Introdução
Retomar a história da institucionalização da educação escolar brasileira é uma condição importante para refletir sobre seu futuro. No caso das escolas de ensino secundário, retomar a história dos ginásios pode constituir ponto de partida para analisar as profundas desigualdades entre a educação do povo e a da elite, presentes desde as raízes de nosso sistema educacional. Diante disso, a proposta deste artigo consiste em apresentar um mapeamento cronológico e geográfico dos ginásios que foram fundados na mesorregião Norte Pioneiro do Paraná durante os anos de 1938 e 1961.
O texto é resultado de um programa de pesquisa que vem se desenvolvendo desde 2014 e tem produzido um mapeamento de instituições escolares e de fontes históricas para seu estudo na região de abrangência da Universidade Estadual do Norte do Paraná. O mapeamento de fontes e de instituições escolares para a pesquisa sobre suas histórias e memórias tem se apresentado como tarefa coletiva no interior dos grupos de pesquisa, entidades e congressos da área de História da Educação (SAVIANI et al., 2011). No entanto, nesta região em específico, observa-se uma lacuna quanto às produções sobre o tema (RUCKSTADTER; RUCKSTADTER, 2015). A escassez de trabalhos sistematizados sobre as instituições escolares nessa mesorregião direcionou e motivou esta investigação, que se insere nos esforços do Grupo de Trabalho (GT) do Grupo de Estudos e Pesquisas Nacional “História, Sociedade e Educação no Brasil” - HISTEDBR, na cidade de Jacarezinho, desde 2014. O grupo centrou esforços na produção de inventários de fontes e de instituições escolares, especialmente de Grupos Escolares, Escolas Normais e neste momento, Ginásios.
Tanto no campo da História quanto da História da Educação quase não há resultados de pesquisas em nível de mestrado e doutorado sobre a região de acordo com levantamento realizado no catálogo de teses e dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Esse número relativamente baixo de estudos especializados, bem como as condições precárias de armazenamento dos documentos presentes nos arquivos escolares, faz com que trabalhos que busquem mapear, levantar e catalogar fontes, sejam o ponto de partida que possibilitam ampliar a documentação disponível para a pesquisa histórica.
Investigar essas instituições faz parte da compreensão e preservação de parte do patrimônio histórico e cultural, bem como na construção de uma memória coletiva que considere todos os sujeitos dessa história, e não apenas a memória dos “pioneiros”, atrelada ao poder das oligarquias regionais e locais, ainda fortemente presentes na região. O primeiro passo para a reconstrução histórica das instituições escolares na região é mapear as fontes. Sem fontes, não há a possiblidade de análises sistemáticas e históricas. Os poucos estudos especializados, bem como as condições precárias de armazenamento dos documentos presentes nos arquivos das instituições escolares, fazem com que este tipo de trabalho seja o ponto de partida para ampliação das fontes disponíveis para fomentar futuras pesquisas na área.
Pesquisas que considerem a história regional e local para compreender que as instituições escolares são necessárias, e, em nossa região, faz-se urgente serem iniciadas devido à degradação dos documentos nos arquivos escolares em função das precárias condições de acondicionamento e a falta de políticas públicas de preservação documental, bem como a possibilidade de se constituir fontes a partir da memória dos sujeitos da história dessas instituições: professores, alunos e comunidade escolar. A organicidade e articulação entre o local e o nacional devem ser programas de pesquisa nacionais no interior de entidades. Nesse sentido, destacam-se as pesquisas desenvolvidas em todo o Brasil no interior dos grupos de trabalho do HISTEDBR (SAVIANI, 2012).
O levantamento foi realizado a partir de diversas fontes oficiais, como: Projetos Políticos Pedagógicos das Escolas dos Núcleos Regionais de Educação da região, legislação estadual, mensagens e relatórios de governo disponíveis no Arquivo Público do Paraná e outras obras memorialistas produzidas nos municípios. O objeto de pesquisa foi delimitado geograficamente nas 46 cidades que compõem a mesorregião. Temporalmente, a pesquisa procurou se ater ao período de 1938 a 1961. Os marcos são a criação, pelo Estado, do primeiro Ginásio na região (Jacarezinho, 1938, Ginásio Rui Barbosa) e o ano de promulgação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 4024/61). A reforma instituída por esta lei no Ensino Secundário provocou mudanças significativas, notadamente quanto à questão da terminalidade e equivalência de estudos no nível secundário.
As perguntas que direcionaram o levantamento das fontes foram: qual é o papel do Estado na criação dos Ginásios? Como se relacionam com o contexto educacional paranaense e com o cenário nacional? A hipótese inicial era a de que a intensificação do processo de criação de escolas estaria em sintonia com o movimento de expansão do ideário escolanovista no Estado do Paraná. Além disso, no caso do Norte do Paraná, o processo de criação de escolas de nível primário e secundário deve ser investigado a partir da crescente urbanização em decorrência do movimento de reocupação das terras desde as primeiras décadas do século XX.
Assim, se, por um lado, a difusão do ideário escolanovista pelo interior do Paraná pode ter contribuído no processo de abertura de escolas nos diferentes níveis de ensino, por outro lado, uma interpretação possível da história da criação e expansão do número de ginásios escolares na região se dá a partir da análise do movimento de (re)ocupação no Norte Pioneiro. Este movimento foi marcado pela produção cafeeira, que provocou um grande fluxo migratório de pessoas provenientes, principalmente, dos estados de Minas Gerais e São Paulo. Isso provocou crescimento do número de cidades e, consequentemente, mais demanda por escolas, não somente para a elite como também para camadas médias da população.
A análise das fontes considerou que elas não são neutras, além de reconhecer seu caráter oficial. Especialmente em relação às fontes oficiais emanadas do poder público, apesar de oficiais, esse conjunto documental permite contextualizar projetos hegemônicos e concepções de educação em determinado período histórico. É importante ressaltar que não se desconsiderou a existência de outros projetos em disputa em uma mesma época histórica. Todavia, a legislação educacional permite analisar as expectativas do poder público em relação à sistematização da educação escolar para além do ensino primário. Trata-se de discutir o processo de sistematização da educação escolar a partir de um projeto republicano de educação, que criou ao menos no discurso uma valorização da educação, de seu potencial civilizador e de desenvolvimento em um contexto de construção de uma memória cívica em nosso país (RUCKSTADTER, 2017; MIGUEL, 2008b).
O aporte teórico para compreensão do papel do Estado e seu projeto de educação parte da concepção gramsciana de que o Estado é uma junção de interesses da sociedade civil e da sociedade política (GRAMSCI, 2011). A partir da modernidade, ele assumiu o papel de educador e age no sentido de construir uma hegemonia e consenso. Desse modo, as informações contidas em fontes produzidas pelo poder público comunicam “[...] uma perspectiva e um posicionamento de determinada fração da sociedade, e a legislação expressa o equilíbrio possível entre as frações que detinham o poder político” (MIGUEL, 2006, p. 187).
Um projeto educacional nunca está desvinculado de um projeto de sociedade. Olhar para as expectativas e ações do Estado em relação à continuidade dos estudos nos Ginásios, após a conclusão do primário nos Grupos Escolares, torna possível analisar o processo de sistematização da educação escolar no Paraná, mas também compreender um ideário político liberal e republicano. Sobre os Ginásios, além da documentação oficial, tais como leis, decretos, mensagens e relatórios de presidentes e governadores do estado do Paraná, a contextualização partiu dos amplos e consistentes estudos desenvolvidos sobre o ensino secundário no Brasil, de modo mais amplo, e, de modo específico, no Paraná, dentre os quais se destacam aqueles realizados por Dallabrida e Souza (2014), Pessanha e Silva (2021), dentre outros.
As fontes históricas são o ponto de partida para a construção do conhecimento historiográfico, mas não constituem o fenômeno histórico em si. Necessitam ser problematizadas. Isso significa afirmar que apenas adquirem o estatuto de fontes diante do trabalho do historiador (SAVIANI, 2006). As fontes não falam por si mesmas, é preciso considerar o caráter oficial de grande parte desses documentos. Por essa razão, precisam ser indagadas e contextualizadas.
Essas fontes são vestígios que podem dimensionar uma época a partir da perspectiva daqueles que possuíam a hegemonia política, do Estado e dos poderes econômicos e sociais por ele representados e como esse grupo concebia a educação. Além disso, é preciso considerar que a análise de documentos, além de se relacionar ao seu contexto, se dá em diálogo com o presente e demonstra a visão contemporânea acerca do passado: o documento não é autorrevelador do passado nem traz a verdade com o fato histórico, tampouco pode ser considerado como exclusivo exercício subjetivo (KARNAL; TATSCH, 2009).
O recorte local e regional pode ser abordado na pesquisa histórica por meio de diferentes métodos. Do mesmo modo, pode-se, a partir de uma mesma matriz teórico-metodológica, olhar para questões educacionais locais, regionais, nacionais ou internacionais. A análise que parte do micro ou do macro se configura em uma questão de definição de objeto, não necessariamente de método específico a cada uma delas. Os estudos locais não são prioridade ou exclusividade de um ou outro método de análise. Olhar o mundo a partir do microscópio não significa considerar superados os telescópios (HOBSBAWM, 1998; SAVIANI, 2012). Dessa maneira, apesar de delimitar como objeto os Ginásios no contexto de reocupação do Norte Pioneiro Paranaense, partiu-se de uma análise que considere de forma ampla as relações entre os homens em uma perspectiva dialética.
Nas últimas décadas, a temática “história das instituições escolares” tem recebido destaque nas pesquisas na área de História da Educação (SANFELICE, 2010). Esse enfoque no local e no micro, tanto enquanto objeto quanto como recorte, tem sido reivindicado e entendido como território específico de uma perspectiva teórico-metodológica: a Nova História Cultural (SAVIANI, 2012). Todavia, é possível realizar pesquisas sobre as instituições escolares e sobre a educação local ou regional em uma perspectiva que considere as relações materiais dos homens em uma perspectiva histórica e dialética. Ao olhar para a historiografia da educação brasileira, é possível observar que o local sempre esteve presente independentemente de sua orientação teórico-metodológica (SAVIANI, 2012).
O local, o regional e o nacional não são opostos e excludentes, e os estudos locais e regionais são importantes para compreender a educação de modo concreto. Contudo, é importante respeitar a diversidade sem desconsiderar a totalidade, uma vez que o isolamento da análise de temas locais ou regional converte diversidade em desigualdade e reforço e manutenção de deficiências locais. (SAVIANI, 2012).
Devido à escassez de trabalhos sistematizados sobre a temática específica, esta pesquisa direcionou sua análise para as fontes documentais e legislação educacional a fim de compreender o contexto do ensino secundário em nível ginasial em uma perspectiva que articule dialeticamente os âmbitos regional, nacional e internacional. Dessa forma, este estudo considerou que o concreto é uma síntese de múltiplas determinações: isto é, unidade do diverso. Por isso, o concreto aparece no pensamento como o processo da síntese, não como ponto de partida, ainda que seja o ponto de partida efetivo, e, portanto, o ponto de partida também da intuição e representação (MARX, 1999, p. 39-40).
Pensando nessa articulação, o ponto de partida foi contextualizar o ensino secundário no século XX, de modo amplo, bem como estudos que se ocupam em analisar o processo de reocupação do “Norte Pioneiro” do Paraná. Esta mesorregião faz parte da construção de um discurso que legitimou tal processo de reocupação, e que desconsiderou as ocupações de indígenas e pequenos proprietários. Os estudos sobre esse processo no Norte Paranaense foram tomados como ponto de partida. Dentre eles, destacamos aqueles que contestam a ideia de vazio demográfico no Norte do Paraná, sobretudo a tese apresentada por Tomazi (1997) acerca da construção da memória dos pioneiros a partir da (re) ocupação do Norte do Paraná, bem como as análises sob um viés econômico feitas por Ruy Wachowicz (1987; 2001).
Embora existam múltiplas possibilidades metodológicas para analisar a educação, esta investigação optou por um olhar que não prioriza estudos memorialistas, não possuindo uma visão saudosista em torno dos Ginásios; por outro lado, procura contextualizar sua criação e funcionamento no complexo contexto social e econômico no movimento de reocupação na região, do discurso escolanovista bem como no processo de sistematização da educação no Paraná.
O itinerário deste texto será o de primeiro analisar o contexto de sistematização da educação escolar no Paraná, com foco no ensino secundário para, na sequência, apresentar o mapeamento cronológico e geográfico de criação dos Ginásios no Norte Pioneiro a partir do contexto de reocupação da região e do contexto educacional, articulando história local, regional e nacional.
O ensino secundário e a sistematização da educação escolar no Paraná
Embora o recorte temporal neste trabalho esteja marcado entre os anos de 1938 e 1961, há necessidade de regressar um pouco mais no tempo para situar alguns aspectos sobre as dificuldades de sistematização da educação escolar no Estado do Paraná.
Desde o final do século XIX, após amplos debates, a instrução popular passou a ser entendida nacionalmente pelo poder público como um projeto e como “[...] estratégia imprescindível à marcha do progresso” (BOTO, 1999, p. 257). Esse projeto estava ligado, em grande parte, ao ideário iluminista republicano que visava colocar o Brasil no mesmo patamar das nações mais desenvolvidas por meio de um projeto de progresso que incluía também a ideia de desenvolvimento cultural.
No Paraná, a elaboração das políticas públicas educacionais no início da República se deu após amplas discussões. No âmbito da formalização das intenções do poder público foram muitas as tentativas de organizar a educação no estado em diferentes regulamentos e na promulgação de leis. As intenções expressas nesse conjunto de leis e decretos, entretanto, não significou a existência de medidas concretas (MACHADO; CURY, 2013; MIGUEL, 2008a; WACHOWICZ, 1984).
Assim, o estado do Paraná adentrava o século XX com muitas questões a resolver. Apesar de a preocupação em legislar sobre o tema ter resultado em excessivas leis e regulamentos, a abertura de escolas (a princípio, apenas as de nível primário) se deu de forma desordenada e atendendo a interesses políticos locais. Essa expansão da rede de instrução se deu sem recursos ou estrutura minimamente suficientes: faltavam locais apropriados para seu funcionamento, professores e materiais, além de a matrícula e a frequência serem baixas. Com isso, o desafio era ultrapassar as intenções da legislação e superar a precariedade da instrução primária (MIGUEL, 2006).
Se em relação ao nível primário a situação era precária, no ensino secundário os problemas não eram menores. Podemos perceber algumas ações pontuais na legislação da época (no plano das intenções), como o Código de Ensino de 1917, que trazia uma ampla seção sobre o tema, estabelecendo regras e princípios para o funcionamento do Ginásio e da Escola Normal no estado (PARANÁ, 1917).
Uma maior atenção e empreendimento de esforços para a organização do ensino primário não era um aspecto restrito ao Paraná. A maioria dos estados da federação, entre 1890 e 1931, também priorizou a criação de escolas primárias enquanto o ensino secundário - especialmente os Ginásios - ficou a cargo da iniciativa privada. A União, por seu turno, estabeleceu regras para esse nível de ensino apenas visando à equiparação das escolas ao Colégio Pedro II, mas não atuou de modo efetivo na criação de instituições (SAVIANI, 2011). Além disso, o projeto de estender a todo território nacional as condições técnicas e materiais para a educação do povo tinha como desafio as largas dimensões do país, bem como sua diversidade cultural (VIDAL, 2011)1.
Houve um intenso movimento no sentido de centralizar e organizar a educação nacionalmente a partir da década de 1930. O momento foi marcado politicamente pela disputa pelo controle do Estado ainda pelas oligarquias. Essa disputa levou a uma ação do governo de Getúlio Vargas no sentido de centralização e nacionalização do poder decisório em detrimento do regionalismo (MENDONÇA, 1990).
Esse movimento de organização da educação escolar ligado a um ideal modernizador e de desenvolvimento se fortaleceu nas décadas seguintes. Desde os anos 1920 houve amplos debates, e os educadores chamados de renovadores apontavam para a necessidade de uma organização nacional da educação. O manifesto de 1932 defendia a necessidade de uma organização de amplo e único plano para a reconstrução da educação no país (MANIFESTO, 1932). Foi, contudo, após a chamada Era Vargas (1930-1945), no processo de redemocratização e de nacional-desenvolvimentismo, que o movimento pela modernização do país e, consequentemente, da educação, atingiu um de seus pontos mais significativos (CUNHA, 2011).
No Paraná, o movimento inicial de influência das ideias da Escola Nova coincidiu com uma política estatal que visava ampliar sua presença nas novas regiões reocupadas no Estado a partir da preocupação inicial em fundar escolas primárias e de formação de professores (RUCKSTADTER, 2020). A expansão do ideário se deu a partir da década de 1930.
Entre as décadas de 1930 a 1950, momento que nos interessa de modo mais próximo, o Norte Pioneiro foi polo de atração de migrantes e imigrantes. Foram para a região, principalmente, profissionais liberais e trabalhadores agrícolas. Houve uma preocupação em sistematizar e elaborar políticas públicas para organizar a educação em todo o estado. Vale ressaltar que essa sistematização acompanhava também a ideia de formação de uma memória cívica coletiva, dada a matriz liberal desse projeto.
A educação institucionalizada teve papel fundamental para tal, no contexto aqui analisado, tanto em relação ao processo de urbanização como no âmbito do movimento ruralista na educação e sua preocupação em ir para o interior e educar o homem do campo (RUCKSTADTER, 2020, p. 75).
É possível perceber um projeto de valorização da educação para consolidar a democracia republicana na mensagem de governo do então governador do estado do Paraná, Manoel Ribas (1873-1946), à Assembleia Legislativa do Paraná em 1936:
O Governo, acompanhando de perto os modernos processos pedagógicos e certo que o desenvolvimento das faculdades físicas, intelectuais e morais da criança, deve constituir uma das maiores preocupações da Administração Pública [...] (PARANÁ, 1936, p. 45).
Além disso, em seu discurso ele destacava o papel das escolas para a prática da democracia, e a construção de prédios escolares era entendida como sinônimo de modernidade (PARANÁ, 1936; PARANÁ, 1937):
Tenho dedicado especial interesse na construção de prédios escolares. [...] A Escola Normal de Jacarezinho, cuja construção está em véspera de acabamento, será, dentro em pouco, o mais moderno e aperfeiçoado estabelecimento de ensino secundário do Estado (PARANÁ, 1937, p. 78, grifos nossos).
Nesse contexto foi construído o prédio onde atualmente funciona o Colégio Estadual Rui Barbosa. A obra foi concluída no final de 1937 e adotou o nome de Ginásio no ano seguinte, via decreto estadual. O Decreto n. 6150, de 10 de janeiro de 1938, transformou as Escolas Normais no Paraná em Escolas de Professores a partir da fusão das Escolas Normais de Curitiba e de Ponta Grossa com os respectivos Ginásios Estaduais de cada município. Nesse mesmo ano foi inaugurado o prédio do Ginásio de Jacarezinho, onde passou a funcionar também a Escola Normal (PARANÁ, 1938a; PARANÁ, 1938b).
Jacarezinho, à época, era o principal núcleo urbano e centro econômico da região. Havia interesse político e demanda, como veremos adiante, para a instalação de um ginásio na cidade, que já contava com uma escola desse nível, no entanto de administração privada, da Igreja Católica2.
A expansão do ensino secundário no Norte Pioneiro do Paraná: uma escola para as elites?
O ensino secundário brasileiro, desde suas origens no século XIX, estabeleceu-se como um nível de ensino destinado prioritariamente às elites. Até a década de 1930, os estados não haviam conseguido estruturá-lo, e sua oferta encontrava-se dominada pelas redes confessionais, especialmente pela Igreja Católica (DALLABRIDA; SOUZA, 2014).
O momento de inflexão significativa se deu em 1931, com a Reforma Francisco Campos. Essa reforma modernizou o secundário, em um contexto de mudanças advindas da criação do Ministério da Educação e Saúde Pública pelo Governo Provisório de Getúlio Vargas, o que fortaleceu o chamado “Estado Educador”. Com intuito de superar o secular regime de cursos preparatórios isolados, em nível legal, a Reforma Francisco Campos conferiu:
[...] organicidade ao ensino secundário brasileiro por meio de várias estratégias curriculares inovadoras, dentre as quais destacamos o aumento da duração do curso secundário, a seriação rigorosa das ‘disciplinas-saber’, a frequência obrigatória dos alunos, a imposição de um detalhado e regular sistema de avaliação discente e a reestruturação do sistema federal de inspeção federal (DALLABRIDA; SOUZA, 2014, p. 13).
A reforma também instituiu um ensino secundário de sete anos, dividido em dois ciclos. O primeiro, de cinco anos, de formação geral, tinha por propósito conferir uma formação comum aos estudantes. O segundo ciclo, de dois anos, complementar, tinha uma divisão tripartite, para candidatos: aos cursos jurídicos (1), medicina, farmácia e odontologia (2) e engenharia ou arquitetura (3). Essa complexidade do ensino secundário instituída pela lei ressaltava o caráter elitista do nível de ensino, o que o distanciava do ensino normal e dos demais cursos técnicos (DALLABRIDA; SOUZA, 2014).
Essa questão se agravou ainda mais com a Lei Orgânica do Ensino Secundário (Decreto-lei n. 4244, de 9 de abril de 1942). Concebidas por Gustavo Capanema, as leis orgânicas do ensino, oficializadas no Estado Novo, reformaram todos os níveis de ensino no Brasil de forma autoritária e parcial. No caso do ensino secundário, a lei reestruturou os dois níveis de ensino, criando o curso Ginasial, de quatro anos, seguido pelo Colegial, de três anos, dividido em dois cursos paralelos (científico e clássico). A concepção de ensino subjacente a esta política educacional é dualista. Ela admitia um objetivo de formação das elites condutoras:
[...] esse dualismo se expressou de forma rígida, pois apenas o ensino secundário dava direito de acesso, mediante vestibular, a todas as carreiras do ensino superior. O ensino técnico só dava direito de acesso às carreiras correspondentes ao mesmo ramo cursado pelo aluno [...]. Essa política preconizava, pois, uma separação entre o ensino das elites que se destinariam ao trabalho intelectual e o ensino popular voltado para a preparação e o adestramento dos trabalhadores manuais [...]” (SAVIANI, 2011, p. 33).
Tal situação se viu modificada apenas com a promulgação da primeira LDBEN (Lei n. 4024/61). Além de dar um pouco mais de flexibilidade aos currículos estaduais do ensino secundário, o principal ganho se deu com a efetiva equiparação entre o secundário e os cursos técnicos e normais.
No período delimitado pela pesquisa, a maior expansão do ensino secundário no Brasil, em termos de número de estabelecimentos, número de municípios atendidos e número de matrículas e conclusões, deu-se após a década de 1940. É possível identificar esse movimento na região Norte Pioneiro do Paraná a partir dos dados coletados nas fontes, como veremos a seguir. No entanto, para explicar estes dados de modo contextualizado, é importante analisá-los a partir de questões próprias da região no contexto de sua chamada (re)ocupação. Isso implica uma discussão sobre o papel das elites econômicas nesse processo, particularmente da figura dos “pioneiros”.
Para pensar a construção da memória coletiva acerca do pioneiro no contexto de criação de escolas com cursos ginasiais no Norte Pioneiro, considera-se que uma tradição não é entidade abstrata: conhecemos de certa maneira a história porque assim nos ensinaram, e não apenas nas escolas: “[...] é o que as pessoas aprenderam de padres, professores, autores de livros de história e compiladores de artigos para revistas e programas de televisão” (HOBSBAWM, 1998, p. 20).
A história muitas vezes se apresenta como modelo para o presente ou mesmo como nostalgia. É o problema do passado tanto como genealogia quanto como cronologia. É comum encontrar estudos memorialistas que enfatizam e enaltecem a atuação dos pioneiros na construção da região e do próprio estado do Paraná, inclusive sua participação na abertura de escolas. Um documentário-propaganda dos anos 1940 sobre a cidade de Jacarezinho ou ainda o livro do professor Thomaz Aimone (1991) sobre o Ginásio Rui Barbosa da cidade de Jacarezinho são exemplos desse tipo de abordagem (JACAREZINHO, 1940; AIMONE, 1991). Ao historiador cabe retirar ou levantar essas vendas, pois a história escrita tanto como inspiração quanto como ideologia carrega em si uma propensão à criação de um “mito de autojustificação” (HOBSBAWM, 1998, p. 48).
O local do qual se lança o olhar para compreender o ensino secundário em nível ginasial no contexto paranaense é a Mesorregião denominada Norte Pioneiro, também conhecida como “Norte Velho”. Atualmente é composta de 46 municípios, que juntos somam cerca de 540 mil habitantes. A economia é centrada na produção agrícola, principalmente no plantio de cana-de-açúcar para a produção de álcool. O território está situado no nordeste do território paranaense, entre os rios Paranapanema, Itararé e Tibagi e, apesar de sua reocupação datar do período do Império brasileiro, poucas obras discutem historicamente de forma sistematizada os núcleos povoadores da região (RUCKSTADTER; RUCKSTADTER, 2015; RUCKSTADTER, 2020)
Para compreender historicamente essa região é preciso partir de uma hegemonia das oligarquias locais e da exaltação da figura dos latifundiários. Desde os primeiros núcleos povoadores, a região foi palco de conflitos de terras entre posseiros e indígenas (WACHOWICZ, 1987; WACHOWICZ, 2001).
No período republicano, em 1896, foi fundado oficialmente o primeiro núcleo colonizador no Norte do Paraná em Jacarezinho. No século XX, o processo intenso de urbanização no interior de São Paulo e o avanço da estrada de ferro Sorocabana trouxeram mudanças ao Norte Pioneiro. A atividade já existente de criação de suínos atraiu para a região frigoríficos de São Paulo, como o tradicional frigorífero Matarazzo, que fundou uma filial em Jaguariaíva. Suas atividades foram intensas até a década de 1940, momento de declínio do tropeamento de porcos, que culminou com o seu fechamento no ano de 1947 (WACHOWICZ, 1987; WACHOWICZ, 2011).
Antes mesmo do período republicano, o território do Norte Pioneiro Paranaense foi alvo de disputa política e econômica com a província vizinha. O conflito ficou conhecido como “Perigo Paulista” e aconteceu devido ao escoamento da produção da região para o porto de Santos, não para Paranaguá. Não havia malha ferroviária que ligasse a região ao litoral paranaense e, à medida que avançava a estrada de ferro Sorocabana, os núcleos de povoamento do Norte Pioneiro eram ligados cada vez mais exclusivamente a São Paulo (WACHOWICZ, 1987).
No ano de 1912, após tentativas prévias frustradas, teve início a construção do ramal ferroviário que ligaria Jaguariaíva a Jacarezinho. A estrada de ferro foi concluída 18 anos depois e ficou conhecida como “estrada dos desmaios” (WACHOWICZ, 1987; WACHOWICZ, 2001).
Nacionalmente, com a criação do Departamento Nacional do Café nos anos de 1920, os produtores do Paraná passaram a ser obrigados por lei federal a escoar seu café para São Paulo e pagar uma taxa por cada novo pé de café plantado, o que “[...] asfixiou o jovem café paranaense” (WACHOWICZ, 2001, p. 272).
Todavia, no processo de loteamento e reocupação do Norte do estado, a partir dos anos de 1930 cresceu em todo o estado do Paraná a produção cafeeira. Em 1935, a produção de café estava prestes a superar a erva-mate, então principal produto da economia paranaense. No momento de expansão do café houve o deslocamento do eixo produtor do Norte Pioneiro para Londrina. Assim, no final da década de 1950, o Paraná se tornou o maior produtor nacional de café (WACHOWICZ, 2001).
A historiografia tradicional divide a reocupação do Norte do estado em três regiões: Norte Pioneiro ou Norte Velho, Norte Novo e Norte Novíssimo. Essa divisão já indica uma construção da memória a partir da figura do pioneiro como prolongamento do discurso “norte do Paraná”. Essa construção ideológica justificava a reocupação dessa região que, segundo a elite e o governo estadual, estava vazia e passível de ser explorada pelos fazendeiros em um processo capitalista de venda e produção da terra, desconsiderando os nativos, especialmente Caingangue e Xetá, que foram dizimados nesse processo (TOMAZI, 1997).
A figura do latifundiário foi sistematicamente associada com a do desbravador pioneiro. Essa construção se deu principalmente no início do período republicano e concomitante à construção do mito do vazio demográfico. Ela aparece, por exemplo, na imprensa de Curitiba e no rádio da região (WACHOWICZ, 1987).
No processo de construção dessa memória foram desconsiderados tanto os indígenas que primeiro habitavam essas terras e delas foram expulsos quanto os trabalhadores agrícolas que tinham pequenas posses de terra.
[...] na maioria dos discursos oficiais, em livros didáticos, nas obras sobre o pioneirismo no norte do Estado, nos trabalhos acadêmicos que tratam da ocupação da região a partir de 1930, é comum encontrar-se a afirmação de que essas terras eram “devolutas”, “selvagens”, “desabitadas”, “estavam abandonadas”, “virgens”, “selváticas”, “sertão bravio”. As terras do setentrião, do oeste e sudoeste paranaense, para o colonizador dos anos de 1920 aos anos de 1950 estavam desabitadas, vazias, prontas para serem ocupadas e colonizadas. É o mito do vazio demográfico (MOTA, 2009, p. 14).
A ideia de futuro e de progresso permeou o movimento de reocupação dessa região a partir da ideia do vazio demográfico. Isso incluía a concepção de que a educação traria o futuro, o progresso, o desenvolvimento e a modernidade a regiões consideradas sem cultura. Isso se deu, sobretudo, entre as décadas de 1930 a 1970 (RUCKSTADTER, 2020).
A expressão Norte Pioneiro, em detrimento do uso da expressão Norte Velho, utilizada e acatada na região foi criada por um prefeito e difundida por um radialista.
Qualquer cidadão com alguma instrução utiliza-se da expressão Norte Pioneiro, e concorda em delimitá-la entre os rios Itararé, Paranapanema e Tibagi. Mas, em compensação, tem a tendência de atribuir a toda essa região as características peculiares do seu próprio município. Tal fato é consequência da falta de estudos e divulgação dos elementos básicos da história da região (WACHOWICZ, 1987, p. 09).
Diante desses aspectos, é importante destacar que a expansão do ensino secundário na região atendia a alguns interesses dessa elite econômica da produção cafeeira que se “fez pioneira” em terras “desocupadas”. Ao menos no discurso. E possivelmente a educação sistematizada, seja em Grupos Escolares ou em escolas de ensino secundário (ginásios, colégios, escolas técnicas e normais) tenha contribuído, ao lado de outras instituições, para a construção desses valores/discursos hoje presentes na memória dos indivíduos formados na região.
Entretanto, para além dos interesses da elite cafeeira, o crescimento demográfico e a urbanização também impulsionaram o desenvolvimento da educação formal. Em números absolutos, segundo dados de Mussalam (1974) com base nos Censos Demográficos, entre 1920 e 1970 a população da região passou de cerca de 72 mil para mais de meio milhão de habitantes.
Entre as décadas de 1920 e 1940, o crescimento relativo da população paranaense foi da ordem de 80,29%. Isso representava, à época, a taxa mais elevada entre todos os estados da federação. Para o Norte Pioneiro, registrou-se um crescimento de 181,54%, o que evidencia um extraordinário crescimento (MUSSALAM, 1974).
Quando se analisam os dados do crescimento populacional no interior da região, nos períodos acima assinalados, é possível identificar um movimento que se intensificou no sentido de Leste a Oeste, o que acompanhava também o deslocamento da produção cafeeira em busca de novas e mais férteis terras para seu desenvolvimento. Esse movimento da frente agrícola cafeeira contribuiu para a evolução da urbanização na região (MUSSALAM, 1974).
Nesses núcleos urbanos mais escolas eram necessárias. Com o aumento populacional e com o aumento da oferta de ensino primário, houve também, consequentemente, demanda por ensino secundário em nível ginasial, colegial e de formação profissional, conforme observado em Mensagem de Governo apresentada por Moysés Lupion em 1958:
Produto desse acrescento singular de população é a demanda de escolas, outras em locais onde já havia muitas e até então suficientes, novas em zonas ainda há pouco desertas e inabitadas [...]
Igualmente como reflexo do progressivo aumento de habitantes, há a consolidação de cidades que ontem se acomodavam com estabelecimentos de ensino básico, e hoje exigem funcionamento de ginásios, colégios e escolas profissionais e superiores. (PARANÁ, 1958, p. 147)
No caso particular dos ginásios, a pesquisa conseguiu identificar um movimento consonante com o movimento nacional e estadual de difusão do ensino secundário, mais intenso a partir do final dos anos de 1940. O primeiro ginásio público da região foi fundado no principal núcleo populacional da época, o município de Jacarezinho, em 1938. Trata-se do já citado Ginásio Rui Barbosa, que iniciou suas atividades no prédio da primeira Escola Normal do Norte do Estado.
Na década dos anos de 1940 foram fundados o Ginásio Estadual Barbosa Ferraz (1949), o Ginásio de Cambará (1940), o Ginásio Estadual de Santo Antônio da Platina (1945), Ginásio Municipal de Ribeirão Claro (1948), Ginásio Estadual de Tomazina (1949), Ginásio Estadual de Assaí (1950); Ginásio Municipal de Bandeirantes (1950); Ginásio Estadual Lysímaco Ferreira da Costa (1950); Ginásio Estadual de Carlópolis (1950); Ginásio Estadual Professor Francisco Benedetti (1950). Na década dos anos 1950 foram fundados o Ginásio Castro Alves (1956), Ginásio Estadual Antonio Martins de Mello (1956), Ginásio Estadual de Cornélio Procópio (anos 1950), Ginásio Estadual de Jundiaí do Sul (1956); Ginásio Estadual de Ribeirão do Pinhal (1955); Ginásio de Santa Amélia (1956); Ginásio Municipal de Santa Mariana (1954); Ginásio Estadual de Siqueira Campos (1952); Ginásio Estadual de Sertaneja (1957); Ginásio Estadual de Quatiguá (1957); Ginásio Estadual de Uraí (1956) e o Ginásio Estadual de Wenceslau Braz (1954) e o Ginásio Estadual de Congonhinhas (1960). Em 1961 foi criado o Ginásio Estadual de Abatiá (1961).
No período foram criados vinte e cinco (25) ginásios em vinte e três (23) das quarenta e seis (46) cidades da região. Na década de 1950 foram doze (12) dessas instituições. Então, é possível confirmar certa sintonia com os dados observados por Gatti, Inácio Filho e Gatti Júnior (2014) acerca do crescimento do ensino desse nível do ponto de vista nacional. O quadro a seguir traz uma organização cronológica das informações que levantamos.
Embora não tenha sido objeto desta investigação, vale registrar que, além dos ginásios, no âmbito do ensino secundário, foram fundadas no período Escolas Estaduais Técnicas de Comércio, Escolas Normais e Colégios Estaduais. Em 1958, por exemplo, a Mensagem de Governo (PARANÁ, 1958) identificava Colégios Estaduais em 3 municípios, Bandeirantes, Cornélio Procópio e Jacarezinho.
Cidade | Nome da instituição | Ano de fundação |
---|---|---|
Jacarezinho | Ginásio Rui Barbosa | 1938 |
Cambará | Ginásio de Cambará | 1940 |
Santo Antônio da Platina | Ginásio Estadual de Santo Antônio da Platina | 1945 |
Jacarezinho | Ginásio Imaculada Conceição | 1947 |
Ribeirão Claro | Ginásio Municipal de Ribeirão Claro | 1948 |
Andirá | Ginásio Estadual Barbosa Ferraz | 1949 |
Tomazina | Ginásio Estadual de Tomazina | 1949 |
Assaí | Ginásio Municipal de Assaí | 1950 |
Bandeirantes | Ginásio Municipal de Bandeirantes | 1950 |
Bandeirantes | Ginásio Estadual Lysímaco Ferreira da Costa | 1950 |
Carlópolis | Ginásio Estadual de Carlópolis | 1950 |
Joaquim Távora | Ginásio Estadual Prof. Francisco Benedetti | 1950 |
Siqueira Campos | Ginásio Estadual de Siqueira Campos | 1952 |
Santa Mariana | Ginásio Municipal de Santa Mariana | 1954 |
Wenceslau Braz | Ginásio de Wenceslau Braz | 1954 |
Ribeirão do Pinhal | Ginásio Estadual de Ribeirão do Pinhal | 1955 |
Cornélio Procópio | Ginásio Castro Alves | 1956 |
Ibaiti | Ginásio Estadual Antônio Martins de Mello | 1956 |
Jundiaí do Sul | Ginásio Estadual de Jundiaí do Sul | 1956 |
Santa Amélia | Ginásio de Santa Amélia | 1956 |
Uraí | Ginásio Estadual de Uraí | 1956 |
Sertaneja | Ginásio Estadual de Sertaneja | 1957 |
Quatiguá | Ginásio Estadual de Quatiguá | 1957 |
Congonhinhas | Ginásio Estadual de Congonhinhas | 1960 |
Abatiá | Ginásio Estadual de Abatiá | 1961 |
Fonte: Elaborado pelos autores.
Conclusão
No ano de 2022 inicia-se de modo efetivo o processo de implantação da nova Reforma do Ensino Médio brasileiro. Será implantado progressivamente até 2024 o chamado Novo Ensino Médio, que resulta da Medida Provisória (MP) 746/2016, editada pelo Governo Temer e convertida, em menos de seis meses, na Lei Federal n. 13415/2017, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB n. 9394/1996). Divulgada pelo governo como uma grande mudança positiva neste nível da Educação Básica, a reforma, aprovada sem ampla participação da sociedade brasileira - particularmente de movimentos e trabalhadores da educação -, põe novamente o Ensino Médio em evidência nos debates educacionais. A proposta de educação dividida em cinco itinerários formativos ofertados de acordo com as disponibilidades de instituições e redes de ensino traz à tona, mais uma vez, a discussão sobre as desigualdades da educação do povo e da elite no nível médio. Neste contexto, retomar historicamente a trajetória da instrução de nível secundário em nosso país pode possibilitar uma compreensão mais profunda das desigualdades que têm se mantido em nosso sistema educacional desde suas origens.
Diante disso, este texto apresentou uma análise do movimento de expansão do ensino secundário, particularmente da fundação de ginásios, em uma região do estado do Paraná que ainda apresenta, relativamente, quando comparada a outros locais do mesmo estado, poucos trabalhos de pesquisa no campo da História da Educação que tratem da institucionalização da educação escolar em todos os seus níveis e modalidades. Assim, ao buscar preencher algumas lacunas, inseriu-se em um movimento maior de produção de estudos que objetivam recuperar parte de nosso patrimônio educativo ao preservar fontes e dar visibilidade às instituições escolares.
O trabalho inicial aqui apresentado integra um programa de pesquisa maior. Este mapeamento cronológico e geográfico dos ginásios fundados no período constitui ponto de partida importante para preservação da própria memória educativa dessas instituições, tendo em vista a sua desativação gradual a partir da promulgação da Lei 5692/1971. Some-se a isso o fato de que, dadas as condições de inexistência de políticas públicas de preservação do patrimônio material e imaterial de nossas instituições educativas, particularmente de nossos arquivos escolares, faz-se urgente identificar e guardar informações sobre as escolas que existiram e que, por qualquer razão que seja, deixaram de existir.
Pelos dados levantados sobre a institucionalização dos ginásios na região Norte Pioneiro do Paraná, foi possível confirmar a hipótese inicial de trabalho que apontava para a sintonia entre o movimento de expansão do ideário escolanovista no estado do Paraná e alguns dos interesses da elite agrária da região, em um momento que este era o principal polo econômico de todo o Norte do Paraná - antes da colonização planejada pelas companhias de terras promover o desenvolvimento de regiões mais a oeste do rio Tibagi, em direção a Londrina e Maringá. O movimento de reocupação das terras, marcado pela produção cafeeira, até meados da década de 1970, produziu em sua esteira um fluxo migratório sem precedentes para essas terras, gerando crescimento urbano e demanda por escolas nos diferentes níveis.
Dados os limites desta discussão, ficam abertas outras questões como possibilidades de investigações a partir deste levantamento inicial. Será importante futuramente, por exemplo, levantar dados sobre o público que frequentava essas escolas, sobre alunos e sobre os professores que atuaram nessas instituições. Quem eram? A quais grupos e classes sociais pertenciam? Como se relacionaram com a criação e difusão do “mito do pioneiro” desbravador das terras virgens? Em que medida a institucionalização da educação escolar contribuiu no desenvolvimento desse discurso? Que lugares sociais os egressos dessas instituições ocuparam? Isto poderá auxiliar na compreensão mais dinâmica da própria história da região e do papel desempenhado pela educação nos processos de formação dessas comunidades locais.