1. Introdução
O presente artigo tem sua origem no contexto do curso de doutoramento2, quando tivemos a oportunidade de receber diferentes estudiosos dos mais distintos campos de pesquisa e nacionalidade para compartilharem conosco suas abordagens epistemológicas e metodológicas de pesquisa em educação.
Em um dos referidos encontros, tivemos a oportunidade de contar com a presença da Professora Inés Fernández Mouján, encontro no qual apresentou-nos ao texto Diálogos entre saberes e práticas pedagógicas descoloniais (2020). O encontro e o texto foram provocadores e elucidativos, na medida em que permitiram aproximação e primeiras compreensões de questões-chave que envolvem os estudos decoloniais, levando-nos a refletir como essas discussões encontram conexão e produzem relações com o nosso campo de pesquisa, qual seja o do planejamento e política educacional.
Um elemento fundamental que conecta o encontro do texto com este trabalho encontra-se em uma das premissas apresentadas por Mouján (2020, p. 28) para pensar pedagogias “descoloniais”: “os sistemas educacionais latino-americanos e caribenhos estão marcados pela colonialidade do poder e do saber”. Diante disso, ensaiamos uma compreensão inicial e superficial sobre o que um olhar decolonial poderia encontrar quando direcionado ao campo da política educacional. Isto nos levou a formular algumas hipóteses/questões:
A política educacional, suas diretrizes globais e práticas locais acabam por reproduzir a colonialidade (padrão de poder de subjetividades que passam a ser dominadas por tal padrão);
Tanto pelo ponto de partida quanto pelos objetivos socialmente hierarquizados que almejam alcançar, as políticas educativas, em contexto global e em suas abordagens uniformizadas, padronizadas, refletem tal colonialidade;
Assim, teríamos que seus parâmetros refletem a lógica moderna da universalidade que desconsidera as particularidades e especificidades das comunidades e suas escolas, quando pensamos em contextos locais, relacionando sistemas de ensino, subjetividades e sistemas de dominação daí resultantes.
Considerando estes questionamentos e reflexões preliminares, pensamos sobre como essa mirada decolonial poderia refletir na prática de pesquisa. Ao pensarmos sobre isso, esboçamos os seguintes elementos, inspirados em Mouján (2020), sobre como a abordagem decolonial poderia contribuir para a pesquisa sobre planejamento e políticas educacionais, resultando em mais três questionamentos/hipóteses:
a) Fundamentos epistemológicos do/a pesquisador/a, aparentando-se evidente que para estabelecer a conexão decoloniadidade-políticas educacionais, nós, pesquisadores do campo da política educacional, precisamos aprofundar as leituras decoloniais, cujo resultado possível seria o redirecionamento do olhar sobre o objeto política educacional;
b) Fundamentos metodológicos, que podem ser formulados pelo/a pesquisador/a a partir dos princípios de referencial epistemológico específico do campo dos estudos decoloniais. Ou seja, a epistemologia decolonial orientando uma abordagem de pesquisa no campo da política educacional;
c) Abordagem metodológica do problema, como consequência dos anteriores, pensando em termos de problema e não de objetos, pode resultar na possibilidade de contribuir para potencializar as vozes dos atores da política. Sobre esta reflexão/questionamento, em nossa compreensão, a lógica da política, como prática e em ação no chão da escola (AZEVEDO, 2004), já estimula um olhar mais plural e uma concepção epistemológica segundo a qual o conhecimento sobre as políticas públicas se dá na prática cotidiana e incide sobre seus atores que, segundo Ball, Maguire e Braun (2016), atuam ressignificando as políticas em suas práticas.
Estas reflexões preliminares convertidas em inquietações apontavam para o descentramento do olhar, do pensar e do fazer pesquisa em educação e constituem a base do projeto deste artigo, traduzindo-se nas seguintes questões norteadoras de nossa revisão: É possível articular pesquisa em política educacional e abordagem decolonial? Como se dá, em termos epistemológicos e metodológicos, essa articulação?
Nossas reflexões/hipóteses iniciais dão vida às perguntas e as perguntas apontam para o desenho metodológico deste trabalho compreendido como uma revisão narrativa e exploratória, cujas etapas descrevemos a seguir.
2. Percurso metodológico
Partimos em busca do desconhecido, mas esperançoso de sua existência. Nesse movimento exploratório, utilizamos estratégias de revisão de literatura em duas etapas: a primeira, de base bibliométrica (LACERDA; ESSLIN; ESSLIN, 2012), como guia para coleta, organização e seleção dos estudos analisados; e a segunda, de base narrativa (ROTHER, 2007), como estratégia de construção e apresentação das análises. Nosso Banco de Dados foi construído a partir da base Scopus [Elsevier]3 . Buscamos por produções que articulassem os descritores Decoloniality or Decolonial and Educati* (education, educative, educativies) and Polic* (policies or policy), sem nenhuma delimitação cronológica prévia. A partir do cruzamento entre os descritores, nossa busca resultou em 81 artigos publicados e distribuídos nos últimos 12 anos (2011 a 2022), conformando um primeiro Banco de Dados (BD1).
Apesar de ser um BD relativamente pequeno, aplicamos alguns filtros, tendo em vista refiná-lo. O primeiro filtro consistiu na análise dos títulos dos trabalhos, o que, ao final, resultou em um novo Banco de Dados (BD2) – composto por 37 artigos publicados entre 2011 e 2021 –, cujos títulos demonstravam alinhamento com a temática de nossa pesquisa.
O segundo filtro (dado o número muito menor de produções) consistiu na análise dos abstracts, buscando identificar se o objeto da pesquisa se constituía como uma política educacional (texto, discursos, práticas, ações), cujo objetivo fosse analisar, avaliar, ou discuti-la a partir da abordagem epistemológica decolonial. Como resultado desse processo, chegamos a um terceiro Banco de Dados (BD3), contemplando 22 produções publicadas entre 2011 e 2021. O quarto e último filtro consistiu na leitura flutuante de todos os artigos, excetuando aqueles não disponíveis, culminando na seleção final dos artigos [N=18], base para a leitura crítica e aprofundada que resultou na revisão sistemática (GOMES; CAMINHA, 2014), desde uma abordagem narrativa (ROTHER, 2007) e exploratória, que se segue.
3. Resultados
Aqui, nos dedicaremos a realizar uma revisão narrativa e exploratória, em nada conclusiva, da literatura coletada em busca de identificar elementos, teóricos e/ou metodológicos, através dos quais seja possível articular pesquisa em política educacional e abordagem decolonial.
Assim, buscaremos destacar essas contribuições para compreendermos discursos e políticas educacionais hegemônicas em contextos globais e globalizantes, a partir da abordagem decolonial, que, ao nosso modo de perceber, constituem-se como pioneiras no esforço para construir essa relação, destacando o trabalho de Andreotti (2011) como sendo um dos primeiros a buscar e apontar caminhos para esta relação, que será apresentada e discutida a seguir.
3.1. O jogo dos contrários e a disputa epistêmica
O uso da lente decolonial põe os conceitos de epistemicídio e colonialidade do poder em destaque, enquanto os processos de internacionalização e globalização criam os contornos e o contexto das pesquisas sobre políticas educacionais a partir do referencial teórico da decolonialidade.
Uma dessas contribuições reside na promoção de um olhar analítico sobre as relações entrecruzadas de poder, conhecimento e geopolítica (SHANJAHAN, 2016), tendo em vista descortinar suas ferramentas epistemológicas dominantes. Um dos modos de fazê-lo, ainda segundo o autor, seria mediante um descentramento do olhar. Não apenas olhar para o conhecimento produzido, mas para o seu produtor, os locais e as condições de sua produção (DA COSTA, 2016).
Nesse movimento de articulação entre epistemologia decolonial e política educacional, Shanjahan (2016) se propõe a analisar o que denomina como sendo “ferramentas epistémicas de influência”, dando-nos um instrumental analítico. Tais ferramentas são compreendidas como resultantes das epistemologias dominantes que emanam dos textos e discursos de atores políticos institucionais – especialmente, as organizações internacionais, mas não apenas –, traduzindo suas visões e valores em epistemologias hegemônicas.
Desse modo, mobiliza e articula categorias como “fluxo de ideias”, “imperativos institucionais”, “dominação neocolonial e cultural” e “interferência política”, apontando as soluções globais e globalizantes como padronizadas e sustentadas numa racionalidade resultante de paradigmas da modernidade.
Construção parecida, mas no sentido inverso, propõe Da Costa (2016, p. 352), ao indicar que as políticas educacionais antirracistas para a educação básica brasileira podem ser analisadas e compreendidas como “political-epistemic intervention”, enquanto resultado de longo processo de luta, abrindo-nos perspectiva para a existência de uma disputa mediada por epistemologias através das políticas educacionais e dando-nos mais uma ferramenta analítica de caráter epistêmico.
Em tela com as duas contribuições, temos de um lado o conceito de ferramentas epistémicas de influência dominantes e, de outro, o esforço pela construção de intervenções político-epistêmicas, de resistência, na concepção de políticas. O que Shanjahan (2016) e Da Costa (2016) evidenciam se faz presente nas demais pesquisas como possibilidade de uma disputa, ainda que assimétrica, em torno das políticas globalizadas e globalizantes.
3.2. Assimetria do poder, contrahegemonia & pluriversalidade
Além de ser uma lente analítica, percebemos que, ao utilizar a teoria decolonial, a literatura revisada preocupa-se em, coerentemente com a epistemologia da teoria, apresentar possibilidades, experiências ou discursos contrahegemônicos, o que nos remete ao conceito de pluriversalidade e evidencia a assimetria do poder como elemento ou característica central nas disputas políticas.
A assimetria entre poder dominante, exercido por atores globais, com sua herança colonial reprodutora da colonialidade, resulta a sua centralidade econômica e discursiva, que são fontes da influência sobre os países subalternizados. A herança colonial sobre os países subalternizados se expressa, num jogo dos contrários, pela falta de potência discursiva e econômica (SHANJAHAN, 2006). De um lado, tem-se os detentores da solução e, de outro, os que precisam enfrentar os problemas. Contudo, nem sempre percebemos que o problema é delineado de fora, assim como a sua potencial resolução.
Sobre esse enredamento e jogos de influência assimétricos, é possível dizer que não há “imposição” de políticas, desde uma perspectiva coercitiva, mandatória, conforme argumenta Ball (2001); o movimento é, muitas vezes, de convergência, ora de transferências, ora de empréstimos. É certo que não há fato novo sobre as políticas serem disputadas num jogo desigual. Contudo, o que destacam as pesquisas é a existência de um ambiente discursivo global, onde os problemas e as saídas padronizadas e universalistas (USMA; ORTIZ; GUTIERREZ, 2018), (JORDÃO; MARTINEZ, 2021) são postas na mesa como condição si ne qua non. Para que atores locais possam ascender e aspirar sentar-se à mesa dos adultos globais, faz-se necessária reconfigurar as subjetividades (BALL, 2002; 2012), criando um ambiente de constrangimento (SHANJAHAN, 2016). Afinal, ninguém quer ser país em desenvolvimento ou economias emergentes para sempre.
É a velha história do dono do brinquedo que acaba estabelecendo as regras da brincadeira. Você não é obrigado a brincar se não quiser seguir as regras, com o agravante de a brincadeira ser posta como a única possível dentro dos padrões vendidos como universais.
Nesse enredado contexto de disputas e influências, a ênfase no descentramento do olhar resulta não apenas da influência epistêmica, mas também do fato de os mecanismos de influência estarem assentados sobre uma lógica também de descentramento. Um descentramento dominante, por suposto, poderíamos assim dizer, no qual descentram-se os problemas e suas respectivas soluções dos contextos locais para criar um cenário e um discurso global. Desta feita, criam-se demandas, falsas necessidades e tendências que, configuradas como imaginários globais (SHANJAHAN, 2016), ganham contornos de verdades ou de único caminho viável.
A força de tais imaginários globais – traduzidos em “ferramentas epistêmicas de influência”, os textos das políticas, suas metodologias alinhadas aos modelos do mercado, suas tecnologias e soluções para os problemas educacionais dos quais não são os causadores – reside na capacidade de seus produtores (atores globais e organizações internacionais) proferirem um discurso com a “voz de Deus”, que se faz ouvir, é “superior”, mas que não é possível identificar e, logo, questionar a sua origem. E utilizando-se do “olho de Deus” que tudo vê, inclusive, tendências de futuro, movimentam a geopolítica do conhecimento e criam seus mecanismos. Ou seja, de acordo com Shanjahan (2016), criam a arena, as regras e os instrumentais do jogo, desde uma perspectiva eurocêntrica, mas sem demonstrarem tais elementos como sendo reflexo de sua posição geopolítica. Ao contrário, apresentam-nos como um fato dado a ser internacionalmente reconhecido, aceito e reproduzível, do qual tomaram conhecimento antes de nós e que a nós fazem o favor de revelar e ajudar.
Sejam os objetos das pesquisas semelhantes ou não, veremos isso no tópico seguinte, a ênfase na análise em contornos e contextos locais diferentes ajuda a expor a existência de tensão e disputa que existem, ainda que sobrepostas pelo discurso hegemônico em relação aos discursos divergentes, sendo fundamentados nas experiências, demandas e realidades locais, mas sofrendo da pouca circulação ou, ainda, da falta de articulação e projeto prévio (AYDAROVA, 2017) de resistência ou contrarreformas.
Essa pouca circulação – quando considerado o poder de circulação dos discursos dominantes que se dá na arena global – versus o discurso divergente que ecoa em arenas locais faz com que os discursos divergentes sejam ignorados, ou assimilados, sistematicamente (HURIE, 2018). Assimilação essa resultante, inclusive, de abordagens científicas (epistêmico-metodológicas) enviesadas ou pouco teorizadas que acabam por atestar posições coloniais, ampliando desigualdades e injustiças sociais e epistêmicas (WALK, 2018).
Tais tensões podem ser compreendidas, como propõem Uhblenbrock e Meier (2021), pelo tipo de percurso experimentado por uma política global quando há tentativa de transferir-se a contextos locais. Há êxito ou falha nessa transferência? De que tipo são os êxitos ou falhas consideradas? Não obstante, nos sugerem os autores, quando as políticas do Norte Global não germinam ou não florescem no solo do Sul Global, pode significar fruto de uma resistência decolonial. Os autores em questão argumentam: “the trend towards decoloniality is fuelled by a decreasing policy salience of educational approaches from the Global North in the Global South” (UHBLENBROCK; MEIER, 2021, p. 3). Nesse sentido, a decolonialidade, a resistência e a não aceitação das políticas globalizantes seriam uma tendência. Mas o que as demais pesquisas nos mostraram, contudo, foi que os discursos contra-hegemônicos existem, resistem, mas acabam por ser subsumidos. Mesmo quando as evidências empíricas dos estudos acadêmicas apontam o fracasso das políticas, elas continuam sendo fertilizadas e fortificadas.
3.3. Políticas de linguagem como objeto privilegiado
Identificamos uma ênfase significativa nas políticas de linguagens e currículo – principalmente, no que diz respeito à imposição da língua inglesa em contextos educacionais locais do Sul Global – no centro das pesquisas que usam a teoria e epistemologia decolonial, especialmente, em relação a populações e estudantes indígenas.
Tendo a internacionalização do ensino superior como pano de fundo, Jordão e Martinez (2021) contribuem sobremaneira ao utilizarem a abordagem decolonial como lente para reflexão sobre um movimento global de políticas educacionais no contexto brasileiro. Os autores apresentam reflexão e compreensão sobre as políticas linguísticas, contextualizada a partir de processos globalizantes de internacionalização onde as organizações internacionais (protagonistas), em um relacionamento caracterizado como influenciador, condicionante e condicionado junto aos governos locais, desenham políticas educacionais massificadoras, quantitativistas, rankeadoras e padronizadas.
É evidenciada como um de seus resultados uma concepção instrumental e pretensamente neutra de linguagem, a partir das diretrizes políticas globais de ensino superior que põem a língua inglesa como língua universal, sem a qual, mais uma vez, não é possível sentar-se à mesa da civilização (JORDÃO; MARTINEZ, 2021). Como efeito, destacam os autores, temos o obscurantismo sobre quem e por que se definiu língua A ou B como a língua universal e qual o significado disso. Mais uma vez, o problema (não falar inglês) e a solução (aprender inglês) no ensino superior são pré-estabelecidos e indissociáveis; e um efeito de segunda ordem (BALL, 2002) seria o que denominam “desejo de mesmice” (JORDÃO; MARTINEZ, 2021).
Na mesmice vendida, projetada e almejada como reflexo de uma realidade onde modernidade, globalização e neoliberalismo encontram-se alinhados (JORDÃO; MARTINEZ, 2021), os discursos dos organismos multilaterais acabam por dar forma a demandas e resultados curriculares em diferentes contextos locais do mundo global (NIETO, 2018). Logo, a busca pela mesmice pode ser entendida como elemento da colonialidade e, uma vez presente nas políticas e práticas educacionais, contribui para que a educação se torne um bem de mercado padronizado e mensurável.
Unfortunately, this has been the logic informing educational discourses, policies and practices in the last decades and reinforced in internationalization; in the name of the quality and the advancement in education, people have been excluded and delegitimized. As we stated, the desire for sameness ends up justifying the field of education to be taken from the perspective of measurement and technicality which leads us to compare and rank people, schools, disciplines, knowledges, languages, cultures, institutions. (JORDÃO; MARTINEZ, 2021, p. 596).
As autoras nos ajudam a perceber que, não sendo um privilégio das políticas de linguagens, das políticas padronizadas e massificadoras, resulta-se sempre uma concepção instrumental, pretensamente neutra e ideologicamente tecnicistas, que acaba por criar estereótipos que contribuem para invisibilidade das diferenças ontoespistêmicas (JORDÃO; MARTINEZ, 2021), criando padrões de dominação, constrangimentos, exclusões e injustiça epistêmica (WALK, 2018) pela imposição de uma só língua, ainda mais, em contextos bilíngues ou multilíngues (PHYAK, 2021).
As políticas de linguagens têm maior presença nas pesquisas cujo contexto local vincula-se ao ensino superior, e o fazem tanto numa perspectiva teórico-conceitual (JANJAHAN, 2006), (WALK, 2018), (JORDÃO; MARTINEZ, 2021) como resultantes de pesquisas empíricas (USMA; ORTIZ; GUTIÉRREZ; 2018).
Quando tratam de educação básica, o repertório é mais ampliado, ainda que as políticas de linguagem também sejam objeto presente. Com diferentes olhares e geografias, a obrigatoriedade do inglês no currículo da educação básica - que, partindo de um mesmo centro de influência, desenvolve contornos próprios em diferentes contextos - é analisada por Aydarova (2017) em contexto árabe, Hurie (2018) na Colômbia, e Phyak (2021a;2021b) em relação ao Nepal, por exemplo.
Se sairmos do objeto “política de linguagens” e olharmos para as políticas que impactam currículos, outros focos emergem, tais como: políticas antirracistas no Brasil (DA COSTA, 2016; 2018) e nos Estados Unidos da América (CLAY; BROEGE, 2021); educação para cidadania em contexto latino-americano (NIETO, 2018); políticas curriculares de ensino religioso no Zimbábue (DUBE; TSOTETSI, 2019); a prática do ensino de poesia inglesa em escolas de educação básica sul-africanas, articulando currículo, pedagogia e avaliação (COOPER, 2020); política de educação intercultural no Chile, desde uma perspectiva decolonial e crítica da educação do lugar (BACERRA-LUBIS, 2021); e a tentativa de transferência da política de educação física promovida pela UNESCO no contexto sul-africano (UHBLENBROK; MEIER, 2021).
3.4. Os percursos metodológicos
As produções revisadas estão ancoradas em métodos qualitativos de distintos contornos. Dentre os quais, seja de casos únicos ou com caráter exploratório, o Estudo de Caso ganha destaque, não obstante a utilização de outras abordagens como Etnografias Críticas (BACERRA-LUBIS, 2021), com o desenvolvimento de uma ação direcionada para fortalecer uma dada política de caráter multicultural ou para ecoar vozes resistentes a partir de uma abordagem engajada (PHYAK, 2021a; 2021b), passando por trabalhos teórico-conceituais, Comparação Vertical, Policy Discourse Analysis e Análise Decolonial do Discurso.
Em alguns casos, como da Policy Discourse Analysis ou da Análise Decolonial do Discurso, a estratégia analítica ou o aporte teórico-analítico decorrem diretamente do método enunciado. Isso contribui para que a Análise do Discurso seja a estratégia analítica mais reivindicada em diversas variações, juntamente com as análises temáticas de conteúdo, enquanto alguns poucos trabalhos utilizam e explicitam o uso da Análise Crítica de Políticas, Análise de Documentos ou Análise de Efeitos e Saliência de Políticas.
Quanto às técnicas de coleta dos dados, prevalecem os textos, de modo geral, e os Policies Texts em específico, em suas mais diversificadas formas: legislações, projetos, programas, relatórios, diretrizes institucionais ou documentos de currículo. Quando nos trabalhos teóricos-conceituais, os discursos hegemônicos das políticas são o objeto da análise a partir de tais textos. Em pesquisas documentais, os textos das políticas podem ser confrontados com outros textos, quer reforcem ou contraponham o discurso hegemônico em análise, que podem estar em artigos de jornais, por exemplo; em pesquisas empíricas, a estratégia privilegiada é a entrevista semiestruturada, os questionários e as observações participantes. Nesse contexto, o trabalho de Phyak (2021a), ao discutir como as estratégias metodológicas enviesadas de pesquisas podem fortalecer discursos hegemônicos sobre uma política educacional, a partir da simples escolha das questões de um questionário, sintetiza com primor a relação entre colonialidade e ciência, epistemologia e poder.
Nossa compreensão de política em movimento, em sua relação com Estado(s) em ação (AUTOR, 2017), nos possibilitou aproximar os diferentes trabalhos desta revisão; ainda que nem todos os artigos explicitassem uma “afiliação” com o campo da pesquisa em política educacional, todos debruçam-se sobre políticas educacionais através de seus textos, seus discursos e/ou suas práticas em diferentes contextos.
Além disso, seria uma incoerência epistêmica com o referencial teórico da decolonialidade exigir um alinhamento ou padronização entre experiências de pesquisas oriundas de tão diferentes contextos locais, além de se configurar como uma ignorância de nossa parte que em nada contribuiria para responder as perguntas norteadoras deste trabalho, cujas respostas foram construídas ao longo do texto e que serão sintetizadas a seguir.
4. Aprendizagens ou sínteses à guisa de conclusões
A seguir, indicamos as aprendizagens ou sínteses sobre como, na nossa percepção, a literatura revisada articula pesquisa de políticas educacionais (compreensão, análise, avaliação) a partir da lente da abordagem teórica decolonial. São elas:
A abordagem da teoria decolonial tem pouca e recente utilização na intersecção com políticas públicas, como evidenciado na etapa bibliométrica de levantamento bibliográfico, não obstante demonstre diversos caminhos possíveis através dos quais seja possível realizar a pesquisa sobre políticas educacionais;
As políticas de linguagens e currículo despontam como objetos privilegiados desde uma abordagem decolonial, especialmente em relação a estudantes e populações indígenas, africanas e/ou afrodescendentes. As pesquisas que tratam de políticas de ensino superior destacam a obrigatoriedade de língua estrangeira (inglês), seja numa perspectiva teórico-conceitual (JANJAHAN, 2006), (WALK, 2018), (JORDÃO; MARTINEZ, 2021), ou como resultantes de pesquisas empíricas (USMA; ORTIZ; GUTIÉRREZ; 2018). Quando se trata de educação básica, o repertório é mais ampliado, ainda que as políticas de linguagem centradas na língua inglesa também sejam objeto presente, por exemplo (AYDAROVA, 2017), (HURIE, 2018), (PHYAK, 2021a;2021b);
Nesse sentido, os conceitos de epistemicídio e colonialidade do poder têm elevada importância em um quadro que compreende as tensões, as disputas e as assimetrias de poder presentes nas formulações, transferências, assimilações e resistências de políticas;
Os processos de internacionalização e globalização criam os contornos e o contexto das pesquisas sobre políticas educacionais a partir do referencial teórico da decolonialidade como marco contemporâneo da colonialidade. Contudo, Dube e Tsotetsi (2020), ao discutirem a prática de nomeação de diretores de escolas sul-africanas, nos ajudam a compreender como práticas locais, na contramão das práticas globais, também podem ser perigosas e reprodutoras de colonialidade, o que nos leva à próxima aprendizagem;
De um modo geral, os/as autores/as demonstram uma preocupação em não jogar fora o “bebê da modernidade” junto com a água do banho. Analisando criticamente o cenário de políticas educacionais desde uma perspectiva decolonial, reconhecem o paradoxo resultante, que pode ser expresso no esforço de síntese de Jordão e Martinez (2021), ao proporem como alternativa uma perspectiva de internacionalização crítica, ou no multilinguismo de Phyak (2021b; 2021b), para ficarmos em dois exemplos ilustrativos;
Além de ser uma lente analítica, percebemos que, ao utilizar a teoria decolonial coerentemente, os/as autores/as preocupam-se em apresentar possibilidades, experiências ou discursos contra-hegemônicos, o que nos remete ao conceito de pluriversalidade, frente ao de universalidade;
No que diz respeito às metodologias, o Estudo de Caso se sobressai juntamente com a Análise do Discurso em diferentes variações, não obstante outras abordagens metodológicas como Etnografias Críticas e Análise Crítica de Políticas também foram utilizadas.
Tais sínteses configuram-se ainda como primeiras e provisórias respostas paras as questões sobre a possibilidade de articular pesquisa em política educacional e abordagem decolonial e, isto posto, a operacionalização destas pesquisas em termos epistemológicos e metodológicos para a referida articulação.