Introdução
[...] soluções existem, proposições inéditas surgem nos quatro cantos do planeta, com frequência em pequena escala, mas sempre com o objetivo de iniciar um verdadeiro movimento de transformação da sociedade” (MORIN, 2015, p. 5).
O ano de 2020 tornou-se um marco na história planetária. Isso ocorre, primeiro, pela crise sanitária provocada por um vírus, que demonstrou o quanto um ser minúsculo é capaz de projetar-se globalmente e afetar, em pouco tempo, tanto a saúde da população mundial como a economia, além de outras dimensões que constituem a sociedade atual. Segundo, porque, diante de tais acontecimentos, desafios foram lançados para os diferentes países em diferentes continentes, como a necessidade de mudanças abruptas no campo educacional.
Nesse cenário, confirma-se a necessidade de atuação com base em paradigmas comprometidos tanto com o contexto local quanto com o global. Isso não apenas significa ampliar a inserção tecnológica nas escolas, mas também pautar as práticas pedagógicas por princípios que valorizem o compromisso com o bem viver, conforme discutido por Morin (2015), em âmbito individual, social ou ambiental.
Comprometida com essa perspectiva mesmo antes do início da pandemia, a proposta das Escolas Criativas, impulsionada por Torre e Zwierewicz (2009a), vem configurando-se como uma das possíveis vias para a metamorfose paradigmática necessária. Essa proposta tem como base conceitual a tríade “complexidade-transdisciplinaridade-ecoformação” e utiliza os Projetos Criativos Ecoformadores (PCE) como uma das opções metodológicas, iniciativa criada por Torre e Zwierewicz (2009a) que vem sendo utilizada em atividades de ensino, pesquisa e extensão especialmente em municípios do Paraná e de Santa Catarina. Seus resultados - que podem ser acessados nas publicações de Almeida (2018), Horn (2021), Zielinski (2019), Zwierewicz et al. (2020) - têm comprovado mudanças significativas na formação docente, no planejamento, na prática pedagógica e nos próprios espaços escolares.
Assim, considerando a relevância de iniciativas que se pautam na proposta das Escolas Criativas, este artigo tem como objetivo discutir a tríade conceitual complexidade-transdisciplinaridade-ecoformação, que constitui seus princípios pedagógicos, a partir da análise de estudos correlatos. Trata-se de um estudo bibliográfico, apoiado pela abordagem qualitativa, e que envolve a análise de um dossiê publicado em 2020 na Revista Polyphonía, um dos periódicos da Universidade Federal de Goiás (UFG).
Na seleção dos artigos publicados no dossiê, decidiu-se pela análise daqueles que expressavam em seu título o conceito de “complexidade” ou outro elemento que indicasse alguma aproximação com essa epistemologia. Na análise, realizou-se, inicialmente, a identificação de proximidades entre os objetivos dos artigos, seguida da discussão proposta em torno da tríade conceitual complexidade-transdisciplinaridade-ecoformação.
Escolas Criativas: uma via para a metamorfose paradigmática
As demandas vivenciadas global e localmente nestes dois últimos anos reforçaram a relevância de a educação pautar suas práticas em princípios pedagógicos compatíveis com as emergências do momento, atentas às incertezas em relação ao futuro. Por isso, mesmo que se observe a redução dos níveis de contágio da Covid-19 no segundo semestre de 2021, essa experiência acelerou mudanças ao mesmo tempo em que trouxe reflexões sobre as emergências que rondam a humanidade neste momento da história.
Para Harari (2020), é preciso tomar uma decisão sobre o caminho que se quer seguir, pois, se a opção for a desunião, além da permanência da crise, ela causará catástrofes futuras ainda mais volumosas. Em contrapartida, na perspectiva do mesmo autor, a escolha pela solidariedade global será tanto uma vitória sobre a pandemia atual como sobre as pandemias e crises futuras.
Especificamente em relação à educação, Tonucci (2020, s. p.) afirma que, “Se tudo mudou, a escola não pode continuar como antes [...]”. Contudo, para ele, a escola ainda “[...] quer demonstrar que pode continuar como antes e continua sendo uma instituição de classes e deveres, onde a única coisa que mudou foi o meio: em vez de ficar cara a cara, isso é feito virtualmente [...]”.
No entanto, essa necessidade de mudanças não surgiu apenas agora, pois indicações para tal foram evidenciadas ainda no século XX. Morin e Kern (2011), por exemplo, publicaram em 1993 a primeira edição do livro Terra-Pátria, indicando a relevância de uma reforma do pensamento, cujas questões nodais se dimensionam pela capacidade de concepção das situações em seu contexto e, assim, de definição do destino da comunidade terrestre.
Passados mais de vinte anos, Morin (2015, p. 16) reforça essa necessidade ao publicar a obra Ensinar a viver: manifesto para mudar a educação. Nela, o autor afirma que, apesar de tantos conhecimentos trabalhados nas escolas, falta, cada vez mais, “[...] a possibilidade de enfrentar problemas que são fundamentais e globais do indivíduo, do cidadão, do ser humano […]”, justamente porque “A escola e a universidade ensinam os conhecimentos, mas não a natureza do conhecimento [...]”.
Além de Morin, outros autores reiteram a emergência de mudanças da escola. Entre eles, Nóvoa (2019) defende uma metamorfose dessa instituição mobilizada por uma formação docente tecida colaborativamente, enquanto González-Velasco (2017) e Moraes (2018) defendem uma mudança paradigmática.
Com essa perspectiva nasceram as Escolas Criativas. Idealizadas por Torre (2009), e que segundo o autor (2013, p. 153), constituem-se em:
[...] instituições que vão mais adiante do lugar do qual partem (transcendem), que dão mais do que têm e ultrapassam o que delas se espera (recriam), que reconhecem o melhor de seus estudantes e professores (valorizam), que crescem por dentro e por fora, buscando em tudo a qualidade e a melhora (transformam).
As primeiras ideias relacionadas às Escolas Criativas discutidas por Torre ocorreram no seu próprio país de origem, ou seja, a Espanha, enquanto coordenava o Grupo de Pesquisa e Assessoramento Didático (GIAD) da Universidade de Barcelona (UB). Contudo, depois de algumas tentativas frustradas, entre elas a apresentação do Projeto de Escolas Criativas na convocatória da Generalitat de Catalunya de 2008, que objetivava fomentar projetos inovadores (TORRE, 2013), foi em contexto brasileiro que essas ideias se concretizaram.
A primeira iniciativa ocorreu em 2008 e envolveu encontros de formação docente vinculados à Escola Barriga Verde (atual Colégio Unibave), com o apoio do Centro Universitário Barriga Verde (UNIBAVE) de Orleans, Santa Catarina. Uma segunda iniciativa envolveu docentes das Redes Municipal e Estadual de Ensino de Gravatal, também em Santa Catarina, no ano de 2009, a qual resultou na primeira experiência divulgada internacionalmente (TORRE, 2013). Além disso, a proposta das Escolas Criativas, seus princípios pedagógicos e uma metodologia comprometida com sua dinamização - a metodologia dos Projetos Criativos Ecoformadores (PCE) - constituíram o foco do primeiro livro publicado sobre Escolas Criativas, Uma escola para o século XXI: Escolas Criativas e resiliência na educação, organizado por Zwierewicz e Torre (2009a).
A partir dessas experiências, tornou-se possível um movimento que resultou, no ano de 2012, na criação da Rede Internacional de Escolas Criativas (RIEC). Ela foi lançada durante o IV Forum Internacional sobre Innovación y Creatividad: adversidade y escuelas creativas, realizado na Universidade de Barcelona, em junho de 2012.
Gradativamente, os núcleos vinculados à RIEC em diferentes países têm potencializado tanto a viabilização de iniciativas práticas articuladas às Escolas Criativas, como aprofundado as discussões acerca dos princípios que a sustentam, especialmente no que tange à tríade conceitual “complexidde-transdisciplinaridade-ecoformação”. Como exemplos, apresentam-se resultados de uma das pesquisas desenvolvidas no Mestrado Profissional em Educação Básica (PPGEB) da Universidade Alto Vale do Rio do Peixe (UNIARP), com o apoio do Núcleo RIEC-UNIARP.
Trata-se da pesquisa de Almeida (2018), cujo objeto de estudo foi o Programa de Formação-Ação em Escolas Criativas desenvolvido junto a docentes de uma escola do campo. Os resultados desse estudo indicaram o fortalecimento da articulação teórico-prática na prática pedagógica dos docentes que participaram da formação, com atividades que aproximaram os conteúdos curriculares a demandas da realidade local/global, bem como oportunidades de diálogos contextualizados e fundamentados teoricamente entre os docentes, estimulando a ampliação da visão sobre os processos de ensino e de aprendizagem, bem como possibilidades de potencializar a criatividade de docentes e estudantes, seu protagonismo e a ampliação do trabalho colaborativo. Destaca-se que essa pesquisa recebeu o selo de menção honrosa “Jornada de Educação Alimentar e Nutricional” do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e o prêmio “Destaque EPAGRI em Educação Socioambiental Márcia Mortari”.
Os resultados desse trabalho demonstram as possibilidades que a formação docente pautada na complexidade-transdisciplinaridade-ecoformação pode oferecer para práticas pedagógicas contextualizadas e globalmente comprometidas. Ademais, a pesquisa e seus resultados têm servido de referência para outras iniciativas, entre elas a pesquisa-ação de Horn (2021), que desenvolveu uma formação com trinta docentes da Rede Municipal de Ensino de União da Vitória, Paraná, e a proposta formativa de Zanol (2021), para docentes dos anos finais do Ensino Fundamental de uma escola vinculada à Rede Estadual de Ensino do Paraná. Ambas fazem parte de pesquisas do PPGEB/UNIARP.
Complexidade, transdisciplinaridade e ecoformação
Diante do desafio epistemológico ao qual nos incita a problemática socioambiental, a produção teórica de Morin possibilita-nos ampliar a compreensão da necessidade de uma mudança paradigmática. Por isso, propõe-se a ecoformação, articulada à complexidade e à transdisciplinaridade, como caminho para a construção de um saber que ressignifique as concepções que embasam a relação do ser humano com o planeta.
Em relação à complexidade, as obras de Morin (2011, p. 17)1 têm como premissa a sua presença nas ambivalências da natureza humana e da vida, “[...] cuja aventura prossegue, se desdobra, se exaspera na era planetária em que vivemos”. Especificamente em Terra-Pátria, Morin e Kern (2011) desenvolvem uma reflexão alicerçada na visão da complexidade sobre os desdobramentos e impactos da Era Planetária para a vida humana, alertando quanto à imbricação dos problemas socioeconômicos e ambientais e sobre os impactos da não compreensão dessa interdependência para as nações e civilizações.
Nestes dois anos de 2020 e 2021, além da pandemia, são muitas as situações nas quais esse cenário se evidencia, podendo-se citar, também, as consequências das mudanças climáticas, tais como enchentes, tempestades, furacões e secas. O enfrentamento dessas problemáticas tem se manifestado no cotidiano, demonstrando a fragilidade do ser humano no que diz respeito à compreensão do impacto das ações individuais e coletivas na sustentabilidade do planeta.
Nesse contexto, tem-se como premissa que a tomada de consciência da crise planetária encontra na educação um meio eficaz para o preparo das novas gerações, contribuindo para que possam se projetar e intervir no presente/futuro de forma mais justa, solidária e fraterna. Desse modo, de acordo com a complexidade de Morin, as relações humanas e o conhecimento na era planetária demandam uma proposta educacional que possibilite articular, religar o conhecimento, tornando-o pertinente e, portanto, contextualizado e globalmente conectado. Isso requer um processo pedagógico voltado para a construção de um conhecimento transdisciplinar como caminho para a reflexão sobre as questões socioambientais.
A transdisciplinaridade (NICOLESCU, 2018), nutrida pela visão complexa da realidade e do conhecimento, constitui-se como um importante caminho para a organização de metodologias que acolham a valorização e conexão entre o conhecimento científico e elementos que contribuam na busca de possíveis respostas aos desafios éticos, políticos, socioculturais tão urgentes e necessários. Em contrapartida, segundo Morin (2003, p. 38):
A hiperespecialização impede que se veja o global (que ela fragmenta em parcelas), assim como o essencial (que ela dissolve). Ora, os problemas essenciais nunca são parciais e os problemas globais são cada vez mais essenciais. Além disso, nenhum problema particular pode ser formulado e pensado corretamente fora de seu contexto, e seu próprio contexto deve ser inserido mais e mais no contexto planetário global. Vimos, particularmente no decorrer dos dez últimos anos, que todos os grandes problemas se tornaram planetários: para pensar localmente é preciso também pensar globalmente.
Para tanto, é preciso considerar, no contexto educacional, o potencial da transdisciplinaridade. Isso porque, apesar de a interdisciplinaridade ultrapassar as disciplinas, sua finalidade “[...] permanece inscrita na pesquisa disciplinar” (NICOLESCU, 2018, p. 53, grifos do autor). Mas,
A transdisciplinaridade, como o prefixo “trans” indica, diz respeito àquilo que está ao mesmo tempo entre as disciplinas, através das diferentes disciplinas e além de qualquer disciplina. Seu objetivo é a compreensão do mundo presente para o qual um dos imperativos é a unidade do conhecimento (grifos do autor).
Nicolescu (2018) caracteriza a transdisciplinaridade por três pilares: os níveis da realidade, a lógica do terceiro incluído e a complexidade. Para explicar os níveis da realidade, o autor destaca a relação com a percepção, que diz das possibilidades que cada um possui de ampliar seu repertório e sua consciência, visto que existem diferentes níveis de realidade que são orientados por lógicas diferentes. A lógica do terceiro incluído supera a lógica clássica binária que se estabelece a partir de duas possibilidades, considerando que, para a perspectiva transdisciplinar e para a lógica ternária, pode não haver prevalência de uma única lógica, mas a integração dos saberes. O terceiro pilar, a complexidade das relações entre sujeito e objeto, é um princípio regulador do pensamento e da ação, o qual está presente em tudo, sendo um fator constitutivo da vida (MORAES, 2015).
Nessa perspectiva, a ecoformação, que considera as inter-relações e as multicausalidades, consolida-se como meio para oportunizar uma nova concepção de homem-sociedade-natureza para a relação da humanidade com o mundo, a partir do desenvolvimento de capacidades cognitivas que propiciem a criticidade e o questionamento. Isso se dá porque a “[...] A ecoformação pode ser definida como a formação recebida e construída na origem das relações diretas com o ambiente material: os não-humanos, os elementos, a matéria, as coisas, a paisagem [...]”. Ela “[...] leva em conta as relações de interdependência entre o organismo e o ambiente material que se desenvolvem no coração dos gestos cotidianos [...]” (PINEAU, 2006, p. 1 apudSILVA, 2008, p. 97).
A ecoformação, que tem a complexidade e a transdisciplinaridade como bases epistemológicas e metodológicas, pode, portanto, constituir-se como um caminho para a superação da visão simplista decorrente do pensamento construído a partir de uma racionalidade cartesiana e reducionista que embasa a forma de viver e de se relacionar do ser humano com a espécie, os animais e o Planeta.
Metodologia da pesquisa
Para discutir a tríade conceitual complexidade-transdisciplinaridade-ecoformação a partir da análise de um dossiê da Revista Polyphonía, destacando-se o primeiro conceito, optou-se pela pesquisa bibliográfica.
Em relação à abordagem, a opção pela qualitativa se deve ao seu potencial de responder a questões mais particulares, possibilitando a análise de “[...] um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis” (MINAYO, 2010, p. 23). Nesse sentido, ela se difere da quantitativa “[...] à medida que não emprega um instrumento estatístico como base do processo de análise de um problema. Não pretende numerar ou medir unidades ou categorias homogêneas” (RICHARDSON, 2007, p. 79).
Na seleção dos artigos publicados no dossiê, decidiu-se pela análise daqueles que expressavam em seu título o conceito de “complexidade” ou outro elemento que indicasse aproximação com essa epistemologia. Dessa forma, foram selecionados dez dos 16 artigos publicados (Quadro 1).
Na análise, realizou-se, inicialmente, a identificação de proximidades entre os objetivos dos artigos. Esse procedimento possibilitou situá-los em quatro categorias: i) relação entre autores; ii) as Escolas Criativas e suas especificidades; iii) contribuições da epistemologia da complexidade; iv) e formas de pensar os problemas complexos.
Em uma segunda etapa, foram analisadas as discussões propostas pelos artigos selecionados acerca da tríade conceitual “complexidade-transdisciplinaridade-ecoformação”. Assim, destacou-se a relevância desses conceitos para a metamorfose da educação.
Resultados e discussão
Na análise dos dez artigos publicados no dossiê “Escola, Complexidade e Justiça Social” da Revista Polyphonía, situarem-se, inicialmente, seus objetivos. A iniciativa possibilitou detectar aproximações entre o proposto pelos autores.
Título | Autores/Ano | Objetivo |
---|---|---|
Educação, sustentabilidade e justiça social: uma análise epistemológica do pensamento de Hans Jonas e Edgar Morin | Ferreira, Bonin e Carreño-Saucedo (2020) | Refletir acerca da articulação das ideias de dois pensadores - Hans Jonas e Edgar Morin - que são basilares para uma educação que busca promover a transformação efetiva dos modos de pensar e de agir dos sujeitos-cidadãos. |
Escuelas creativas, justicia social y transdisciplinariedad: revisión sistemática | Violant-Holz, Zwierewicz e Spessatto (2020) | Apresentar um histórico das Escuelas Creativas, elucidando seu compromisso com a educação vinculada ao pensamento complexo e à justiça social, além de realizar uma revisão sistemática para a identificação de iniciativas educativas que valorizam a criatividade e a relacionam à justiça social e à transdisciplinaridade. |
Indissociabilidade entre sustentabilidade e Escolas Criativas e suas implicações para religar o ensino à complexidade da vida | Hülse, Ferrer, Demarchi e Santos (2020) | Analisar a relação entre sustentabilidade e Escolas Criativas. |
Dicotomia, complexidade e educação para a cidadania | Baade, Brandenburg e González- Velasco (2020) | Analisar as consequências desse pensamento binário e em que medida produz a injustiça social, especialmente no contexto educacional, vislumbrando, no paradigma da complexidade, uma alternativa para a construção de uma educação e de uma sociedade mais cidadãs. |
As incertezas como narrativa do imprevisível: o real e o complexo | Pena-Vega e Petraglia (2020) | Refletir sobre quatro diferentes modos de explicar fenômenos complexos: a questão epistêmica, a subjetividade da ameaça, o mal diante da negação e a incerteza como narrativa do imprevisível. |
Habilidades transcomplejas para la justicia social en tiempos de pandemia y post-pandemia SARS-COV-2 | González- Velasco, Zwierewicz e Simão (2020) | Apresentar alternativas para que a educação atue de forma comprometida com a justiça social nas fases de supressão e recuperação da pandemia que ocorrem durante e depois do isolamento social. |
As tecnologias digitais da informação e comunicação como polinizadoras dos Projetos Criativos Ecoformadores na perspectiva da educação ambiental | Silva, Aguiar e Jurado (2020) | Apresentar aproximações entre as escolas criativas e cidadãs, relatando uma experiência envolvendo as tecnologias no desenvolvimento de um projeto de ensino. |
Formação docente sob a perspectiva da complexidade: um olhar sobre impactos nos distúrbios musculoesqueléticos e na qualidade de vida dos professores | Rocha, Souza e Pantoja Vallejo (2020) | Analisar os impactos do programa pautado na perspectiva da complexidade sobre os distúrbios musculoesqueléticos e a qualidade de vida de docentes. |
Potencial polinizador para justiça social dos núcleos RIEC FURB e RIEC ECOFOR | Simão, Silva e Torre (2020) | Relatar as principais atividades que nortearam a atuação dos Núcleos RIEC FURB e RIEC ECOFOR em Santa Catarina. |
Do pensamento clássico ao complexo na busca por justiça social: ensaio teórico | Berg, Vestena e Costa-Lobo (2020) | Buscar a ampliação da consciência relativa ao conviver e ao pensar cidadão diante da crise civilizatória, humanitária, sanitária, educacional e econômica que se vive. |
Fonte: Baade, Brandenburg e González-Velasco (2020), Berg, Vestena e Costa-Lobo (2020), Ferreira, Bonin e Carreño-Saucedo (2020), González-Velasco, Zwierewicz e Simão (2020), Hülse et al. (2020), Pena-Veja e Petraglia (2020), Rocha, Souza e Pantoja Vallejo (2020), Silva, Aguiar e Garrote Jurado (2020), Simão, Silva e Torre (2020), Violant-Holz, Zwierewicz e Spessatto (2020).
Quanto à relação entre ideias de autores, o artigo de Ferreira, Bonin e Carreño-Saucedo (2020) compara o pensamento de Edgar Morin ao de Hans Jones. Assim, os autores procuram demonstrar a contribuição de ambos para a transformação efetiva dos modos de pensar e agir dos “sujeitos-cidadãos”.
Em relação ao histórico das Escolas Criativas e suas especificidades, foram situados quatro artigos: o primeiro elucida o histórico das Escolas Criativas, observando seu compromisso com a educação vinculada ao pensamento complexo e à justiça social, além de identificar iniciativas educativas que valorizam a criatividade (VIOLANT-HOLZ; ZWIEREWICZ; SPESSATTO, 2020); o segundo analisa a relação entre sustentabilidade e Escolas Criativas (HÜLSE et al., 2020); o terceiro apresenta aproximações entre as Escolas Criativas e as Escolas Cidadãs, relatando uma experiência que envolveu as tecnologias no desenvolvimento de um projeto de ensino (SILVA; AGUIAR; JURADO, 2020); o quarto relata atividades de dois núcleos vinculados à Rede Internacional de Escolas Criativas (RIEC) (SIMÃO; SILVA; TORRE, 2020).
Já em relação às contribuições da epistemologia da complexidade, foram situados três artigos: o primeiro procura destacar essa epistemologia (que no texto é tratada como paradigma da complexidade) como uma alternativa para a construção de uma educação e de uma sociedade mais cidadã (BAADE; BRANDENBURG; GONZÁLEZ-VELASCO, 2020); o segundo apresenta alternativas para que a educação atue de forma comprometida com a justiça social durante e depois do isolamento social (GONZÁLEZ-VELASCO; ZWIEREWICZ; SIMÃO, 2020); e o terceiro artigo apresenta uma análise de impactos de um programa de formação pautado na perspectiva da complexidade sobre os distúrbios musculoesqueléticos e a qualidade de vida de docentes (ROCHA; SOUZA; PANTOJA VALLEJO, 2020).
Finalmente, em relação às formas de pensamento, foram identificados dois artigos: o primeiro apresenta diferentes modos de explicar fenômenos complexos, incluindo a negação e a incerteza como narrativa do imprevisível (PENA-VEGA; PETRAGLIA, 2020); o segundo se debruça sobre a ampliação da consciência relativa ao conviver e ao pensar cidadão diante da crise vivenciada atualmente (BERG; VESTENA; COSTA-LOBO, 2020).
A segunda etapa de análise consiste em apresentar o que foi tratado nos artigos a respeito da tríade conceitual complexidade-transdisciplinaridade-ecoformação. A síntese apresentada a seguir situa os conceitos priorizados, seus autores e o ano da respectiva publicação.
Ao comparar o pensamento de Edgar Morin ao de Hans Jones, procurando demonstrar a contribuição de ambos para a transformação efetiva dos modos de pensar e agir dos “sujeitos-cidadãos”, Ferreira, Bonin e Carreño-Saucedo (2020) destacam a reflexão de Morin (2011) sobre a complexidade ser manifestada na existência de elementos diferentes, mas inseparáveis e constitutivos do todo. Coaduna, portanto, com a outra reflexão de Morin (2015) de que “[...] o todo está na parte, que está no todo [...]”, condição que repercute a “[...] presença forte no todo social sobre cada indivíduo, mesmo se a divisão do trabalho e a fragmentação de nossas vidas fazem que ninguém possua a totalidade do saber social” (p. 75).
Ferreira, Bonin e Carreño-Saucedo (2020) aproximam essa ideia de Morin à visão de Jonas (2006, p. 29) sobre a natureza do nosso agir individual, alegando ser algo dependente de uma existência histórica. Por isso, enfatizam a relevância da contextualização e defendem uma educação pautada na responsabilidade ética para “[...] iluminar modos de pensar e agir” (p. 31).
Essa condição é reforçada por Berg, Vestena e Costa-Lobo (2020) quando transitam do pensamento clássico para o pensamento complexo, indicando a relevância da ampliação de consciência tanto sobre o conviver como sobre o pensar cidadão diante da crise atual. Em suas análises, as autoras recuperam em Moraes e Batalloso (2015, p. 143) a defesa de que a crise “[...] trouxe consigo o enfraquecimento da responsabilidade e da solidariedade”, desfazendo relações humanas e aniquilando dispositivos “[...] produtores de sentido como a educação, a religião, a ética, a arte, entre outros”. Da mesma forma, recuperam em Morin (2019, p. 164) a ideia de que, por traz da realidade atual, está uma lógica burocrática responsável por uma sociedade tecnocrata que “[...] explode quando todos esses processos de racionalização irracional se tornam, mediata ou imediatamente, processos que conduzem à morte”.
Para Pena-Vega e Petraglia (2020, p. 106), é justamente a crise atual que precisa servir como uma “[...] lente através da qual se possa compreender melhor o sentimento imprevisível que pesa sobre nossa biosfera”. Contudo, os autores também retomam o alerta de Jeudy-Belini (2004) sobre a capacidade real de uma pessoa compreender seu risco existencial.
Diante disso, acentua-se a importância do pensamento complexo. No artigo de Violant-Holz, Zwierewicz e Spessatto (2020), isso fica claro quando as autoras recuperam em Morin (2015) a ideia de que a realidade é constituída de acontecimentos, ações, interações e retroações e determinações que constituem o mundo fenomenológico.
Da mesma forma, Hülse, Ferrer, Demarchi e Santos (2020) fazem menção ao posicionamento de Sá (2019) e o reforçam com as ideias de Petraglia (2013, p. 16) de que o pensamento complexo é “[…] um tipo de pensamento que não separa, mas une e busca as relações existentes entre os diversos aspectos da vida […]”. É nesse sentido que Rocha, Souza e Pantoja Vallejo (2020) situam a posição de Morin (2015) de que esse tipo de pensamento favorece a religação dos saberes que foram separados por disciplinas e que, cada vez mais, isolam-se por meio da hiperespecialização.
Para González-Velasco, Zwierewicz e Simão (2020), a superação dessa perspectiva depende de uma mudança paradigmática. Para tanto, recorrem a González-Velasco (2017), que situa como uma das possibilidades o paradigma complexo-transdisciplinar, ou seja, o paradigma transcomplexo, cujos princípios se sustentam pelo pensamento ecologizador da educação, pelo diálogo entre os diferentes saberes e pelo manejo das incertezas.
Como forma de demonstrar o potencial do paradigma transcomplexo, González-Velasco, Zwierewicz e Simão (2020) recuperam em Zwierewicz et al. (2020, p. 694) a defesa da ideia de que é por meio da articulação entre complexidade e transdisciplinaridade, ambas apoiadas pela ecoformação, que os estudantes podem “[...] acessar, aprofundar, construir e difundir conhecimentos e soluções em conexão com a realidade”.
Especificamente em relação à transdisciplinaridade, Silva, Aguiar e Garrote Jurado (2020) recuperam em Nicolescu (2018) o conceito que a situa como aquilo que está entre as disciplinas, através e além de toda e qualquer disciplina, confirmando o exposto neste artigo. Baade, Brandenburg e González-Velasco (2020), por sua vez, também citam Nicolescu (2009), lembrando que a transdisciplinaridade, a partir de sua concepção, possibilita ao estudante aproximar-se do mundo da disciplina, de sua diversidade, de sua unidade e de como se pode religar à realidade para a construção de um novo conhecimento.
Sustentando essa perspectiva, Silva, Aguiar e Garrote Jurado (2020) fazem menção a Morin, Ciurana e Motta (2003, p. 98) para destacar a necessidade de serem fortalecidas as condições para que seja desenvolvida “[…] uma sociedade-mundo composta por cidadãos protagonistas, conscientes e criticamente comprometidos com a construção de uma civilização planetária”. É nesse processo que se acentua o potencial regenerador e transformador da ecoformação.
Para destacar esse potencial, Rocha, Souza e Pantoja Vallejo (2020) conectam-se à reflexão de Moraes (2018) de que a ecoformação “[...] acontece a partir de uma fenomenologia complexa e transdisciplinar que considera o sujeito em sua multidimensionalidade, inserido em um contexto social, ecológico e espiritual, mediado pela cultura que o rodeia e com a qual interage constantemente” (p. 119-120).
Ao discutir esse conceito, Silva, Aguiar e Garrote Jurado (2020) mencionam a definição de Silva (2008, p. 102) de que a ecoformação pode ser compreendida como um convite para o reencontro e para o diálogo entre o natural e o cultural, “[…] para que, ao reencontrarem a natureza, os sujeitos possam […] reencontrar a si mesmos e reencontrar os outros”. E esse contato formador com as coisas, com os objetos e com a natureza é, para esta autora, “[…] formador de outras ligações, em especial das ligações humanas [...]”.
Como forma de exemplificar metamorfoses no contexto educacional decorrentes dos três conceitos aqui referenciados, Simão, Silva e Torre (2020) evidenciam transformações que vão além da prática pedagógica em sala de aula. Essas mudanças ocorrem na forma de planejar, avaliar e se mobilizar dentro e fora do contexto escolar. Para tanto, recuperam em Zwierewicz, Simão e Silva (2019, p. 85) a definição de cenários ecoformadores, defendendo que estes se constituem em espaços acessíveis, desenvolvidos de forma colaborativa e promovem “[...] a interação e o protagonismo na realização de vivências/experiências para valorização das relações consigo mesmo, com o outro e com o meio natural e social [...]”.
Essas interações ampliam possibilidades para o pensar complexo, fortalecido por um planejamento que priorize a articulação entre conteúdos curriculares e demandas locais e globais (transdisciplinaridade). Nesse processo, a ecoformação viabiliza um dos caminhos indicados por Harari (2020) diante da crise atual: a solidariedade global. Esse caminho se efetiva nos resultados de pesquisas como as de Almeida (2018), ou seja, em condições localmente criadas para tal, como evidenciado na epígrafe deste artigo.
Considerações finais
Considerando a necessidade de mudanças paradigmáticas no campo educacional, este artigo procurou evidenciar uma tríade conceitual que tem marcado o movimento das Escolas Criativas. Esses conceitos expressam uma visão articulada entre a realidade e as possibilidades de serem dinamizadas práticas pedagógicas em que os conhecimentos se conectem às demandas locais e globais, visando o protagonismo dos implicados em ações comprometidas com o bem viver, como defendido por Morin (2015).
Ao situar as Escolas Criativas como uma possível via para a metamorfose da educação, este estudo justifica a opção pela necessidade de mudanças abruptas no contexto educacional, observadas especialmente a partir da realidade pandêmica vivenciada a partir de 2020. Por isso, recuperam-se fragmentos da proposta que culminou na criação de uma rede internacional, na qual se vinculam núcleos potencializadores de discussões teóricas envolvendo a tríade conceitual ora discutida, bem como mudanças no contexto educacional sistematizadas como exemplos desse processo.
Em relação à análise dos artigos do dossiê da Revista Polyphonía, evidencia-se inicialmente que, mesmo elaborados por diferentes autores, existem eixos comuns observados nos objetivos gerais dos artigos. Isso possibilitou organizá-los em quatro categorias: i) relação entre autores; ii) as Escolas Criativas e suas especificidades; iii) contribuições da epistemologia da complexidade; iv) e formas de pensamento.
Sobre a discussão da tríade conceitual complexidade-transdisciplinaridade-ecoformação proposta nos artigos analisados, observou-se que: i) é possível estabelecer relações entre as ideias de Edgar Morin e Hans Jones; ii) a historicidade da proposta das Escolas Criativas evidencia a inclusão de iniciativas educacionais que valorizam a criatividade e o compromisso com a sustentabilidade; iii) existem proximidades da proposta das Escolas Criativas em relação às Escolas Cidadãs; iv) a epistemologia da complexidade tem se constituído como uma alternativa para a construção de uma educação e de uma sociedade mais cidadãs, promovendo alternativas para que a educação atue de forma comprometida com a justiça social durante e depois do isolamento social e colabore também para a saúde docente; v) existem formas diferentes de explicar fenômenos complexos, incluindo a negação e a incerteza como narrativa do imprevisível; vi) e existe uma necessidade de ampliar a consciência relativa ao conviver e ao pensar cidadão diante da crise vivenciada atualmente.
Diante dessas constatações, percebe-se que os artigos valorizam a tríade conceitual para o pensar complexo, capaz de compreender a existência de elementos diferentes, mas inseparáveis e constitutivos do todo. Eles evidenciam, contudo, a dependência entre a natureza do pensar e agir individual e a existência histórica de cada pessoa, o que reitera a relevância da contextualização e de uma educação pautada na responsabilidade ética, especialmente em um momento de enfraquecimento da solidariedade vivenciado em meio à crise atual.
Diante de demandas como essas, os resultados da análise reiteram a relevância de práticas que associem complexidade, transdisciplinaridade e ecoformação para a formação de cidadãos protagonistas, conscientes e criticamente comprometidos com a construção de uma civilização planetária. Nesta tríade conceitual se encontram princípios para iniciativas que priorizem a articulação entre conteúdos curriculares e demandas locais e globais, valorizando vias para a solidariedade global a partir de condições localmente criadas.