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Jornal de Políticas Educacionais

On-line version ISSN 1981-1969

J. Pol. Educ-s vol.16  Curitiba  2022  Epub May 30, 2023

https://doi.org/10.5380/jpe.v16i0.87366 

Artigos

Educação mediada por tecnologia em uma comunidade de difícil acesso na Amazônia

Technology mediated education in a difficult access community in the Amazon

Educación mediada por tecnología en una comunidad de difícil acceso en la Amazonia

1Doutor em Educação pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. Professor na Faculdade Católica de Rondônia. Superintendente de Comunicação da Assembleia Legislativa de Rondônia. Membro do Conselho Técnico do Evolução Instituto de Pesquisa em Biotecnologia, Bioeconomia e Educação. Porto Velho, Rondônia. Brasil. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-4860-9953. E-mail: alessandro.lubiana@fcr.edu.br


Resumo

O Ensino Médio Mediado por Tecnologia (EMMT) é uma política implantada no ano de 2016, no estado de Rondônia. Neste modelo, os alunos se dirigem a uma escola, em qualquer local do Estado, onde recebem aulas ao vivo, via satélite, ministradas por um professor que está em estúdio e recebem o apoio de um professor presencial. Com a conclusão das primeiras turmas de EMMT, coube investigar as contribuições dessa política para os egressos de uma comunidade ribeirinha de difícil acesso na Amazônia, examinando as possibilidades de escolhas provocadas pela Educação Mediada por Tecnologia na percepção do egresso do Ensino Médio. A abordagem da pesquisa é qualitativa, baseada em entrevistas com questionário semiestruturados, os quais foram analisados por meio da análise do discurso de Bardin (2011) e da teoria da complexidade de Morin (1999). Participaram oito egressos do ensino médio, no distrito de Calama, que dista duzentos quilômetros da sede do município de Porto Velho, RO, e só é acessível por barco. Os resultados da pesquisa evidenciam que essa política pública, em lugares de difícil acesso, por meio das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) na Educação oportunizou o ensino a comunidades remotas e contribui para que existam apropriações que possibilitam, na perspectiva de Kleine (2013) e Sen (2000), escolhas aos egressos ao término do ensino médio que favorecem o seu desenvolvimento.

Palavras-chave: Educação; Egressos; Ensino Médio; Mediação Tecnológica; TICS

Summary

Technology-Mediated High School (EMMT) is a policy implemented in 2016 in the state of Rondônia. In this model, students go to a school, anywhere in the state, where they receive live classes, via satellite, taught by a teacher who is in a studio, and receive support from a face-to-face teacher. After the conclusion of the first EMMT classes, it was necessary to investigate the contributions of this policy to the egresses of the course from a riverside community of difficult access located in the Amazon, in order to examine the possibilities of choices provoked by Technology-Mediated Education from the perspectives the High School egresses. The research approach is qualitative, based on interviews with semi-structured questionnaires, which were analyzed under the light of Bardin (2011) discourse analysis and Morin (1999) complexity theory. Eight high school egresses participated in the study, in the district of Calama, which is 200 kilometers from the seats of the municipality of Porto Velho, RO, which is only accessible by boat. The research results show that this public policy, in places of difficult access, through Information and Communication Technologies (ICTs) in Education, has provided teaching opportunities to remote communities and contributes to the existence of appropriations that allow, according to Kleine (2013) and Sen (2000) perspective, choices to the egresses from High School programs that favor their development.

Keywords: Education; Egresses; High School; Technological Mediation; TICs

Resumen

La Escuela Media Mediada por Tecnología (EMMT) es una política implementada en 2016 en el estado de Rondônia. En este modelo, los estudiantes van a una escuela, en cualquier parte del estado, donde reciben clases en vivo, vía satélite, impartidas por un docente que está en el estudio, y reciben apoyo de un docente presencial. Con la conclusión de las primeras clases de la EMMT, fue necesario investigar los aportes de esta política para los egresados de una comunidad ribereña de difícil acceso en la Amazonía, examinando las posibilidades de elección provocadas por la Educación Mediada por Tecnología en la percepción de los egressos de la Escuela Secundaria. El enfoque de la investigación es cualitativa, basado en entrevistas con cuestionarios semiestructurados, los cuales fueron analizados utilizando el análisis del discurso de Bardin (2011) y la teoría de la complejidad de Morin (1999). Participaron del estudio ocho bachilleres, en el distrito de Calama, que se encuentra a 200 kilómetros de la cabecera municipal de Porto Velho, RO, y sólo es accesible por barco. Los resultados de la investigación muestran que esta política pública, en lugares de difícil acceso, a través de las Tecnologías de la Información y la Comunicación (TIC) en la Educación, ha brindado oportunidades de enseñanza a comunidades alejadas y contribuye a que existan apropiaciones que permitan, en la perspectiva de Kleine (2013) y Sen (2000), opciones a los egresados al término del bachillerato que favorezcan su desarrollo.

Palabras Clave: Educación; Bachillerato; Graduados; Mediación Tecnológica; TIC

Introdução

Para os moradores das comunidades ribeirinhas2 e de outros locais de difícil acesso3 na Amazônia, por muitos anos, o direito à Educação foi apenas um sonho. Geralmente, são localidades que estão distantes geograficamente das grandes cidades que concentram os maiores investimentos em todas as áreas. É evidente que a não priorização de recursos para esses lugares faz com que os moradores enfrentem dificuldades para se desenvolverem, o que impõe às pessoas destes povoados a falta de acesso aos direitos básicos, tais como a Educação.

Os ribeirinhos precisam enfrentar as consequências da falta de políticas públicas voltadas a essas populações. Há também aqueles que deixam suas famílias e o local onde nasceram para irem em busca de realizações profissionais e acesso aos estudos; estes, por sua vez, dificilmente retornam para o lugar de origem, pois depois de experimentarem uma nova realidade, não desejam mais voltar para a anterior. Esses jovens adquirem conhecimento e empregos em grandes empresas ou fazem carreira nas cidades que têm mais acesso à tecnologia e mais atenção dos governantes. Decorre desse fenômeno, a escassez de conhecimentos que poderiam alavancar o desenvolvimento das comunidades isoladas e, consequentemente, melhorar a qualidade de vida nessas localidades.

Para resolver o dilema de como levar Educação a essas populações, a Educação Mediada por Tecnologias4 mostrou-se como uma alternativa viável de alcançar as regiões de difícil acesso. Inicialmente era transmitida via satélite por meio de teleaulas, atualmente com a expansão de novas tecnologias digitais e o surgimento da Internet em lugares de difícil acesso, outras formas de acesso à Educação nestas localidades são oferecidas. Conforme esclarece Barreto (2002), para aqueles que iam cursar o Ensino Médio no Amazonas, onde o ensino mediado começou em 2007, o governo estadual aderiu à educação mediada por tecnologia, colocando em salas de aula alunos que antes não podiam ser alcançados pela rede pública de ensino. Para o nível superior, empresas privadas oferecem a Educação à Distância (Ead) nestes locais, desde que exista Internet instalada.

O Ensino Médio com Mediação Tecnológica (EMMT) começou a ser discutido em Rondônia no ano de 2013 quando o projeto de Lei nº 975/2013, de autoria da deputada Epifânia Barbosa, foi enviado para a Assembleia Legislativa, conforme relatam Silva e Santos (2019). Embora o projeto tivesse grandes chances de aprovação, os movimentos sociais dos Trabalhadores Sem-Terra (MST) e o Sindicato dos Trabalhadores Rurais se mobilizaram contra a criação do programa Ensino Médio com Mediação Tecnológica (EMMT) e o projeto foi arquivado a pedido da própria autora. Apesar de ter colocado um fim no debate na Assembleia Legislativa naquela época, o projeto prosseguiu e em 2016, por meio da portaria 680/2016-Gabinete/Secretaria de Educação – SEDUC, de 08 de março de 2016, foi implantado com o nome EMMT. Por fim, a Lei 3.846 foi aprovada pelos Deputados Estaduais no dia 4 julho de 2016.

O governo do estado de Rondônia explicou que o EMMT tem o objetivo de garantir o acesso ao Ensino Médio aos alunos que concluíram o Ensino Fundamental nas escolas rurais e que enfrentavam, “[...] além dos problemas qualitativos, a falta de vagas para atender a demanda, propõe também, atender excepcionalmente a área urbana” (SEDUC, 2016, p.5).

Esse modelo de educação mediada pela tecnologia difere do modelo de educação à distância convencional cujo aluno acessa o ambiente virtual de onde estiver e tem aulas gravadas ou aulas ao vivo, mas não convive fisicamente com outros alunos. No modelo de ensino mediado por tecnologia de Rondônia, o aluno deixa sua casa, vai até a escola e, em uma sala de aula física, assiste aulas ministradas ao vivo por um professor ministrante5 que está em um estúdio. O modelo inclui um professor presencial na sala de aula, para quem os alunos possam fazer perguntas e debater os assuntos abordados na aula, além de contarem também com o professor tutor que responde às questões via um sistema de chat.

As novas tecnologias são capazes de conectar pessoas de pontos isolados com o mundo, como se fosse uma grande rede, como afirma Castells (2005) e, vão ao encontro de alunos e professores, que não são atores passivos. Nesse sentido, no entendimento de Souza e Menegon (2015), a Internet é a principal e, em muitos casos, a única opção que os ribeirinhos têm para se conectar com o mundo e com quem se interessar pelos seus produtos. Logo, percebe-se que a Internet, aliada à convergência de tecnologia, contribui para que comunidades isoladas deixem de receber o adjetivo de isolada e se transformem culturalmente, socialmente, politicamente e economicamente. Para Kleine (2013), as condições de pessoas menos favorecidas terem acesso às tecnologias é uma realidade que contribui para que, de alguma forma, transformem suas vidas. A autora chega a essa conclusão por meio de um estudo de caso em uma comunidade desfavorecida no Chile, país que lidera na América do Sul, investimentos em políticas nacionais de Tecnologia da Informação e Comunicação (TICs) e na integração das TICs com as políticas sociais e econômicas.

Dowbor (2006, p. 26) afirma que “[...] a educação não pode se limitar a constituir para cada aluno um tipo de estoque básico de conhecimentos. As pessoas que convivem num território têm de passar a conhecer os problemas comuns, as alternativas, os potenciais”. Para o autor, a escola tem papel de articuladora entre as necessidades do desenvolvimento local e os conhecimentos correspondentes. Neste sentido, avaliamos a tese de que a Educação mediada por tecnologia, em lugares de difícil acesso, contribui para que existam apropriações que possibilitem escolhas aos egressos, ao término do ensino médio.

Na região norte do país, a dificuldade em ter professores de todas as disciplinas, na área rural, além de desafios de locomoção em longas distâncias geográficas e baixa densidade demográfica fez com que o Estado implantasse o EMMT. Do ponto de vista científico, esta pesquisa se justifica pelo fato de não existir estudos sobre o tema Educação Mediada por Tecnologia no ensino médio, no viés do egresso.

Existem estudos em relação ao uso das TICs na Educação (HENRIQUE, 2021, MOURÃO, 2010, MORAN, 2007 e MAIA, 2010). Entretanto, não há registros de estudos que analisem, de forma profunda, as contribuições da Educação Mediada por Tecnologia em comunidade ribeirinha de difícil acesso na Amazônia brasileira e que coloque o egresso como foco da pesquisa. Assim, um estudo que permita a investigação e análise, na perspectiva do alunado que recebeu o Ensino Médio pelo projeto EMMT, é significativo a fim de saber os impactos desse projeto aos moradores desse local. Dessa forma, o objetivo é investigar as contribuições dessa política para os egressos de uma comunidade ribeirinha de difícil acesso na Amazônia, examinando as possibilidades de escolhas provocadas pela Educação Mediada por Tecnologia na percepção do egresso do Ensino Médio.

Ensino médio com mediação tecnológica em Rondônia

Foi no estado do Amazonas que a modalidade de EMMT teve seu pioneirismo. No ano de 2007, aprovado pelo Conselho de Educação do Estado do Amazonas, nascia o Ensino Presencial com Mediação Tecnológica6 (EMPMT). Segundo Henrique (2021), a iniciativa foi implementada nos estados da Bahia, Piauí e Rondônia. O modelo do Amazonas foi desenvolvido para atender alunos que conseguiam ir para uma escola, devido aos desafios geográficos deste estado7.

A principal justificativa para a criação foi a inclusão de alunos que estavam fora da sala de aula. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD, 2014), pelo menos 70 mil jovens entre 15 e 17 anos estavam fora da sala de aula. Isso demonstrava, à época, que elevar a taxa de alunos matriculados de 77,1% em 2015 para 85% em 2024 era um desafio. Aguiar (2018) argumenta que com esses números Rondônia estava distante de atender a meta 3 do Plano Nacional de Educação (PNE)8 relacionada à universalização do atendimento escolar.

Outro dado que contribuiu para implantar o EMMT em Rondônia é a falta de professores habilitados para todas as disciplinas. Segundo um levantamento do Movimento Todos pela Educação(2014) 9, 46,3% dos 494 mil professores que trabalham no ensino médio no Brasil atuam em pelo menos uma disciplina na qual não possui formação. O levantamento revela outro dado ainda mais alarmante: um terço dos professores, 32,3%, só ministra aulas em disciplinas que não têm formação. O estudo apontou que a situação é mais crítica em disciplinas como Física, Química e Matemática (IBGE, 2015). Em Rondônia, o percentual de professores do Ensino Médio com formação superior é 96,5%, entretanto, apenas 42% dos professores habilitados possuem formação superior compatível com a área de conhecimento em que lecionam nessa modalidade.

Vê-se, pelos dados, que ainda há grande necessidade de professores para atuarem nas disciplinas especificas da matriz curricular do Ensino Médio. As áreas que mais contam com docentes formados em licenciatura específica nesta etapa são as de Língua Portuguesa (96,4%), Geografia (93,6), Educação Física (91%) e História (90,5%) (OBSERVATÓRIO DO PNE, 2016).

Já em relação à maior necessidade de docentes habilitados são: Física (19,1%), Química (18,2%), Matemática (13,5%) e Biologia (14,6). Os números do Observatório do PNE (2016) revelam que os desafios na formação de professores são enormes. Essa dificuldade em ter professores formados em suas áreas do conhecimento se agrava com movimentos de expansão do acesso à educação básica.

O modelo de educação mediada pela tecnologia difere do modelo de educação a distância, no qual o aluno acessa o ambiente virtual de onde estiver e tem aulas gravadas ou ao vivo. O modelo implantado em Rondônia acompanha o modelo do Amazonas, ou seja, o aluno deixa sua casa, vai até a escola e em uma sala de aula física, assiste aulas ao vivo com um professor que está em um estúdio no Centro de Mídias em Porto Velho e com auxílio de um professor tutor que está na sala de aula, pode fazer perguntas e até debater os assuntos abordados na aula.

O modelo propicia aos alunos o acesso ao conteúdo mediado por tecnologia e o compartilhamento das experiências com os colegas de sala e com o monitor. Portanto, não existe a separação geográfica entre o aluno e professor, nem a separação no tempo, porque as aulas são síncronas. As aulas ocorrem de segunda-feira a sexta-feira e são presenciais, ou seja, com o aluno todos os dias presente na escola. Dessa forma, o que difere do ensino tradicional é como professor da disciplina chega até o aluno, que é por meio da tecnologia. Essa relação entre alunos e entre alunos e professores, para Farias (2009), gera a construção de vínculo com a aprendizagem.

A região escolhida para a pesquisa é Calama, um distrito da capital de Rondônia criado pela presidência da República do Brasil, por meio do Decreto-Lei Federal 7.470, de 17 de abril de 1945. Souza e Menegon (2015) aduzem que foi por volta da metade do século XIX que surgiu o povoado de Calama, em decorrência da produção extrativista da borracha nos seringais da região. O lugar, às margens do Rio Madeira, foz do Rio Machado, era o ponto de apoio dos seringueiros que atuavam na região (Figura 1).

Fonte: Comunidade de Calama – Porto Velho (2018).

Figura 1 Calama às margens do rio Madeira 

A região de Calama se localiza ao norte de Rondônia, na grande região Madeira-Mamoré em Porto Velho, e faz fronteira com o estado do Amazonas. O único acesso ao distrito é pelo Rio Madeira. Frisa-se que em termos de longitude são necessárias, em média, 8 horas de viagem de voadeira, espécie de barco menor, com motor mais potente, e, de barco de porte médio, 18 horas entre a cidade de Porto Velho e o respectivo distrito.

Ao examinar os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2016), observou-se que em Calama havia 760 domicílios com uma população de 2.782 pessoas. Com relação à economia, o cultivo de mandioca é a base econômica do local, usada para fabricação de farinha, além da pesca, extrativismo de açaí e fabricação de farinha de babaçu.

Percurso metodológico

Esta pesquisa se caracteriza por ser de abordagem qualitativa e natureza básica, o que permitiu o aprofundamento da compreensão de um grupo social ou organização. A pesquisa foi exploratória e envolveu levantamento bibliográfico e entrevistas com pessoas; e descritiva, já que descreveu fatos e fenômenos do distrito de Calama obtidos por meio de entrevistas. Por fim, esta é uma pesquisa de campo aplicada ex-pos-facto, pois investiga alunos que já concluíram o Ensino Médio. Para Fonseca (2002), o objetivo da pesquisa ex-pos-facto é analisar as “[...] possíveis relações de causa e efeito entre um determinado fato identificado pelo pesquisador e um fenômeno que ocorre posteriormente”. O estudo foi aprovado pelo Conselho de Ética e Pesquisa da Univali.

A pesquisa de campo contou com a participação de oito egressos do EMMT de Rondônia, concluintes nos anos de 2018 e 2019, os quais foram entrevistados individualmente por meio de questionário, com perguntas fechadas e abertas. Para a eficácia da pesquisa foi realizado um piloto, procedimento necessário, uma vez que o local é de difícil acesso. Este piloto foi feito com um egresso escolhido aleatoriamente e que residia na cidade de Porto Velho. Após a validação do questionário, iniciou-se a fase de coletas de dados, in loco, ou por meio do Google Meet, para os egressos que haviam deixado Calama.

Os dados coletados foram analisados à luz da Análise do Discurso de Bardin (2011) e da teoria da complexidade sustentada por Morin (1999, p. 15), que argumenta que a fragmentação do saber deixa transparecer lacunas que, “[...] não oferecem uma abordagem de ligação entre áreas, limitando a aprendizagem dos envolvidos no processo de ensino”. No entendimento do autor, o essencial na abordagem da complexidade é o entendimento de que “[...] o todo necessita das partes, assim como as partes necessitam do todo para que ocorra a efetivação de ambas.

Apropriações e possibilidades de escolhas dos egressos do EMMT

A educação mediada por tecnologia em comunidade de difícil acesso proporciona, a quem a vivencia, o poder de escolha e, assim, poder gerar qualidade de vida chegando ao desenvolvimento, como defende Sen (2000). Conforme afirmação da autora, no caso dos alunos pesquisados em Calama os egressos tiveram, além do acesso ao aprendizado, a oportunidade de se conectar com pessoas que vivem de maneira diferente deles.

No grupo de egressos pesquisados, quatro são do sexo masculino e quatro são do sexo feminino. É importante ressaltar que quatro alunos residem na parte urbana de Calama e um na parte rural do distrito, sendo que os outros três egressos não residem mais no distrito de Calama. Dos que residem em Calama, todos moram no distrito desde o nascimento. Dos oito egressos entrevistados, cinco nasceram em Calama, dois nasceram em Porto Velho e um de outro lugar. Em relação à idade, seis egressos tinham entre 18 e 24 anos e dois entre 25 e 34 anos. Um dos egressos que tinha idade acima de 25 anos estava com seus estudos paralisados e decidiu concluir com o EMMT em Calama, o que confirma que um dos objetivos do projeto em colocar em sala de aula, alunos fora da idade escolar ocorreu com pelo menos um dos egressos entrevistados. Outro dado importante está relacionado à continuação dos estudos. No momento da pesquisa cinco egressos já estavam estudando o ensino superior, o que demonstra o desejo em avançar nos estudos. Para apresentar a voz dos egressos nesta pesquisa, vamos utilizar a sigla EG (egresso) e o número de 1 a 8. Sendo que o EG 01 é o egresso 1 e assim sucessivamente até o egresso 8 que será o EG 08.

O programa ajudou a incluir jovens que estavam fora da sala de aula no distrito de Calama. Alunos desses lugares tradicionais encontram muitas barreiras que os afastam das salas de aulas. O fato de logo cedo ter que ir trabalhar com os pais em atividades familiares é uma delas. O relato do EG 05 reflete um pouco essa realidade.

Eu fiquei animado em estudar porque percebi que poderia ter uma profissão. Fiquei um tempo sem estudar porque queria buscar conhecimento fora de Calama, mas nunca pude devido às condições financeiras. Quando chegou a aula neste modelo eu decidi não esperar mais e fazer o meu segundo grau. Aí eu gostei e conclui meus estudos (EG 05, 2020).

Nesta mesma direção aduz o EG 08, que argumenta que chegou a ficar fora da sala de aula por um tempo. Atribuiu isso ao desânimo de continuar os estudos, por ser muito difícil concluir uma faculdade, tendo que se mudar de Calama.

Eu fiquei uns três anos sem estudar. Estava desanimado por não poder fazer uma faculdade aqui em Calama. Então eu parei de estudar. Quando veio esse modelo aí, eu me animei porque logo eu poderia fazer uma faculdade on-line e não tinha nem terminado o segundo grau. E eu vou aplicar na sequência dos meus estudos. Agora estou pronto para fazer minha faculdade (EG 08, 2020).

Como visto o EMMT conseguiu atingir o Entrevistado 05 e 08 que moram em um lugar distante e a tecnologia foi o que motivou a ingressarem no ensino médio e concluir essa etapa dos seus estudos e estão motivados a prosseguir indo para o nível superior. Importante mencionar que o objetivo de ofertar uma ampliação do atendimento aos estudantes do ensino médio, bem como alcançar alunos de áreas rurais e de comunidades ribeirinhas que tinham dificuldades de estudar, era uma das políticas públicas criadas em 2014, quando o projeto ainda era debatido na Assembleia Legislativa, e que se observa na fala dos egressos que essa meta se fez realidade.

Outro ponto observado foi sobre a formação dos professores. Aqui vale destacar que segundo Aguiar (2018), no Ensino Médio em Rondônia, 96,5% dos professores têm graduação, porém só 42% possuem formação compatível com a área de conhecimento em que lecionam. Esse número piora quando sai das áreas urbanas e vai para o ensino no campo ou em comunidades ribeirinhas, por exemplo. Há relatos de alunos que afirmam que estudaram várias disciplinas com um mesmo professor por faltar profissional com formação na área. Nesse ponto, destacamos o depoimento do EG 02 (2020) que afirma: eu estudei com professor de matemática dando aula de física e química, porque não tinha professores para essas matérias. Os professores se esforçam, mas não é a mesma coisa.

Igualmente, pode extrair do depoimento do EG 01. O egresso entrevistado teve o mesmo professor em um ano e no outro ano, porém lecionando matéria diferente. Com o EMMT por tecnologia essa realidade foi transformada.

Porque no tempo que eu estava no ensino a distância foi umas das melhores maneiras de aprender, porque nas aulas regulares não conseguia aprender algumas disciplinas porque nem os professores sabiam explicar direito, porque num ano o professor de artes virava professor de geografia, de ciências virava de filosofia e assim era uma confusão e quem se dava mal éramos nós. Até que melhorou com a nova contratação de professores (EG 01. Entrevista feita no dia 15 de novembro de 2020).

Acrescentando-se aos relatos, o depoimento do EG 06 ao afirmar:

[...] se não fosse esse projeto não teríamos professores bons como tivemos. Porque aí cada professor é da área da matéria que estão dando. Porque muitas vezes um professor dava aula de três quatro matérias, mesmo que não era da área deles (EG 06. Entrevista feita no dia 15 de novembro de 2020).

Os professores foram treinados para ministrarem aulas ao vivo no modelo de mediação tecnológica. Sendo assim, ter professores de cada área ministrando aulas foi um diferencial no projeto e que atendeu umas de suas justificativas para sua criação. Os professores ministrantes receberam treinamento para melhorar suas habilidades frente às câmeras para que nas aulas ao vivo pudessem ter uma boa desenvoltura. Mesmo que esses professores fossem formados nas disciplinas que iriam ministrar, precisaram passar por um treinamento a fim de melhorar sua performance e utilizar com mais afinidades as tecnologias disponíveis naquele momento.

Somando-se a isso, outra parte positiva do EMMT foi destacada pelo EG 02. Este argumenta que com o projeto foi possível estudar com professores qualificados para a área em que estavam lecionando.

Eu achei os professores muito bom. Tanto os professores que deram as aulas por vídeos e também os professores da sala de aula. A gente sempre tinha aula com os mesmos professores e agora cada matéria tem um professor (EG 02. Entrevista feita no dia 15 de novembro de 2020).

No mesmo sentido, foi o relato do EG 04 de que o grupo de professores que lecionaram as matérias diversas durante o curso fizeram a diferença. Professores qualificados para as disciplinas que lecionam contribuem de maneira significativa para a formação dos alunos. A falta de domínio do assunto que está sendo abordado pode afastar o alunado da sala de aula. O contrário tem o poder de motivar os alunos, conforme relato do EG 04.

Foi muito bom, porque nós conseguimos estudar com vários professores. Eu acredito que se não fosse todos os professores que nos deram aula, eu acho que eu não teria aprendido o que eu aprendi (EG 04. Entrevista feita no dia 15 de novembro de 2020).

A internet chegou ao distrito em 2017 e seu acesso, previsto na implantação do programa, permitiu ao aluno autonomia em seus estudos e sua entrada no espaço cibernético, como anuncia Castells (2005), colocando-o diante de inúmeras possibilidades que podem gerar opções de escolhas, no contexto social, cultural e econômico. Para Kleine (2013), as Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) são tecnologias de diversos propósitos que podem ser ferramentas importantes para ampliar a disponibilidade de escolha, o senso de escolha que as pessoas têm, o uso que fazem das escolhas e a realização dessas escolhas.

Escolhas geram as liberdades indicadas por Sen (2010) e Kleine (2013), cujos indícios são voltados para o desenvolvimento. Entendemos o desenvolvimento como algo dinâmico cuja variação de seus indicadores se dá de acordo com a cultura, o grau de evolução e as exigências do homem no próprio local de vida. O conceito de desenvolvimento vem crescendo paralelamente à evolução do próprio homem, refletindo o modo de buscar a superação de seus problemas e suprir suas necessidades pelo aperfeiçoamento gradual e melhoria da qualidade de vida Sen (2010). Importa, sobretudo, compreender que o desenvolvimento, ao ser diferenciado de crescimento econômico, traz implícito o entendimento de transformação e de evolução por incorporar a noção de mudança das estruturas econômica, social, cultural e tecnológica. Já no termo crescimento econômico está implícita apenas a ideia de expansão quantitativa (DALLABRIDA, 2010)

Em Calama, foi possível observar que a Educação aliada ou apoiada pela Tecnologia pôde proporcionar essas escolhas apontadas por Kleine (2013) e melhorar a qualidade vida, apontada por Sen (2000) como características do desenvolvimento. E isso está evidente nas palavras do EG 06.

Eu pude estudar e morar onde eu quero continuar morando. Talvez não tivesse essa chance se não fosse esse projeto. Agora eu posso até fazer minha faculdade EaD daqui mesmo. Há algum tempo isso era impossível. Estudar uma faculdade aqui de Calama, a gente não imaginava (EG 06. Entrevista feita no dia 15 de novembro de 2020).

Os resultados dependem da escolha do indivíduo em relação à vida que se valoriza, podendo incluir, por exemplo, mais fácil comunicação, maior conhecimento e mais renda. Neste contexto é imprescindível a educação formal, que antes era negligenciada pelo poder público em Calama ou em outras comunidades de difícil acesso. Pela educação as pessoas alcançam conhecimento que podem gerar opções de escolhas em sua vida: escolher viver onde nasceu ou buscar novos horizontes; escolher se fixar na produção local ou, por exemplo, pensar em mudanças em logística para melhor distribuir sua produção vendida para uma cidade vizinha ou escolher uma cidade ou estado distante; escolher aceitar o governo que tem (do prefeito ao presidente e do vereador ao senador), ou sair da condição passiva e exigir que seus direitos sejam respeitados; escolher para os estudos no ensino médio ou concluir uma graduação e seguir em frente.

Considerações finais

A presente pesquisa buscou analisar as escolhas dos egressos do EMMT, da escola estadual General Osório, no distrito de Calama, município de Porto Velho, a partir da tese de que a Educação mediada por tecnologia, em lugares de difícil acesso, contribui para que existam apropriações que possibilitem escolhas aos egressos, ao término do ensino médio.

A partir da coleta de dados e os estudos teóricos-conceituais, foi possível entender que o EMMT é uma ferramenta que possibilita aos alunos, não apenas obter o conhecimento que poderiam ter em um modelo de ensino presencial, mas que, mesmo estando em um lugar distante, permite que eles possam se conectar com o mundo, provocando transformações no imaginário destes alunos. Eles percebem que estando em Calama ou em qualquer outro lugar, existem muitas possibilidades para fazerem suas escolhas além das que eles tiveram até aquele momento em que ficaram frente a frente com uma nova tecnologia usada na Educação.

Neste sentido, foi possível constatar que os alunos agregaram conhecimento repassado pelos professores do EMMT na aprendizagem, mas também foi possível enxergar as transformações que esses egressos tiveram, quando foram afetados pelas tecnologias, estando em um lugar que os privava de acompanhar a evolução tecnológica que viviam as pessoas que residem nos grandes centros urbanos. Por exemplo, a escolha de três egressos que se mudaram do lugar onde nasceram e assim modificando a estrutura familiar, em que normalmente os filhos crescem e constituem uma nova família perto dos pais. Outra transformação é escolha de retomar seus estudos que estavam parados e assim voltar a sonhar com as possibilidades de melhoria de vida, no sentido da renda familiar e, ainda, poder seguir para o ensino superior por meio da educação a distância disponível no distrito.

Cabe olhar para a convergência entre ciência, tecnologia, sociedade, ser humano e planeta para assim concluir que o EMMT foi capaz de provocar transformações na vida dos egressos pesquisados.

No entanto, conclui-se por meio desta pesquisa que o EMMT em Calama contribuiu de forma direta na vida dos egressos pesquisados. Eles apontaram transformações por ocasião da Educação Mediada por Tecnologia. Neste sentido, mais que concluir o Ensino Médio, o caminho que iriam seguir, estava disponível para suas escolhas. Essas escolhas são fundamentais, de acordo com Sen (2000), para que uma localidade se desenvolva proporcionando qualidade de vida aos locais.

2Povos ribeirinhos ou ribeirinhas são aqueles que residem nas proximidades dos rios e têm a pesca artesanal como principal atividade de sobrevivência. Cultivam pequenos roçados para consumo próprio e também podem praticar atividades extrativistas e de subsistência.

3Lugares distantes com dificuldade de acesso. No caso de Calama, só acesso pelo rio e são 18 horas de barco.

4A educação presencial mediada por tecnologia é uma prática pedagógica inovadora, que permite a realização de aulas a partir de um local de transmissão para salas localizadas em qualquer lugar do país e do mundo. Seus pressupostos imprescindíveis são aula ao vivo e presença de professores, tanto em sala quanto no estúdio. É necessário que a escola se aproprie de novas metodologias para dar mais oportunidades aos alunos e também ao professor que pode desenvolver seu trabalho de forma inovadora.

5Os professores ministrantes são docentes habilitados por áreas de conhecimento da educação básica, especialistas, mestres e doutores em suas especificidades; integram o quadro de funcionários estatutários da SEDUC/RO. Em dupla, eles elaboram os planos instrucionais – plano didático, pedagógico, curricular, cronograma de sequência de aula, plano instrucional de atividades extraclasse, plano instrucional de estudo de recuperação, plano das aulas, atividades de sala, avaliações parciais (primeira e segunda chamada), avaliações de recuperação e exame final e seus respectivos gabaritos –, bem como ministram as aulas no estúdio de transmissão ao vivo, via satélite, de forma modular, interagindo com o aluno por meio de chat, em tempo real, orientando o professor presencial.

6O ensino presencial por Mediação Tecnológica é um projeto educacional desenvolvido pelo Governo do Amazonas, através da Secretaria de Estado da Educação e Qualidade do Ensino, para atender a demanda de alunos de todas as comunidades da zona rural do estado do Amazonas. São aulas ministradas via teleconferência, a partir dos estúdios de televisão localizados em Manaus, e organizadas por professores licenciados. As aulas são transmitidas diariamente por satélite. Segundo a secretaria do estado, o programa abrange mais de 1.300 salas de aula distribuídas por todas as comunidades da zona rural do estado do Amazonas.

7Segundo a Secretaria de Educação do Estado do Amazonas, as aulas são transmitidas para cerca de mais de 30.000 alunos, moradores de 1.500 comunidades rurais distribuídas em mais de 540 escolas.

8O Plano Nacional de Educação, estabelecido pela Lei Nº 13.005 e mais conhecido como PNE, é um documento que determina as diretrizes, metas e estratégias para a política educacional entre o período de 2014 e 2024.

9Todos pela Educação se trata de uma organização sem fins lucrativos composta por diversos setores da sociedade brasileira. Tem o objetivo de assegurar o acesso à Educação Básica de qualidade para todos.

Referências

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Recebido: 01 de Agosto de 2022; Aceito: 01 de Outubro de 2022; Publicado: 01 de Outubro de 2022

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