), seguindo, assim, três etapas: 1) Pré-análise; 2) Exploração do material; e 3) Tratamento dos resultados obtidos. Foram pré-estabelecidas, nesse caso, três categorias para análise, as quais compõem o entendimento legal de processo de inclusão, sendo elas determinadas como: 1ª) o acesso – que trata de medidas tomadas pela universidade para facilitar e garantir a acessibilidade do espaço e de recursos materiais para os candidatos no momento do processo seletivo, o vestibular; 2ª) a permanência – que são as ações previstas e elaboradas pela universidade para garantir o percurso do acadêmico e a equidade para um ensino digno e igualitário, evitando assim a evasão; e 3ª) as oportunidades – que se referem às vagas de estágios e de empregos destinados a esses alunos (BRASIL, 2015).

Essa pesquisa respeitou os parâmetros éticos conforme Resolução 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde, ciente sobre as obrigações éticas, preservando o respeito às pessoas, e foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da XXXXXX, sob o número 04497118.3.0000.5348.

Resultados e discussões

Para apresentar os resultados e seguir com uma discussão teórica sobre as informações obtidas pelos alunos entrevistados, o tema Inclusão foi divido em três subtítulos conforme as categorias pré-estabelecidas, sendo elas: 1) Acesso, 2) Permanência e 3) Oportunidades dos alunos com deficiência no ensino superior.

Em cada uma das categorias, inicia-se com um quadro síntese informando as perguntas feitas aos alunos e uma relação, resumida, de suas respostas, conforme as semelhanças entre seus relatos. As perguntas que estão nos quadros sínteses 2, 3 e 4 foram elaboradas de uma maneira própria neste artigo, a fim de apresentar de forma organizada as respostas dos entrevistados, pois, como a entrevista foi semiestruturada, essas perguntas foram realizadas em forma de conversação, seguindo apenas um roteiro com questões que nortearam essa conversa.

Após a elaboração dos quadros sínteses, seguem alguns relatos discursivos e mais detalhados, bem como com uma discussão teórica sobre as informações obtidas pelos alunos entrevistados.

Acesso dos alunos com deficiência na universidade

Para iniciar uma discussão sobre as informações obtidas dos alunos quanto ao processo seletivo para o ingresso à universidade, apresenta-se o Quadro 2. Trata-se de um quadro síntese, o qual contém uma pergunta que representa os procedimentos pelos quais os candidatos passaram durante a inscrição do vestibular.

Quadro 2: Quadro síntese das questões sobre o acesso dos alunos 

Pergunta 1: Na inscrição do vestibular você indicou sobre a sua deficiência? Se sim, solicitou alguma adequação e/ou recurso?
Resp. 1: Indicou a deficiência e solicitou recurso. Resp. 2: Indicou Deficiência e não solicitou recurso e ou adequações Resp. 3: Não indicaram a deficiência:
1 Aluno: - Miguel, adaptação estrutural para usuário de cadeira de rodas. 3 Alunos: Fabiana; Hugo; Renato.

9 Alunos:

• Houve três motivos para essa resposta:

1) Entrou por outros meios: transferência (Elenir); Prouni (Otávio).

2) Ficaram deficientes após estarem cursando o ensino superior (Ivone; Queiroz).

3) Não sentiram a necessidade de informar, pois não precisariam de adequações (Gabriela; Josi; Laura; Nádia; Paula).

Fonte: Elaborado pelos autores.

Conforme é possível observar no Quadro 2, 4 alunos indicaram na inscrição que tinham algum tipo de deficiência e desses apenas 1 indicou que precisava de adequações.

Já os entrevistados que não indicaram deficiência representam a maior parte dos alunos, sendo que 5 destes não indicaram por não sentirem necessidade de informar, já que entenderam não necessitarem de adequações estruturais ou recursos didáticos. Nota-se que um percentual expressivo dos estudantes não seguiram os procedimentos que lhes são garantidos em lei e que são cumpridos pela universidade.

Entre os entrevistados, o único aluno que indicou a deficiência no campo de inscrição do vestibular e solicitou adequações foi o Miguel (usuário de cadeira de rodas), acadêmico do curso de graduação em Relações Públicas. Sua deficiência é devida a uma má formação da coluna vertebral, chamada mielomeningocele, também conhecida como espinha bífida. Conforme observado em suas atitudes e fala, esse entrevistado entende muito dos direitos das PcD, pois, além de trabalhar como estagiário remunerado na Secretaria da Assistência Social de um município do Vale do Sinos / RS, exercendo uma função de atendimento à população que enfrenta dificuldades de acessibilidade aos serviços públicos, ele também, impõe-se na universidade como um acadêmico de inclusão, reivindicando seus direitos e tentando mobilizar algumas ações, conforme é possível identificar em sua fala

Essa sempre foi uma briga quando entrei aqui, minha briga sempre foi essa. Gente! 21 a 28 de agosto é a semana da Psicodeficiência, e o que é feito aqui na universidade? Nada! Meu Deus, a gente tem um monte de cadeirantes aqui na universidade e não é feito nada! Vamos lá gente. Pra que existe o DCE? (MIGUEL, GRADUANDO DE RELAÇÕES PÚBLICAS, DEFICIENTE FÍSICO, 06/05/2019).

Sua fala era carregada de emoções convergiram entre empolgação e indignação, gesticulando e enfatizando com entonação, elevando o tom de voz em alguns momentos, como um alerta para uma mobilização. Esse entrevistado, foi comunicativo durante toda a entrevista, que teve maior duração de tempo entre todas.

No caso de Miguel, duas questões podem ser observadas para poder compreender o motivo de ter tanto indicado que tem uma deficiência como por ter solicitado adequações estruturais na inscrição do vestibular. A primeira, sua postura determinada de alguém que conhece seus direitos e luta por eles ao longo de sua vida. A segunda, sobre a influência e incentivo que recebeu de sua família. Outros estudos já afirmam que os apoios recebidos pela família do aluno com deficiência são elementos fundamentais para eles avançarem nos níveis de ensino. (NASCIMENTO, 2011; ROSSETO, 2009).

Já os três alunos que indicaram na inscrição do vestibular que tinham uma deficiência, mas não solicitaram recursos ou adequações, são todos deficientes físicos, sendo uma usuária de cadeira de rodas e dois amputados com próteses. Todos afirmaram que, mesmo não tendo solicitado adequações, algum funcionário do NAIA (Núcleo de Apoio a Inclusão e Acessibilidade da instituição de ensino) entrou em contato com eles via telefone, dias antes da prova do vestibular, para se certificar que realmente os candidatos não necessitariam de nenhuma adequação.

Essa medida adotada pelo NAIA é considerada uma ação interna da Universidade, ou seja, não está determinada em lei. Na legislação é previsto apenas que as instituições de ensino superior devem criar ações por meio de um Núcleo de Acessibilidade, com a finalidade de garantir a acessibilidade e igualdade de ensino e aprendizagem desses alunos (NUNES; MAGALHÃES, 2016).

A terceira resposta, conforme o Quadro 2, foi de 5 alunas que, mesmo tendo algum tipo de deficiência comprovadas por laudo médico, não as informaram na inscrição do vestibular. Todas essas entrevistadas justificaram suas respostas de maneira semelhante, argumentando que, como não necessitariam de adequações, não marcaram o referido campo. Assim, uma das entrevistadas relatou: “Ali pedia pra marcar, mas como eu não precisei de nada adicional, não preciso de Libras, então não” (LAURA, PÓS-GRADUANDA EM DIREITO, DEFICIENTE AUDITIVA, 06/05/2019).

Contudo, no decorrer das entrevistas, falas relacionadas à vergonha de que outros saibam de suas deficiências ou mesmo de aceitar que as têm, levanta o questionamento do motivo de as entrevistadas não terem informado, no referido campo, não ser condizente com suas respostas. Fica evidente no relato:

Então, eu sempre escondi, eu sempre fingi que entendia o que os outros falavam e tal, se falassem comigo eu só dizia: “uhum”. Fingindo que tinha entendido, mas eu não entendia nada na verdade, sabe. Só que eu tinha vergonha de dizer que eu não escutava (LAURA, PÓS-GRADUANDA EM DIREITO, DEFICIENTE AUDITIVA, 06/05/2019).

Essa entrevistada relata, em vários momentos da entrevista, a vergonha de informar sobre sua deficiência auditiva, inclusive escondendo o aparelho auditivo com um determinado penteado de cabelo. Ela diz, ainda, que já se prejudicou muito nas aulas por não entender o que o professor falou e ter vergonha de perguntar novamente.

Essa situação pode ser considerada como um possível auto-preconceito, termo utilizado por Pacheco e Alvez (2007) ao afirmarem que comportamentos semelhantes ao da referida aluna, em esconder sua deficiência por se sentir constrangida que alguém a perceba, é considerado um dos desafios que implicam no processo de inclusão dos alunos com deficiência. Castel (1997) corrobora, acrescentando que essa situação, possivelmente, é resultado de fatores históricos, sociais e culturais, como é o caso da marginalização desses grupos minoritários socialmente.

Para finalizar essa etapa da entrevista sobre o acesso, questionou-se a todos os entrevistados sobre seus resultados no vestibular. A resposta foi unânime, ao relatar não ter ocorrido nenhum empecilho durante a realização da prova e que foram aprovados na primeira tentativa.

Outros fatores como políticas públicas de ampliação de vagas (PROUNI) e de financiamentos estudantis (FIES) contribuíram para a inserção destes alunos na universidade, porém, conforme um estudo de Zago, Paixão e Pereira (2016), o acesso, atualmente, não é mais um ponto determinante na questão de exclusão do ensino superior, mas sim a permanência, pois envolve vários fatores que podem implicar para o sucesso acadêmico dos alunos. Partindo desse princípio, a próxima categoria pré-estabelecida nesse estudo trata sobre as questões de permanência desses alunos.

Permanência dos alunos com deficiência na universidade

A questão da permanência dos alunos no ensino superior é a mais complexa entre as três categorias pré-estabelecidas neste artigo, pois diferentes fatores podem influenciar nesse caso, como materiais e estruturais, sendo esses relacionados a adaptações de recurso e edificação do espaço, até atitudinais como a relação com as pessoas que se constituem o mesmo ambiente de convivência das PcD.

Na Lei nº 13.146/2015, a LBI, constam algumas medidas estabelecidas que devem ser cumpridas pelas instituições de ensino, por meio de ações, a fim de garantir a permanência desses alunos, é o caso do Art 28, nos incisos II,V, VI, XI, XII, XVI, que falam sobre o aprimoramento dos sistemas educacionais, medidas que favorecem o acesso, permanência e participação de PcDs, pesquisas voltadas ao desenvolvimento de recursos assistivos, formação de docentes, oferta de Libras e Braille, além de acessibilidade para estudantes, funcionários e demais integrantes.

Apesar de constar na LBI pouco é especificado sobre quais medidas devem ser promovidas. Segundo Farias e Ribeiro Júnior (2018), essas ações devem ser elaboradas e aplicadas por meio de núcleos de acessibilidade, conforme está estabelecida essa responsabilidade, atribuída às instituições de ensino superior, nos Decretos nº 7.234/2010 e 7.611/2011.

Considerando, assim, a categoria sobre permanência uma questão que envolve diferentes fatores que a influenciam, o roteiro de contemplou questões de diferentes aspectos de permanência dos entrevistados como, inclusive, sobre a vida acadêmica dos alunos, a sua interação e/ou participação nas atividades acadêmicas, além das obrigatórias do currículo; as suas relações com os colegas e professores; sua situação em relação aos processos pedagógicos (métodos avaliativos e compreensão dos conteúdos); e sobre os desafios para continuar estudando.

As principais questões que nortearam a conversa durante a entrevista semiestruturada estão apresentadas no Quadro 3:

Quadro 3: Quadro síntese das questões acerca da permanência dos alunos com deficiência 

Pergunta 1: Participa ou tem interesse em participar que alguma atividade extracurricular?
8 Alunos que não participam e não têm interesse: (Elenir; Hugo; Ivone; Josi; Miguel, Otávio, Paula, Renato). 4 Alunos que não participam e têm interesse: (Gabriela; Laura, Nádia, Queiroz). 1 Aluno que participa: (Fabiana).
Pergunta 2: Como considera a relação entre os colegas e professores?
Todos os alunos entrevistados relataram não ter nenhum problema de relacionamento, porém, ao longo da entrevista, algumas situações foram relatadas, como a dificuldade de interagir por motivos de timidez e falta de compreensão, tanto dos colegas quanto dos professores.
Pergunta 3: Como considera o seu entendimento de ensino quanto aos conteúdos das disciplinas e métodos avaliativos? (Questão relacionada a sua aprendizagem).
Todos os alunos entrevistados responderam que não têm dificuldade, contudo, no decorrer da entrevista, alguns mencionaram situações que, de alguma forma, direta ou indiretamente, implicaram em seu processo de ensino e aprendizagem. Situações, essas, que variaram desde problemas de saúde ou limitações decorrentes de suas deficiências até problemas de adequações estruturais, materiais e relacionais com os docentes.

Fonte: Elaborado pelos autores.

A Pergunta 1, apresentada no Quadro 3, foi elaborada com o intuito de verificar o engajamento dos acadêmicos com as atividades desenvolvidas pela universidade. Entre os motivos, tanto dos que tinham quanto dos que não tinham interesse, predominou a justificativa de falta de tempo. Essa questão é verificada, também, em uma pesquisa de Hirsch et al.(2018), que identificou o fator ‘Falta de Tempo’ como um dos maiores geradores de estresse no ambiente formativo. Já no estudo de Sanfelice et al. (2018), sobre a qualidade de vida dos jovens, os sujeitos costumam ter uma sobrecarga de responsabilidades, pois encontram-se em um processo de conquistas. Sendo possível associar essa afirmação, para compreender a resposta que justifica a não participação, dos alunos desse estudo, em atividades extracurriculares.

Outro motivo destacado é do sentimento de despreparo e insegurança dos acadêmicos, como relata o entrevistado Otávio: “Eu não me sinto preparado ainda por não estar fazendo disciplinas tão específicas do curso. do Eu estou fazendo as gerais ainda, então eu acho que seria algo mais para frente” (OTÁVIO, GRADUANDO EM QUIROPRAXIA, MÚLTIPLAS DEFICIÊNCIAS, 07/05/2016). Esse entrevistado estava cursando o segundo semestre.

De acordo com essa justificativa é possível que ela não esteja associada com o motivo dele ser uma PcD, para essa dedução, dois estudos contribuem, distintamente, ao abordarem essa questão sobre a percepção de capacidade dos acadêmicos, o primeiro é o já mencionado de Hirsch et al. (2018), que em sua amostragem de 146 universitários, a maioria estava matriculado no início do curso (terceiro semestre) e possuía a percepção de um baixo conhecimento associando a sensação de seu ingresso recente no curso.

Contudo, o segundo estudo aborda que essa sensação de insegurança ou de incapacidade esteja relacionada a motivos que vão além do pouco tempo de curso, é referenciada por Pacheco e Alvez (2007), como visto anteriormente, pode ser entendida, como o chamado auto-preconceito, sendo esse responsável pela falta de confiança das próprias PcD em relação as suas capacidades.

Esse ‘auto-preconceito’, foi mais perceptível na fala de uma outra entrevistada que já concluiu uma graduação e atualmente é pós-graduanda, quando questionada se ela participava de alguma atividade/projeto:

Não, eu sempre tive sonhos, muita vontade de saber o que tinha assim de projetos, (hããã), que eu pudesse assim me encaixar, mas em toda a graduação eu não consegui me encaixar em nenhum. Eu falava com os professores, eu perguntava se tinha algum projeto que eu pudesse ajudar, colaborar, mas assim, [nunca, nunca] deu certo. Eu não sei te dizer porquê, sabe. [...]Eu queria participar, sabe; queria de alguma forma colaborar, aí eu fico pensando que eu não tenho conhecimento que chega pra isso (LAURA, PÓS-GRADUANDA EM DIREITO, 06/05/2019).

Essa aluna foi a mesma que relatou ter vergonha de mostrar que tem alguma deficiência e inclusive esconde que usa aparelho auditivo. Em vários momentos da entrevista ela fala sobre ser tímida e associa as suas dificuldades de interação, e de certa forma de aprendizagem, com a sua deficiência.

Prosseguindo sobre as perguntas, em relação à permanência dos alunos com deficiência, questionou-se sobre suas relações pessoais com os que os cercam no ambiente acadêmico, ou seja, os colegas e professores, conforme a Pergunta 2 do Quadro 3. Todos responderam, primeiramente, que têm uma relação boa e sem complicações, contudo, no decorrer das entrevistas, surgem falas que levam a dúvidas sobre suas respostas iniciais:

Na Pós teve uma cadeira, nesse grupo que eu estou agora, a gente tinha aula, como se fosse assim ó, metade da turma dividida, metade da turma achava um absurdo as cotas, achavam um absurdo a inclusão. Sabe que eu tinha vergonha de dizer, de mostrar o meu aparelho sabe. Eu chegava no meu cantinho, escutava a aula e ia embora, sabe? Foi tudo assim, [porque, porque] no início da Pós, ah, eu não conhecia muita gente e tal ali né, então não fui muito de interagir. Uma ou outra pessoa assim que conversava comigo.[...] Então teve um dia que teve um debate com um professor que veio dar uma disciplina e ele também concordava assim que, ah ele disse assim: “Eu não contrato pessoa com tatuagem, pessoa afro, pessoa com deficiência”, (juiz). Aí a turma que eu sei que é assim, nossa! Foi um debate na sala, pegou fogo naquela aula [...]. Foi muito chato, muito triste. Até teve uma menina que ela parou, ela saiu da Pós. Ela disse: “Não, eu não concordo”. [...] Daí, como a maioria concordava com ele (o professor), então imagina como é que eu fiquei né. Daí deu vontade de parar, deu vontade de tudo sabe, daí eu pensei: eu não tenho que ligar para o que eles pensam, eu tenho que chegar no final do meu curso, entende? Mas se eu olhasse pra isso, eu teria parado também (LAURA, PÓS-GRADUANDA DE DIREITO, DEFICIENTE AUDITIVA, 06/05/2019).

É possível identificar três questões que podem justificar a pouca interação com colegas e professor dessa entrevistada (Laura), a primeira é em relação a sua personalidade, o fato dela demonstrar (durante a entrevista) ser uma pessoa tímida, a segunda é sobre ela ter mencionado, durante a entrevista, que pelo motivo das suas limitações de audição, sempre tenta, durante as aulas, nas primeiras classes da frente e procura não desviar a atenção da fala ou exposição do material do professor. Já a terceira questão, explicitamente, apontada pela entrevistada são relacionadas às atitudes preconceituosas que ela presenciou tanto dos seus colegas quanto do docente. No caso dessa atitude e discurso do professor, nota-se que ela fica surpreendida ao ser proferida por ele, que além de docente é, também, um juiz, ou seja, atitudes que ela não esperava de uma pessoa com essa formação.

No caso do próximo relato, o entrevistado (Otávio) fala sobre o curso anterior ao que está matriculado atualmente e justifica a troca por motivos de não se sentir confortável naquele ambiente. Conforme ele:

Bom, bem tranquilo. Eu tive só, como eu posso explicar? No início era mais complicado, porque eu vi algumas coisas, principalmente no início, na fisioterapia (curso que cancelou), de algumas pessoas que não viram que eu era deficiente, falando sobre outras pessoas que estavam no curso e que eram deficientes. Aí deu pra perceber que não era bem assim, alguns pelo menos, mas a maioria é super de boa. [...]em relação aos professores das disciplinas, na graduação, enfim, eu senti que eles davam muito mais respostas a aceitar minha deficiência e a – como eu posso dizer? – adequar pro meu caso, do que eu tinha visto na fisioterapia, por exemplo. Então eu resolvi mudar por isso, um dos motivos (OTÁVIO, GRADUANDO DE QUIROPRAXIA, MÚLTIPLAS DEFICIÊNCIAS, 07/05/2019).

Percebe-se, durante a fala do entrevistado (Otávio), que o mesmo se sente mais acolhido atualmente, pois ele relata apenas questões ocorridas no seu primeiro curso, informando que esses episódios foram alguns dos motivos que justificaram a sua decisão em mudar de curso.

Ambos os casos relatados pelos entrevistados (Laura e Otávio) abordam o comportamento de relações pessoais, sendo fatores que influenciam na condição de permanência desses alunos. Para Jacomeli (2019, p. 05), mesmo contendo, nas políticas inclusivas, questões relacionadas a garantir a permanência, essa não dever ser entendida, apenas, como a presença física do estudante no ambiente educacional regular, mas sim uma interação educacional, afetiva e social com os demais alunos, com o intuito de não se sentirem isolados.

As demais falas de entrevistados relacionadas aos professores foram direcionadas as abordagens metodológicas. Nesse caso, a Pergunta 3 do Quadro 3, referente à aprendizagem, como o entendimento do conteúdo e os métodos avaliativos, teve como respostas, inicialmente, que não havia nenhum problema quanto aos métodos adotados pelos professores e que tinham um bom entendimento dos conteúdos das disciplinas. Porém, com o decorrer da entrevista, alguns fatos divergentes da resposta inicial foram relatados.

Nas entrevistas de Fabiana e Hugo, ambos deficientes físicos com membros inferiores amputados, percebeu-se que a dor e desconforto decorrentes de suas deficiências, são fatores que interferem no seu processo de aprendizagem, mesmo eles tendo relatado inicialmente não terem nenhuma dificuldade, pois não os deixam se concentrar na matéria e explicação dos professores durante a aula.

Sobre questões relacionadas aos professores que dificultaram ou facilitaram no processo de aprendizagem, sendo esse outro fator que influencia no rendimento e desenvolvimento dos alunos, é relatado por pela entrevistada Gabriela que havia dois perfis docentes, aqueles que compreendiam as dificuldades e auxiliavam e aqueles que não compreendiam e dificultavam a aprendizagem. A entrevistada referiu-se aos professores abrirem uma exceção no seu caso e enviarem os materiais um tempo antes da aula para que ela possa levar impresso, já que é deficiente visual e não consegue enxergar no quadro o que eles escrevem ou a projeção de slides quando usam os equipamentos audiovisuais, como o retroprojetor.

Quanto à acessibilidade de materiais e equipamentos, dois entrevistados relataram que enfrentaram dificuldades para localizar livros na biblioteca e acessar os computadores da Universidade, contudo, nesse último caso, o aluno solicitou adequações e a instituição de ensino adequou. Essa questão pouco foi mencionada, e as que foram, a universidade, ciente da situação, procedeu conforme as demandas solicitadas pelos discentes.

Várias questões surgiram durante as entrevistas nas falas dos alunos quanto às dificuldades no seu processo de aprendizagem. Conforme Farias e Ribeiro Júnior (2018), há muitas questões presentes nas instituições de ensino superior que implicam na permanência dos alunos com deficiência, que são, inclusive, responsáveis como motivo de evasão desses discentes.

Corroborando os autores anteriores, Pagliuca et al. (2015) afirmam que, mesmo havendo políticas inclusivas estabelecidas, essas precisam ser executadas além da acessibilidade estrutural e material, na questão de mudanças de comportamentos atitudinais das pessoas. Já para Candau (2008), esses comportamentos sociais precisam ser refletidos e desconstruídos no ambiente acadêmico, pois são considerados preconceitos e que estão presentes sutilmente e de forma naturalizada.

As oportunidades dos alunos com deficiência

Para este artigo, serão consideradas apenas as oportunidades no âmbito da área de Trabalho, tanto como estágio remunerado, quanto à perspectiva de emprego após a formação. Assim, como os demais subtítulos das categorias anteriores, este também iniciar-se-á com um quadro síntese, que tem como finalidade nortear objetivamente uma análise e discussão dos resultados.

A partir desse resultado, há informações que especificam a situação profissional desses entrevistados, como: o aluno que não está empregado é o Otávio, estudante de Quiropraxia, e com suas deficiências múltiplas ainda está processo de reestabelecimento motor e cognitivo, com atendimentos em diferentes terapias, o que acarreta falta de tempo para exercer uma função remunerada de trabalho.

Os 11 alunos entrevistados que trabalham em um emprego de regime celetista são funcionários da Universidade e exercem funções em diferentes setores. Contudo, é importante destacar que a função deles não está relacionada com a área em que estão cursando. Esses entrevistados afirmam, ainda, que suas contratações ocorreram por meio de um Programa da Instituição de Ensino Superior, denominado Inove4, que é responsável por vária questões relacionadas ao processo de inclusão num viés profissional, como a divulgação e contratação dos candidatos para as vagas destinadas, exclusivamente, às cotas para PcD.

Essa questão de contratação de Pessoas com Deficiência a partir das cotas é uma obrigatoriedade para empresas que tenham um quadro de funcionários igual ou superior a 100 colaboradores, conforme está determinado na Lei nº 8.213, de 24 de Julho de 1991, em seu artigo 93:

Art. 93 - a empresa com 100 ou mais funcionários está obrigada a preencher de dois a cinco por cento dos seus cargos com beneficiários reabilitados, ou pessoas portadoras de deficiência, na seguinte proporção:

  • - até 200 funcionários.................... 2%

  • - de 201 a 500 funcionários........... 3%

  • - de 501 a 1000 funcionários......... 4%

  • - de 1001 em diante funcionários... 5%

(BRASIL,1991)

Observa-se que, conforme essa lei, a quantidade mínima de vagas destinadas a esse público aumenta conforme o número de funcionários (sem deficiência) que a empresa tem empregados. No caso dos 11 alunos entrevistados nesse estudo, todos foram contratados para vagas destinadas a essas cotas que estão estabelecidas em lei. Esse cumprimento, exclusivo, por determinação de um dever legal é criticado em uma pesquisa intitulada O que os empregadores pensam sobre o trabalho da pessoa com deficiência?, de Eliza Tanaka e Eduardo Manizi (TANAKA; MANZINI, 2005) na qual foram entrevistados seis empregadores de empresas nos ramos de comércio, indústria a prestações de serviços. Todos admitiram que a contratação dos funcionários com deficiência ocorreu, majoritariamente, pela obrigatoriedade da lei em vigor, além de que os cargos que os funcionários com deficiência ocupavam exigiam pouca qualificação.

Segundo Pagliuca et al. (2015), ao abordar sobre as oportunidades de trabalho, os autores, também, trazem à discussão o papel da universidade, que, a partir de ações para o processo de inclusão, têm a possibilidade de formar e preparar a PcD para o mercado de trabalho e inserção na sociedade.

Seguindo para as respostas da Pergunta 2, do Quadro 4, sobre as perspectivas de trabalho após a formação acadêmica, em que nem todos almejam trabalhar em um ramo de sua área, conforme a fala de uma aluna entrevistada: “Então, eu não sei ainda, eu preciso procurar emprego né (risos) (FABIANA, GRADUANDA DE PSICOLOGIA, DEFICIENTE FÍSICA, 26/04/2019). Já a aluna Nádia, graduanda de Direito (06/05/2019), afirma estar cursando o ensino superior para conseguir fazer um concurso para ser servidora pública na Polícia Civil, e quando a questiono se ela conhece as oportunidades de trabalho da área de seu curso ela responde que sim, mas que não tem interesse em nenhuma.

Fonte: elaborado pelos autores.

Quadro 4: Quadro síntese das questões sobre as oportunidades aos alunos com deficiência 

Há alunos que pretendem trabalhar em suas áreas de formação, mas se dividem em priorizar o emprego em que estão trabalhando ou conciliar seu emprego atual com uma profissão na qual se formarão:

Olha, eu não pretendo sair, pedir pra sair sabe, mas (hããã) tenho outros planos assim de... de me mudar de cidade sabe, talvez quando isso acontecer, quando eu for procurar uma nova, né, um novo trabalho, eu procuro na minha área, mas por enquanto não tenho interesse(GABRIELA, GRADUANDA DE GESTÃO FINANCEIRA, DEFICIENTE VISUAL, 02/05/2019).

Olha, tem a questão de clínica que eu posso abrir minha clínica né. [...] Mas, de repente, também seria um sonho se eu pudesse continuar trabalhando (hããã) exercendo a minha função aqui na Universidade né, essa oportunidade, ficaria grata. Conseguir juntar as duas profissões (ELENIR, GRADUANDA DE PSICOLOGIA, DEFICIENTE VISUAL, 16/04/2019).

Ambas as entrevistadas (Gabriela e Elenir) afirmam gostarem muito das suas funções e sentem-se gratas pela oportunidade que tiveram em conseguir o seu emprego atual, o que torna difícil a sua decisão de sair mesmo que seja para ingressar em um outro que tenha relação com sua formação acadêmica.

Já o entrevistado Hugo, estudante de Psicologia, é um dos alunos que têm interesse em seguir uma carreira da sua área de formação e, inclusive, desde o início da entrevista, ele demonstra ter conhecimento dos seus direitos e afirma usar deles para conseguir um emprego na sua área. Segue sua fala:

Eu aprendi a usar muito o benefício que a deficiência me trouxe, sabe. Eu não ia muito atrás de benefício, hoje eu sei que muita empresa tem a questão de cotas, então se eu não seguir a minha profissão, a minha formação, dentro da (nome da universidade), eu vou procurar isso em outra empresa, por exemplo uma multinacional, área de recrutamento de uma empresa, RH, eu sei que é uma luta para uma empresa contratar um PcD qualificado, achar um profissional qualificado PcD. Tu tendo um diploma facilita muito pra eles né. Então, eu acho que tu [tando] preparado para o mercado de trabalho, sendo, usando a questão de tu ser um PcD, facilita o teu acesso a novas empresas. Então, eu penso em seguir o viés da psicologia organizacional né, trabalhar na área de recrutamento (HUGO, GRADUANDO DE PSICOLOGIA, DEFICIENTE FÍSICO, 03/05/2019).

Esse entrevistado é enfático ao afirmar que pretende seguir uma profissão condizente a que estuda em seu curso. No seu emprego atual não está exercendo uma função que tenha essa relação, mas afirma que após sua formação, caso não consiga isso dentro da instituição em que trabalha, procurará em outro lugar por uma vaga relacionada à Psicologia, sendo esse o curso em que está matriculado.

Conforme Thoma e Kraemer (2017, p. 06), a Educação tem responsabilidades que vão além da aprendizagem dos estudantes, “passa a ser um lugar que assume o compromisso de acompanhar, regular e gerenciar as formas de vida da população escolar”. Isso ocorre por meio de uma “aliança” entre a instituição de ensino e outros setores sociais, como o mercado de trabalho. Com isso, a Educação promove projetos e ações que englobam o amplo contexto social, objetivando, assim, a formação de indivíduos críticos, produtivos e autônomos.

Considerações finais

A partir do desenvolvimento desse artigo, foi possível perceber certos padrões em cada uma das três categorias, apresentando-as a seguir:

  1. O acesso, ou seja, o ingresso na universidade, ocorreu de três formas entre os 13 entrevistados: 11 por vestibular, 1 por transferência e 1 pelo Prouni. Dos alunos que entraram via exame do vestibular, mesmo estando estabelecidas em lei medidas para proporcionar o acesso com igualdade de acessibilidade aos alunos, apenas 1 marcou na inscrição que tinha deficiência e solicitou adequações, os demais ou marcaram que tinham deficiência e não solicitaram adequações/recursos ou optaram por não marcar o campo específico na inscrição. Esses que não indicaram sua deficiência justificaram que não o fizeram por acreditar não ser necessário, quando não precisam de adequações. Contudo, suas falas se contradizem no decorrer da entrevista, quando relatam outros motivos, como ter vergonha de que as outras pessoas saibam de suas deficiências ou mesmo que tiveram dificuldades em aceitar que as têm.

  2. Na categoria permanência, foi verificado pouco engajamento com as atividades desenvolvidas pela universidade, pois apenas uma acadêmica participava de um projeto extracurricular. Entre os demais, a justificativa que prevaleceu foi a falta de tempo, seguida da sensação de não se sentirem preparados para participar.

  3. Oportunidades foi a terceira categoria discutida, sendo essa exclusivamente sobre o mercado de trabalho, como: empregos com registro, em que 11 (onze) dos entrevistados estão empregados, porém, nenhum exerce uma função condizente à área de seu curso. E 1 (um) entrevistado está desempregado devido a sua condição de saúde em consequência de tratamentos por causa de sua deficiência, decorrente de um fato que ocorreu há aproximadamente 3 anos. Outra questão abordada nessa categoria foi a perspectiva profissional dos acadêmicos após a formação, mesmo a maioria almejando trabalhar em algo relacionado a sua área, 2 (dois) entrevistadas não possuíam esse interesse.

E para concluir viu-se que, mesmo havendo leis e ações de políticas públicas para garantir a acessibilidade dos alunos com deficiência ao âmbito educacional, no nível de ensino superior ainda há uma defasagem nas especificações legais se comparadas aos outros níveis de ensino da educação básica. Bem como, há possíveis fatores sociais, históricos e culturais que podem influenciar para a chegada ao acesso e também à permanência desses alunos na universidade. Então vale ressaltar a relevância de mais estudos investigativos e de ações para que haja uma efetiva inclusão destes estudantes no ensino superior

4“O Programa Inove, criado em 2007, objetiva proporcionar a inclusão e o desenvolvimento de pessoas com deficiência no quadro de funcionários da (nome da universidade). Conta com profissionais de diferentes áreas de atuação, os quais, por meio de projetos e ações, trabalham para atender os funcionários com deficiência e disseminar uma cultura institucional inclusiva” (SITE DA UNIVERSIDADE, 2019).

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Recebido: 01 de Maio de 2022; Aceito: 01 de Junho de 2022; Publicado: 01 de Julho de 2022

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