Introdução
Este artigo é parte dos resultados da pesquisa interinstitucional “Análise do mapeamento das estratégias de privatização da educação básica no Brasil: atores, programas e consequências para a educação pública3, coordenada por Theresa Adrião. Apresenta análise das escolas da rede estadual de Goiás que ofertavam os anos iniciais do Ensino Fundamental e tiveram o Acelera Brasil como Programa de regularização de fluxo para estudantes que se encontravam em distorção idade-série, programa este com a atuação direta do Instituto Ayrton Senna entre 2012 e 2014, formalizada por meio de Convênio de Cooperação Técnico-Pedagógica nº 30/2012. O período de análise focalizou os anos de 2007, 2011-2014 e 2018, o intervalo delimitado extrapola o prazo de vigência pois, conforme se verá, os microdados do censo escolar indicavam nome de turmas que remetiam ao Programa Acelera em 2007, além disso, intentou-se captar as implicações deste Programa para realização do Direito Humano à Educação, tendo como base teórico-analítica as características fundamentais e articuladas definidas por Katarina Tomasevski (2001; 2004) adaptadas para esta pesquisa por Adrião e Silveira (2022, prelo). A inclusão de 2018 se justifica por abarcar o último ano delimitado pela investigação nacional da qual derivam os resultados aqui apresentados.
A escolha do Programa Acelera Brasil no estado de Goiás resulta do cruzamento dos dados de atores e programas mapeados nos vinte e seis estados brasileiros e Distrito Federal no período de 2005 a 2018 que incidiam nas redes estaduais de ensino, considerando três dimensões da política educativa: oferta, currículo e gestão (ADRIÃO, 2018; ADRIÃO, 2019, org.). Para verificar a incidência nas dimensões destacadas, combinaram-se os seguintes critérios: maior tempo de vigência; número de estados onde o Programa aparecia; dimensões da política educativa (oferta, gestão e currículo), segmentos atingidos (estudantes, famílias, professores e gestores) e ainda, se o programa havia virado política pública no estado, institucionalizando-se. Considerando tais critérios, o Acelera Brasil em Goiás se destacou na dimensão do currículo (BORGHI; DOMICIANO, 2022, no prelo)
Neste artigo, os esforços concentram-se na apresentação e análise das implicações do Acelera Brasil para o Direito Humano à Educação a partir das condições materiais e estruturais onde ele foi localizado, considerando o que Garcia et al (2021) denominaram de condições de oferta educativa. Para tanto, utilizou-se um conjunto de insumos relativos à infraestrutura delimitados pelas autoras, classificados da seguinte forma:
Condições gerais: refere-se à garantia de instalações gerais adequadas a oferta do ensino como: existência de água potável; rede de esgoto, energia elétrica, e coleta de lixo.
Dependências da escola: ambiente escolar com condições adequadas à realização de atividades de ensino como: sala de professores, sala de leitura/biblioteca, laboratório de ciências, laboratório de informática e espaço para atividades recreativas e esportivas como quadra de esportes.
Equipamentos: TV, copiadora, impressora; computadores disponíveis para o uso dos estudantes e acesso à internet para pesquisas online [...] (GARCIA et al, 2021, p. 14)
Têm-se como premissa que o direito à educação se realiza pelo acesso à escola com efetividade no processo de ensino e aprendizagem, alicerçado na garantia de condições adequadas de qualidade, dentre elas, as materiais e estruturais (CARREIRA; PINTO, 2007; CAMPANHA NACIONAL PELO DIREITO À EDUCAÇÃO; DOURADO; OLIVEIRA, 2009; SCHNEIDER, 2018).
As dimensões elencadas associam-se às características fundamentais do Direito Humano à Educação (DHE), consubstanciadas na Recomendação nº 13, de 1999, do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, da Organização das Nações Unidas, de relatoria especial de Katarina Tomasevski sobre o Direito à Educação, conhecidas como “as quatro características fundamentais e inter-relacionadas” (XIMENES, 2014, p. 243) do Direito Humano à Educação, sendo elas: disponibilidade, acessibilidade, aceitabilidade e adaptabilidade.
Sinteticamente, a disponibilidade requer que o Estado ofereça escolas e programas em quantidade suficiente para todos e todas; a acessibilidade engloba o acesso igualitário e qualitativo do ponto de vista físico, estrutural, pedagógico e econômico para o conjunto dos educandos; a aceitabilidade pressupõe que os currículos, os métodos pedagógicos sejam aceitáveis no que se refere aos direitos humanos, à dignidade humana, à diversidade, devem ser culturalmente adequados e de boa qualidade; a adaptabilidade, conforme Ximenes (2014), afirma as necessidades específicas e diversas dos grupos de estudantes, professores e familiares, ou seja, reconhece que a educação seja promovida com vistas a igualdade, considerando e promovendo a diversidade da população que acessa e trabalha neste âmbito (XIMENES, 2014). Isso implica adequação de currículo para as mais diferentes necessidades; respeito aos idiomas nativos; participação dos grupos de estudantes, familiares, professores, funcionários, gestores no processo de ensino e aprendizagem via instâncias consultivas e deliberativas, o que também fomenta o controle social.
Tendo em vista a especificidade do Programa Acelera Brasil no estado de Goiás e a “Matriz Guia para análise das consequências da privatização na e da educação, a partir do modelo dos 4As”, elaborado por Silveira e Adrião (2022) para a investigação da qual este artigo deriva, considerou-se as seguintes perguntas guias para análise:
na dimensão disponibilidade: oferta do Programa ao conjunto de estudantes em distorção idade-série; condições estruturais e materiais das escolas onde o programa se fez presente;
acessibilidade: quantidade de estudantes que acessaram o programa (programa se dispõe a atender todo seu público-alvo ou apenas uma parcela?)
Organizamos este texto em cinco seções, além desta introdução e das considerações finais. Na primeira, apresentam-se as principais características do Programa Acelera Brasil e seus objetivos declarados; na segunda traz-se o direito à aceleração da aprendizagem inscrita no marco legal brasileiro, na seção três apresenta-se a política de correção de fluxo no estado investigado, na seguinte identificam-se as escolas que tiveram o Acelera Brasil em Goiás e na última analisam-se as condições de oferta nas instituições escolares selecionadas. Nas considerações finais apontam-se as implicações para o Direito Humano à Educação a partir da análise dos indicadores delimitados.
O Programa Acelera Brasil em Goiás: características gerais e objetivos declarados
O Programa Acelera Brasil (PAB), do Instituto Ayrton Senna, tem como objetivo declarado a correção de fluxo escolar e garantir educação de qualidade para todos os alunos das redes públicas de ensino. Voltado para estudantes de 9 a 14 anos matriculados nos 3º e 4º anos, figura como um dos primeiros programas brasileiros de correção de fluxo, implementado inicialmente em 15 redes municipais em 1997, ampliando para 24 em 1998 (BORGHI, DOMICIANO, 2022, prelo). No âmbito das redes estaduais, Goiás, juntamente com Espírito Santo, aparece nos textos de Lalli (2000) e Oliveira (2002) como precursores na adesão ao PAB, apesar disso, conforme demonstrado por Borghi e Domiciano (2022), não se localizaram produções científicas sobre ele em Goiás, tampouco informações na Secretaria Estadual de Educação que indicassem, formalmente, o funcionamento do programa neste estado, sendo estas uma das dificuldades apontadas pelas autoras para analisar mais profundamente a incidência do ator privado, assim como o próprio programa.
Deste modo, Borghi e Domiciano (2022, prelo) pautam-se no Convênio de Cooperação Técnico Pedagógico nº 30/2012, disponibilizado pela Secretaria Estadual de Educação com vigência entre 2012 e 2014, para analisarem o Programa, pontuando a dificuldade de acesso aos dados como um indicativo da falta de publicidade e transparência e, o controle dos resultados e avaliação do Acelera por parte do ator privado, prejudicando o controle social este, tão caro para materialidade da gestão democrática dos sistemas de ensino. Entretanto, neste trabalho, os dados dos Microdados do Censo Escolar revelavam a existência de escolas com nome de turmas que remetiam ao PAB, dado detalhado mais à frente e, por isso, o período de análise extrapola o indicado no documento.
De modo geral, pode-se afirmar, com base em Borghi e Domiciano (2022), que os estudantes de 9 a 14 em Goiás que estejam no 3º e 4º ano do ensino fundamental, são matriculados em turmas de aceleração da aprendizagem, com limite de 25 alunos. Para serem alocados nas turmas do PAB passam por “teste diagnóstico de alfabetização” cujos resultados definem o direcionamento das crianças para o Acelera ou ao Se Liga, garantindo-se, ao menos no texto do documento, o atendimento de todos os alunos com distorção idade-série.
Breves considerações sobre a aceleração da aprendizagem na LDB 9394/1996 e o Programa Acelera Brasil
Segundo o Art. da 4º Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (LDB), é dever do Estado brasileiro garantir educação básica obrigatória e gratuita dos 4 aos 17 anos de idade; de forma que os Arts. 30 e 32 estruturam a idade adequada para cada etapa. Sendo assim, é esperado que aos quatro anos a criança ingresse na pré-escola, aos 6 inicie o ensino fundamental com duração de 9 anos e não tendo sua trajetória interrompida, ingresse aos 15 no ensino médio podendo integralizar a educação básica aos dezessete anos.
Entretanto, não é essa a condição de parte significativa de crianças e adolescentes brasileiras que, por diferentes razões (reprovação, evasão, entrada tardia na escola), se encontram acima da idade considerada adequada para cursar cada uma das séries ou anos, tal condição se expressa, conforme Alavarse e Mainardes (2010) na Taxa de Distorção Idade-série (TDI). Esta, de acordo com o Dicionário de Indicadores Educacionais: fórmulas de cálculos, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, corresponde “ao percentual de alunos em cada série, com idade superior à recomendada” (INEP, 2004, p. 17), neste cálculo, estão as crianças e adolescentes com dois anos ou mais, acima da idade esperada para o ano ou série em que efetivamente encontram-se matriculados, permitindo avaliar duas das dimensões do fluxo escolar (acesso, permanência) (ALAVARSE; MAINARDES, 2010). Os dados de TDI são disponibilizados por escola, municípios e para o Brasil (suas regiões e UFs) sendo possível observar as informações para cada ano e/ou série do ensino fundamental e do ensino médio, bem como a informação concentrada para uma determinada etapa de ensino ou nível de ensino.
No Brasil, a Taxa de Distorção Idade-série em 2018, último ano considerado no estudo do qual esse texto decorre, estava em 11,2% para os anos iniciais do Ensino Fundamental e 24,7% para os anos finais, as taxas sinalizam que apesar de se vivenciar nas últimas décadas uma redução considerável da exclusão do acesso ao Ensino Fundamental, como analisa Oliveira (2007), outras formas de exclusão mantiveram-se operando dentro do próprio sistema, ainda que em menor proporção, como, por exemplo, a reprovação seguida do abandono e evasão, lembrando, com Gaya (2019) que há diferenças importantes entre as duas primeiras formas e a evasão, pois tanto na reprovação quanto no abandono, os estudantes mantém-se no sistema, o mesmo não acontece quando entram para estatística da evasão.
Desse modo, estudos mais recentes como o de Simões (2019) questionam o conceito de acesso, quando não se observa a integralidade (alcançar todos os anos de escolaridade) e a universalização (acesso a todos os anos escolares sem desigualdades). Reconhecemos com Oliveira (2007, p. 682) que “[...] a desigualdade existente hoje não é mais a mesma e nem ocorre nos mesmos termos da que ocorria no passado”, por isso é fato que, compreendendo tal situação, os desafios do sistema passam a ser outros, a exemplo, o enfrentamento do que Simões (2019) chama de “atrito” ou “viscosidade” do sistema de ensino quando se observa o crescimento da taxa de matrícula líquida no Ensino Fundamental ao mesmo tempo que aumenta a repetência nessa etapa de escolaridade para o grupo de menor renda ao longo dos anos escolares, segundo o autor
[...] o resultado imediato é a progressão mais lenta desses alunos no sistema, com o aumento do número médio de anos necessários para se concluir um ano escolar da educação básica e o aumento do risco de evasão, aumentando-se assim a demanda posterior por Educação de Jovens e Adultos (EJA) (SIMÕES, 2019, p. 21)
A LDB 9394/1996 prevê mecanismos para regularização de fluxo como a organização da educação por ciclos, a recuperação paralela, a reclassificação, a aceleração da aprendizagem, dentre outras indicadas nos artigos 23, 24 e 32, parágrafos 1º e 2º. Destas, focaliza-se o olhar na “b) possibilidade de aceleração de estudos para alunos com atraso escolar (BRASIL, 1996)”, que pode ser operada de diferentes formas pelos sistemas de ensino, mas tem-se disseminado no país pela atuação direta do Instituto Ayrton Senna nas redes escolares com a implementação do Programa Acelera Brasil, como revelam diferentes pesquisas (ADRIÃO; PERONI, 2011; ADRIÃO; PERONI, 2019, org.) e como revelou a investigação do mapeamento nacional (ADRIÃO, 2022) da qual este artigo deriva.
Políticas de regularização de fluxo em Goiás (2007-2014; 2018)
Relembra-se nesta seção que a análise se volta para os anos iniciais do Ensino Fundamental em Goiás, uma vez que o PAB tem como público-alvo os estudantes considerados em atraso escolar nesta etapa de escolaridade. Ainda que o nosso foco seja o Programa de Aceleração de Aprendizagem, com a atuação direta do IAS, destaca-se o que se localizou como política de regularização de fluxo da rede pública de Goiás.
Segundo Hanun (2010), o estado de Goiás tem desde 2001 o Programa de Aceleração da Aprendizagem, voltado para estudantes de 5ª e 6ª séries, este encerrado em 2007 para dar lugar ao Programa de Correção de Fluxo que passa a abarcar os anos iniciais (4º e 5º) e finais (8º e 9º) do Ensino Fundamental. Conforme a autora, apesar das semelhanças entre PAB e o Programa próprio de Goiás, cada um guarda suas especificidades, entretanto, Borghi e Domiciano (2022) têm como pressuposto que é o PAB que orienta a política de regularização de fluxo no estado desde seus primórdios.
As Diretrizes Operacionais da Rede Pública Estadual de ensino de Goiás (2009-2010), localizadas no site da Secretaria Estadual de Educação sobre programas de regularização de fluxo, mostram que entre 2009 e 2010 a correção tinha como foco os estudantes do Ensino Fundamental do 1º ao 9º ano prevendo a organização dos conteúdos em dois “turnos” distintos. Para os anos iniciais, as disciplinas de Língua Portuguesa, Matemática, História, Geografia e Ciências, compunham o “primeiro turno”, com prescrição no documento de serem tratadas de forma interdisciplinar integrada ao longo dos 200 dias letivos e das 800 horas anuais. O “segundo turno” correspondia a Tarefa da casa (10h/a), Educação Física (2h/a), Arte (2h/a) e Música (2h/a), totalizando 16 horas semanais, distribuídas em 4 dias de efetivo trabalho com os alunos, contabilizando 4 horas-aula por dia, ao longo de todo ano letivo (GOIÁS, 2009).
Quanto à formação de turmas, estipulava-se o mínimo de 20 e o máximo de 25 estudantes que estivessem com 11 anos de idade ou mais para serem alocados no 4º/5º ano integrado. Para autorização da utilização de salas para as turmas de aceleração, o texto do documento trazia um conjunto de 10 critérios, dentre eles, “comprovação de espaço físico adequado para funcionamento das salas de aula no turno de ampliação da aprendizagem” (GOIÁS, 2009, p. 40). Em nenhum momento as Diretrizes (GOIÁS, 2009) mencionavam o IAS ou4 o Acelera, este programa aparecerá na página do Sistema de Gestão (SIGE) de Goiás em 2013, junto com o Se Liga, ano que coincide com a vigência da atuação do Instituto Ayrton Senna encontrada no Termo de Convênio de Cooperação Técnico Pedagógica n. 30/2012.
Na página do SIGE, identificou-se o “passo a passo” para as escolas cadastrarem os estudantes nas turmas de aceleração e o destaque para a existência de salas de “Reserva Técnica” (RT) no turno em que a escola desejasse atender as crianças. Supõe-se com isso, que apenas escolas que tivessem salas “extras” para acomodar as turmas específicas de correção de fluxo poderiam participar do Programa. Identifica-se neste ponto, desrespeito à duas das características do DHE que estão interrelacionadas, disponibilidade e acessibilidade, pois ao não se fazer disponível para todo público-alvo, limita o acesso desse grupo ao programa de correção de Fluxo, isso não significa que sendo disponível e acessível a todos e todas o problemas esteja resolvido, pois é necessário, conforme Simões (2019), examinar os mecanismos escolares que produzem tal situação.
Nas Diretrizes Operacionais da Rede Pública Estadual de Ensino de Goiás de 2016-2017 desaparece o Programa de Correção de Fluxo para os anos iniciais e entra o “Projeto Crescer Juntos” voltado exclusivamente para os estudantes em defasagem idade-série dos anos finais. (GOIÁS, 2016). Este programa divide-se em Crescer Juntos I, voltado para alunos do 6º e 7º ano que tenham, respectivamente, 13 e 14 anos e o Crescer Juntos II para estudantes do 8º ano que estejam com 15 anos.
A justificativa para o atendimento exclusivo aos estudantes dos anos finais, se localiza na página 31 das Diretrizes que indica a transferência da oferta de vagas dessa etapa de escolaridade para os municípios em razão da “efetivação do processo de municipalização dos anos iniciais do Ensino Fundamental, previsto no Plano Nacional de Educação e Plano Estadual de Educação” (GOIÁS, 2016, p. 31), dado que se visualiza no gráfico 1 que segue.
Fonte: Matrículas - Sinopses Estatísticas (INEP) TDI - indicar o nome correto do relatório do Inep.
* Quantidade de alunos em distorção Idade-Série calculado pelos autores multiplicando o total de matrículas pela Taxa de Distorção Idade-Série
A variação das colunas de matrículas revela redução do atendimento de 56.279 estudantes na rede estadual de Goiás no período, correspondendo a queda de 73,43% evidenciando o processo de municipalização. Para dialogar com a temática central deste artigo, acrescentam-se as Taxas de Distorção Idade-Série estaduais que em 2007 estavam em 20% representando cerca de 15.328 crianças fora da idade considerada adequada para os anos iniciais, taxa que cai para 6,20% em 2018, totalizando 1.262 estudantes. Com foco exclusivo nas taxas, conclui-se que houve queda de 13,8 pontos percentuais entre 2007-2018, no entanto questiona-se: houve melhora da TDI ou o problema migrou para outro lugar? A resposta não acompanha esta investigação, dado seu escopo, mas entendemos que a redução do tamanho da rede estadual é um ponto importante a se considerar para análise da efetividade tanto das políticas próprias de regularização de fluxo quanto do PAB no estado, políticas que merecem aprofundamento investigativo. A redução do atendimento abre outra pergunta: se as matrículas têm se transferido para esfera municipal, por que Goiás formaliza cooperação técnico-pedagógica com o Instituto Ayrton Senna para regularizar o fluxo nos anos iniciais?
Escolas com Programa Acelera Brasil
Nesta subseção volta-se para as escolas que tiveram o Programa Acelera Brasil em Goiás, a seleção delas, assim como os dados que seguem, foram construídos a partir dos microdados do Censo Escolar, publicizados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Informa-se primeiramente que a Secretaria Estadual de Educação (Seduc) não disponibilizou lista de escolas e de estudantes atendidos pelo Programa, conforme pedido remetido via correio eletrônico e Portal de Transparência, informação que também não constava no Convênio de Cooperação Técnico Pedagógico nº 30/2012, documento que formalizou a atuação do Instituto Ayrton Senna na rede estadual, na implantação do Acelera em Goiás (BORGHI; DOMICIANO, 2022, no prelo).
Visando investigar as implicações do Programa Acelera Brasil para o Direito Humano à Educação, principalmente no que concerne às dimensões da disponibilidade e acessibilidade (TOMASEVSKI, 2004) buscou-se nos microdados pistas que levassem os pesquisadores a identificar escolas que tiveram o Acelera no período que compreende essa investigação (2005-2018). Sabendo que o público-alvo do programa são os estudantes de 9 a 14 anos, chamados pelo IAS de multirrepetentes, matriculados no 3º e 4º ano do Ensino Fundamental, passou-se a explorar as informações disponíveis para os anos iniciais desta etapa de escolaridade para o estado de Goiás.
O primeiro movimento foi separar as escolas que tinham turmas de correção de fluxo por meio dos códigos de etapa de ensino das tabelas de turmas para todo período da pesquisa (2005-2018), porém, o objetivo da investigação requeria que se focalizasse o olhar no intervalo em que houve atuação direta do ator privado no estado, sendo o Convênio de Cooperação Técnico Pedagógica nº 30/2012 o único documento formal que indicava a ação do Instituto Ayrton Senna de maio de 2012 a dezembro de 2014. De posse dos dados dos microdados do Censo de 2005 a 2018, que continham turma de correção de fluxo em Goiás nos anos iniciais do Ensino Fundamental, seguindo a variável “NO_TURMA”, notou-se que a partir de 2007 constavam um conjunto de caracteres que se relacionavam ao nome Acelera (ACEL, ACELERA II, ACELERA I, AC), deste modo para fins metodológicos, decidiu-se que esses códigos alfabéticos seriam parte dos critérios para selecionar as escolas, entendendo que se tratavam de turmas que tiveram o Acelera Brasil como programa de regularização de fluxo e assim chegou-se ao recorte relacionado ao período de análise 2007, 2012, 2013, 2014 e 2018. O ano de 2011 ausenta-se da análise, pois não se localizaram os nomes de turmas segundo os critérios anunciados, porém isso não significa que o Acelera não vigia, mas que as turmas podem ter recebido outro nome ou código, dado que não é um elemento padronizado, diante da incerteza optou-se por retirá-lo da análise. Ao final deste primeiro cruzamento, chegou-se ao conjunto de escolas que ofertavam os anos iniciais do Ensino Fundamental no estado de Goiás (544) e as que tinham turmas de correção de fluxo (61), dados representados na Tabela 1, após, localizaram-se a quantidade de turmas com correção de fluxo e turmas com o Acelera Brasil, dados organizados na Tabela 2.
2007 | 2012 | 2013 | 2014 | |
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Quantidade de Escolas na Rede Estadual [EF-AI] - GO | 544 | 321 | 289 | 267 |
Quantidade de Escolas que Adotaram Turmas de Correção de Fluxo [EF -AI] - GO | 61 | 21 | 40 | 17 |
Fonte: Elaboração própria com base nos microdados do censo escolar do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP) - 2007; 2012-2014.
2007 | 2012 | 2013 | 2014 | |
---|---|---|---|---|
Quantidade de Turmas de Correção de Fluxo nas Escolas Estaduais | 137 | 63 | 383 | 75 |
Quantidade de Turmas de Correção de Fluxo no Programa Acelera Brasil [PAB] | 63 | 4 | 6 | 3 |
Fonte: Elaboração própria com base nos microdados do censo escolar do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP) - 2007; 2012-2014.
No ano de 2007, haviam 544 escolas que ofertavam os anos iniciais do Ensino Fundamental em Goiás e 61 que tinham turmas de correção de fluxo, representando 11,21%. Nota-se que o total de estabelecimentos decresceu 50,91% no intervalo; àqueles com turmas de correção de fluxo diminuíram 72,13%. Em 2013 têm-se o maior percentual de escolas que tiveram turmas de correção de fluxo (13,84% das escolas). A queda na quantidade de escolas dos anos iniciais, reflete-se no decréscimo das turmas de correção de fluxo e está diretamente relacionada à diminuição de matrículas totais nos anos iniciais em Goiás, confirmando a desresponsabilização gradual deste estado para com a oferta desta etapa de escolaridade.
Dentre as escolas com turmas de correção de fluxo, identificaram-se aquelas que tinham o Acelera Brasil segundo os critérios definidos resultando em 63 escolas em 2007, quatro em 2012, seis em 2013 e apenas três em 2014. Os anos de 2007 e 2013 concentram a maior quantidade de turmas de regularização de fluxo e do Acelera Brasil. Chama atenção o reduzido atendimento via PAB, principalmente quando se observa a vigência formal prevista no Convênio de Cooperação Técnico Pedagógica nº 30/2012 entre a Seduc e o Instituto Ayrton Senna que vai de 2012 a 2014.
Na tabela que segue encontra-se o número de estudantes matriculados no Programa Acelera Brasil, levantados via microdados do Censo Escolar. Números que reforçam a baixa cobertura do PAB, principalmente quando se tem no Convênio de Cooperação Técnico-Pedagógica nº 30/2012 a previsão de atendimento a todas as crianças, revelando-se aqui outra implicação para o DHE também ligada à dimensão da disponibilidade, uma vez que há promessa de atendimento integral, porém notam-se limites, estes expressos pela baixa quantidade de crianças atendidas.
2007 | 2012 | 2013 | 2014 | |
---|---|---|---|---|
Número de Alunos matriculados nas turmas do PAB | 1227 | 67 | 76 | 53 |
Fonte: Elaboração própria com base nos microdados do censo escolar.
Ainda em busca das implicações do Programa para o DHE a partir das turmas identificadas com PAB, chegou-se às escolas, dessas, selecionamos as que indicavam TDI igual ou superior a 15%, isso porque, entendeu-se que este seria um patamar alto dado que em 2014 - último ano avaliado e com presença do programa Acelera Brasil - a distorção idade série estadual correspondia a 11,60%. Deste modo, chegou-se ao recorte de 8 escolas em Goiás que, mesmo tendo o Acelera Brasil como programa de correção de fluxo em algum ano da série histórica, mantiveram ao final de sua vigência (2014) taxas de distorção idade-série igual ou acima de 15%, informações sistematizadas na Tabela 4.
Escolas em que incidiu o Acelera Brasil e com TDI maior ou igual quo 15% om 2014 | Taxas de Distorção Idade-Série no Ensino Fundamental Anos Iniciais (%) | ||||||
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Código INEP | Nome da Escola | TDI EFAI 2007 | TDI EFAI 2011 | TDI EFAI 2012 | TDI EFAI 2013 | TDI EFAI 2014 | TDI EFAI 2018 |
52061051 | COLEGIO ESTADUAL JOSE FELICIANO FERREIRA | 17 | 39,7 | 37,1 | 27,9 | 43,6 | – |
52017354 | ESCOLA ESTADUAL SANTA TEREZINHA | 29.1 | 45.2 | 37.2 | 28.6 | 27,8 | – |
52011100 | COLEGIO ESTADUAL SANTA TEREZINKA | 23,6 | 23,1 | 44.4 | 21.4 | 24.2 | – |
52053458 | ESCOLA ESTADUAL INTEGRAL CORONEL CARRIJO | 28.9 | 26.9 | 30.2 | 25.3 | 23.1 | 12.4 |
52041824 | COLEGIO ESTADUAL CORONEL ERNESTO ANTONIO DE AKAU10 | 42.9 | 45.6 | 39,2 | 35.8 | 21.1 | 11,3 |
52042367 | ESCOLA ESTADUAL JOAO REGES VALENTE | 32.7 | 24,2 | 27.1 | 22.1 | 17 | 4.8 |
52041921 | COLEGIO ESTADUAL PROFESSORA JUSEFA BARBOSA VALENTE | 42,6 | 263 | 22.3 | 16.7 | 16.2 | 29.7 |
52079210 | COLEGIO ESTADUAL JOAO BARBOSA REIS | 39,4 | 28 | 22 | 21,9 | 15,9 | – |
Legenda: TDI - Taxa de Distorção Idade-Série; EFAI - Ensino Fundamental Anos Iniciais
Fonte: Elaboração dos autores a partir dos Microdados do Censo Escolar (INEP)
Como se observa entre 2007 e 2014, todas as escolas da amostra mantiveram a TDI acima dos 15%, olhando mais detidamente para o conjunto dos dados, a maioria delas ficaram acima de 20%. Reconhece-se que até 2014, 6 das 8 escolas melhoraram a TDI com variação percentual entre elas. Reduziram entre 21 e 26 p.p. o Colégio Estadual Coronel Ernesto Antonio de Araújo (21p.p.), o Colégio Estadual Professora Josefa Barbosa Valente (26 p.p.) e o Colégio Estadual João Barbosa Reis (24 p.p.), este último tinha salas aceleração do PAB tanto em 2007 quanto em 2014. Já a Escola Estadual João Reges Valente, melhorou a TDI em 15 p.p., a Escola Estadual Santa Terezinha 1,3 p.p e a Escola Estadual Integral Coronel Carrijo, 5,8 p.p. As duas restantes pioraram a TDI, sendo o Colégio Estadual José Feliciano Ferreira, com 26.6 p.p de aumento e o Colégio Estadual Santa Terezinha com 0.6 p.p. As TDI expressas na Tabela 5 reforçam que o Acelera não cumpriu seu principal objetivo que era corrigir a distorção Idade-Série. Outro ponto que se destaca é que quatro das oito escolas deixaram de ter turmas de aceleração da aprendizagem em 2018, o que pode indicar o encerramento da oferta dos anos iniciais nesses estabelecimentos escolares.
Código INEP | Nome da Escola | Anos em que Incidiu o Acelera |
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52079210 | COLEGIO ESTADUAL JOAO BARBOSA REIS | 2007 e 2014 |
52070921 | CAIC DARCY RIBEIRO | 2007 e 2013 |
52058220 | ESCOLA ESTADUAL LIGIA ASSIS PAIVA | 2007 e 2013 |
52058778 | COLEGIO ESTADUAL PROFESSOR ANTONIO MESTRE | 2007 e 2013 |
Fonte: Elaboração dos autores a partir dos Microdados do Censo Escolar (INEP)
Refinando ainda mais os dados, buscaram-se escolas onde o programa se repetia mais de uma vez ou em mais de um ano, ou seja, onde o programa reincidiu. O resultado dessa busca resultou em quatro escolas, conforme segue.
Como se vê, o Acelera esteve presente no Colégio Estadual João Barbosa Reis em 2007 e depois em 2014, as demais escolas tiveram o programa em 2007 e posteriormente em 2013. Esse recorte evidencia que o Acelera não corrigiu o problema da distorção idade-séria nas escolas da amostra tendo em vista ser retomado, o que nos faz inferir que agindo de forma focalizada o programa não interfere na correção da distorção idade-série em anos posteriores e as TDI mantêm-se altas. Assim, as escolas continuam produzindo essa “viscosidade” histórica no sistema, muito provavelmente, pelo seu principal mecanismo que é a reprovação. As Taxas de Distorção Idade-série (TDI) dessa amostra, confirmam o exposto
Escolas nas quais reincidiu o programa Acelera Brasil pelo manos uma vez no período 2007 · 2814 | Taxas de Distorção Idade-Série no Ensino Fundamental Anos Iniciais (%) | ||||||
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Código INEP | Nome da Escola | TDI EFAI 2007 | TDI EFAI 2011 | TDI EFAI 2012 | TDI EFAI 2013 | TDI EFAI 2014 | TDI EFAI 2018 |
52079210 | COLEGIO ESTADUAL JOAO BARBOSA REIS | 39.6 | 28 | 22 | 21,9 | 15,9 | – |
52070921 | CAIC DARCY RIBEIRO | 22,9 | 19,6 | 19.8 | 17,6 | 14,7 | 6,5 |
520S8220 | ESCOLA ESTADUAL LIGIA ASSIS PAIVA | 12,4 | 21,2 | 24,8 | 20 | 7,3 | – |
52058778 | COLEGIO ESTADUAL PROFESSOR ANTONIO MESTRE | 7,8 | 11,2 | 16,7 | 13,6 | 5,5 | – |
Fonte: Elaboração dos autores a partir dos Microdados do Censo Escolar (INEP)
Observa-se que, na média, a TDI reduz no ano em que o Programa é retomado pelas escolas - 2014 para o Colégio João Barbosa Reis, 2013 para as demais - porém quando se observam as taxas por ano/série, a melhora expressa-se em baixos pontos percentuais e as TDI mantêm-se altas. No ano de 2018, somando-se as escolas em que o PAB esteve vigente, ao menos uma vez no período investigado às que o programa reincidiu, totalizam-se 11 escolas, destas 7 deixaram de ter turmas de regularização de fluxo para os anos iniciais do Ensino Fundamental.
Programa Acelera Brasil em Goiás: um olhar para as condições da oferta educativa das escolas identificadas
Com vistas a identificar as condições da oferta educativa das escolas onde o Programa esteve vigente, levantou-se, conforme anunciado na introdução, insumos relacionados às condições gerais, às dependências das escolas e os equipamentos (GARCIA; ADRIÃO; DRABACH, 2021, p. 14). Para análise e comparação, identificamos os insumos de todas as escolas estaduais de Goiás que ofertavam os anos iniciais do ensino fundamental em 2007, primeiro ano em que se identificou o Programa Acelera Brasil, resultando 544 unidades escolares, destas, 35 indicavam a presença do PAB. Assim, construiu-se a argumentação analítica observando as condições da oferta das 509 escolas sem o Acelera e das 35 com o programa. Acompanhamos as condições da oferta nos anos seguintes (2012-2014; 2018), mesmo reconhecendo os limites desse acompanhamento uma vez que a quantidade e as escolas com PAB poderiam se diferenciar neste intervalo temporal, entretanto, foi possível ter um panorama geral da oferta na amostra localizada.
A comparação entre as escolas com Acelera e sem o Acelera a partir dos insumos selecionados indicam que aquelas onde o programa vigia apresentavam condições de oferta melhores que as demais. Nas unidades escolares que tinham o PAB, das 15 variáveis analisadas, 10 apresentaram melhores condições de oferta (rede pública de água, rede pública de energia elétrica, coleta periódica de lixo, sala de professores, laboratório de ciências, quadra de esportes, sala de leitura/biblioteca, equipamento de TV, impressora e computador), com destaque para quadra esportiva e biblioteca/sala de leitura em que 36,15% das escolas sem o programa declararam ter quadra esportiva em suas dependências, enquanto 48,57% das escolas com o programa apresentavam quadra esportiva; biblioteca/sala de leitura foi uma das variáveis com maior diferença percentual, 74,29% das escolas com o PAB possuíam sala de leitura ou biblioteca, contra 63,46% das unidades onde o programa não esteve presente.
O movimento se mantém semelhante nos anos posteriores ao recorte temporal. Em 2012 e 2013, 100% das escolas com o programa tinham sala de leitura/biblioteca, já o grupo de escolas sem o Acelera contou com pouco mais de 69% em ambos os anos. Em todos os anos de análise, rede pública de energia elétrica, coleta periódica de lixo, sala de professores, quadra esportiva, equipamento de TV e equipamento de impressora, foram os insumos mais presentes nas escolas com PAB. Dados presentes na tabelas tabelas 7
Ano | Insumos | SEM PAB | COM PAB |
---|---|---|---|
2007 | Água Filtrada | 90,37% | 88,57% |
2007 | Rede Públiça de Água | 93,52% | 97,14% |
2007 | Rede Pública de Energia Elétrica | 99,41% | 100,00% |
2007 | Rede Pública de Esgoto | 36,35% | 34,29% |
2007 | Coleta Periódica de Lixo | 94,30% | 100,00% |
2007 | Sala de Professores | 84,48% | 85,71% |
2007 | Laboratorio de Informática | 23,97% | 17,14% |
2007 | Laboratório de Ciências | 4,32% | 8,57% |
2007 | Quadra de Esportes | 36,15% | 48,57% |
2007 | Biblioteca/Sala de Leitura | 63,46% | 74,29% |
2007 | Equip amento de TV | 99,41% | 100,00% |
2007 | Copiadora | 19,65% | 8,57% |
2007 | Impressora | 96,27% | 100,00% |
2007 | Computador | 96,66% | 100,00% |
2007 | Internet | 44,99% | 40,00% |
2012 | Água Filtrada | 92,11% | 100,00% |
2012 | Rede Pública de Água | 90,85% | 100,00% |
2012 | Rede Pública de Energia Elétrica | 99,05% | 100,00% |
2012 | Rede Pública de Esgoto | 39,43% | 75,00% |
2012 | Coleta Periódica de Lixo | 94,64% | 100,00% |
2012 | Sala de Professores | 86,12% | 100,00% |
2012 | Laboratório de Informática | 81,07% | 100,00% |
2012 | Laboratório de Ciências | 4,42% | 0,00% |
2012 | Quadra de Esportes | 40,06% | 50,00% |
2012 | Biblioteca/Sala de Leitura | 69,40% | 100,00% |
2012 | Equipamento de TV | 98,74% | 100,00% |
2012 | Copiadora | 51,74% | 50,00% |
2012 | Impressora | 98,42% | 100,00% |
2012 | Computador | 98,74% | 100,00% |
2012 | Internet | 82,97% | 100,00% |
2013 | Água Filhada | 91,52% | 100,00% |
2013 | Rede Pública de Água | 89,75% | 83,33% |
2013 | Rede Pública de Energia Elétrica | 98,94% | 100,00% |
2013 | Rede Pública de Esgoto | 39,93% | 16,67% |
2013 | Coleta Periódica de Lixo | 94,70% | 100,00% |
2013 | Sala de Professores | 85,16% | 100,00% |
2013 | Laboratório de Informática | 87,28% | 83,33% |
2013 | Laboratório de Ciências | 5,30% | 33,33% |
2013 | Quadra de Esportes | 42,05% | 100,00% |
2013 | Biblioteca/Sala de Leitura | 69,26% | 100,00% |
2013 | Equipamento de TV | 98,59% | 100,00% |
2013 | Copiadora | 59,72% | 66,67% |
2013 | Impressora | 99,29% | 100,00% |
2013 | Computador | 100,00% | 100,00% |
2013 | Internet | 89,05% | 100,00% |
2014 | Água Filtrada | 93,58% | 100,00% |
2014 | Rede Pública de Água | 90,94% | 50,00% |
2014 | Rede Pública de Energia Elétrica | 98,49% | 100,00% |
2014 | Rede Pública de Esgoto | 41,13% | 0,00% |
2014 | Coleta Periódica de Lixo | 93,96% | 100,00% |
2014 | Sala de Professores | 82,64% | 100,00% |
2014 | Laboratório de Informática | 88,30% | 100,00% |
2014 | Laboratório de Ciências | 7,17% | 0,00% |
2014 | Quadra de Esportes | 43,77% | 50,00% |
2014 | Biblioteca/Sala de Leitura | 70,94% | 50,00% |
2014 | Equipamento de TV | 98,11% | 100,00% |
2014 | Copiadora | 59,62% | 100,00% |
2014 | Impressora | 98,49% | 100,00% |
2014 | Computador | 100,00% | 100,00% |
2014 | Internet | 92,08% | 100,00% |
Fonte: Elaboração dos autores a partir dos Microdados do Censo Escolar (INEP)
Voltando-se para o conjunto de escolas onde o Acelera esteve presente ao menos uma vez no intervalo inventariado e que mantiveram TDI maior ou igual a 15% (total de 8 escolas) e àquelas onde o programa reincidiu (4 escolas), podemos observar que, em 2007, insumos como: laboratório de informática, laboratório de ciências, internet e copiadora eram menos presentes ou ausentes nas escolas. Há um movimento evidente de melhora nesses insumos a partir de 2011, excetuando-se o laboratório de ciências que não existia nas escolas que mantiveram distorção acima de 15% e apareceu em uma escola (25%) das reincidentes.
Outro insumo que vale o destaque é a sala de leitura/biblioteca que desde 2007 estava presente em 75% das escolas em que o Acelera reincidiu e em 87,50% no grupo de escolas que mantiveram taxa de distorção idade-série alta (15% ou superior). No decorrer da vigência do Programa, a totalidade das unidades escolares passam a ter sala de leitura ou biblioteca, o que levanta a hipótese para futura investigação se tais salas são as “reserva técnica” mencionadas no Sistema de Gestão (SIGE) de Goiás, tornando-se um insumo essencial para a realização do programa Acelera.
Insumos | 2007 | 2011 | 2012 | 2013 | 2014 |
---|---|---|---|---|---|
Condições Gerais | |||||
Água Filtrada | 100,00% | 100,00% | 100,00% | 100,00% | 100,00% |
Rede Pública de Energia Elétrica | 100,00% | 100,00% | 100,00% | 100,00% | 100,00% |
Rede Pública de Esgoto | 50,00% | 75,00% | 75,00% | 75,00% | 62,50% |
Coleta Periódica de Lixo | 100,00% | 100,00% | 100,00% | 100,00% | 100,00% |
Dependências das escolas | |||||
Laboratório de Informática | 12,50% | 75,00% | 87,50% | 87,50% | 87,50% |
Laboratório de Ciências | 0,00% | 0,00% | 0,00% | 0,00% | 0,00% |
Quadra Esportiva | 62,50% | 87,50% | 75,00% | 75,00% | 75,00% |
Sala de Leitura/Biblioteca | 87,50% | 100,00% | 100,00% | 100,00% | 100,00% |
Sala de Professores | 75,00% | 75,00% | 87,50% | 75,00% | 87,50% |
Equipamentos | |||||
Equipamento de TV | 100,00% | 100,00% | 100,00% | 100,00% | 100,00% |
Impressora | 100,00% | 100,00% | 100,00% | 100,00% | 100,00% |
Internet | 37,50% | 75,00% | 100,00% | 100,00% | 100,00% |
Copiadora | 0,00% | 75,00% | 62,50% | 75,00% | 75,00% |
Fonte: Elaborado pelos autores com base nos microdados do censo escolar
Insumos | 2007 | 2011 | 2012 | 2013 | 2014 |
---|---|---|---|---|---|
Condições Gerais | |||||
Água Filtrada | 75,00% | 100,00% | 100,00% | 100,00% | 100,00% |
Rede Pública de Energia Elétrica | 100,00% | 100,00% | 100,00% | 100,00% | 100,00% |
Rede Pública de Esgoto | 0,00% | 0,00% | 0,00% | 0,00% | 0,00% |
Coleta Periódica de Lixo | 100,00% | 100,00% | 100,00% | 100,00% | 100,00% |
Dependências das escolas | |||||
Laboratório de Informática | 0,00% | 75,00% | 75,00% | 100,00% | 100,00% |
Laboratório de Ciências | 0,00% | 0,00% | 25,00% | 25,00% | 25,00% |
Quadra Esportiva | 100,00% | 100,00% | 100,00% | 100,00% | 100,00% |
Sala de Leitura/Biblioteca | 75,00% | 100,00% | 100,00% | 100,00% | 100,00% |
Sala de Professores | 100,00% | 100,00% | 100,00% | 100,00% | 100,00% |
Equipamentos | |||||
Equipamento de TV | 100,00% | 100,00% | 100,00% | 100,00% | 100,00% |
Impressora | 100,00% | 100,00% | 100,00% | 100,00% | 100,00% |
Internet | 25,00% | 75,00% | 75,00% | 100,00% | 100,00% |
Copiadora | 25,00% | 75,00% | 75,00% | 75,00% | 75,00% |
Fonte: Elaborado pelos autores com base nos microdados do censo escolar
Considerações finais
Neste artigo buscou-se analisar as condições da oferta educativa nas escolas que adotaram o Programa Acelera Brasil em Goiás como política de regularização de fluxo nos anos iniciais do Ensino Fundamental, considerando o período em que se localizou, nos Microdados do Censo Escolar, nome de turmas que indicavam o funcionamento deste programa nas unidades escolares sendo os anos de 2007; 2012-2014 e 2018 extrapolando assim a vigência do Termo de Convênio de Cooperação Técnico Pedagógica n. 30/2012 que indicava implantação do PAB entre 2012-2014.
O Programa tem como objetivo declarado a correção da distorção Idade-Série, pressupondo atendimento a todos estudantes que se encontram nesta condição. No entanto, os dados apresentados contradizem esses pressupostos: melhoria da TDI e atendimento a todos e todas. No que se refere ao atendimento, a redução das matrículas dos anos iniciais na rede estadual é a primeira contradição a ser apontada, pois Goiás fecha acordo com o setor privado, mesmo diante da municipalização em curso.
Para adesão ao PAB, Goiás justifica alta taxa de Distorção Idade-Série das crianças matriculadas nos anos iniciais, no entanto, ao aderir, parece chancelar a incompetência de seus programas próprios ou atribuir maior eficiência ao setor privado, fato que não se concretiza, ao menos nos anos analisados, pois, como se observou, as escolas que tiveram o PAB em ao menos um ano no intervalo investigado, mantiveram Taxas de Distorção Idade-série igual ou superior a 15% não evidenciando melhora, o mesmo ocorrendo com aquelas onde o Programa reincidiu (4 escolas).
Outra limitação identificada, corresponde às escolas onde o Programa pode funcionar dadas às exigências do Instituto Ayrton Senna, o qual define que o agrupamento das crianças em TDI deve funcionar em salas exclusivas (BORGHI; DOMICIANO, 2022, prelo). Para isso, a Seduc de Goiás autoriza a adoção do Acelera para as unidades que tenham salas de “Reserva Técnica”, ou seja, salas extras. Entende-se que tal procedimento fere o Direito Humano à Educação, nas dimensões da disponibilidade e da acessibilidade, ao limitar tanto a oferta, quanto o acesso à aceleração da aprendizagem a todos e todas em condições de usufruir do Programa. Isso não significa que se disponível e acessível a todos e todas o problema estaria resolvido, pois não se trata de incluir os que estão excluídos, é necessário, conforme Simões (2019), examinar os mecanismos escolares que produzem e mantém situações de exclusões, como a Distorção Idade-série a patamares inaceitáveis mesmo com um Programa em vigência.
Ainda sobre a “Reserva Técnica”, levanta-se a possibilidade de as salas de leitura/biblioteca serem as “salas extras” utilizadas para implementação do Programa, tendo em vista ter se generalizado para todas as escolas em que se identificou o Acelera, dado a ser aprofundado em investigações futuras.
No que se refere às condições da oferta educativa, há evidências suficientes que permitem supor que o ator privado buscou as escolas com melhor padrão infra estrutural ou, que suas exigências tendem a direcionar o funcionamento do Programa para essas escolas, pois conforme se demonstrou, as unidades com PAB apresentaram padrão melhor do que àquelas sem o PAB. Ainda assim, mesmo com as exigências do Termo de Cooperação Técnica e Pedagógica atendidas, as unidades escolares que adotaram o Acelera, mantiveram as Taxas de Distorção Idade-série altas, não revelando melhoria nos processos de ensino-aprendizagem. Conclui-se, portanto, que o Programa Acelera Brasil, que faz uso dos insumos da rede pública estadual (prédio, infraestrutura, docentes), é uma promessa de solução do atraso escolar não cumprida.
Além disso, ao se instalar nas escolas da rede pública estadual, fazer uso de sua infraestrutura física e pedagógica sem alcançar ao que se propõe, fere as duas dimensões do DHE ora trabalhadas: a disponibilidade principalmente por não estar disponível a todos os demandantes seja pela quantidade insuficiente de vagas ofertadas e de escolas sem salas de “reserva técnica” que possam atender ao programa e a acessibilidade, quando a desigualdade do acesso se interpõe entre os/as estudantes, a escola e seu direito à regularizar seu percurso escolar.