SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.17Methodological strategies for/in the elaboration of a Curriculum Proposal: unity in the collectivity in the course of an educational policyRelationships between leadership styles, principal selection methods and school management practices author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Share


Jornal de Políticas Educacionais

On-line version ISSN 1981-1969

J. Pol. Educ-s vol.17  Curitiba  2023  Epub May 06, 2024

https://doi.org/10.5380/ipe.vl7i0.91863 

Artigos

Um Estado da Arte sobre o Ensino Médio Integrado à Educação Profissional e Tecnológica: tensionamentos e proposituras nos Institutos Federais

A State of the Art on Secondary Education Integrated with Professional and Technological Education: tensions and propositions in Federal Institutes

Un Estado del Arte de la Educación Media Integrada a la Educación Profesionaly Tecnológica: tensionesy proposiciones en los Institutos Federates

Arthur Rezende da Silva1 
http://orcid.org/0000-0002-4543-7842

Marcelo Siqueira Maia Vinagre Mocarzef2 
http://orcid.org/0000-0002-2780-0054

1Mestre em Planejamento Regional e Gestão de Cidades. Técnico em Assuntos Educacionais do Instituto Federal Fluminense, Campus Santo Antônio de Pádua, exercendo a função de Diretor Geral do Campus desde 2016 até a presente data e Professor efetivo da Licenciatura em Pedagogia da Faculdade de Educação Tecnológica do Estado do Rio de Janeiro (FAETERJ). Doutorando em Educação pela Universidade Católica de Petrópolis. PROSUC/CAPES. Rio de Janeiro, RJ. Brasil. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-4543-7842. E-mail: arezendeiff@gmail.com

2Doutor em Comunicação Social pela PUC-Rio. É professor titular, diretor de educação a distância e coordenador do curso de Pedagogia do Centro Universitário Serra dos Órgãos (Unifeso). É professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Católica de Petrópolis e professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estácio de Sá. Rio de Janeiro, RJ. Brasil. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-2780-0054. E-mail: marcelomocarzel@gmail.com


Resumo

O artigo em tela é parte de pesquisa em andamento sobre os desafios e possibilidades de consolidação de uma formação continuada em serviço sobre Ensino Médio Integrado à Educação Profissional e Tecnológica. Para subsidiar a investigação, foi realizado um estado da arte a partir de teses de doutorado da Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da CAPES, além de ter sido elaborada uma Análise Textual Discursiva dos resumos das teses a fim de responder a questão problema da pesquisa, qual seja: o que apontam as teses de doutorado sobre os desafios e possibilidades da implantação do Ensino Médio Integrado à Educação Profissional e Tecnológica (EMI à EPT) nos Institutos Federais (IFs)?. Chegou-se à conclusão de que um dos principais tensionamentos na efetivação do EMI é a falta de uma política institucionalizada nos Institutos Federais de formação continuada em serviço sobre a temática. É urgente, portanto, a criação de um curso que atenda aos anseios do Ensino Médio Integrado, patrimônio da classe trabalhadora.

Palavras-chave: Ensino Médio Integrado à Educação profissional e Tecnológica; Institutos Federais; Formação continuada em serviço; Análise Textual Discursiva

Abstract

The article is part of an ongoing research on the challenges and possibilities of consolidating in-service continuing education on Secondary Education Integrated with Vocational and Technological Education. To support the investigation, a state of the art was carried out based on doctoral theses from the Digital Library of Theses and Dissertations of CAPES, in addition to a Discursive Textual Analysis of the abstracts of theses being elaborated in order to answer the research problem question in other words: what do doctoral theses point out about the challenges and possibilities of implementing Secondary Education Integrated with Professional and Technological Education (EMI and EPT) in Federal Institutes (IFs)?. The conclusion was reached that one of the main tensions in the implementation of the EMI is the lack of an institutionalized policy of continuous training in the Federal Institutes on this subject. It is urgent, therefore, to create a course that meets the aspirations of Integrated Secondary Education, a heritage of the working class.

Keywords: High School Integrated to Professional and Technological Education; Federal Institutes; Continuous in-service training; Discursive Textual Analysis

Resumen

El artículo en pantalla forma parte de una investigación en curso sobre los retos y posibilidades de consolidar la formación continua en servicio en la Educación Secundaria Integrada con la Formación Profesional y Tecnológica. Para sustentar la investigación se realizó un estado del arte a partir de tesis doctorales de la Biblioteca Digital de Tesis y Disertaciones de la CAPES, además de un Análisis Textual Discursivo de los resúmenes de tesis que se están elaborando para dar respuesta a la pregunta problema de investigación: ¿qué señalan las tesis doctorales sobre los desafíos y posibilidades de implementar la Educación Secundaria Integrada con la Educación Profesional y Tecnológica (EMI y EPT) en los Institutos Federales (IF)?. Se concluyó que una de las principales tensiones en la implementación del EMI es la falta de una política institucionalizada en los Institutos Federales de formación continua en el servicio sobre el tema. Urge, por tanto, crear una carrera que responda a las aspiraciones de la Educación Media Integrada, patrimonio de la clase trabajadora.

Palabras Clave: Bachillerato Integrado a la Educación Profesional y Tecnológica; institutos federales; Formación continua en servicio; Análisis textual discursivo

Introdução

Este artigo é um desdobramento de pesquisa de doutorado em andamento, cujo objetivo é investigar o que apontam as teses de doutorado sobre os desafios e possibilidades da implantação do Ensino Médio Integrado à Educação Profissional e Tecnológica (EMI à EPT) nos Institutos Federais (IFs)? O objetivo do artigo é a realização de um inventário por meio do Estado da Arte, cuja característica é efetivar um mapeamento da produção acadêmica em distintos campos do conhecimento, tendo como peculiar uma perspectiva inventariante e descritiva da produção acadêmica sobre a qual se investiga. (FERREIRA, 2000). Corroborando com as ideias de Ferreira (2000), tem-se Romanowski e Ens (2006), que pontuam o seguinte sobre estado do conhecimento:

Estados da arte podem significar uma contribuição importante na constituição do campo teórico de uma área de conhecimento, pois procuram identificar os aportes significativos da construção da teoria e prática pedagógica, apontar as restrições sobre o campo em que se move a pesquisa, as suas lacunas de disseminação, identificar experiências inovadoras investigadas que apontem alternativas de solução para os problemas da prática e reconhecer as contribuições da pesquisa na constituição de propostas na área focalizada. (ROMANOWSKI; ENS, 2006, p.39)

Os Institutos Federais, a partir da lei 11.892, de 29 de dezembro de 2008, representam uma política pública para a classe trabalhadora, principalmente em relação à tentativa de romper a perversa dualidade histórica entre o trabalho manual e o trabalho intelectual, assegurando, na referida lei, a oferta do EMI como prioritária, garantindo no mínimo de 50% de matrículas para os concluintes do ensino fundamental e para o público da educação de jovens e adultos como o público do EMI à EPT (BRASIL, 2008).

O EMI, enquanto uma política para classe trabalhadora, tem como objetivo uma formação que contemple todas as dimensões do ser humano, combinando currículos com as práticas sociais, suplantando a mera aquisição de habilidades instrumentais (PACHECO, 2020). Os Institutos Federais podem se constituir como uma referência para educação nacional visto as características históricas da rede com condições objetivas e subjetivas para o desenvolvimento de um projeto coletivo, característica essencial para o EMI. (RAMOS, 2021).

No decorrer do artigo, há uma seção dedicada ao estado da arte em si, deixando o mais claro possível o procedimento realizado; além de uma seção dedicada ao percurso da Análise Textual Discursiva, explicando o que é essa metodologia, e também evidenciando todo o percurso de análise, e, por fim, as considerações finais.

Estado da arte sobre as dificuldades de se efetivar o EMI à EPT

Para a realização de uma pesquisa do tipo Estado da Arte, Romanowski e Ens (2006) reforçam os procedimentos necessários, sendo um deles a “definição de descritores para direcionar as buscas a serem realizadas” (ROMANOWSKI; ENS, 2006, p.43), além do “estabelecimento de critérios para a seleção do material que compõe o corpus do estado da arte” (ROMANOWSKI; ENS, 2006,p. 43). Sendo assim, o descritor escolhido foi “Ensino Médio Integrado”, tendo sido realizada a consulta à base de dados da Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD), por ser uma plataforma de amplo acesso dos acadêmicos em geral. Tal plataforma é alimentada pelas próprias universidades e cursos de pós-graduação do Brasil.

A consulta que culminou no quadro 1 a seguir foi realizada no dia 27 de janeiro de 2022, por volta das 17h30, horário de Brasília, tendo como filtro o período entre 2012 a 2021, isso porque os Institutos Federais têm sua data de criação em 29 de dezembro de 2008. Considerando o tempo médio de 3 anos do EMI, seria bem provável que as pesquisas relativas aos IFs surgissem após o ano de 2011, diante das primeiras experiências do EMI nessa rede.

Quadro 1 Teses de Doutorado encontrados na busca na BDTD relacionadas ao EMI à EPT 

Numeração das Teses Ano Título da Tese Autor Instituição (continua)
Tese 1 2012 Ensino médio integrado: formação politécnica como horizonte? Pontes, Ana Paula Furtado Soares Universidade Federal De Pernambuco
Tese 2 2014 Compreensão de currículo na educação profissional: possibilidades e tensões do ensino médio integrado Hannecker, Lenir Antonio Universidade Do Vale Do Rio Dos Sinos
Tese 3 2014 Humanização, interdisciplinaridade e pesquisa: em busca de uma alternativa qualitativa para a formação do estudante do ensino médio integrado ao técnico Roberto, Enzo Basilio Universidade Nove De Julho,
Tese 4 2014 O ensino médio integrado no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense: perspectivas contra-hegemônicas num campo em disputas' Junior, Manoel Jose Porto Universidade Do Estado Do Rio De Janeiro
Tese 5 2015 O ensino médio integrado no IFRS enfrentando a dualidade' Marcal, Fabio Azambuj Universidade Federal Do Rio Grande Do Sul
Tese 6 2016 Concepções e práticas integradoras dos docentes do IFMT campus Cáceres, no desenvolvimento do currículo integrado Rodrigues, Denise Dalmas Univ. Regional Do Noroeste Do Estado Do Rio Grande Do Sul,
Tese 7 2017 Origem e evolução do ifsul de minas, campus inconfidentes: qual o princípio pedagógico? Bresci, Melissa Salaro Universidade Nove De Julho
Tese 8 2017 O ensino médio integrado no instituto federal goiano: a percepção de professores sobre os desafios e possibilidades para a consolidação da formação humana integral Garcia, Julio Cezar Pontifícia Universidade Católica De Goiás
Tese 9 2017 Politecnia, política pública educacional brasileira e a implantação do ensino médio integrado no CEFET-rj: avanços e contradições Brunow, Vanessa De Oliveira Universidade Federal Fluminense
Tese 10 2018 A educação profissional no Brasil e os limites e possibilidades da educação integral no ensino médio integrado no IFPR Wiedemann, Samuel Carlos Universidade Tuiuti Do Paraná
Tese 11 2018 O instituto federal de educação, ciência e tecnologia de São Paulo - campus São João da Boa Vista: a questão do ensino médio integrado' Gianelli, Juliana Gimenes Universidade Federal De São Carlos
Tese 12 2018 Efetividade social e pedagógica do ensino médio integrado: análise de sua implantação no instituto federal goiano Melo, Paulo Silva. Pontifícia Universidade Católica De Goiás
Tese 13 2019 Ensino médio integrado em minas gerais: análise da produção acadêmico-científica a partir do decreto nº 5.154/2004 e dos projetos pedagógicos dos cursos integrados de instituições federais Werneck, Felippe Nunes Universidade Federal De Minas Gerais
Tese 14 2019 Currículo do ensino médio integrado do IFMG: a partitura, a polifonia e os solos da educação física Sa, Katia Regina De Feusp
Tese 15 2021 Professores não licenciados na educação básica: sentidos de docência no ensino médio integrado do Cefet-RJ' Ferreira, Felipe Da Silva Universidade Federal Do Rio De Janeiro
Tese 16 2021 Ensino médio integrado no IFMT: “travessia” para a formação politécnica, omnilateral e unitária? Silva, Rose Marcia Da Universidade Do Estado Do Rio De Janeiro
Tese 17 2021 Formação para o trabalho e os impactos no sujeito social: um estudo a partir do ensino médio integrado ao técnico do IFMS campus três lagoas Frigo, Sofia Urt Universidade Católica Dom Bosco

Fonte: Elaborado pelos autores

No primeiro momento de consulta à BDTD, foram encontradas 77 teses de doutorado de instituições públicas e/ou privadas. Após esse primeiro passo, foram excluídas as teses que envolviam as redes estaduais de educação, pois o foco são os Institutos Federais; também foram excluídos textos que envolviam a Educação de Jovens e Adultos na modalidade de EMI à EPT, por considerar que esta modalidade apresenta suas especificidades; e, por fim, foram excluídas teses que focavam ações relativas ao ensino de determinadas disciplinas como Educação Física, Biologia, Língua Portuguesa, dentre outras, e as relativas às discussões sobre Juventudes e Percepções dos Estudantes em relação ao EMI.

Na etapa de análise dos resumos das teses, foram observados os temas relativos ao Currículo do EMI, a tentativas de materialização do EMI, à concepção e práticas no EMI, à formação de professores relativa ao tema I, e, por fim, à implantação de EMI em algum Instituto Federal. Depois desse filtro, chegou-se a um total de 29 teses a serem analisadas e descritas a seguir:

Uma Análise Textual Discursiva de teses de doutorado: quais os achados acerca do EMI à EPT

Para analisar as teses selecionadas no quadro 01 a partir de seus resumos, foi utilizada uma metodologia de análise de dados qualitativos, a Análise Textual Discursiva (ATD). A ATD tem como objetivo depreender informações de natureza qualitativa com o intuito de gerar novas compreensões acerca dos fenômenos e dos discursos, ajustando-se entre os extremos da análise de conteúdo e da análise do discurso, diferenciando destas em virtude da atividade interpretativa e de natureza hermenêutica. (MORAES; GALIAZZI, 2016). A ATD auxilia na compreensão da realidade da dialética.

É importante destacar que, quem se dispõe a usar ATD em suas pesquisas, deve, indubitavelmente, estar disposto a aprender. Pode parecer óbvio esse apontamento anterior, mas, essa compreensão é fundamental para adentrar à ATD. O que é o aprender? Há os que o condicionam à mera transmissão de saber, caracterizado pela repetição. Há também os que entendem o aprender como uma construção, como um processo. Aos que almejam compreender o processo da ATD, orienta-se pela segunda resposta, ou seja, “O aprender exige imitação, reprodução, invenção, reinvenção, em que se criam interpretações a partir das interações no ambiente” (GALIAZZI, 2021, p.123).

A construção desse pensamento sobre o aprender está guiada na ideia de que a ATD demanda interação e impregnação do corpus, uma vez que “(...) é um processo de produção de novas compreensões em que a recursividade está presente o tempo todo, com movimentos em ciclos e em espirais, conduzindo entendimentos cada vez mais complexos.” (MORAES; GALIAZZI, 2016, p. 253). Por conseguinte, a ATD chama o pesquisador a aprender, a ouvir, a dialogar, a observar, a problematizar, convida, portanto, o pesquisador a envolver-se intensamente, “(... ) emergindo um investigador capaz de perceber o potencial criativo e original do escrever dentro de suas pesquisas. Do envolvimento com a ATD surge um novo pesquisador, apto a manipular com competência a vara mágica da escrita.” (MORAES; GALIAZZI, 2016, p. 204).

Em resumo, os procedimentos da ATD são os seguintes: Produção e/ou escolha do corpus, que nessa seção da tese serão os resumos das teses selecionadas no quadro 01; a unitarização do corpus; a organização das categorias iniciais, intermediárias e finais a partir da aproximação de sentido da unitarização; e, por fim, a produção dos metatextos.

Em relação ao corpus, é importante esclarecer que sua matéria-prima são as produções textuais, produzidas especialmente tanto para a pesquisa, podendo compor-se de transcrições de entrevistas, registros de observação, depoimentos construídos por escrito, anotações e diários múltiplos , quanto podem ser documentos já existentes, englobando, assim, relatórios, publicações de natureza variada como editoriais de jornais e revistas, atas de diversos tipos, legislações, dentre outros tipos de documentos. Lembremo-nos de que os textos não possuem significados a serem apenas apresentados, mas sim significantes que requerem do leitor ou pesquisador a elaboração de significados por meio de suas teorias e pontos de vista. (MORAES; GALIAZZI, 2016).

Em relação à unitarização, é válido frisar que é uma etapa de intenso contato e impregnação com o material da análise, sendo cenário para emergência de novas compreensões. Esse processo de unitarização compõe-se de um momento de desmontagem dos textos em que o pesquisador é quem decide em que medida fragmentará o corpus, resultando em unidades de maior ou menor extensão.

A categorização, por sua vez, representa não só o agrupamento dos itens da fragmentação do corpus, mas sim um processo de auto-organização, de reconstrução, de categorias integradas e inter-relacionadas. É acompanhar e saborear o que emerge do caldeirão de ideias a partir da fragmentação do corpus. (GALIAZZI; RAMOS; MORAES, 2021). As categorias, destarte, equivalem a um processo de classificação das unidades a partir da fragmentação do corpus, podendo ser consolidadas em vários níveis: iniciais, intermediárias ou finais.

O pesquisador é quem estabelece a composição dos níveis das categorias, dependendo, logo, do fenômeno a ser compreendido, podendo o pesquisador trabalhar com categorias a priori e emergentes. As categorias a priori originam-se dos pressupostos teóricos do pesquisador, já as categorias emergentes derivam da atitude mais fenomenológica do pesquisador, estas permitem maior criatividade por parte do pesquisador, atitude mais esperada na ATD. (MORAES; GALIAZZI, 2016)

Já em relação ao Metatexto, é precípuo elucidar que é o “prazer” da própria ATD, pois é o próprio sujeito se tornando pesquisador a partir da escrita. Em síntese, é uma invenção de quem escreve. No metatexto, inserimos citações e falas dos fragmentos do corpus analisado, que seriam as “interlocuções empíricas”, uma vez que “os autores dos textos analisados deverão perceber representados no metatexto o que expressaram mesmo sabendo que há interpretação do pesquisador.” (MORAES; GALIAZZI, 20216, p. 147). A categorização e a unitarização despontam como uma macroestrutura para a realização de um metatexto, este expressando os elementos preponderantes do corpus analisado (MORAES; GALIAZZI, 2016).

Após essa breve explanação sobre a ATD, eis o quadro 02, que é um recorte de como foi realizado o processo analítico, com as categorias iniciais e finais, após a impregnação ocasionada pela leitura atenta dos resumos das teses de doutorado selecionadas no Quadro 02.

Quadro 2 Recorte do processo de Unitarização (Codificação e Unidades) dos resumos das teses de Doutorado 

Codificação Unidades de sentido
Tese 1: ENSINO MÉDIO INTEGRADO: FORMAÇÃO POLITÉCNICA COMO HORIZONTE? U01Tese1 Aspectos institucionais, organizacionais e político-pedagógicos na materialidade do EMI;
U02Tese1 Grupo focal, entrevistas com professores, análise documental;
U03Tese1 Os professores enfrentaram várias dificuldades no desenvolvimento da proposta de EMI, identificadas como de natureza conceitual, política, organizacional e pedagógicas;
U04Tese1 Organização da matriz curricular concebida em termos estreitos de ajustes de cargas horárias e direcionamentos das disciplinas de formação geral para as necessidades da área técnica.

Fonte: Elaborada pelos autores

Ao realizar a leitura dos resumos, foram destacados trechos que representavam sentidos pertinentes ao propósito da pesquisa, sendo compreendido pelos pesquisadores como elementos importantes. Esse momento de fragmentação é um processo que gera o caos, pois, para se atingir as novas compreensões “É preciso desestabilizar a ordem estabelecida, desorganizando o conhecimento existente.” (MORAES; GALIAZZI, 2016, p.43).

E nesse processo de se levar o sistema semântico ao limite do caos, por meio da unitarização dos resumos das teses de doutorado, produz-se a desordem a partir de um sistema de textos organizados, a fim de organizar novas compreensões em consonância com o fenômeno investigado. Para ajudar na organização, foi criado um código, a seguir exemplificado: U01Tese1, em que “U01” representa “primeira unidade” da “Tese 01”. Em relação à criação dos códigos, Moraes e Galiazzi (2016) reiteram que a criação de um sistema de códigos permite ao pesquisador identificar os textos originais e suas unidades de sentido, assim como outros elementos que fazem parte da análise, sempre que for necessário.

Ainda no processo de unitarização, foi realizada a descrição do conjunto de unidades de sentido de cada tese de doutorado analisada. A finalidade dessa descrição é focalizar o papel central e ativo do pesquisador na unitarização, representando também um exercício fenomenológico-hermenêutico para encaminhamento para a categorização ou classificação, havendo uma relação muito próxima entre o processo de unitarização e o de categorização (MORAES; GALIAZZI, 2016). O próximo quadro possibilita um recorte dessa organização.

O segundo movimento da ATD é o da categorização, que consiste no movimento de síntese e de reconstrução da pesquisa na qual o pesquisador produz e estrutura novas formas de apreensão dos fenômenos que investiga, organizando, portanto, estruturas discursivas que se apresentam por meio da impregnação do pesquisador nos fenômenos investigados (MORAES; GALIAZZI, 2016). A seguir, no quadro 03, um recorte da construção das categorias iniciais a partir da unitarização. É importante ressaltar que “Categorizar é uma construção de quebra-cabeças, uma criação de mosaicos” (MORAES; GALIAZZI, 2016, p.114).

Quadro 03 Recorte das categorias iniciais a partir da unitarização 

Categorias iniciais Dificuldade do docente em entender a natureza conceitual, política, pedagógica do EMI
Currículo criado para atender ao mercado de trabalho
Resistência dos professores e alunos em relação à concepção de EMI.
Formação continuada dos docentes em fundamentos e princípios do EMI
IFs como referências no Ensino Médio Brasileiro
As mudanças na legislação não garantem a efetivação do EMI
IFs como possibilidade de formação politécnica mesmo com contradições
O EMI enquanto possibilidade para a classe trabalhadora.
Necessidade de compreender o que seriam práticas hegemônicas em educação
Formação humana sustentável e emancipatória
Decisão Institucional sobre a implantação do EMI.

Fonte: Elaborado pelos autores.

O movimento de categorização é exigente, visto que exige muito esforço e envolvimento do pesquisador. É necessário um retorno sucessivo às informações, além da atenção contínua referente aos objetivos e metas da investigação. Indubitavelmente, uma das maiores dificuldades para o pesquisador que utiliza a ATD é a necessidade de convivência com a insegurança de um processo criativo, além de saber lidar com as incertezas da probabilidade da emergência de novos modos de análise da investigação.

Assim, os efeitos da auto-organização não têm tempo certo para ocorrerem, o que gera apreensão no pesquisador, tendo este que saber lidar com essa angústia. (MORAES; GALIAZZI, 2016). E nesse processo de criação e organização, segue o quadro 03 com um recorte do processo de categorização inicial a partir da unitarização.

E nesse estabelecimento de relações entre unidades de base, combinando-as e classificando-as, eis que resultaram da impregnação essas categorias iniciais, a fim de emergirem as compreensões, a partir das categoriais finais e dos metatextos, que representam um esforço de esclarecer a análise que se exibe como produto de uma articulação dos elementos constituídos a partir da unitarização e da categorização. Apresentamos o quadro 04, cujo objetivo é sintetizar o processo que culmina com as categorias finais, para comunicar, posteriormente, as compreensões nos metatextos.

Quadro 04 Recorte do processo de construção das categorias iniciais e finais 

Categorias iniciais Categorias finais
Dificuldade do docente em entender a natureza conceitual, política, pedagógica do EMI Urgência de uma política de formação continuada dos servidores, docentes e técnicos dos IFs, enquanto decisão institucional, nas bases conceituais, políticas, pedagógicas e organizacional do EMI.
Currículo criado para atender ao mercado de trabalho
Resistência dos professores e alunos em relação à concepção de EMI.
Formação continuada dos docentes em fundamentos e princípios do EMI
As mudanças na legislação não garantem a efetivação do EMI
Necessidade de compreender o que seriam práticas hegemônicas em educação
IFs como possibilidade de formação politécnica mesmo com contradições Os IFs enquanto locus privilegiado para a construção de um projeto politécnico embora todas as contradições internas existentes.
O EMI enquanto possibilidade para a classe trabalhadora.
Formação humana sustentável e emancipatória no EMI
Decisão Institucional sobre a implantação do EMI.
IFs como referências no Ensino Médio Brasileiro
IFs como possibilidade de formação politécnica mesmo com contradições
O EMI enquanto possibilidade para a classe trabalhadora.
Formação humana sustentável e emancipatória no EMI
Decisão Institucional sobre a implantação do EMI.
IFs como referências no Ensino Médio Brasileiro

Fonte: Elaborado pelos autores

Então, a seguir, apresentamos apenas o primeiro metatexto, diante das limitações de um artigo científico. Metatexto, é válido afirmar, não é uma simples montagem a partir das unidades de significado e categorias, mas sim o resultado de processos intuitivos e auto-organizados em que novas compreensões são comunicadas e validadas com o apoio das interlocuções teóricas: “Também é importante compreender que a construção do metatexto é um processo reiterativo de reconstrução” (MORAES; GALIAZZI, 2016, p.66).

Metatexto 1: Urgência de uma política de formação continuada dos servidores, docentes e técnicos dos IFs, enquanto decisão institucional, nas bases conceituais, políticas, pedagógicas e organizacional do EMI

Os Institutos Federais, nos seus 12 anos de consolidação, a partir da lei 11.892, de 29 de dezembro de 2008, representam uma política pública para a classe trabalhadora, principalmente em relação à tentativa de romper a perversa dualidade histórica entre o trabalho manual e o trabalho intelectual. Para se ter uma ideia da pujança dessa expansão e consequentemente, para compreendermos os elementos deste metatexto, citamos a pesquisa de Souza (2020) em que o pesquisador analisa a política de formação de professores da EPT do Instituto Federal do Paraná (IFRN).

Souza analisou editais de concurso para docentes daquele instituto, entre 2010 a 2016, e constatou que foram efetivados 791 docentes somente naquela instituição. É um número significativo de novos docentes, e ainda na pesquisa, Souza (2020) destaca que a grande maioria em regime de dedicação exclusiva.

O que representa uma importante ação no caminho da travessia para um EMI e politécnico. A questão que se coloca: como foi o processo de formação desses professores Institutos Federais afora? Esses professores conhecem o projeto pedagógico dos Institutos? Sabem do que se trata um ensino inspirado na politecnia? Souza (2020), somente em relação aos editais do IFPR, chama a atenção para incoerências “na chegada” desses professores:

Os editais apresentam constantes contradições: concomitantes às exigências de formação no campo do ensino e das práticas pedagógicas para as áreas que correspondam ao núcleo básico do currículo, que são aquelas que exigem a titulação de licenciatura, as exigências de formação para o domínio de conhecimentos pedagógicos para a maior parte das áreas de conhecimento em disputas nesses editais, que são específicas do núcleo técnico e tecnológico, não são exigidas. E, no entanto, disputam vagas para a docência na educação básica, técnica e tecnológica; (SOUZA, 2020, p.263)

Essa interessante pesquisa de Souza (2020) ilustra os desafios e tensionamentos postos na formação de professores para a EPT, reforçando a necessidade e urgência de uma política pública de formação de professores da EPT pautada na pedagogia históricocrítica, na formação para o trabalho associado e em um compromisso ético-político com os anseios da classe trabalhadora. (SOUZA, 2020).

Na esteira do que concluiu Souza (2020), tem-se a pesquisa de Oliveira e Guimarães (2021) sobre a formação de professores da EPT, que pondera que devemos lutar para uma formação na contramão do que preceitua a contrarreforma do EM. As autoras expressam preocupação com a nova resolução do CNE, a de número 01/21 (BRASIL, 2021) que aposta nos danosos “notório saber” e na fragilização da formação desse docente. Sobre esses danos, as autoras argumentam:

O definido pelos dispositivos legais é tão menos desejado quanto mais existem sérias dificuldades das instituições formadoras quanto à oferta da Formação de Professores para a Educação Profissional (Forprofe). Neste caso, até pela falta de demanda, ao lado da própria cultura dos sujeitos institucionais que não valorizam a licenciatura para a docência na EP. Há, ainda, a carência de estudos sobre a epistemologia do trabalho com as áreas técnicas, de forma a orientar o seu processo de ensino e aprendizagem. Todas essas condições são fatores que contribuem para a extensão da dualidade educacional, presente no nível médio de ensino, para o nível superior de formação docente. Por ela, discriminam-se os professores das áreas técnicas, o que termina por reforçar, nesse quadro, a não solidariedade entre os que trabalham com as disciplinas técnicas e os que trabalham no campo das acadêmicas, correspondentes à formação geral no ensino médio. Obviamente, isso dificulta a integração curricular e vai de encontro ao ensino integrado, em que os professores da EP são chamados a atuar. (OLIVEIRA; GUIMARÃES, 2021, p.1502)

A propósito do tema, vale retomar Machado (2021), que defende a pedagogia do trabalho como fundamento da formação de professores da EPT. A autora ressalta que esta formação deve incluir os conhecimentos sobre e para o mundo do trabalho, além de conhecimentos científicos, culturais, técnicos e tecnológicos, enfim, Machado assevera que os docentes precisam aprender a trabalhar pedagogicamente, buscando uma visão integrada da ciência, da cultura, da tecnologia e do trabalho no caminho da emancipação humana. (MACHADO, 2021).

No processo de unitarização e categorização, essa urgência por uma formação de professores da EPT institucionalizada fica evidenciada em vários fragmentos das teses em análise. Chamo a atenção para a tese 12 (MELO, 2018) em que realiza uma análise da implantação do EMI no Instituto Federal Goiano, demonstrando as contradições e desafios dessa ação, utilizando como metodologia o materialismo histórico-dialético, a pesquisa documental a partir de projetos pedagógicos de cursos e pesquisa de Campo. Isso fica bem exposto nas unidades registradas nesta pesquisa: U01Tese12: “Efetividade social do EMI está sendo fortemente interpelada pela contradição existente entre finalidades educativas previstas na legislação e uma operacionalização baseada no currículo instrumental e utilitarista;” e na U02Tese12: “Problemas na formação pedagógica dos professores, nas condições reais de promoção da integração curricular, na rigidez epistemológica de boa parte dos professores em favor do currículo disciplinar.”

Essas unidades evidenciam que há uma distância entre o que está prescrito na lei e o que é executado no “chão da escola”, isso por conta de muitos professores serem rígidos em relação a um currículo disciplinar, instrumental e utilitarista, sem qualquer possibilidade de integração.

E essa descrição culmina na categoria inicial “Formação continuada dos docentes em fundamentos do EMI”. Em relação a essa urgência, Machado (2021) pondera sobre uma formação dos professores da EPT voltada para a pedagogia do trabalho:

A pedagogia do trabalho demanda os saberes docentes que ousem a favor da liberdade do pensamento frente às algemas de uma ordem social preestabelecida, rígida e injusta. Isso pressupõe a não aceitação de uma divisão artificial das disciplinas do currículo em duas categorias distintas, uma compreendendo estudos qualificados como humanidades e as demais chamadas técnicas ou científicas, que sugere que essas não seriam humanas. Não há mais lugar para trancar os conteúdos curriculares em torres de marfim, distantes das lutas e do sofrimento das pessoas comuns, desinteressados em saber o que as informações, conhecimentos e tecnologias podem significar para a vida humana. (MACHADO, 2021, p.102).

E nesse intenso envolvimento possibilitado pela ATD, “num esforço para expressar instituições e entendimentos atingidos a partir da impregnação intensa como corpus da análise” (MORAES; GALIAZZI, 2016, p.59), questionamo-nos ao ler Machado (2021): Estariam os professores e os técnicos dos Institutos Federais preparados para a pedagogia do trabalho?

E também incluímos os gestores nessa pergunta. Estariam os gestores prontos e dispostos a promover a travessia em busca de um ensino inspirado na politecnia? Nessa minha inquietação, ganha voz o que nos aponta Ramos (2021) em relação a uma educação que se diz politécnica: “O importante é que o trabalho pedagógico se organize de maneira a interrelacionar os conteúdos das diversas disciplinas ou componentes curriculares sob uma lógica histórica e dialética, em coerência com o conceito de educação politécnica.” (RAMOS, 2021, p.70-71).

Como possíveis respostas às inquietações, podemos citar as unidades de sentido da Tese 2 (HANNECKE, 2014), em que fica revelado que há o reconhecimento pela comunidade escolar, em especial, os docentes, dos raros momentos de formação continuada e da urgência de um grande investimento institucional nesse tema: U02Tese2: “Raros momentos de discussão e planejamento na elaboração e implementação do currículo integrado, pois não nasceu da vontade da comunidade; e na U03Tese2: “Entretanto reconhecem que há dificuldades epistemológicas e estruturais para sua efetivação e seria necessário um investimento institucional de fôlego para sua implementação”. Essas unidades estabelecem eco à categoria inicial “Formação Continuada dos docentes em fundamentos do EMI”.

Pacheco (2020) alerta sobre a necessidade de formação dos servidores, docentes e técnicos, para a consolidação de uma nova cultura institucional que se diferencie da universidade. O autor argumenta que é fundamental, nos Institutos Federais, pelo seu ineditismo, arraigar a compreensão do significado de educação integral, EMI, formação humana integral e politécnica.

E em consonância com essa tese de Pacheco, podemos citar duas unidades de sentido oriundas da Tese 6 (RODRIGUES, 2016), em que a autora investiga a concepção dos docentes das práticas integradas no desenvolvimento do currículo integrado no Instituto Federal de Mato Grosso, Campus Ceres.

Em resumo, os resultados apontam que os docentes não possuem experiência em ações integradas e tentam, de forma isolada, promover algo relacional. A U04Tese6 destaca essa problemática: “Professores devem estar qualificados para enfrentar as transversalidades.”

E nesse movimento construtivo no intuito de o metatexto ampliar a compreensão do fenômeno investigado, movimento inacabado, sempre à procura de mais sentidos (MORAES; GALIAZZI, 2016), destacamos os resultados de uma pesquisa apresentada na ANPED Nacional em 2017, em São Luís, do Maranhão, em que Drago (2017) apresenta uma análise das discussões sobre formação humana no EMI, constante em artigos, dissertações e teses, no período de 2000 a 2015. E essa investigação constatou o seguinte:

As pesquisas abordam as percepções e práticas dos docentes sobre a concepção de politecnia, bem como dos currículos e políticas de gestão das instituições, demonstram que a materialização de uma formação integral, que tenha como fundamento o trabalho, a ciência, a tecnologia e a cultura, é algo possível, porém ainda distante da realidade do sistema educação brasileiro. O investimento na formação continuada dos docentes é, assim, proposto como um caminho para a superação destas limitações. (DRAGO, 2017, p.12)

E nesse processo de recursividade, presente em toda a análise da ATD, com ciclos hermenêuticos em cadeia, ressaltamos a categoria inicial “Necessidade de compreender o que seriam práticas hegemônicas em educação”, cuja relação é clara com o argumentado por Drago (2017), visto que o EMI é contra-hegemônico, pois enquanto uma perspectiva socialista, o EMI deve estimular que os estudantes tenham situações de participação política, experimentação democrática, podendo tomar decisões coletivas, aprendendo, assim, a comandar, obedecer, a pensar e a executar, superando, dessa forma, a dimensão classista alienante do trabalho capitalista vigente. (PISTRAK, 2018).

Ao encontro dessa tese anterior, têm-se as seguintes unidades de sentido que ilustram a urgência da formação continuada dos professores da EPT: U02Tese15: “A formação específica para a docência, seja como percurso inicial e/ou de forma continuada, sendo estabelecida de forma sistematizada e institucional” e U03Tese15: “Pesquisa narrativa em que os professores demonstram preocupação com o conhecimento do conteúdo a ser ensinado e com a formação para a cidadania.”

Por mais que o pesquisador potencialize seu metatexto, sabemos dos limites deste processo. Este metatexto procura estimular um debate acerca de uma urgente formação continuada de professores e técnicos administrativos dos Institutos Federais no tema do EMI à EPT. Em virtude de todas as adversidades provocadas pelo capitalismo avassalador, temos o EMI enquanto um patrimônio da classe trabalhadora, que, por meio da síntese entre trabalho, ciência, cultura e tecnologia, sustenta a possibilidade de uma formação humana e emancipatória, em tempos de acirramento do neoliberalismo, do ultraconservadorismo e negacionismo científico, além das contrarreformas, como a do Ensino Médio, a da Previdência e Trabalhista, que reduzem a classe trabalhadora a uma simples força de trabalho precário, instantânea (RAMOS, 2021).

O EMI é o “inédito viável”, no melhor estilo freiriano, é o “horizonte que o campo popular e democrático deve ensejar seus embates” (GRABOWSKI; KUENZER, 2021, p.185) e, por isso, faz-se necessária uma luta coletiva em torno de uma formação de professores em EPT com excelência, que tenha como objetivo a formação crítica dos trabalhadores em educação, evidenciando que, em alguma medida, o professor deve ser um ativista social que compreenda que o papel da escola não é reproduzir a irracionalidade do Capitalismo avassalador. (OLIVEIRA; GUIMARÃES, 2021; PISTRAK, 2018).

Considerações finais

Este artigo teve como objetivo investigar o que revelam as teses de doutorado sobre os desafios e possibilidades da implantação do EMI à EPT nos IFs. Para isso, foi realizado um estado da arte em que, a partir dos descritores escolhidos, chegou-se a um total de 19 teses. Para análise dos resumos de cada tese, foi empregada a ATD, cuja intenção é a compreensão e a reconstrução de conhecimentos existentes sobre os temas investigados.

Os IFs foram instituídos pela lei 11.892, de 29 de dezembro de 2008, tendo como característica a verticalização pedagógica, por meio da oferta de variadas modalidades, desde o curso técnico integrado ao ensino médio, até a graduação, todas elas no mesmo espaço físico e territorial. Esse percurso formativo da educação básica até a superior, inclusive contando com cursos de pós-graduação, faz dessas instituições um modelo único no Brasil, em que seus professores e técnicos administrativos possam atuar e compartilhar os diversos espaços e modalidades de ensino-aprendizagem. São muitos os desafios para os IFs oriundos desse ineditismo na estrutura educacional brasileira, o que requer novas e permanentes pesquisas sobre essas instituições.

O estado da arte e da ATD possibilita observar o quão necessário é a consolidação de pesquisas sobre o EMI. Uma das questões levantadas no estado da arte e na ATD é a necessidade de uma oferta institucionalizada de uma formação continuada em serviço nos IFs para a consolidação do EMI à EPT. É importante salientar que a rede de IFs tem um mestrado profissional em rede, o Mestrado Profissional em Educação Profissional e Tecnológica, o PROFEPT, que, desde 2017, tem se tornado um ambiente de pesquisa muito propositivo a partir de pesquisas dos próprios servidores. Esse mestrado em rede é um campinho para a consolidação de uma formação continuada em serviço, precisando, portanto, de futuras pesquisas sobre o andamento deste programa de pós-graduação em rede. (CRUZ SOBRINHO, 2021)

Em relação aos tensionamentos, fica evidenciado no estado da arte e na ATD, que, diante dos ingressos de muitos professores e técnicos administrativos na consolidação dos IFs, muitos desses servidores não têm uma formação inicial sólida nesse campo pedagógico, muito menos, nos ambientes de trabalho nos IFs, ficando, essa formação, muito do desejo individual do servidor. O que gera muitos tensionamentos entre currículo e prática, em que os estudantes do EMI são submetidos a cargas horárias extensas e a um número de disciplinas desproporcionais para jovens entre 14 e 17 anos de idade.

O inventário realizado a partir das teses de doutorado e a ATD oportunizaram provocações que podem ser objeto de futuras pesquisas, quais sejam: O professor, o gestor e o técnico dos Institutos Federais estão cientes de toda essa problemática, de todo esse planejamento neoliberal em torno do Ensino Médio, e não tão distante do EMI à EPT? Compreendem a sociedade de classes? Entendem que nossos jovens do Ensino Médio estão condenados a se tornarem “operários-avulso” (SEMERARO, 2021,p.180), com a disseminação de um empreendedorismo que regula a vida do indivíduo, que aprofunda a alienação, intensifica o trabalho e oculta os instrumentos de exploração e desigualdade? (OLIVEIRA, 2023).

Por isso, é urgente uma formação continuada em serviço, com profundidade para professores, técnicos e gestores dos Institutos Federais para compreenderem a real finalidade desse patrimônio da classe trabalhadora. Além do que, essa compreensão de todo o processo histórico do Ensino Médio brasileiro, é fundamental para evitar devaneios e contradições dentro do Instituto Federal. Não podemos nos esquecer de que está em curso uma contrarreforma do EM que prejudica, demasiadamente, a juventude da classe trabalhadora. E o EMI dos IFs é uma resposta a esse devaneio que é a contrarreforma. São necessárias, portanto, novas pesquisas que apontem a base conceitual de uma formação sobre EMI à EPT, colaborando com a emancipação da classe trabalhadora e a permanência do EMI nos IFs.

Referências

BRASIL. Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008. Institui a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, cria os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, e dá outras providências. Diário Oficial da União , Brasília, DF, 30 dez. 2008. Seção 1, p. 1 [ Links ]

BRASIL. Resolução CNE/CP nº 1, de 5 de janeiro de 2021. Define as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Profissional e Tecnológica. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação, Conselho Pleno. Brasília, 2021. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-7resolucao-cne/cp-n-1-de-5-de-janeiro-de-2021-297767578. Acesso em: 12 abr. 2023. [ Links ]

CRUZ SOBRINHO, Sidinei. A formação continuada em serviço nos institutos federais na rede federal de educação profissional, científica e tecnológica: um trabalho pedagógico necessário. In: FERREIRA, Liliana Soares; ANDRIGHETTO, Marcos José; MARASCHIN, Mariglei Severo; CALHEIROS, Vicente Cabrera (org.). Trabalho pedagógico na educação profissional e tecnológica em diferentes contextos: desafios e reflexões (volume 2). Curitiba: Editora CRV, 2021. p. 265-289 [ Links ]

DRAGO, Crislaine Cassiano. A formação humana no ensino médio integrado: o que dizem as pesquisas. GT 09: Trabalho e Educação - Trabalho 378. 38º Reunião Nacional da ANPED:- Universidade Federal do Maranhão, São Luís, 01 a 05 de outubro de 2017. Disponível em: http://38reuniao.anped.org.br/sites/default/files/resources/programacao/trabalho38anped2017GT09378.pdf Acesso em 07.fev.2022 [ Links ]

FERREIRA, Norma Sandra de Almeida. As pesquisas denominadas: “estado da arte”. Educação e Sociedade, v. 23, n. 79, p. 257-272, 2002. Disponível em: https://www.scielo.br/j/es/a/vPsyhSBW4xJT48FfrdCtqfp/?format=pdf&lang=pt Acesso em: 12.out.2021 [ Links ]

GALIAZZI, Maria do Carmo; RAMOS, Maurivan Güntzel; MORAES, Roque. Aprendentes do aprender: um exercício de análise textual discursiva. Ijuí: Editora Unijuí, 2021. [ Links ]

GRABOWSKI, Gabriel; KUENZER, Acacia Zeneida. BNCC e reforma do Ensino médio: política conservadora a partir de 2016. In: CAETANO, Maria Raquel; PORTO JÚNIOR, Manoel José; CRUZ SOBRINHO, Sidinei. Educação Profissional e os desafios da formação humana integral: concepções, políticas e contradições. Curitiba: Crv, 2021. Cap. 10. p. 171-188. [ Links ]

MACHADO, Lucília Regina de Souza. A pedagogia do trabalho como fundamento da formação de professores. In: CAETANO, Maria Raquel; PORTO JÚNIOR, Manoel José; CRUZ SOBRINHO, Sidinei. Educação Profissional e os desafios da formação humana integral: concepções, políticas e contradições. Curitiba: Editora Crv, 2021. p. 93-106. [ Links ]

OLIVEIRA, Maria Rita Neto Sales; GUIMARÃES, Ailton Vitor. Formação de professores para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio: proposições para reflexão. Revista Diálogo Educacional, v. 21, n. 71, 2021. Disponível em: https://periodicos.pucpr.br/dialogoeducacional/article/view/28627/25201 Acesso em: 09.fev.2022 [ Links ]

MORAES, Roque; GALIAZZI, Maria do Carmo. Análise Textual Discursiva. 3. ed. Ijuí: Unijuí, 2016. 264 p. (Coleção Educação em Ciências). [ Links ]

OLIVEIRA, T. F. Barbárie neoliberal e a escola: a formação de empreendedores para um mundo sem direitos e sem emprego. Revista Trabalho Necessário, v. 21, n. 44, p. 01-24, 13 abr. 2023 Disponível em: https://periodicos.uff.br/trabalhonecessario/article/view/57268 Acesso em: 09.fev.2022 [ Links ]

MELO, Paulo Silva. Efetividade social e pedagógica do ensino médio integrado: análise de sua implantação no Instituto Federal Goiano. 2018. 227p. Tese (Doutorado em Educação). Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Escola de Formação de Professores e Humanidades, Goiânia-GO. Disponível em: http://tede2.pucgoias.edu.br:8080/handle/tede/4067 Acesso em: 24. jan.2023. [ Links ]

PACHECO, Eliézer. Desvendando os institutos federais: identidade e objetivos. Educação Profissional e Tecnológica em Revista, v. 4, n. 1, p. 4-22, 2020. Disponível em: https://ojs.ifes.edu.br/index.php/ept/article/view/575 Acesso em: 24. jan.2022. [ Links ]

PISTRAK, Moisey Μ. Fundamentos da Escola do Trabalho. São Paulo: Editora Expressão Popular, 2018. 286 p. Tradução de Luiz Carlos Freitas. [ Links ]

RAMOS, Marise Nogueira. O ensino médio integrado e a educação profissional e tecnológica. In: CAETANO, Maria Raquel; PORTO JÚNIOR, Manoel José; CRUZ SOBRINHO, Sidinei. Educação Profissional e os desafios da formação humana integral: concepções, políticas e contradições. Curitiba: Crv, 2021. p. 66-76. [ Links ]

ROMANOWSKI, Joana Paulin; ENS, Romilda Teodora. As pesquisas denominadas do tipo “estado da arte” em educação. Revista diálogo educacional, v. 6, n. 19, p. 37-50, 2006. Disponível em: https://www.redalyc.org/pdf/1891/189116275004.pdf Acesso em: 12 out. 2021 [ Links ]

SOUZA, Luiz Aparecido Alves de. Formação de professores para a educação profissional e tecnológica: políticas, cadeias produtivas e politecnia. Curitiba: Appris Editora, 2020. [ Links ]

Recebido: de 2023; Aceito: de 2023; Publicado: de 2023

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution NonCommercial No Derivative, que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que sem fins comerciais, sem alterações e que o trabalho original seja corretamente citado.