Introdução
Na “Declaração Mundial sobre Educação para Todos: satisfação das necessidades básicas de aprendizagem” (UNESCO, 1998), aprovada na Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizada em Jomtien, na Tailândia, no ano de 1990 que trata das necessidades educativas fundamentais para as pessoas, mais especificamente uma educação básica como um direito de todos, ficou evidente a orientação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), para que práticas escolares e políticas educativas usuais fossem revistas, a fim de se atingir os objetivos educacionais subscritos na referida conferência. A UNESCO recomendou que a análise das informações a respeito de boas práticas desenvolvidas no âmbito educacional pode subsidiar uma renovação na educação, por meio de reformas decididas de acordo com as exigências de cada situação e contexto.
No Brasil, orientações sobre o desenvolvimento de boas práticas escolares começaram a surgir em meados dos anos 2000, materializadas em publicações institucionais de inúmeros estudos do governo brasileiro, por meio do Ministério da Educação (MEC), em geral patrocinados ou apoiados por organismos internacionais, os quais preferimos designar como agências multilaterais. Essas agências são organizações que possuem escritório no Brasil e, em geral, são ligados à Organização das Nações Unidas (ONU) por meio de acordos internacionais.
Esses estudos do governo brasileiro, os quais analisaremos no presente artigo, tiveram dentre seus objetivos mais amplos, estudar boas práticas em unidades escolares ou redes de ensino que se destacaram quanto aos resultados do desempenho escolar nas avaliações em larga escala. Para a consecução de tais estudos, os agentes realizadores uniram forças por meio de parcerias entre instituições financiadoras e instituições executoras, geralmente com o envolvimento de técnicos do governo brasileiro, fundações ou centros de pesquisa, que contrataram pesquisadores de importantes universidades brasileiras.
Entretanto, ainda que o governo brasileiro e as agências multilaterais tenham envidado esforços e investido recursos (públicos e privados), e, ainda, que importantes pesquisadores e destacados intelectuais se envolvessem nesses estudos, os fundamentos teóricos que sustentam tais iniciativas ainda germinam em um terreno pantanoso, marcado por tensões paradigmáticas que eclodem do campo da pesquisa em educação. Acontece que no campo da produção científica da área educacional no Brasil há um “tensionamento teórico-epistemológico” em torno de muitos dos usos que governantes e gestores educacionais fazem dos resultados das avaliações em larga escala, com destaque para o estabelecimento de metas de desempenho escolar e consequente pagamento de bonificações em dinheiro para os professores das escolas que as atingem (CALDERÓN, 2017).
A análise da literatura acadêmico-científica no espaço ibero-americano sobre as boas práticas escolares realizada por Martins e Calderón (2015) apontou que um dos motivos para essas tensões paradigmáticas é a existência de um forte discurso crítico no campo da pesquisa educacional no Brasil em relação aos estudos sobre as avaliações em larga escala e a utilização dos resultados dessas avaliações para análise de boas práticas e de eficácia escolar, que os destacam em tom de denúncia por seu viés neoliberal, sua vinculação negativa com interesses econômicos das agências multilaterais e dos governos e a vinculação, também negativa, entre a qualidade do ensino e os resultados das avaliações estandardizadas.
Mas a análise da literatura ibero-americana mostrou que, apesar de hegemônica, essa não é a única perspectiva teórica existente, tendo em vista a “existência de comunidades epistêmicas no espaço ibero-americano, principalmente na Espanha, com alguns poucos autores em Portugal, que, embora não hegemônicas”, produzem conhecimento científico sobre as boas práticas escolares como estratégias para a “melhoria da aprendizagem e a construção de uma escola eficaz na consecução de seus objetivos educacionais” (MARTINS; CALDERÓN, 2015, p. 289).
Dentro dessa concepção, enquadrada em estudos que buscam alternativas para a melhoria da aprendizagem, distante de um pseudo-confronto ético entre neoliberais e progressistas, neste artigo concebem-se os estudos sobre boas práticas escolares englobadas no campo da eficácia escolar como pesquisas que possuem uma preocupação essencialmente pedagógica, na medida em que “buscam analisar os processos e as ações desenvolvidas nas escolas que conseguem atingir seus objetivos e metas educacionais” (MARTINS; CALDERÓN, 2016, p. 140).
Nessa ótica, nos termos do chamado estado do conhecimento, que de acordo com Ferreira (2002, p. 258) tem como finalidade “mapear e discutir certa produção acadêmica em determinado campo do conhecimento”, o presente artigo tem como objetivo estudar os avanços na produção do conhecimento sobre o tema das boas práticas escolares a partir dos estudos promovidos pelo MEC, geralmente apoiados por agências multilaterais, analisando-se as concepções subjacentes, tendências e principais abordagens teóricas existentes, a fim de defender, em termos teóricos, uma aproximação conceitual entre boas práticas escolares e estratégias de melhoria da qualidade da educação básica, dentro do campo teórico dos estudos sobre eficácia escolar.
Metodologicamente realizamos um estudo de caráter descritivo-analítico, comparativo, por meio de pesquisa essencialmente bibliográfica, selecionando-se como corpus analítico as 10 publicações institucionais de estudos realizados pelo governo brasileiro a partir do ano de 2005 (listadas no Quadro 1), justamente o ano que o MEC lançou o Projeto Boas Práticas na Educação, os quais abordam as boas práticas no âmbito educacional.
Título do Estudo | Agência Multilateral Apoiadora | Referência |
Vencendo o desafio da aprendizagem nas séries iniciais: a experiência de Sobral/CE | --------- | (BRASIL, 2005) |
Aprova Brasil, o direito de aprender | UNICEF | (BRASIL, 2007a) |
Prêmio Inovação em Gestão Educacional 2006: Experiências Selecionadas | UNESCO | (BRASIL, 2007b) |
Redes de aprendizagem: boas práticas de municípios que garantem o direito de aprender | UNICEF | (BRASIL, 2008) |
Desempenho dos alunos na Prova Brasil: diversos caminhos para o sucesso educacional nas redes municipais de ensino | Banco Mundial | (PARANDEKAR; RIBEIRO DE OLIVEIRA; AMORIM, 2008) |
Caminhos do Direito de Aprender: Boas Práticas de 26 Municípios que Melhoraram a Qualidade da Educação | UNICEF | (BRASIL, 2010a) |
Melhores Práticas em Escolas de Ensino Médio no Brasil | BID | (BRASIL, 2010b) |
Prêmio Inovação em Gestão Educacional 2008: Experiências Selecionadas | UNESCO | (BRASIL, 2010c) |
Prêmio Inovação em Gestão Educacional 2011: Experiências Selecionadas | UNESCO | (BRASIL, 2012) |
Prêmio Inovação 2013 | UNESCO | (BRASIL, 2015) |
Fonte: Construído pelos autores.
Para a seleção das publicações institucionais do MEC listadas no Quadro 1, acessou-se a página web do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) entre os dias 14 e 18 de janeiro de 2019 (BRASIL, 2019). Na página web do instituto, acessou-se a aba das publicações institucionais relacionadas com o tema Avaliação da Educação Básica, identificando-se e selecionando-se, dentre as que ali estavam mantidas, as que se enquadravam no escopo de pesquisa. Tomando-se como referência analítica as boas práticas escolares no contexto da educação básica (ensino fundamental e/ou ensino médio), a análise de cada uma das publicações trouxe à luz as boas práticas apontadas pelos estudos, e a análise comparativa dessas boas práticas nos permitiu categorizá-las em três grandes dimensões: clima escolar, gestão escolar e práticas pedagógicas. Da mesma forma, a análise comparativa evidenciou um grupo de boas práticas até agora pouquíssimo estudadas: as boas práticas nas redes de ensino.
Nesse sentido, em um primeiro momento foi realizado um estudo compartimentalizado de cada publicação selecionada, para em um segundo momento realizarem-se análises comparativas que possibilitem cruzamentos horizontais na tentativa de encontrar convergências, divergências e denominadores comuns em termos de procedimentos e abordagens. Assim, os dados sistematizados assumirão perspectiva qualitativa e quantitativa, a fim de que se possa dar maior concretude aos achados de pesquisa.
Análise das publicações institucionais do governo brasileiro que abordam as boas práticas escolares
Durante o Seminário Internacional de Avaliação Educacional, realizado pelo INEP na cidade do Rio de Janeiro em dezembro de 1997, com o apoio do Bureau International d'Education da Unesco e a representação da Unesco no Brasil, Norberto Bottani, funcionário de alto escalão da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico (OCDE), já anunciava que determinadas ações no contexto educacional poderiam servir “não só como modelos mas também como exemplos de boas práticas” (BRASIL, 1998, p. 59). E mais: que as boas práticas escolares poderiam se configurar como importantes elementos para o sucesso das escolas perante os resultados do desempenho escolar. Já era o prenúncio de que as agências multilaterais iriam mergulhar fundo em questões relacionadas com as boas práticas existentes nas escolas de sucesso no Brasil, com um objetivo claramente definido: a melhoria da aprendizagem via desempenho escolar como garantia do direito de aprender.
Dentro dessa questão, vale resgatar que uma das grandes contribuições do Relatório da UNESCO (UNESCO, 1998) foi precisamente dar concretude à garantia da qualidade da educação, não mais por meio da valorização de dados estatísticos descontextualizados, como por exemplo, o número de alunos matriculados, mas sim pela efetiva aprendizagem dos alunos. Como desafio a ser alcançado, defendia-se que a aprendizagem passasse a ser utilizada como parâmetro para a garantia do direito à educação. Tornou-se necessária, então, “a existência de bases de dados que possam subsidiar a elaboração e monitoramento das políticas públicas” (CALDERÓN, 2017, p. 40). Começaram a ganhar pertinência e relevância no contexto educacional brasileiro as avaliações em larga escala, cujos resultados serviriam como subsídios para a elaboração, implementação e manutenção de políticas públicas.
Paralelamente à motivação de representantes das agências multilaterais quanto à disseminação de boas práticas escolares observadas em escolas de sucesso no início dos anos 2000, o cenário educacional brasileiro, especificamente no que se refere às escolas públicas de educação básica, espelhava informações do censo escolar com resultados de processos de avaliação em larga escala retratando de modo contundente uma situação de baixa qualidade do ensino. Diante dessa situação e, tendo como parâmetro orientações de abrangência internacional das agências multilaterais que incentivavam a valorização e a disseminação de boas práticas, técnicos do INEP iniciaram um movimento articulado a fim de encontrar “exemplos de experiências e práticas inovadoras que indicassem que esforços estavam sendo empreendidos para mudar essa situação. E com resultados!” (BRASIL, 2005, p. 11).
A procura por escolas e redes de ensino que se destacavam pelos bons resultados, comprovados por meio das avaliações externas, colocou no mapa brasileiro do sucesso escolar a rede municipal de ensino de Sobral, no Estado do Ceará, Região Nordeste, a mesma que, de acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), é a macrorregião que possui o menor Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) do Brasil (PNUD, 2016).
Nesse município brasileiro com escolas imersas em um contexto socioeconômico de pobreza, a rede municipal de ensino havia promovido uma série de mudanças sistêmicas na gestão educacional, definido metas claras de aprendizagem e estabelecido ações de monitoramento constantemente dos resultados das avaliações. Com isso, a rede municipal de ensino de Sobral conseguiu alcançar expressivos resultados na melhoria da qualidade do ensino oferecido nas escolas sob sua jurisdição.
Os resultados expressivos dessa rede municipal de ensino materializaram o primeiro grande estudo do governo brasileiro sobre boas práticas escolares: “Vencendo o desafio da aprendizagem nas séries iniciais: a experiência de Sobral/CE”. O objetivo do estudo foi “partilhar com dirigentes educacionais a experiência concreta de Sobral, visando a inspirar as gestões municipais do País a implementar políticas que tenham o objetivo de garantir o direito à aprendizagem” (BRASIL, 2005, p. 18). As boas práticas escolares foram conceituadas como sendo as ações de sucesso e de inovação educacional em termos de gestão que contribuíram para a melhoria da aprendizagem, desencadeando melhores resultados nas avaliações externas. Resultados esses que, de acordo com o estudo, foram considerados “impressionantes” por integrantes do MEC, face à condição de carência financeira do município de Sobral.
As principais boas práticas escolares apontadas foram:
diagnóstico e estratégias de gestão no âmbito da secretaria municipal de educação;
reorganização institucional para otimização de recursos;
estratégias de ensino diversificadas;
valorização e investimento na formação de professores alfabetizadores;
ações focadas na alfabetização;
avaliação externa da aprendizagem;
análise e compreensão dos resultados das avaliações externas;
participação das famílias nas atividades escolares;
supervisão das condições gerais de funcionamento das escolas;
compromisso com as metas de aprendizagem;
premiação das escolas que alcançam as metas estabelecidas;
fortalecimento da autonomia da escola.
Logo após a publicação do estudo da emblemática experiência de Sobral, novos estudos sobre boas práticas foram surgindo, tendo como principal novidade o apoio das agências multilaterais, evidenciando inclusive um certo protagonismo desses organismos internacionais na agenda dos estudos sobre boas práticas escolares no Brasil, com destaque para a atuação do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e da UNESCO.
Nesse contexto, contando com o apoio estratégico do UNICEF, e na mesma perspectiva do estudo de Sobral, o MEC realizou um importante estudo sobre boas práticas escolares: “Aprova Brasil, o direito de aprender” (BRASIL, 2007a). O estudo foi realizado em 33 escolas públicas brasileiras que, apesar de condições desfavoráveis, conseguiram impactar positivamente a aprendizagem dos alunos. Portanto, o estudo procurou identificar as boas práticas que ajudaram as crianças a terem a direito de aprender garantido. Concretamente, o objetivo central do estudo foi “identificar aspectos relacionados à gestão, à organização e ao funcionamento de escolas que possam ter contribuído para a melhor aprendizagem dos alunos em 33 escolas participantes da Prova Brasil” (BRASIL, 2007a, p. 6).
As boas práticas escolares foram diretamente relacionadas com os resultados da Prova Brasil, pois, de acordo com os coordenadores do estudo, a própria expressão boas práticas foi adotada “para indicar um conjunto de procedimentos, atividades, experiências e ações que apresentam resultados positivos na melhoria da aprendizagem de crianças e adolescentes”, de tal forma que a identificação das boas práticas serviria “como inspiração para políticas, diretrizes e mesmo ações que possam contribuir para a melhoria da aprendizagem de crianças e adolescentes” (BRASIL, 2007a, p. 64).
Para avaliar a melhoria da aprendizagem nas escolas, os pesquisadores criaram um indicador de efeito-escola, cujo cálculo envolvia a diferença entre o desempenho esperado pelos alunos face suas condições socioeconômicas e o desempenho efetivamente observado na Prova Brasil. Com os cálculos estatísticos pertinentes obtinha-se, então, o efeito-escola, que representava o quanto cada escola ou rede de ensino havia avançado em termos de desempenho escolar, controlando-se as condições socioeconômicas dos alunos. Portanto, a identificação das boas práticas teve como um dos seus nortes aspectos relacionados com a melhoria da aprendizagem via desempenho escolar. Com isso, podemos afirmar que a iniciativa se caracterizou como sendo um estudo de escolas eficazes, isto é, de escolas que promoveram o desenvolvimento global de todos e cada um de seus alunos, indo além do esperado, quando consideradas as condições prévias desses alunos (MURILLO TORRECILLA, 2005).
As principais boas práticas identificadas no estudo foram:
trabalho em equipe;
trabalho coordenado e compartilhado;
compromisso com o ensino e a aprendizagem;
trabalhar com projetos de ensino;
inovações na sala de aula;
ensino contextualizado;
avaliação e recuperação da aprendizagem;
atividades pedagógicas externas à escola com os alunos;
jogos e atividades esportivas;
valorização dos professores e profissionais das escolas;
investimento na formação inicial do professor;
formação continuada;
gestão escolar democrática;
participação da comunidade escolar em atividades da escola;
participação dos alunos nas decisões escolares;
parcerias com instituições externas;
clima escolar harmonioso;
relações interpessoais de mútuo respeito.
Ainda no ano de 2006 o governo brasileiro instituiu uma ação de estímulo ao desenvolvimento de boas práticas no âmbito da gestão educacional: Prêmio Inovação em Gestão Educacional. Implementado pelo INEP e pela Secretaria de Educação Básica (SEB), em parceria com a UNESCO e com a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME), o prêmio teve como principal objetivo incentivar o desenvolvimento de experiências inovadoras, premiando boas práticas de gestão educacional. Defendia-se que “incentivar o desenvolvimento de experiências inovadoras em gestão educacional” (BRASIL, 2007, p. 15) ofereceria elementos práticos em termos de estratégias de ação para gestores escolares, com foco na melhoria dos resultados da aprendizagem. A primeira edição do Prêmio Inovação em Gestão Educacional (BRASIL, 2007b) ocorreu no ano de 2006, mas a publicação institucional do relatório só aconteceu no ano de 2007.
De acordo com o relatório, mesmo antes da criação do prêmio observava-se a existência de boas práticas e experiências inovadoras implementadas em diversas redes públicas de ensino, com resultados positivos, mas sem registros consistentes de tais ações, de tal forma que, fora do contexto em que eram desenvolvidas, poucas pessoas as conheciam. Assim, se pretendia, dentre outras questões, identificar, registrar, premiar e disseminar as experiências inovadoras e as boas práticas de gestão escolar (BRASIL, 2007b).
Corroborando com essa estratégia pragmática de atuação, na segunda edição do prêmio (BRASIL, 2010c), realizada no ano de 2008 e publicada no ano de 2010, o INEP destacou que a premiação contribuía com a disseminação, em todo o país, de boas práticas de gestão educacional, fornecendo às redes de ensino “experiências inovadoras, viáveis e, principalmente, geradoras de melhorias nos processos e resultados educacionais locais” (BRASIL, 2010c, p. 7).
Dentro da mesma perspectiva das edições anteriores, no ano de 2012 o INEP publicou o relatório do Prêmio Inovação em Gestão Educacional 2011: Experiências Selecionadas (BRASIL, 2012). A ideia de inovação não esteve relacionada apenas ao ineditismo ou à originalidade das ações, mas sim a
um conjunto de boas práticas que dão certo e que tenham efeito multiplicador em favor do êxito escolar. Além de dar certo e de fortalecer a gestão democrática e integrada, a experiência deve contribuir para a solução de problemas e desafios da educação básica, apresentar resultados [...] e indique abrangência, controle, transparência e eficiência no uso dos recursos (BRASIL 2012, p. 16).
Na mais recente edição do prêmio, realizada no ano de 2013 e publicada no ano de 2015, defendia-se que premiar, disseminar, compartilhar e dar visibilidade às boas práticas de gestão educacional poderia colaborar com “o enfrentamento e superação do desafio constitucional de garantir o direito à educação de qualidade para todos os brasileiros e brasileiras” (BRASIL, 2015, p. 10).
A análise das ações de gestão educacional premiadas revela que as principais boas práticas identificadas pelo governo no contexto dessas premiações foram:
gestão participativa no contexto da rede municipal de ensino;
condições de acesso, permanência e sucesso na escola, inclusive para alunos com deficiência;
ampliação do número de vagas nas escolas municipais;
formação continuada dos professores, funcionários e gestores;
regularização do fluxo escolar e da distorção idade-série, com diminuição da repetência escolar;
ações focadas na alfabetização;
eleição dos diretores das escolas da rede municipal;
utilização de critérios meritocráticos para designação de diretores;
compromisso de todos os profissionais escolares com o ensino e a aprendizagem dos alunos;
avaliação institucional;
melhoria da infraestrutura das escolas;
melhoria do clima organizacional das escolas;
clima escolar favorável ao diálogo entre os partícipes do processo educativo;
oferta de merenda escolar de boa qualidade;
participação da família e da comunidade nas atividades escolares;
promoção de atividades escolares diversificadas;
realização de viagens pedagógicas;
ensino em tempo integral;
parcerias com instituições externas;
participação em avaliações externas, inclusive administradas pelas redes municipais de ensino;
implantação de currículo comum nas escolas das redes municipais;
ações voltadas para a garantia do direito de aprender de cada criança da rede municipal.
“Redes de aprendizagem: boas práticas de municípios que garantem o direito de aprender” (BRASIL, 2008) teve como principal objetivo identificar boas práticas escolares desenvolvidas em redes de ensino que obtiveram elevados indicadores educacionais. O estudo não focou diretamente nas escolas, mas sim em trinta e sete redes municipais de ensino do Brasil que se destacaram pelos elevados resultados no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). As boas práticas se planificavam nas redes municipais de sucesso por meio de equipes de trabalho comprometidas com o direito de aprender de todos os educandos. Tal compromisso se evidenciava na responsabilidade partilhada por todos os envolvidos nos processos de ensino para com a aprendizagem dos alunos, fato que guiava a busca de soluções e práticas de ensino inovadoras e diversificadas. Nessa ótica, as boas práticas das redes municipais de sucesso apontadas no estudo foram:
ações com foco na aprendizagem;
consciência e práticas escolares de rede;
planejamento pedagógico;
valorização do professor;
investimento na formação inicial do professor;
avaliação da aprendizagem orientada por metas e objetivos propostos;
compromisso com o ensino e a aprendizagem dos alunos;
formação continuada do corpo docente;
valorização da leitura;
atenção individual ao aluno com dificuldade de aprendizagem;
professor de apoio;
atividades de ensino diversificadas;
parcerias com instituições externas.
Outra agência multilateral que possui participação em projetos educativos nos países em desenvolvimento, viabilizando operações de crédito, financiamentos e investimentos em setores públicos e privados dos países atendidos, é o Banco Mundial. No Brasil, esse banco apoiou o estudo intitulado “Desempenho dos Alunos na Prova Brasil: Diversos caminhos para o Sucesso Educacional nas Redes Municipais de Ensino”. Foi um estudo executado por pesquisadores do INEP, com o objetivo de
identificar boas práticas de gestão em nível municipal que levaram determinadas redes municipais a obterem resultados melhores do que os esperados, dado o seu contexto socioeconômico. Neste sentido, a pesquisa enfatizou fatores que, associados a políticas educacionais, contribuíram para que seus alunos obtivessem melhor desempenho na Prova Brasil (PARANDEKAR; RIBEIRO DE OLIVEIRA; AMORIM, 2008, p. 159).
Nesse caso, as boas práticas escolares apontadas foram:
liderança pedagógica dos diretores de escola e do dirigente municipal;
metas e objetivos concretos para as escolas municipais;
compreensão por parte de todos os envolvidos dos objetivos e metas que devem ser cumpridos;
investimento na educação infantil;
visão integrada da educação, desde as creches até a educação superior;
autonomia das escolas com supervisão das secretarias municipais de educação;
comprometimento dos dirigentes municipais de ensino com a melhoria da qualidade da educação;
motivação das equipes escolares para o sucesso dos alunos;
atenção à educação inclusiva;
formação continuada dos professores;
utilização de tecnologias da informação na organização do currículo da escola;
capacitação da equipe técnica;
plano de cargos e carreiras;
manutenção de sistema próprio de monitoramento da qualidade do ensino;
engajamento da sociedade civil e da comunidade com a melhoria da educação;
cooperação e parcerias com instituições externas;
construção democrática dos planos municipais de educação;
escola como transformadora da realidade não somente dos alunos, mas de toda a comunidade;
avaliação e planejamento pedagógico orientados para o alcance dos resultados e dos objetivos educacionais propostos.
O estudo destacou que, nas redes municipais de sucesso, as boas práticas escolares, associadas a um conjunto de fatores, foram fundamentais para que essas redes municipais obtivessem elevados resultados na Prova Brasil. Estes resultados se mostraram muito melhores que o esperado diante das condições contextuais das escolas.
“Caminhos do direito de aprender: boas práticas de 26 municípios que melhoraram a qualidade da educação” (BRASIL, 2010a) foi um estudo realizado pelo UNICEF com o apoio da UNDIME, em parceria com o INEP. Teve como premissa o acompanhamento longitudinal do progresso de escolas municipais em relação aos resultados do IDEB, analisando-se o trajeto de cada um dos municípios para o cumprimento das metas. As boas práticas escolares identificadas foram:
compromisso com o ensino e a aprendizagem;
investimento na formação inicial dos professores;
atenção às necessidades específicas dos alunos;
valorização das atividades de leitura e escrita;
estratégias de ensino diversificadas;
monitoramento constante dos resultados da aprendizagem;
ensino contextualizado;
parcerias com instituições externas;
utilização das matrizes de referência da Prova Brasil no planejamento pedagógico;
presença constante do coordenador pedagógico;
participação das famílias nas atividades escolares;
melhorias na infraestrutura das escolas;
formação continuada dos professores;
ambiente favorável à aprendizagem (clima escolar);
gestão eficaz e bom relacionamento do dirigente municipal e demais atores envolvidos no processo de aprendizagem;
pagamento dos salários em dia;
ações formativas para os funcionários das escolas;
valorização dos profissionais da educação;
gestão democrática do dirigente municipal de educação;
ampliação do tempo de permanência do aluno na escola.
De acordo com o estudo, as boas práticas escolares são frutos dos esforços de todas as equipes escolares e de uma ampla mobilização, para que todos e cada um dos alunos pudessem aprender. De forma bastante evidente, constata-se uma expressa responsabilização de toda a equipe escolar sobre os resultados da aprendizagem, pois, de acordo com o estudo,
de forma geral, o conjunto de fatores aponta para uma questão estruturante: a responsabilização da gestão pública, da escola e do professor como uma equipe fundamental para o enfrentamento do desafio de garantir o direito de aprender (BRASIL, 2010a, p. 15).
Tal premissa também foi encontrada na parte introdutória do relatório de outra publicação institucional do INEP, também do ano de 2010, intitulada “Melhores práticas em escolas de ensino médio no Brasil” (BRASIL, 2010b), que contou com o apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Com objetivo de identificar ações e estratégias associadas ao elevado desempenho escolar observado no IDEB em 35 escolas de ensino médio localizadas em diferentes estados brasileiros, o estudo apoiado pelo BID apontou as seguintes boas práticas escolares:
ações com foco na aprendizagem;
altas expectativas quanto ao desempenho e à aprendizagem dos alunos;
elevado senso de responsabilidade profissional dos docentes em relação ao sucesso dos alunos;
trabalho em equipe;
parcerias com instituições externas;
preservação e otimização do tempo escolar, como garantia de cumprimento dos conteúdos curriculares;
normas de convivência claras, aceitas e incorporadas à dinâmica da escola;
clima escolar harmonioso - a escola como um lugar agradável para ensinar e aprender;
autonomia e criatividade por parte da equipe escolar.
Utilizando o conceito de efeito-escola para o ensino médio, o estudo destacou que, nas escolas eficazes, as boas práticas foram fundamentais para que as metas do IDEB fossem alcançadas e até mesmo superadas, motivo pelo qual deveriam ser disseminadas para que possam ser “desenvolvidas em outras unidades, de modo que venham a constituir modelos já testados de boas práticas pedagógicas” (BRASIL, 2010b, p. 106).
Discussão dos resultados da análise comparativa das publicações
Para iniciar a discussão dos resultados da análise comparativa, convém esclarecer que conceitualmente consideramos como boas práticas escolares “as ações de intervenção que contribuam direta ou indiretamente para que as escolas atinjam seus objetivos educacionais, auxiliando na melhoria do desempenho escolar” (MARTINS; CALDERÓN, 2016, p. 134). Dessa forma, os quadros seguintes (Quadros 2, 3 e 4) apresentam concretamente as principais boas práticas escolares apontadas nas publicações institucionais do governo brasileiro, organizadas de acordo com as dimensões do cenário escolar identificadas nos estudos analisados - clima escolar, gestão escolar e práticas pedagógicas. Construímos ainda um último quadro (Quadro 5) e fizemos uma análise descritiva das boas práticas nele listadas, pois não encontramos literatura científica que sustentasse a categorização das boas práticas nas redes de ensino.
É importante destacar ainda que coube aos autores a sistematização de determinados grupos de boas práticas análogas em uma única boa prática, nos casos em que, mesmo com pequenas variações de nomenclatura, a análise descritiva das práticas mostrou tratar-se de uma mesma ação ou processo, como por exemplo, a boa prática compromisso com o ensino e a aprendizagem dos alunos, que também foi designada como comprometimento com o processo de ensino/aprendizagem, ou ainda, como comprometimento dos professores em ensinar seus alunos.
1 | Clima escolar harmonioso - a escola como um lugar agradável para ensinar e aprender |
2 | Normas de convivência claras, aceitas e incorporadas à dinâmica da escola |
3 | Ambiente favorável à aprendizagem |
4 | Relações interpessoais de mútuo respeito |
5 | Melhoria do clima organizacional das escolas |
6 | Clima escolar favorável ao diálogo entre os partícipes do processo educativo |
Fonte: Construído pelos autores.
As boas práticas na dimensão clima escolar (Quadro 2) foram mencionadas em quatro publicações (BRASIL, 2007a; BRASIL, 2007b; BRASIL, 2010b; BRASIL, 2010c). À primeira vista, considerando-se a quantidade de boas práticas listadas nas outras dimensões (práticas pedagógicas e gestão escolar) pode até parecer que as boas práticas relacionadas com o clima escolar não tenham sido consideradas relevantes para o sucesso das escolas. Mas não foi isso que a análise comparativa nos revelou. Muito pelo contrário, observou-se, por exemplo, uma clara tendência em relacionar a existência de um clima escolar harmonioso e relações interpessoais de respeito como um fator de alta relevância “no bom desempenho dos alunos na Prova Brasil” (BRASIL, 2007a, p. 95). Constatou-se ainda que regras de convivência claras, normas, rotinas e procedimentos internos nas unidades escolares, além de contribuírem para um ambiente favorável ao ensino de qualidade, sinalizam seriedade e valorização do trabalho desenvolvido pela escola (BRASIL, 2007a; BRASIL, 2010b).
Outra tendência constatada foi a de se relacionar o clima organizacional estabelecido entre o comando das redes de ensino e as unidades escolares (as relações entre os profissionais das secretarias municipais de educação e os das escolas) com a melhoria dos resultados escolares, na medida em que uma melhor comunicação entre eles favorece o diálogo aberto e a discussão de estratégias de (re)planejamento frente aos resultados de desempenho escolar obtidos (BRASIL, 2007b; BRASIL, 2010c).
1 | Trabalho em equipe |
2 | Formação continuada dos professores, funcionários e gestores |
3 | Reorganização institucional para otimização de recursos |
4 | Engajamento com a sociedade civil e a comunidade em prol da melhoria da educação |
5 | Gestão escolar democrática |
6 | Valorização do professor |
7 | Professor de apoio |
8 | Avaliação e planejamento pedagógico orientados para o alcance dos resultados e dos objetivos educacionais propostos |
9 | Trabalho coordenado e compartilhado |
10 | Motivação das equipes escolares para o sucesso dos alunos |
11 | Avaliação institucional |
12 | Ampliação do tempo de permanência do aluno na escola |
13 | Liderança pedagógica do diretor |
14 | Compreensão por parte de todos os envolvidos com o ensino, sobre os objetivos e metas que devem ser cumpridos |
15 | Parcerias com instituições externas |
16 | Oferta de merenda escolar de boa qualidade |
17 | Participação da família nas atividades escolares |
18 | Participação dos alunos nas decisões escolares |
19 | Participação da comunidade escolar em atividades da escola |
20 | Presença constante do coordenador pedagógico |
21 | Utilização das matrizes de referência da Prova Brasil no planejamento pedagógico |
22 | Escola como transformadora da realidade não somente dos alunos, mas de toda a comunidade |
23 | Regularização do fluxo escolar e da distorção idade-série com diminuição da repetência escolar |
24 | Condições de acesso, permanência e sucesso na escola, inclusive para alunos com deficiência |
Fonte: Construído pelos autores.
Uma importante tendência nas publicações analisadas foi a centralidade dos estudos em aspectos relacionados com a dimensão gestão escolar (Quadro 3). Tal afirmação se sustenta no fato de que em 8 publicações (de um total de 10), a identificação de boas práticas possui como principal estratégia a análise de ações e processos diretamente relacionados com a gestão escolar (BRASIL, 2005; BRASIL, 2007a; BRASIL, 2007b; PARANDEKAR; RIBEIRO DE OLIVEIRA; AMORIM, 2008; BRASIL, 2010a; BRASIL, 2010c; BRASIL, 2012; BRASIL, 2015).
Outro achado da pesquisa foi o fato de que, apesar de ser uma questão controversa no campo da pesquisa em educação e uma fonte permanente de tensões epistêmicas no contexto brasileiro (CALDERÓN, 2017), a definição de metas claras, concretas e tangíveis de aprendizagem, geralmente vinculadas com a melhoria dos indicadores de desempenho escolar, foi uma constante nas estratégias de gestão mencionadas nas publicações ora analisadas (BRASIL, 2005; BRASIL, 2007a; BRASIL, 2007b; BRASIL, 2008; PARANDEKAR; RIBEIRO DE OLIVEIRA; AMORIM, 2008; BRASIL, 2010a; BRASIL, 2010b; BRASIL, 2010c; BRASIL, 2012; BRASIL, 2015). Nessa ótica, o planejamento nas escolas com elevado desempenho escolar, em geral, sempre esteve articulado com as metas de aprendizagem e desempenho escolar. A Figura 1 ilustra bem esse panorama:
Como sugere a Figura 1, para a tomada de decisões nas escolas de sucesso de Sobral/CE, se planeja estabelecendo metas e prioridades que consideram como referência de validação os resultados das avaliações e o monitoramento da aprendizagem na escola (BRASIL, 2005). De tal forma, podemos inferir que a centralidade no estabelecimento de metas de desempenho claras, concretas e tangíveis para as escolas e redes de ensino de sucesso mostrou-se uma tendência nos estudos sobre boas práticas escolares do governo brasileiro.
Em relação às boas práticas de gestão escolar, podemos destacar a relevância atribuída à formação continuada, seja dos professores, seja dos funcionários ou mesmo dos gestores escolares. Há uma tendência de vinculação entre a formação continuada realizada nas escolas de sucesso e o alcance de elevados indicadores de desempenho escolar (BRASIL, 2007a; BRASIL, 2007b; BRASIL, 2008; PARANDEKAR; RIBEIRO DE OLIVEIRA; AMORIM, 2008; BRASIL, 2010a; BRASIL, 2010c; BRASIL, 2012; BRASIL, 2015). A liderança pedagógica do diretor e a presença constante do coordenador pedagógico foram consideradas fundamentais para a motivação das equipes escolares, criando altas expectativas quanto à aprendizagem dos alunos, pois, em geral, a formação dos professores realizada em serviço esteve pautada justamente na melhoria dos resultados do desempenho escolar (BRASIL, 2010a; BRASIL, 2010b; PARANDEKAR; RIBEIRO DE OLIVEIRA; AMORIM, 2008).
Ainda sobre a questão da formação continuada, amplamente mencionada nas publicações, podemos complementar nossa análise mencionando que, em geral, ela esteve relacionada com outra boa prática: as parcerias com instituições externas. Essa relação se concretizou na medida em que os gestores escolares buscaram o apoio de instituições de educação superior para fomentar atividades de formação continuada para professores e os próprios gestores (BRASIL, 2005; BRASIL, 2007a; BRASIL, 2008; BRASIL, 2010a; BRASIL, 2010b; PARANDEKAR; RIBEIRO DE OLIVEIRA; AMORIM, 2008; BRASIL, 2012). Mas as parcerias externas não se limitaram ao apoio das ações de formação continuada. A análise comparativa revelou que foram firmadas parcerias com empresas, outras escolas, fundações, organizações não governamentais, sindicatos e associações.
Dentre as ações promovidas pelas escolas e redes de ensino que se destacaram pelo elevado desempenho escolar e que tiveram o apoio de parcerias externas, podemos citar palestras, mini cursos, eventos e reuniões com os pais, promoção de visitas pedagógicas a empresas, angariamento de recursos, oferta de cursos técnicos e profissionalizantes para alunos, dentre muitas outras ações regionalmente pontuais (BRASIL, 2007b; BRASIL, 2008; BRASIL, 2010a; BRASIL, 2010b; BRASIL, 2015; PARANDEKAR; RIBEIRO DE OLIVEIRA; AMORIM, 2008).
O trabalho em equipe, em geral entendido para muito além da simples existência de uma equipe de profissionais que trabalham juntos, mas sim como um trabalho que de fato é coletivo, compartilhado e coordenado, mostrou-se como uma boa prática relevante, que esteve diretamente relacionada com a capacidade de liderança do diretor em conseguir motivar as equipes escolares, a fim de que fosse estabelecido nas escolas um trabalho compromissado, com objetivos e metas compartilhadas (BRASIL, 2007a; BRASIL, 2010b), ou ainda, para envolver a família e a comunidade nas atividades escolares (BRASIL, 2005; BRASIL, 2010a; BRASIL, 2015).
1 | Estratégias de ensino e atividades pedagógicas diversificadas |
2 | Ações focadas na alfabetização |
3 | Compromisso com o ensino e a aprendizagem dos alunos |
4 | Realização de viagens pedagógicas |
5 | Atividades pedagógicas complementares ao currículo proposto |
6 | Ensino em tempo integral |
7 | Participação em avaliações externas, inclusive as administradas pelas redes de ensino |
8 | Trabalhar com projetos de ensino |
9 | Utilização de tecnologias da informação na organização do currículo da escola |
10 | Jogos e atividades esportivas |
11 | Inovações na sala de aula |
12 | Ensino contextualizado |
13 | Atividades pedagógicas externas à escola com os alunos |
14 | Avaliação e recuperação da aprendizagem |
15 | Compromisso com as metas de aprendizagem |
16 | Ações com foco na aprendizagem |
17 | Incentivo e valorização das atividades de leitura |
18 | Atenção individual ao aluno com dificuldade de aprendizagem |
19 | Atenção à educação inclusiva |
20 | Planejamento pedagógico |
21 | Avaliação da aprendizagem orientada por metas e objetivos propostos |
22 | Altas expectativas quanto ao desempenho e a aprendizagem dos alunos |
23 | Elevado senso de responsabilidade profissional dos docentes em relação ao sucesso dos alunos |
24 | Preservação e otimização do tempo escolar, como garantia de cumprimento dos conteúdos curriculares |
25 | Autonomia e criatividade por parte da equipe escolar |
Fonte: Construído pelos autores.
Apesar de ser evidente, consideramos relevante mencionar que determinadas boas práticas na dimensão práticas escolares (Quadro 4) foram identificadas em mais de uma escola ou rede de ensino, sendo o caso, por exemplo, da boa prática compromisso com o ensino e a aprendizagem dos alunos. Esta boa prática se traduz em ações que garantam o cumprimento do currículo proposto, da carga horária diária e dos dias letivos, sendo que o período em que os alunos estão na escola é aproveitado ao máximo com atividades de ensino, sem desperdício de tempo com tarefas descontextualizadas ou alheias ao currículo escolar (MARTINS; CALDERÓN, 2016). Nas escolas de sucesso, em geral, essa boa prática se faz presente, acompanhada de ações com foco na aprendizagem, seja no âmbito das práticas pedagógicas ou da gestão escolar (BRASIL, 2007; BRASIL, 2007a; BRASIL, 2008; BRASIL, 2010a; BRASIL, 2010c; BRASIL, 2012; BRASIL, 2015).
Mostrou-se como uma tendência nos estudos a ideia de que o sucesso das escolas ou das redes de ensino não possa ser creditado a uma ou duas boas práticas isoladamente, mas sim a um conjunto de boas práticas e a interrelação delas nas escolas ou redes de ensino (BRASIL, 2007a; BRASIL, 2008; BRASIL, 2010a; PARANDEKAR; RIBEIRO DE OLIVEIRA; AMORIM, 2008). Por exemplo, ainda referente ao compromisso com o ensino e a aprendizagem, tal boa prática esteve vinculada: às altas expectativas quanto ao desempenho e a aprendizagem dos alunos, a preservação e otimização do tempo escolar, como garantia de cumprimento dos conteúdos curriculares e o elevado senso de responsabilidade profissional dos docentes em relação ao sucesso dos alunos.
No que se refere ao planejamento pedagógico das práticas de ensino, observou-se a mesma tendência do que foi percebido com a gestão escolar, isto é, uma intrínseca relação com o estabelecimento de metas (ou a observância das metas estabelecidas pelo governo). Um exemplo é a definição de planejamento pedagógico como sendo “responsável por traçar as metas da escola e as ações para alcançá-las” (BRASIL, 2008, p. 28). Como outro exemplo, podemos citar:
Como na publicação Redes de Aprendizagem - Boas Práticas de Municípios Que Garantem o Direito de Aprender (2008 - UNICEF/Undime/MEC), em que a avaliação foi identificada como “uma ferramenta efetiva de estabelecimento e cumprimento de metas”, nesta análise os municípios também reconhecem essa necessidade. Para isso, articulam o sistema de avaliação, o monitoramento das ações e o planejamento pedagógico, de forma a focar diretamente nas necessidades dos alunos (BRASIL, 2010a, p. 54).
Ou seja, a tendência é tão nítida que, no relatório de um dos estudos inferem-se resultados de estudos anteriores para fundamentar que a análise das boas práticas, em ambos os casos, revelou que o planejamento pedagógico está articulado com o estabelecimento e o cumprimento de metas, sejam as estabelecidas pelas próprias escolas ou redes de ensino, sejam as estabelecidas pelo governo. Essa prática está articulada inclusive com a avaliação da aprendizagem realizada pelo professor, a qual, muitas vezes, é planejada com a utilização das matrizes de referência das avaliações externas (BRASIL, 2010a; BRASIL, 2010). A respeito desse assunto, como foi destacado na literatura, em determinadas escolas eficazes, as “avaliações que simulam as provas oficiais são encaradas como estratégias de aprendizagem” e não como “mero treinamento dos alunos para os testes das avaliações externas” (MARTINS; CALDERÓN, 2016, p. 141).
Outra tendência observada nos estudos diz respeito à valorização de um conjunto de boas práticas por vezes articuladas entre si nas escolas: trabalhar com projetos de ensino, ensino contextualizado, estratégias de ensino e atividades pedagógicas diversificadas e externas às escolas. Como bem mostrou a análise que fizemos, os projetos de ensino, além de focar nas atividades de leitura e escrita, foram uma das principais estratégias para a diversificação das práticas pedagógicas e a oferta de atividades complementares e externas às escolas (BRASIL, 2008; BRASIL, 2010a; BRASIL, 2010b).
A análise das publicações trouxe à luz uma gama de boas práticas nas redes de ensino (Quadro 5) que, apesar de inseridas no contexto educacional e articuladas com as escolas, são protagonizadas por atores externos, geralmente coordenadas por um dirigente municipal de educação e executadas por funcionários e técnicos das secretarias municipais. Vale ressalvar que determinadas ações que foram executadas por funcionários de outras secretarias ou departamentos (como por exemplo, o pagamento dos salários em dia, que era de responsabilidade da secretaria da fazenda ou de finanças) também foram consideradas como boas práticas, que contribuem com o elevado desempenho escolar na rede de ensino, na medida em que motivavam as equipes escolares (BRASIL, 2010a).
1 | Valorização dos professores e profissionais escolares |
2 | Liderança pedagógica do dirigente municipal |
3 | Diagnóstico e estratégias de gestão no âmbito da secretaria municipal de educação |
4 | Gestão democrática do dirigente municipal de educação |
5 | Consciência e práticas escolares de rede |
6 | Cooperação e parceria com instituições externas |
7 | Manutenção de sistema próprio de monitoramento da qualidade do ensino |
8 | Avaliação externa da aprendizagem |
9 | Análise e compreensão dos resultados das avaliações externas |
10 | Incentivos salariais e investimento na formação de professores alfabetizadores |
11 | Supervisão das condições gerais de funcionamento das escolas |
12 | Premiação das escolas que alcançam as metas de desempenho escolar |
13 | Fortalecimento da autonomia da escola |
14 | Gestão participativa no contexto da rede municipal de ensino |
15 | Ampliação do número de vagas nas escolas municipais |
16 | Eleição dos diretores das escolas da rede municipal |
17 | Utilização de critérios meritocráticos para designação de diretores |
18 | Ações voltadas para a garantia do direito de aprender de cada criança da rede municipal |
19 | Monitoramento constante dos resultados da aprendizagem |
20 | Investimento na educação infantil |
21 | Visão integrada da educação, desde as creches até a educação superior |
22 | Construção democrática dos planos municipais de educação |
23 | Metas e objetivos concretos para as escolas municipais |
24 | Melhoria da infraestrutura das escolas |
25 | Investimento na formação inicial do professor |
26 | Consciência de trabalho coletivo em rede, propiciando ambiente de trabalho agradável nas secretarias de educação |
27 | Plano de cargos e carreiras |
28 | Comprometimento dos dirigentes municipais de ensino com a melhoria da qualidade da educação |
29 | Ações formativas para os funcionários das escolas |
30 | Pagamento dos salários em dia |
31 | Gestão eficaz e bom relacionamento do dirigente municipal e demais atores envolvidos no processo de aprendizagem |
32 | Valorização dos profissionais da educação |
33 | Implantação de currículo comum nas escolas da rede municipal |
34 | Capacitação da equipe técnica |
Fonte: Construído pelos autores.
Nos limites deste artigo, consideramos ser algo prematuro classificar ou categorizar as boas práticas nas redes de ensino. A literatura, ainda incipiente sobre as boas práticas escolares, tem como foco as ações e os processos desenvolvidos nas escolas, no âmbito das práticas pedagógicas, da gestão escolar e do clima escolar (MARTINS, 2015). Mas o fato de ainda não haver literatura científica que nos permita inferir categorias, não impede que façamos uma descrição, ainda que não exaustiva, das principais boas práticas das redes de ensino apontadas pelo governo brasileiro, considerando-se similaridades e convergências.
O primeiro aspecto que chama a atenção na lista das boas práticas nas redes de ensino é a valorização da liderança do dirigente municipal de ensino. Nas redes de ensino em que o dirigente municipal consegue uma boa articulação entre a secretaria municipal de educação e as escolas sob sua jurisdição por meio de uma gestão democrática e colaborativa, observou-se uma melhoria no trabalho de equipe e na troca de experiência e informações entre escolas, proporcionando melhores oportunidades de aprendizagem para os alunos (BRASIL, 2008). Outro aspecto relacionado ao comando das secretarias municipais de educação diz respeito à importância que o dirigente municipal atribui às questões pedagógicas. Nas redes de ensino em que os dirigentes municipais mantêm o foco na aprendizagem e uma atuação mais efetiva junto aos professores, também foi observado um maior avanço nos resultados do IDEB (BRASIL, 2010a).
A valorização dos profissionais da educação por parte da administração central foi outro aspecto que contribuiu para que as redes de ensino conseguissem avançar no IDEB (BRASIL, 2010a). Essa valorização se planificou em planos de cargos e carreiras, incentivos salariais e investimento na formação de professores alfabetizadores, premiação das escolas que conseguiram alcançar as metas estabelecidas, capacitação da equipe técnica das próprias secretarias municipais e dos funcionários das escolas (BRASIL, 2005; BRASIL, 2008; BRASIL, 2012; PARANDEKAR; RIBEIRO DE OLIVEIRA; AMORIM, 2008). A formação inicial de professores também foi considerada uma forma de valorização profissional, na medida em que as secretarias municipais de educação apoiavam tais medidas, oferecendo transporte para outros municípios e firmando parcerias com instituições de educação superior, para que os professores pudessem matricular-se em cursos de licenciatura (BRASIL, 2007a; BRASIL, 2008).
No que se refere às ações voltadas para a infraestrutura das escolas, a análise das publicações evidenciou que as secretarias municipais de educação, nas redes de ensino de sucesso, buscam ampliar o número de vagas de suas escolas, investem na educação infantil e constantemente executam ações de melhoria na infraestrutura das escolas, tanto para a ampliação dos prédios escolares quanto para a aquisição de equipamentos para as secretarias municipais e para as escolas (BRASIL, 2015; PARANDEKAR; RIBEIRO DE OLIVEIRA; AMORIM, 2008).
Foram reduzidos os casos de redes municipais de ensino com sistemas próprios de avaliação em larga escala. Então, na maioria das redes municipais de ensino, a definição das metas e dos objetivos para as escolas esteve pautada nos resultados do IDEB, sendo que o monitoramento constante dos resultados do desempenho escolar por parte das secretarias municipais de educação, em especial por meio da análise dos resultados das avaliações externas, foi considerado como sendo uma boa prática das redes de ensino, caracterizada como um importante instrumento para que as redes de ensino cumpram a função do Estado, de garantir o direito de aprender de cada criança, com o padrão mínimo de qualidade determinado pelo governo brasileiro (BRASIL, 2005; BRASIL, 2010a).
Considerações finais
O protagonismo das agências multilaterais influenciou a forma como os estudos do governo brasileiro analisam as boas práticas escolares. No caso da UNESCO, além de foco nas questões de gestão educacional, relaciona-se as boas práticas escolares com o conceito de inovação, incorporando-se para o contexto educacional expressões como inovações educativas ou experiências inovadoras. Ao UNICEF pode-se relacionar a vinculação entre eficácia escolar e boas práticas, na medida em que os estudos por ele apoiados geralmente se concentraram em analisar as ações e processos de escolas ou redes de ensino com elevado desempenho escolar, mesmo diante de condições adversas.
A relação umbilical entre eficácia escolar e boas práticas mostrou-se, pois, como um dos denominadores comuns nos estudos analisados, na medida em que as ações desenvolvidas nas unidades escolares e redes de ensino de sucesso, que contribuíram para o alcance ou a superação das metas e objetivos institucionais, mesmo diante de condições contextuais desfavoráveis (como por exemplo, a situação de carência financeira das escolas localizadas em Sobral), foram conceituadas justamente como sendo boas práticas escolares.
Outro grande ponto de convergência nos estudos analisados foi a tendência de incentivo ao desenvolvimento, estudo, premiação e disseminação das boas práticas escolares, como sendo estratégias que podem colaborar diretamente com a tarefa das escolas e redes de ensino de garantir o direito de aprender, com padrão de qualidade. Essa tendência sugere que a orientação subscrita na Conferência Mundial sobre Educação para Todos a respeito da necessidade de criação de programas que visem “assegurar o reconhecimento e a difusão de boas práticas, fora dos hábitos correntes em educação” (UNESCO, 1998, p. 239), que foi promulgada ao mundo por meio do relatório “Educação um Tesouro a Descobrir” continua influenciando a gestão educacional de muitas escolas e redes de ensino. Nessa ótica, a partir das orientações sobre boas práticas referenciadas pela UNESCO na Conferência Mundial realizada em Jomtien, as ações e os processos das escolas eficazes que conseguem garantir o direito de aprender de seus alunos, passaram a ser estudados, disseminados e premiados, a fim de induzir a melhoria no desempenho escolar de outras escolas e redes de ensino.
No presente artigo verificamos que no contexto do governo brasileiro, cujos estudos sobre boas práticas, em geral, foram apoiados por agências multilaterais, há uma nítida tendência de se analisar boas práticas de gestão escolar, com destaque para a liderança pedagógica do diretor em coordenar a formação continuada dos professores e articular a participação das famílias nas atividades da escola. Também verificamos que práticas pedagógicas focadas na aprendizagem dos alunos são fundamentais para que as escolas consigam melhorar o desempenho de seus alunos, sendo que o compromisso com o ensino e a aprendizagem é uma boa prática extremamente relevante para o alcance das metas e dos objetivos estabelecidos. O clima escolar, apesar de não ter sido amplamente mencionado nos estudos analisados, também figurou como uma boa prática essencial para a melhoria da aprendizagem, na medida em que serve de base para o desenvolvimento eficaz das ações de gestão escolar e das práticas pedagógicas.
Por fim, convém lembrar que os estudos sobre boas práticas escolares, assim como aqueles sobre eficácia escolar devem sempre ter em conta as peculiaridades de cada escola e rede de ensino, pois toda unidade escolar possui uma realidade contextual própria, que deve ser considerada ao se analisar o que influencia na aprendizagem de seus alunos e, consequentemente, no do desempenho escolar. Nessa ótica, toda boa prática pode ser boa para determinada escola, mas não o ser para outra.
Concretamente, queremos esclarecer que apontar boas práticas não é e nunca será o mesmo que subscrever uma receita que, ao ser simplesmente copiada, produzirá os efeitos desejados. Entretanto, determinados processos e ações, quando adaptados a novos contextos a fim de promover mudanças nas escolas, com vistas à melhoria da aprendizagem podem contribuir com a melhoria do desempenho escolar. E é justamente na procura por ações e processos que possam contribuir com a melhoria do desempenho escolar e, consequentemente, com a melhoria da qualidade da educação básica, que se fundam os pilares dos estudos sobre as boas práticas escolares.