Introdução
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 produziu inovações na base estrutural da organização político-territorial brasileira ao primar pela descentralização de políticas públicas para os entes subnacionais, em especial aquelas de bem-estar social (FRANZESE; ABRUCIO, 2013; ARRETCHE, 2004).
A transferência aos entes subnacionais da “responsabilidade pela implementação de boa parte das políticas públicas” (GRIN; ABRUCIO, 2018, p. 87) ampliou o papel dos governos locais e veio acompanhada da elevação dos municípios a entes federados. Esse fenômeno é incomum em países federativos e só é observado, além do Brasil, na Bélgica e na África do Sul, por questões meramente étnicas (CASTIONI, 2014).
Abrucio (2017) ressalta que o processo de descentralização, combinado com a elevação dos municípios a entes federados, gerou uma nova dinâmica nas relações intergovernamentais brasileiras e “a necessidade de entrelaçamento e coordenação entre os níveis de governo aumentou o grau de complexidade dos processos de formulação e implementação de políticas públicas”. Para o autor, o modelo federativo indicado na Constituição de 1988 apresenta uma ruptura com o modelo clássico de federalismo, em que predominava uma separação que definia de forma estrita as funções de cada ente.
Essa nova configuração do modelo político-territorial brasileiro gerou a necessidade de construir estratégias eficazes para garantir a implementação de políticas públicas que envolvam níveis distintos de governo. Nesse sentido, a literatura aponta que “no desenho do arcabouço institucional da Federação brasileira, é possível identificar duas frentes: a coordenação e a cooperação federativas” (BRITO, 2019, p. 11).
Embora esses conceitos possam ter certa semelhança, observa-se algumas claras separações. A coordenação federativa se caracteriza pela ação conjunta dos entes federados realizada de forma compulsória e, em geral, coordenada pela União. Já a colaboração pode ser definida como uma ação conjunta dos entes federados de forma colaborativa com vistas ao desenvolvimento de capacidades institucionais (ABRUCIO; WEBER, 2017, p. 13).
Soluções intergovernamentais de cunho cooperativo têm se efetivado por meio de novos arranjos institucionais. Convém frisar, dentre eles, os consórcios públicos, um arranjo de cooperação intergovernamental horizontal criado “com vistas a enfrentar problemas que são comuns a um conjunto de municípios brasileiros e afeitos a áreas como saúde, meio ambiente, educação” (CASTIONI, 2013, p. 161).
Essas soluções, como várias iniciativas de pactuação federativa, ganharam impulso com o Plano Diretor da Reforma Administrativa do Aparelho de Estado (PDRAE), que despontou como resposta consistente ao desafio de superação da crise estatal, bem como uma alternativa para a reforma e a reconstrução do Estado para a implementação das políticas públicas.
No bojo das mudanças iniciadas a partir do PDRAE, a Lei 11.107/2005 (Lei dos Consórcios Públicos) foi o grande marco da história dessa modalidade. Dentro desta, é comum que os consórcios sejam intermunicipais ou interlocais. São um tipo específico de acordo governamental que opera com políticas que requeiram esforços em conjunto para ampliação da capacidade de gestão dos serviços públicos a fim de extinguir externalidades ou viabilizar ganhos em escala de efetividade da política. De modo particular, os consórcios intermunicipais constituem a cada dia novas realidades da administração pública brasileira e permitem a ampliação e a otimização dos resultados na implementação das políticas públicas.
Nos últimos anos, foi produzida uma série de estudos acadêmicos que ampliou a compreensão acerca do papel das lideranças municipalistas na formação de consórcios (CALDAS, 2008); dos mecanismos de indução propostos pelos governos estaduais ou federal (ABRUCIO; SANO, 2013); dos mecanismos de controle social e participação democrática nos consórcios públicos (DIEGUEZ, 2011); da dinâmica de coesão interna necessária para a vitalidade dos consórcios como uma arena de cooperação política intermunicipal (DIEGUEZ, 2011) e das possibilidades de os consórcios públicos se constituírem como redes interorganizacionais, potencializando o alcance das políticas públicas (FREITAS JR.; MESQUITA, 2010).
O consórcio público tornou-se foco de investigação científica devido ao seu desenho institucional e ao modelo de governança que assume, o qual se caracteriza como espaço horizontal de diálogo, possibilitando a concretização da ideia de território colaborativo e reduzindo a competição intermunicipal. Assim se estabeleceram relações de cooperação federativa para a gestão associada de serviços públicos de interesse comum, otimizando as ações e a efetividade das políticas públicas a partir da junção de esforços e recursos.
Diante dessas considerações, a questão a ser analisada no presente estudo é como o consorciamento público intermunicipal pode contribuir para o enfrentamento de problemas comuns e para a produção de soluções integradas para a gestão da educação básica pública? Para responder à presente questão, o objetivo geral do estudo é analisar como a colaboração intermunicipal estabelecida por meio de consórcios públicos educacionais pode contribuir com o enfrentamento de problemas comuns a um conjunto de entes associados e gerar inovações na gestão de serviços educacionais.
Com o intuito de responder à questão norteadora da pesquisa, foram entrevistados os seguintes sujeitos de pesquisa: 2 membros da Assembleia Geral (instância deliberativa); 1 presidente do Consórcio; 1 membro da instância de controle interno; 1 membro do Conselho Fiscal; 2 membros da Diretoria Executiva (instância de implementação das políticas educacionais) e 2 coordenadores dos Núcleos Regionais do Ciedepar. A análise dos dados da pesquisa, feita de maneira concomitante à obtenção dos dados, será realizada por meio da análise de conteúdo proposta por Bardin (2010).
Para além desta introdução, o artigo é organizado da seguinte forma: o primeiro tópico é dedicado à discussão sobre o modelo federativo brasileiro e a gestão associada de serviços públicos nos moldes de lei 11.107/2005. No tópico seguinte, será debatida a dinâmica de gestão associada de política educacional no Consórcio Intermunicipal de Educação e Ensino do Paraná (Ciedepar). E, por fim, são apresentadas as considerações finais.
O federalismo brasileiro e a gestão associada de serviços públicos no contexto da Lei 11.107/2005
A Constituição da República Federativa do Brasil (BRASIL, 1988) introduziu mudanças significativas na forma de organização do Estado brasileiro e na distribuição de competências entre os entes federativos e estabeleceu a edificação de um novo arranjo federativo que prioriza a descentralização do poder, com forte viés municipalista. Para a consecução dessa nova forma de organização político-territorial e de distribuição de competências, inovou em relação ao poder e atuação dos municípios, elevando-os à categoria de entes federados e transferindo ao nível municipal a execução das políticas públicas que anteriormente estavam sob responsabilidade da União ou dos estados.
Contudo, é imperioso destacar que o panorama fiscal, além das capacidades institucionais para a implementação de políticas públicas, não acompanhou a descentralização, pelo contrário, perdurou na centralização financeira da União, o que trouxe fragilidade para formulação e implementação de políticas públicas no âmbito local. Assim, as responsabilidades cresceram desproporcionalmente às capacidades institucionais, especialmente dos municípios de pequeno porte.
A partir da compreensão de que os benefícios da descentralização demandam a melhoria das capacidades dos municípios, e da criação de novos arranjos institucionais e formas de coordenação e cooperação federativa que maximizem os resultados obtidos com a descentralização (ABRUCIO E GRIN, 2018), surgiram instrumentos como a Lei 11.107/2005 (BRASIL, 2005), que disciplinou a figura dos Consórcios Públicos, associações de direito público ou privado formadas exclusivamente por entes federados para lidar com “políticas que demandam esforço conjunto para a ampliação da capacidade de gestão dos serviços públicos, dirimir externalidades negativas ou viabilizar ganhos de escala e efetividade da política” (STRELEC, COSTA E CALDERON, 2018, p. 670).
O arcabouço legal e normativo a respeito dos consórcios é formado pelo conjunto de leis que definem o que é um consórcio público e de que forma ele atua. Embora se constate a existência de consórcios no período anterior à promulgação da CF/88, é a partir da Emenda Constitucional (EC) 19/1998, que modificou o artigo 241 da Constituição, que a cooperação intergovernamental amplia seu status como política pública objetivando a realização de atividades públicas de interesses comuns.
Foi introduzida na Lei 11.107/2005 a possibilidade da cooperação horizontal, formada por municípios. Há ainda a cooperação vertical, em que devem estar a União, os estados e os municípios, respeitando sempre o princípio da subsidiariedade, pelo qual “a União somente participará de consórcios públicos em que também façam parte todos os estados em cujos territórios estejam situados os municípios consorciados” (BRASIL, 2005), induzindo o papel coordenador do nível estadual.
A Lei 11.107/2005 trouxe as seguintes inovações para a gestão pública:
consórcio público reconhecido como instrumento de cooperação horizontal e vertical;
introduzido o instituto do convênio de cooperação entre entes federados;
exigência de que os consórcios públicos sejam disciplinados por lei entre os entes que cooperam e aprovação do respectivo ente legislativo;
introduzido o conceito de gestão associada de serviços públicos;
reconhecida a possibilidade de transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens.
Destaca-se ainda as combinações previstas pela Lei dos Consórcios indicadas no quadro 1:
Item | Combinação |
---|---|
I | Consórcios entre municípios |
II | Consórcios entre estados |
III | Consórcios entre estados e o Distrito Federal |
IV | Consórcios entre municípios e o Distrito Federal |
V | Consórcios entre estados e municípios |
VI | Consórcios entre estados, Distrito Federal e municípios |
VII | Consórcios entre a União e os estados. |
VIII | Consórcios entre a União, os estados e os municípios. |
IX | Consórcios entre a União e o Distrito Federal |
X | Consórcios entre a União, o Distrito Federal, os estados e os municípios |
Fonte: Lei 11.107/2005
Nesse caso, estão abarcadas todas as possibilidades previstas no nosso sistema federal. Como figura estratégica, ele permeia ações de cooperação entre entes federados e, por meio deles, fortalece o setor público na execução de políticas que viabilizem garantir direitos sociais, bem como o desenvolvimento socioeconômico.
Como aponta a literatura, a maior parte dos consórcios públicos situa-se nas áreas de saúde, segurança alimentar, desenvolvimento urbano e infraestrutura, sendo o caso da saúde, de acordo com Abrucio, Filippim e Dieguez (2013), o mais bem sucedido e que conta com o maior número de consórcios. Por outro lado, quase não há registros de consórcios públicos afeitos à área da educação, sendo que até pouco tempo um dos poucos registros com resultados importantes se resumia a uma experiência de associação de direito privado, o Consórcio Intermunicipal de Desenvolvimento da Chapada Diamantina: Território Colaborativo pela Educação, fruto do trabalho desenvolvido pelo Instituto Chapada de Educação e Pesquisa (ICEP).
A dinâmica de gestão associada de política educacional no Consórcio Intermunicipal de Educação e Ensino do Paraná (Ciedepar): análise de dados
Com o intuito de responder à questão de pesquisa do presente estudo - a saber: como o consorciamento público intermunicipal pode contribuir no enfrentamento de problemas comuns e para produção de soluções integradas para a gestão da educação básica pública? - bem como seu objetivo geral - analisar como a colaboração intermunicipal estabelecida por meio de consórcios públicos educacionais pode contribuir para o enfrentamento de problemas comuns a um conjunto de entes associados -, optou-se, dentro de uma abordagem qualitativa, pela aplicação dos seguintes instrumentos:
a) em primeiro momento, foi aplicado junto aos municípios consorciados um questionário contendo um conjunto de questões sobre a experiência de gestão associada de serviços públicos que tem sido vivenciada pelos municípios partícipes do Consórcio Intermunicipal de Educação e Ensino do Paraná (Ciedepar);
b) a partir das respostas obtidas, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com gestores do consórcio e gestores municipais responsáveis pela Educação.
Dos 53 municípios participantes para os quais foram enviados os questionários, depois de autorização da Secretaria Executiva do Ciedepar, 39 responderam prontamente ao questionário. Após a pré-análise dos questionários, nos quais os dados foram tabulados, passou-se para a realização de entrevistas semiestruturadas a fim de ampliar a compreensão do fenômeno.
O grupo entrevistado foi composto por lideranças e gestores educacionais indicados no quadro abaixo (2)
Entrevistado | Cargo | Escolaridade |
---|---|---|
A | Secretário Executivo | Superior |
B | Secretário Municipal | Superior |
C | Secretário Municipal | Superior |
D | Diretor Escolar | Superior |
E | Técnico de Gestão | Médio |
Fonte: Elaboração própria
A partir das respostas obtidas, elaborou-se a categorização dos dados por meio da técnica de Análise de Conteúdo (BARDIN, 2010). Ao fazer a interpretação dos resultados, buscou-se verificar, a partir do diálogo entre os dados obtidos e o referencial teórico apresentado, um conjunto de questões necessárias para a compreensão do fenômeno. Após a contextualização, apresentaremos as categorias que serão abordadas por meio da Análise de Conteúdo de acordo com os dados coletados e apresentados no quadro abaixo (3):
Categoria | Conteúdo |
---|---|
Categoria 1 | Motivações para o consorciamento |
Categoria 2 | Forma de gestão do consórcio |
Categoria 3 | Arranjo decisório |
Categoria 4 | Compartilhamento de responsabilidades |
Categoria 5 | Metas |
Categoria 6 | Formas de rateio e financiamento |
Categoria 7 | Ações desenvolvidas |
Categoria 8 | Ganhos de escala |
Categoria 9 | Fragilidades |
Elaboração Própria
Apresentadas as categorias analíticas, passaremos agora à análise de cada uma delas.
a) Motivações para o consorciamento:
Conforme os dados extraídos, é possível perceber que essa decisão foi tomada por um conjunto distinto de questões, mas que se vinculam fortemente à busca por assessoria técnica que possibilitasse a melhoria dos indicadores de gestão com a construção de estratégias para aprimorar a gestão dos recursos públicos. A assessoria para a implementação de planos de carreira e para o desenvolvimento do Plano de Ações Articuladas (PAR) é outro aspecto considerado e, ainda, buscar auxílio para o município diretamente nas necessidades dos sistemas FNDE, FUNDEB, PAR, entre outros programas.
Foi recorrente nas respostas a necessidade que os municípios partícipes tinham na gestão propriamente dita dos seus respectivos sistemas de ensino. Percebeu-se o consórcio como um instrumento de assessoramento técnico-pedagógico que pudesse capacitar os gestores municipais para fazer a gestão tanto de questões burocráticas locais, como no pagamento de salários e nos planos de carreira do pessoal do magistério e, principalmente, com a gestão de programas federais que necessitam de qualificação técnica e que exigem a prestação de contas e a adesão a um conjunto de metas e compromissos.
Houve também menções relacionadas ao ganho de escala e à economicidade como fatores importantes que motivaram os municípios a passarem a integrar o consórcio. Isso mostra a preocupação dos municípios com a eficácia e a economicidade das políticas educacionais, que citaram ações como compra de uniformes, livros, alimentação escolar, entre outros.
É interessante perceber que questões pedagógicas que envolvem formação de professores, currículo, avaliação, entre outras questões (que se relacionam mais fortemente com a aprendizagem dos estudantes e, consequentemente, com o desempenho escolar) não foram citadas nos questionários respondidos. Contudo, é de suma relevância destacar que, no art. 5º (sobre as finalidades específicas do consórcio), no inciso XV (Ações consideradas como de manutenção e desenvolvimento do ensino), a alínea b dispõe sobre a importância da capacitação dos profissionais da educação (magistério e outros servidores em exercício na educação básica pública), por meio de programas de formação continuada.
Esses dados extraídos dos questionários foram corroborados nas entrevistas semiestruturadas realizadas via Zoom. Para fins de ilustração, apresentamos um trecho das falas do entrevistado C:
veja bem… o nosso município é de pequeno porte. Temos poucos profissionais que atuam na área técnica, então é um desafio realizar a prestação de contas de um conjunto de programas federais, como é o caso dos recursos do PNAE, do SIMEC, do PNATE. Então o consórcio, até pela qualidade da área técnica dele, abre uma nova janela de oportunidades para o melhor desenvolvimento da gestão municipal de recursos da educação (ENTREVISTADO C).
b) Forma de Gestão do Consórcio
Outra questão que veio à tona se relaciona com a forma de gestão que foi estabelecida dentro do Ciedepar. Levando em consideração a literatura que aponta que “o melhor êxito das formas de consorciamento intergovernamental dependem de um modelo institucional bem gerido, capaz de ser inovador na forma e no conteúdo das políticas” (ABRUCIO, 2012, p. 17), as respostas obtidas no questionário Google Forms evidenciam que o Consórcio Ciedepar é marcado por uma gestão compartilhada, na qual as decisões são tomadas em conjunto com os municípios participantes.
Conforme a fala do entrevistado A, o Ciedepar possui como instâncias decisórias as Assembleias Gerais (AG). A instância máxima do Consórcio é a Presidência, órgão de representação judicial e extrajudicial composta por um dos prefeitos e vice-prefeitos. O Controle Interno integra a estrutura organizacional da administração pública e possui a função de acompanhar a execução das ações e auxiliar o gestor com informações técnicas. O Conselho Fiscal é órgão colegiado que acompanha e fiscaliza a gestão do consórcio no aspecto legal, patrimonial e financeiro. A Diretoria Executiva é órgão gestor técnico e administrativo, conduzido por profissional de confiança da Presidência e por um quadro técnico administrativo, responsável pelos atos do consórcio nos aspectos contábil, financeiro e patrimonial. E a instância executiva é composta por um secretário executivo, nomeado pela Presidência e confirmado pela Assembleia Geral, e um quadro técnico, a ser integrado por empregos públicos que terão a incumbência de operacionalizar o gerenciamento da educação dos municípios.
Segundo a fala do entrevistado A, esse modelo de gestão apresenta inovações para a gestão municipal da educação:
Em primeiro lugar, o modelo de gestão do Consórcio inova ao criar uma perspectiva de gestão intermunicipal da política educacional, abandonando uma ação solitária dos municípios. Inova também em seu modelo interno, criando tanto instâncias de decisão política coletiva, como é a Assembleia Geral, como instância executora, propondo assim a Diretoria Executiva e a instância executiva, que são responsáveis por tocar administrativamente as ações do Consórcio (ENTREVISTADO A).
Dessa forma, ficou evidente que o modelo adotado vem permitindo a ação coletiva por meio de uma instância intermunicipal que permite a tomada de decisões conjuntas e pela prestação de serviços educacionais no conjunto dos municípios participantes, além de se tornar um elemento qualificador das gestões municipais de educação. Isso é evidenciado com o Estatuto do consórcio em seu artigo 49, que autoriza aos municípios consorciados a gestão associada por meio do consórcio intermunicipal de serviços públicos correlatos às finalidades da instituição (CIEDEPAR, 2020). Tal aspecto é ainda reafirmado no art. 50, o qual declara que a “gestão associada autorizada no caput referese ao planejamento, à regulação e à fiscalização e, nos termos de contrato de programa, à prestação dos serviços…” (CIEDEPAR, 2020).
c) Arranjo decisório
Quanto ao arranjo decisório, é interessante perceber que ele se baseia em duas dimensões distintas: a política e a técnica. A dimensão política é coordenada pela Assembleia Geral (AG), cujos trabalhos são conduzidos pelo presidente. Cabe à AG aprovar e modificar o estatuto, indicar e eleger os membros dos órgãos colegiados, admitir e destituir membros do consórcio, aprovar orçamento. Ainda nessa dimensão, temos a figura da Presidência, exercida por um dos chefes do poder executivo do conjunto de municípios e que tem como função representar judicialmente ou extrajudicialmente o Consórcio.
Já quanto à dimensão técnica, o arranjo decisório estabeleceu que a Diretoria Executiva é a instância executiva que assume a função de dirigir administrativa e financeiramente e de realizar a gestão integrada.
Os dados levantados possibilitaram identificar também um conjunto de atores institucionais que exercem relevantes papéis e influenciam a tomada de decisão no interior do consórcio. Segundo dados extraídos dos questionários, os respondentes foram capazes de identificar esses atores como sendo, resumidamente, os Prefeitos Municipais, bastante envolvidos nas tomadas de decisões (52,9% dos respondentes); os Secretários Municipais de Educação (64,7%); os diretores das unidades escolares (35,6%) e, de forma mais discreta, os Conselhos Municipais de Educação (5,9%).
Diante do apontado nos dados, buscou-se, por meio das entrevistas semiestruturadas, entender melhor as dinâmicas e os atores envolvidos no arranjo decisório presente no Ciedepar. As falas foram sintetizadas nos trechos abaixo, que trazem as visões dos entrevistados A e D:
É o órgão colegiado, instância máxima do consórcio público, deliberativa, composto somente pelos chefes dos Poderes executivos consorciados. Sempre, em Assembleia Geral até o mês de dezembro, é definido e aprovado o Plano de Trabalho para o exercício subsequente. Após a definição dos serviços a serem prestados pelo consórcio, é elaborado o contrato de rateio (ENTREVISTADO A).
A construção do Plano de Trabalho que é apresentado na Assembleia Geral é feita de forma a agregar as contribuições dos entes consorciados. A partir desse Plano, a Assembleia Geral aprova esse conjunto de diretrizes, e os municípios fazem a implementação das ações que foram deliberadas. Acredito que existe um espaço para a discussão coletiva dos problemas e são assim construídas estratégias comuns para serem executadas (ENTREVISTADO D).
Uma questão importante verificada nos dados e percebida nos instrumentos de pesquisa utilizados se refere à perspectiva de uma gestão associada de serviços públicos educacionais por meio de uma instância intermunicipal de educação. Os respondentes dos questionários indicaram que a busca por essa gestão associada foi um dos principais motivos para que eles decidissem pelo consórcio.
d) Compartilhamento de responsabilidades
De acordo com os dados coletados, o Ciedepar adota um modelo de compartilhamento de responsabilidades baseado em contratos de rateio e na tomada de decisões conjuntas que são executadas por um conjunto de recursos, em especial os contratos de rateio no qual os municípios consorciados contribuem com a sua quota-parte para a realização da ação, levando-se em conta o quantitativo de estudantes matriculados em sua respectiva rede de ensino.
Cabe apontar que os municípios, em seu conjunto e individualmente, são responsáveis pelo financiamento das ações e pela execução das ações estabelecidas, evitando dessa forma comportamentos predatórios ou concorrentes. Há também que se levar em conta que o compartilhamento de responsabilidades entre os partícipes estabeleceu a existência de um conjunto de redes de ensino municipais, e não a criação de uma rede de ensino intermunicipal, mantendo-se assim a autonomia de cada município, que devem, contudo, buscar uma integração e cooperação em suas ações.
e) Formas de rateio e financiamento
A respeito das formas de rateio e financiamento das ações desenvolvidas, observou-se que esse processo se dá por meio de distintos instrumentos, sendo que os mais citados foram: contrato de rateio celebrado com os entes consorciados (72,2%), contrato de programa (5,6%), repasse de instituição internacional (5,6%), convênio e/ou contrato de repasse com o governo federal 16,7%), convênio e/ou contrato de repasse com o governo estadual (5,6%). Também se observou a existência de ações que não envolvem recursos financeiros diretos.
Segundo as informações levantadas, é possível observar que as ações desenvolvidas contam, respectivamente, com três principais formas de financiamento: recursos oriundos dos próprios municípios (citados por 72,2% dos respondentes), por convênio e/ou contrato de repasse pelo governo estadual (16,7%), por convênio e/ou contrato de repasse com o governo federal (5,6%) e por repasse de recursos oriundos de organismos internacionais. Não se observam ações financiadas por meio de emendas parlamentares ou outras formas de captação de recursos públicos.
f) Ações desenvolvidas
De acordo com os dados, foi possível perceber um conjunto de ações que vem sendo desenvolvidas no âmbito do Ciedepar. Essas ações foram sintetizadas na fala do Entrevistado A:
As mais variadas ações têm sido realizadas por meio do Consórcio, através de ações de apoio técnico, que viabilizam a gestão da educação. Pelos treinamentos, pela capacitação da equipe administrativa e pedagógica, melhora a capacidade na execução das funções na gestão da educação. Também fortalecemos os municípios consorciados nas demandas junto aos órgãos federais e estaduais de ensino, melhorando os serviços públicos oferecidos a cidadãos, e temos criado ações que melhoram a capacidade na elaboração de monitorar planos, projetos e programas, para obtenção de recursos estaduais ou federais e na melhoria na execução, manutenção e viabilização na execução de obras, reduzindo as restrições de obras que bloqueiam o PAR - Plano de ações articuladas do Município (ENTREVISTADO A).
Os dados obtidos também indicam ações que, na visão dos respondentes, trouxeram ganhos para o conjunto de municípios. Dentre elas, foram citados a Reformulação do Plano de Carreira dos Profissionais do Magistério, o acesso a programas e recursos federais, a agilidade em resolver questões junto ao FNDE (programas e prestações de contas) e as orientações para preenchimento dos sistemas PAR.
Os respondentes do questionário também apontaram as seguintes iniciativas como ações relevantes do consórcio: 1) Oferta permanente de cursos, treinamentos e oficinas sobre temas atualizados de interesse das prefeituras e secretarias municipais da Educação; 2) Recebimento de informações exclusivas sobre todos os temas de interesse das prefeituras e secretarias municipais da Educação; 3) Fortalecimento da representatividade; 4) Ampliação do poder de negociação, economia de cerca de 30% nas compras de equipamentos e maquinário destinado às Secretarias de Educação e às escolas municipais, por meio da elaboração de atas de registros de preços à disposição dos municípios consorciados; 5) Assessoria e cursos de capacitação: Planejamento e Monitoramento do Plano de Ações Articuladas - PAR e; 6) Acompanhamento, Execução e Prestação de Contas de Programas Educacionais Federais.
Nessa categoria, embora os respondentes tenham em sua maioria citado ações realizadas por meio do consórcio, houve alguns respondentes que apontam que os municípios sozinhos poderiam ter resolvido os mesmos problemas, ainda que pudessem levar mais tempo:
Não digo que não conseguiríamos realizar alguma coisa, mas agiliza muito, levando em consideração a alta demanda de trabalho. Então, assim, é preciso ver que teríamos mais dificuldade, mas não impossibilidade de solução. Já fazíamos essas ações antes de forma isolada, demorava mais, mas acontecia também (ENTREVISTADO B).
Essas falas precisam ser compreendidas de forma mais ampla e podem acabar abrindo a reflexão da dificuldade de alguns consórcios no campo educacional de se organizarem para uma ação coletiva e sistematizada. Isso pode, em determinado grau, ser creditado à autonomia que os municípios historicamente tiveram para gerir seus sistemas municipais de ensino, abrindo reflexão para a necessidade de se pensar uma nova cultura organizacional.
g) Ganhos de escala
De acordo com os entrevistados, a gestão associada de serviços públicos possibilitada pelo Ciedepar tem permitido ganhos de escala, trazendo economicidade para os municípios, em virtude da realização de compras coletivas com custos rateados pelos municípios. Assim destaca o Entrevistado C:
O que a gente percebeu nesse breve período foi uma significativa ampliação do poder de negociação, o que trouxe para o conjunto dos municípios uma economia de cerca de 30% nas compras de equipamentos e maquinário destinado às Secretarias de Educação e escolas municipais, através da elaboração de atas de registros de preços a disposições dos municípios consorciados (ENTREVISTADO C).
Essa percepção do ganho de escala por parte dos municípios também foi percebida pelo entrevistado D, que acrescentou:
Hoje tivemos um ganho de escala que permitiu uma economia aos cofres públicos, como no caso das compras, houve um ganho com a questão das atas de registros de preço. Uma outra questão que eu percebi foi em relação ao transporte escolar, tivemos mais poder de barganha e melhor estruturação da rede de transporte escolar (ENTREVISTADO D).
Por conseguinte, embora um conjunto de ações ainda esteja em fase de planejamento, as falas corroboram questões já observadas nas demais pesquisas, identificando que a gestão associada via consórcios públicos possibilita ganhos de escala que acabam gerando economia e eficácia na contratação de serviços e nas compras públicas que não seriam possíveis com a ação individualizada dos municípios, em especial os de pequeno e médio porte.
h) Fragilidades
Dentre as principais dificuldades encontradas no decorrer desse processo, os municípios apontaram questões relacionadas a distintas dimensões da ação pública, dentre as quais ressaltamos:
a) Carência de recursos financeiros e de pessoal: a falta de recursos financeiros foi apontada por 25% dos respondentes, ao passo que a carência de recursos humanos foi apontada por 33,3% dos municípios como um fator limitador de suas ações associadas;
b) As questões do modelo político-institucional também foram apontadas como um limitador: 16,7% dos respondentes apontaram que a mudança de prefeitos e 16,8% apontaram que a mudança de secretários municipais representava uma fragilidade para o Consórcio. Também é interessante apontar que os conflitos entre os membros figuravam, na opinião dos respondentes, como uma fragilidade a ser considerada (8,4%);
c) As dificuldades na elaboração de projetos técnicos, planos de trabalho e outros instrumentos de gestão foram apontados como o principal fator relacionado a dificuldades ou fragilidades na ação do Consórcio Intermunicipal de Educação e Ensino do Paraná (Ciedepar), tendo em vista que essa questão foi apontada por 43,2% dos respondentes.
Essas questões acabaram sendo corroboradas pelas falas dos entrevistados, dentre as quais destacamos um trecho da entrevista feita com o entrevistado C:
Bem… eu penso que nossa maior fragilidade está sendo definir os objetivos comuns dos municípios consorciados. Vejo que não está claro isso, e cada um está remando para uma direção. Temos que rever isso, pensar coletivamente em nossos problemas para pensar em soluções compartilhadas. Ah… eu também vejo alguns municípios com uma visão mais individualista, muito isolada do coletivo (Entrevistado C).
Conforme identificado neste estudo, atentou-se que o processo de rateio e financiamento das ações tem por mais aludidos instrumentos o contrato de rateio celebrado com os entes consorciados (72,2%), o contrato de programa (5,6%), o repasse de instituição internacional (5,6%), o convênio e/ou contrato de repasse com o governo federal (16,7%), o convênio e/ou contrato de repasse com o governo estadual (5,6%). Pondera-se ainda a existência de ações que não envolvem recursos financeiros diretos.
Assim, os dados abrem reflexão para um conjunto de fragilidades presentes em consórcios públicos já relatados em outras pesquisas e estudos empíricos e apontam para questões operacionais, técnicas, financeiras, políticas e, em especial, o próprio modelo de cooperação interfederativa que marcou a estruturação do federalismo educacional brasileiro.
Considerações Finais
O presente trabalho se propôs a discutir as possíveis contribuições do consorciamento público intermunicipal no enfrentamento de problemas comuns e na produção de soluções integradas para a gestão da educação básica pública. Para tanto, precisou se analisar o que norteia a Lei 11.107/2005, que trata dos consórcios públicos.
E é nesse sentido que o trabalho desenvolvido pelos consórcios merece ampla evidência, por trazer alternativas que já apresentam resultados positivos na implantação de programas que contribuem para que os municípios consigam superar seus desafios e dar saltos de qualidade na gestão e nos serviços prestados na educação local. Ou seja, o consórcio público, como novo arranjo federativo, pode trazer inovações ao federalismo educacional, tendo em vista as ações que se fazem necessárias na busca de lograr êxito, quanto às ações conjuntas acerca do território.
A partir do que foi apresentado, é perceptível que o modelo proposto pelo Consórcio Ciedepar tem trazido evidências da gestão pública e sido capaz de responder aos desafios da governança em espaços públicos educacionais por meio de apoio técnico, que viabiliza a gestão da educação, pelos treinamentos, capacitação da equipe administrativa e pedagógica que traz melhora na execução das funções na gestão da educação. Além disso, fortalece os municípios consorciados nas demandas junto aos órgãos federais e estaduais de ensino, melhorando os serviços públicos oferecidos aos cidadãos e a capacidade na elaboração de planos, projetos e programas para obtenção de recursos estaduais ou federais. Assim, melhora na execução, manutenção e viabilização na execução de obras, reduzindo as restrições de obras que bloqueiam o Plano de ações articuladas do Município (PAR).
Os dados analisados por meio do estudo apontam para o ganho de escala e a economicidade como motivadores significativos para os municípios integrantes do consórcio observado. Tais apontamentos demonstram a preocupação desses territórios em relação à eficácia e à economicidade das políticas educacionais.