Introdução
Este artigo tem como objetivo principal apresentar o dispositivo denominado Gallery Walk online, que emergiu da pretensão de desenvolver uma nova proposta de formação no decorrer da nossa pesquisa de doutoramento que, por sua vez, procurou compreender, em contexto de ciberpesquisa-formação e da pandemia do novo coronavírus, que etnométodos emergiram a partir de experiências formativas com a educação online na formação de professores formadores da Secretaria Estadual de Educação do Estado do Rio de Janeiro (SEEDUC-RJ). Nesse texto, o conceito de etnométodos corrobora com Macedo que afirma que os “etnométodos são os modos, jeitos de compreender e resolver interativamente as questões da vida, para todos os fins práticos” (MACEDO, 2009, p. 156). Os professores formadores são, dessa forma, nossos sujeitos que, no contexto dessa pesquisa serão considerados praticantes culturais. O objetivo específico foi desenvolver uma prática pedagógica participacionista e estruturada em ações científicas na perspectiva da escolarização aberta. O termo “escolarização aberta” surgiu em 2015 no relatório promovido pela União Europeia “Educação de Ciências para Cidadania Responsável” (HAZELKORN et al., 2015) e, conforme Ryan (2015), refere-se a aprendizagem por meio da parceria escola/universidade, família, comunidade, dentre outros enquanto buscam solução para problemas reais vividos em comunidade.
A Gallery Walk (GW) é uma proposta de intervenção pedagógica praticada em diferentes contextos de educação e explorando diversos temas (FRANCEK, 2018), porém, na maioria das vezes, limitada à modalidade de ensino presencial. Em tradução livre para a língua portuguesa, o termo Gallery Walk significa “caminhada na galeria”. Trata-se de uma analogia entre o caminhar em uma galeria de artes num museu ou exposição e, no nosso caso, uma intervenção pedagógica por meio de um dispositivo de ciberpesquisa-formação que forjamos para vivenciar um processo de formação multirreferencial e com os cotidianos na cibercultura, criado e acionado “para lidar com as situações de pesquisa aprendendo com o cotidiano das práticas pedagógicas que se constituem também como campos de pesquisa e formação” (SANTOS; CAPUTO, 2018, p. 30).
A escolarização aberta (open schooling), segundo Ryan (2015, p. 69), se caracteriza por instituições educacionais que buscam resolver problemas reais vividos em comunidade e por meio de “parcerias com especialistas, instituições privadas, famílias e a comunidade local com vista a envolvê-las nos processos de ensino e aprendizagem, mas também para promover a educação como parte integrante da cultura local." Ainda no contexto preconizado nesse texto, a escolarização aberta se distingue pela união de escola, professores, alunos, comunidade, especialistas e iniciativa privada, dentre outros, que buscam colaborativamente por soluções para problemas reais que afligem aquela mesma comunidade. Em nossa proposta de Gallery Walk online, uma das questões centrais reside exatamente na ressignificação de papéis dos atores envolvidos nas relações de aprendizagem (discentes e docentes), ou seja, propõe-se a valorização da voz de todos e todas contemplando suas histórias de vida e formação como elementos fundantes curriculares no fazerpensar da aprendizagem. Além disso, buscamos na noção de escolarização aberta (preconizada e estimulada pela União Europeia no ano de 2018) a fundamentação necessária para colocarmos em prática a coaprendizagem como elemento estrutural de uma ambiência em que a cocriação possa aflorar.
Ademais, entendemos que a Gallery Walk online se apresenta como campo fértil para o desenvolvimento das noções de pesquisa e inovação responsáveis (RRI) do inglês Responsible Research and Innovation (EUROPEAN UNION, 2018). A RRI busca coadunar os conhecimentos científicos e tecnológicos com as necessidades da sociedade “para a ampliação do número de profissionais e cidadãos inovadores e com o pensamento sociocientífico” (OKADA; MATTA, 2021, p. 1775). Como forma de garantia e respeito aos critérios e normas que regem a ética em pesquisa em ciências humanas, informamos que esse estudo/pesquisa foi submetido ao comitê de ética da Universidade Federal à qual nosso grupo de pesquisa pertence, que autorizou a realização.
Para garantir coerência e coesão, organizamos o texto da seguinte maneira: 1. Esta introdução, na qual apresentamos o objetivo principal, o objeto da análise, seu conceito e a estrutura do texto; 2. A Gallery Walk em que detalhamos a prática dessa intervenção pedagógica na modalidade presencial; 3. A Gallery Walk online: nosso dispositivo online, em que apresentamos nossa invenção pedagógica formativa inspirada na GW presencial e cocriada com os praticantes culturais1; e, por fim, o elemento 4. ‘considerações finais’, em que procuramos evidenciar os resultados e a emergência de modos, jeitos de compreender e resolver interativamente as questões apresentadas na intervenção pedagógica.
A Gallery Walk
A Gallery Walk presencial é uma estratégia pedagógica que, em relação ao funcionamento prático, se assemelha a um passeio por uma galeria de artes em que os visitantes buscam compreender o que o artista expressou por meio de sua exposição. Neste tópico, detalharemos essa intervenção pedagógica e suas características, inspirados em relatos de práticas na modalidade de ensino presencial apresentados por Correia (2021); Bowman (2005), Francek (2018) e Gamboa (2019).
Presente na maioria das exposições artísticas, a contemplação é uma característica de longa concentração e atenção em algo. Significa parar no tempo, dar vida aos seus pensamentos e ideias e aproveitar o que está sentindo e vendo, de maneira que todo o cenário composto pela obra de arte se transforme em memória para se reviver. Outra característica presente em exposições artísticas é a participação. A arte participacionista, indo além da contemplativa, traz consigo, para se fazer completa, a necessidade da intervenção direta do contemplador.
Silva (2001), inspirado pelo artista plástico Hélio Oiticica (1937-1980), apresenta a pedagogia do parangolé que se deseja interativa, participacionista, ou seja, a participação sensório-corporal e semântica na obra de arte e não apenas a apreciação separada da sugestão, dos anseios e da interferência.
O fruidor da arte é solicitado à “completação” dos significados propostos no parangolé. E as proposições são abertas, o que significa convite à cocriação da obra. O indivíduo veste o parangolé que pode ser uma capa feita com camadas de panos coloridos que se revelam à medida que ele se movimenta correndo ou dançando. Oiticica o convida a participar do tempo da criação de sua obra e oferece entradas múltiplas e labirínticas que permitem a imersão e intervenção do “participador”, que nela inscreve sua emoção, sua intuição, seus anseios, seu gosto, sua imaginação, sua inteligência. Assim a obra requer “completação” e não simplesmente contemplação (SILVA, 2001, p. 8).
Durante a realização de uma atividade pedagógica inspirada na GW presencial, os estudantes criam e cocriam suas próprias obras e se movem ao redor da sala de aula presencial conversando com seus colegas na intenção de colaborar e contemplar imagens, pôsteres/cartazes cocriados por outros, além dos seus próprios trabalhos. Neste percurso, contribuem com comentários, partilham ideias e solicitam esclarecimentos aos colegas a respeito das dúvidas que surgem ao longo da caminhada. Dessa forma, como estratégia pedagógica, a GW presencial cria uma ambiência em que estudantes podem desenvolver saberes colaborativamente sobre temas variados.
Francek (2018), por exemplo, utilizou a GW presencial em um contexto cujo tema central era a biosfera. O autor ressalta que a GW presencial pode ser organizada para um simples “quebra-gelo” de quinze minutos ou para um projeto de uma semana envolvendo relatórios orais e/ou escritos. Ainda segundo Francek (2018), considerando seu contexto docente, a GW presencial incentiva os alunos a falarem e escreverem a linguagem da ciência da terra em vez de apenas ouvi-la do professor, além de abordar uma variedade de saberes envolvendo análise, avaliação e síntese.
Num breve exemplo sobre a realização de uma atividade pedagógica no formato de uma Gallery Walk presencial em uma sala de aula, podemos sinalizar alguns pontos importantes, tais como:
1. O professor prepara questões para discussão (sobre o tema que se quer abordar) e que servirão para a cocriação dos estudantes. Em uma turma com 36 estudantes, por exemplo, formam-se grupos de trabalho e pesquisa (figura 1) com seis alunos, preparando-se seis questões, uma para cada grupo de estudantes;
2. As questões são entregues aos grupos (uma para cada), propondo-se que seus integrantes debatam, pesquisem e cocriem sobre o tema. O(A) docente pode disponibilizar livros, apostilas, vídeos, internet, dentre outros recursos de pesquisa para que os integrantes dos grupos construam colaborativamente opiniões, relatos ou respostas nos mais variados formatos, com imagens, vídeos, áudios, textos, cartazes e/ou memes, por exemplo. Na GW, o importante é que os integrantes dos grupos construam e partilhem sentidos entre si e para/com os integrantes dos outros grupos. Nesta fase, os grupos preparam a “galeria de artes” em que os integrantes (artistas) poderão expor suas produções, submetendo-as à visitação dos outros integrantes de outros grupos. A “galeria de artes” pode funcionar sobre as mesas de trabalho dos grupos, bem como de espaços nas paredes próximas, desde que possível geograficamente. A proposta é que - durante o giro de participantes/visitantes (caminhada pela galeria), fase que será descrita mais adiante - eles tenham acesso visual, sonoro e/ou tátil aos conteúdos produzidos (obras de arte). Na GW presencial utilizamos as mesas de estudantes além das paredes próximas ao grupo (tomando cuidado para não as danificar), para expor as criações. Cada integrante deverá receber um número que representará seu próprio grupo. Assim sendo, considerando o exemplo que utilizamos, haverá seis estudantes com o número um, seis estudantes com o número dois, na mesma sequência seis estudantes com os números três, quatro, cinco, até termos seis estudantes com o número seis no grupo seis. Podemos utilizar adesivos autocolantes numerados como uma espécie de crachá de identificação. A figura 2 ilustra essa fase do GW presencial;
3. Durante a cocriação dos trabalhos, tratados aqui como “obras de arte coletivas”, como se realizasse uma curadoria artística, o(a) docente caminha entre os grupos orientando e conversando com os estudantes. É importante que todos se preparem para apresentar a(s) obra(s) do grupo para os outros participantes. A ideia é que todos sejam cocriadores e curadores de suas “obras”. A disposição da exposição deve ser realizada pelos participantes que poderão utilizar o espaço das mesas e, caso seja possível, um espaço na parede próxima do grupo. Após a finalização das obras e da disposição dos trabalhos, o(a) docente solicita que os participantes dos grupos se dividam, mas, dessa vez, de maneira que cada participante tenha a identificação numérica única na nova composição grupal, ou seja, os novos grupos serão compostos por participantes com numeração única do número um ao seis. A figura 3 ilustra um exemplo da nova composição.
4. Caminhada pela galeria: o(a) docente aponta o sentido da caminhada em grupo (no nosso exemplo o sentido é o horário), orienta sobre quanto tempo os participantes terão para contemplar as criações dos outros, além de garantir que cada um produza um breve relato sobre a “obra” visitada. A caminhada é a mudança física dos participantes em direção ao painel de exposição ao lado de onde se encontra, ou seja, dentro do tempo combinado e ao sinal do(a) docente, os participantes do painel de exposição um (mesa um) seguem para o painel dois. Os participantes que estavam no painel dois seguem para o três e assim por diante, até que a mudança de todos os seis grupos ocorra ao mesmo tempo. Com essa organização (figura 4), é garantido que, a cada giro pela GW, tenhamos um estudante de cada numeração (um a seis). A GW propõe que os participantes, além de cocriar, possam se expressar e partilhar sentidos. Para tanto, há a figura do(a) apresentador(a). O(a) apresentador(a) é o(a) responsável por apresentar a(s) obra(s) aos demais visitantes quando eles passam pelo painel de exposição do seu grupo. Enquanto os estudantes/visitantes caminham, partilham sentidos, perguntam e respondem a partir das discussões das questões, o professor também caminha pela GW acompanhando e, se necessário, intervindo. Ao final do tempo previamente estipulado pelo(a) docente, o grupo todo segue (figura 4) para a próxima estação da galeria e um novo ciclo se inicia com um(a) novo(a) “artista criador(a)” apresentando a(s) criação(ões).
Importante salientar que o tempo disponibilizado para cada fase do exemplo acima vai variar de acordo com algumas características, como: o nível de escolaridade dos estudantes (A GW pode ser utilizada da educação infantil à pós-graduação), quantidade de conteúdo a desenvolver, disponibilidade de recursos de pesquisa, tempo de aula, dentre outras. A GW presencial pode ser utilizada em um encontro ou em vários, conforme planejamento docente.
Quando o grupo retorna à estação onde começou, os participantes sintetizam os comentários, fazem um relato oral, escrito ou gravado, sobre as cocriações e as compreensões partilhadas durante a Gallery Walk (GAMBOA, 2019).
Gallery Walk online: nosso dispositivo
No nosso contexto de ciberpesquisa-formação, considerando o auge da pandemia da covid-19, em que encontros físicos representavam sérios riscos para nossas vidas, considerando ainda se tratar de professores formadores da SEEDUC-RJ, nos inspiramos no GW presencial para desenvolver a novidade da Gallery Walk online, aproveitando a potência formacional da cibercultura e seus elementos importantes, como ubiquidade, mobilidade, interatividade e hipermídia, proporcionando ambiência para a cocriação, discussão, participação propositiva, debate e a exposição atemporal.
A caminhada da GW presencial pressupõe se levantar da cadeira da sala de aula e literalmente caminhar fisicamente visitando a exposição de materiais cocriados pelos colegas de turma. Na GW online podemos ir além e caminhar com/no ciberespaço explorando potências hipermidiáticas assíncronas, uma das muitas noções da educação online2.
No Grupo de Pesquisa do qual participamos, buscamos gerir ambiências formacionais em que nos formarmos a partir de acionamentos de dispositivos (no caso desse texto, a GW online) “com” nossos praticantes culturais e não “sobre” eles. Uma formação não feita para o outro, sem o outro e, muitas vezes, contra o outro, mas com o outro. Formação concebida, em geral, como uma concepção plural e que se afasta da ideia de meros dispositivos técnicos e tecnológicos e de mediação, enquanto busca se aproximar e se dar a partir da experiência aprendente, uma etnoformação. Formativo vem daquilo que é formante (que se basta). Macedo (2020, p. 31) nos esclarece que “ao lidar com questões formacionais com aprendentes no nível experiencial, nos deparamos com a presença do outro”, ou seja, formacional vem daquilo que é humilde ao ponto de não se achar bastante, que precisa do outro e, por isso, dá-se formacionalmente a partir da relação com o outro.
Para realizarmos nossa GW online provida de potências da cibercultura e da escolarização aberta, precisamos pensar em um painel de exposições no digital em rede. Para tanto, propusemos o uso do Padlet3 que, para as fases de cocriação e exposição, reunia características hipermidiáticas. A utilização do mural digital interativo (Padlet) possibilita aos praticantes culturais a partilha de ideias, a cocriação, a interatividade, o debate e a avaliação. Para nós, pesquisadores em constante formação, em um híbrido de objeto técnico e seres humanos em processo de comunicação em rede, podemos desenvolver conteúdos, situações de aprendizagem além de dispositivos de pesquisa, lançando mão de canais de comunicação entre os praticantes culturais e os conhecimentos por eles produzidos (SANTOS; CAPUTO, 2018).
Na perspectiva da cibercultura, a GW online institui, por meio da possibilidade do uso de diferentes linguagens e mídias (imagens, textos, áudios, vídeos, documentários, filmes, Gifs, memes e infográficos), um terreno fertilizado para as potências das leis que marcam a cultura contemporânea, como o hipertexto e a interatividade, bem como a linguagem que emerge a partir dela: a hipermídia. O hipertexto se caracteriza pelas associações dinâmicas e infinitas (links) advindas da fragmentação textual que, por sua vez, surge com a hibridização que é a conversão da informação em sequências de 0 e 1 bits (SANTAELLA, 2001). Para Santaella (2001), o hipertexto é uma linguagem escrita sem linearidade, que pode ser acessada e sequenciada conforme interesse e necessidade, permitindo a personalização da navegação e exploração por conta dos percursos escolhidos, o que torna o sujeito responsável pela estruturação do seu conhecimento.
A hipermídia é composta de diferentes tipos de informação (texto, som, imagem, vídeo) surgindo na convergência do hipertexto com a multimídia. Assim sendo, todas as informações de formatos diversos são transformadas em linguagem de computador (linguagem de máquina) em sequências de 0 e 1, distinguíveis por processadores digitais. Nessa atualização informacional, os suportes analógicos são substituídos por conexões digitais onde viabiliza-se o transporte de mídias de vários formatos (multimídia). Dessa forma,
[...] toda mistura de linguagens da multi e hipermídia está inegavelmente fundada sobre três grandes fontes básicas: a verbal, a visual e a sonora. Tanto é assim que os programas multimídia (softwares) literalmente programam as misturas de linguagens a partir dessas três fontes primordiais: os signos audíveis (sons, músicas, ruídos), os signos imagéticos (todas as espécies de imagens fixas e animadas) e os signos verbais (orais e escritos) (SANTAELLA, 2007, p. 319-320).
A hipermídia independe do espaço e tempo da sua emissão e tem o poder de hibridizar os padrões de linguagem e pensamento (som, imagem e texto) a qual possui uma grande concentração de informação.
A terceira noção fundante da cibercultura, que evidenciamos nesse recorte de investigação em consonância com o GW online, é a interatividade. Por meio da liberação do polo de emissão de informações (característica importante da cibercultura), a interatividade transforma receptor em emissor que pode, inclusive, mixar e reenviar informações por meio das mídias digitais em rede. Na GW online que cocriamos, os praticantes culturais liam e escreviam, alterando, mixando, enquanto comentavam, curtiam e debatiam, rompendo, dessa forma, com a unidirecionalidade informacional (um-para-muitos) presente nas mídias de massa, como televisão e rádio, por exemplo. Além disso, descontinua com o modelo de aprendizagem linear e transmissiva que se funda na restrição da criação e emissão da mensagem, em que os sujeitos consomem a informação.
Importante destacar que Silva (2014) diferencia interação de interatividade. Na interação, o sujeito interage com o material disponibilizado para estudo, não há possibilidade de intervenção para a cocriação. Para que exista interatividade é necessário que o sujeito intervenha, que transforme e crie, numa relação dialógica com seus pares. Assim sendo:
Interatividade é a modalidade comunicacional que ganha centralidade na cibercultura. Exprime a disponibilização consciente de um mais comunicacional de modo expressamente complexo presente na mensagem e previsto pelo emissor, que abre ao receptor possibilidades de responder ao sistema de expressão e de dialogar (SILVA, 2014, p. 42).
Neste contexto hipermidiático, interativo e hipertextual, a GW online institui um processo de aprendizagem participacionista, pois cria um modo de ler, escrever, gravar, mixar, comunicar, dialogar, debater e navegar pela internet, que corrobora com uma ambiência formacional de produção de conhecimento. Uma exposição com o GW online pode e deve ser operada pelos praticantes culturais e se mostrar, também, como uma oportunidade de partilha de pensamentos, fazeres e saberes em um ambiente solidário e de cocriação. Para os professores pode ser um momento para avaliar itinerâncias e errâncias.
Numa reunião online envolvendo o setor pedagógico da SEEDUC-RJ, esse pesquisador (como Coordenador Estadual de Formação de Servidores) e todo o grupo de praticantes culturais, foram discutidas questões que configuravam problemas reais para a formação de docentes naquele contexto de pandemia, bem como problemas relacionados a inserção de tecnologias digitais de comunicação na formação dos próprios formadores da SEEDUC-RJ. Dessa forma, com a participação de todos os envolvidos, decidimos buscar por soluções para os problemas conjuntamente, e a partir da configuração das seguintes questões:
Quais são os atuais desafios da educação?
Como as tecnologias digitais em rede emergem no seio do fazer docente?
Quais são os principais desafios na formação de professores na contemporaneidade?
Qual seria o “modelo” de formação “ideal”?
Qual o papel das políticas públicas na formação de professores?
Esse nos pareceu o cenário ideal para propormos uma Gallery Walk, online nesse caso, para que nossos praticantes culturais, esse pesquisador e o setor pedagógico da SEEDUC-RJ tivéssemos oportunidades de cocriarmos respostas enquanto acompanhávamos outras cocriações. Dessa forma, imbuídos pelo pensamento de que tanto a escolarização aberta quanto a noção do caminhar ubíquo poderiam estruturar um dispositivo formacional importante para a formação autorizante de professores formadores da SEEDUC-RJ, pensamos e propomos a criação de uma galeria online em que os mesmos pudessem experimentar vivências como autores de si mesmos a partir da produção de sentidos, da escuta sensível (BARBIER, 1998) e das narrativas com a Gallery Walk online por meio da interface digital Padlet. Lançamos o desafio com a criação de grupos de formadores (cinco grupos com cerca de 12 formadores cada).
Assim sendo, foram distribuídas as questões (uma para cada grupos) que, a partir da provocação (questão) que lhe coube, debateu internamente (intragrupos) desenvolvendo a escuta sensível em busca de repostas para os problemas comuns, além de partilhar as produções em variados formatos como imagens, áudios, mini vídeos, texto e até memes. A produção de novos debates em torno da mesma questão, ia se dando enquanto os outros colegas caminhavam pelos murais interativos dos outros grupos.
Em ato contínuo, as imagens a seguir (figuras 6 a 10) mostram as questões disparadoras (uma em cada mural digital - Padlet) e, logo a seguir, os mesmos murais, mas já com interações dos praticantes culturais.
Cada Padlet, como se fosse uma “obra de arte” em cocriação começou a receber as visitas dos(as) autores(as) e coautores(as), bem como as interações deles(as). Isso pode ser verificado nas seguintes falas:
Observando e acessando/caminhando no mural digital 1 (figura 11), que pode ser acessado pelo QR Code exposto na figura 12, percebemos curtidas, comentários, postagens com imagens, sons e vídeos, como o do formador 14 que, ao responder à questão provocadora afirma que um dos atuais desafios da educação em tempos de pandemia é a “inclusão digital de alunos excluídos, bem como a formação continuada de professores na perspectiva da Educação Online” de Santos (2005).
Já o formador 2 atenta para o acolhimento dos estudantes e das famílias nesse momento pandêmico. Diz ele:
O acolhimento emocional dos estudantes e suas famílias é um desafio. Não só os aspectos pedagógicos e de estrutura, mas principalmente os emocionais precisam ser cuidados. A interrupção das aulas causou mudança na rotina, afastou as crianças e os jovens do convívio social e agora essa retomada gera nova mudança para um “novo normal” difícil, que pode causar insegurança, estresse e ansiedade. As equipes da escola precisam estar preparadas para lidar com esses sentimentos e ajudá-los à readaptação, apoiá-los nas dificuldades de aprendizado e em todas suas carências. (FORMADOR 2, 2021).
A interatividade percebida envolve curtidas entre postagens, respostas concordantes e debates que navegam, principalmente por esses dois temas, com uma leve predominância para a questão apresentada pelo formador 1. Para nós, pesquisadores, que nos formamos enquanto formamos, saltam aos olhos aspectos fundantes da multirreferencialidade como a autorização e a alteridade, bem como da noção de ato de currículo que preconiza a formação “com” e não “para” os praticantes culturais.
Buscando compreender a compreensão que o formador 3 exprimiu na figura 12, em que, ao responder à provocação da questão do mural digital 2 sobre como as tecnologias digitais em rede emergem no contemporâneo do seio do fazer docente, afirma que seria como “se os docentes fossem jogados ao mar e, para que consigam sobreviver, precisam aprender a nadar. Alguns já sabem, outros não!”, percebemos que tal afirmação nos aproxima de um desafio que talvez seja o de reconhecermos a cibercultura para além de contexto cultural que, para W. Mitchell (Mitchell, 2003), o termo Cibercultura tem vários sentidos, mas se pode entender como a forma sociocultural que advém de uma relação de trocas entre a sociedade, a cultura e as novas tecnologias de base microeletrônicas surgidas na década de 70 do século XX, graças à convergência das telecomunicações com a informática. A cibercultura é um termo utilizado na conceituação dos agenciamentos sociais das comunidades no espaço eletrônico virtual. Dizemos conceituação, e não definição, pelo fato dela se transformar, ao longo dos anos, conforme transforma as relações de produção, consumo e comunicação, principalmente. Tanto que para Santos, 2005 a Cibercultura é a cultura contemporânea mediada por recursos digitais, ou seja, o contexto da vida contemporânea completamente imerso na rede que conecta as cidades e o ciberespaço deixando cada vez menos perceptível a fronteira entre o real e o virtual. No entanto e dessa forma, para nós, pesquisadores da cibercultura, ela é contexto sim, mas também é cultura e epistemologia. Relativamente comum no meio educacional, a percepção neotecnicista de que as tecnologias digitais são meras ferramentas que, se forem devidamente “dominadas” pelos professores, com base nos conceitos de eficiência, de produtividade e de qualidade total, tornarão o ensino viável e eficiente.
A percepção de que com o envolvimento de todos na busca por respostas para os problemas sinalizados pelas perguntas era uma forma de se sentir parte da solução de um problema vivido socialmente, salta aos nossos olhos na fala do formador 4 que escreveu em forma de poesia: “no início eu estava olhando o mar....Mergulhei!!!! Hoje sinto-me profundamente envolvida por todas as maravilhas oceânicas” (Figura 13).
O formador 4 deixa claro o quão importante para sua aprendizagem é a possibilidade de participar diretamente das soluções a serem propostas cocriando soluções com seus colegas, com o setor pedagógico da SEEDUC-RJ e com o coordenador estadual de formação. Fica evidente que a Gallery Walk online inspirada na escolarização aberta e na educação online tira Jane da posição de mera espectadora, colocando-a no papel de protagonista na solução de problemas do cotidiano daquele grupo.
Nosso mote de inspiração, referências e justificativa emerge da bricolagem do nosso dispositivo com o caminhar ubíquo (SANTOS; REIS, 2020), escolarização aberta (OKADA; RODRIGUES, 2018) e a Educação Online (SANTOS, 2019) que na não dissociação e, por conseguinte, na valorização da narração da experiência formacional (MACEDO, 2020) das emergências da produção de sentidos advindos dos processos narrativos, funda uma vivência de autorização, ou melhor, ousa conceber uma ambiência formacional em que os sujeitos se vejam autores e vivam a autoria de si mesmos em cocriação (MACEDO, 2015).
Enfim, uma formação calcada na escolarização aberta e radicalmente democrática.
Considerações finais
Sabendo que escolarização aberta é a parceria entre os praticantes culturais (sujeitos), especialistas, professores, comunidade, dentre outros, que se voltam para a resolução de problemas do cotidiano, esse trabalho evidenciou um processo de formação de professores formadores na cibercultura utilizando o dispositivo Gallery Walk online com as seguintes contribuições para a escolarização aberta:
Por meio das potências do digital em rede que viabilizam a comunicação textual, imagética, sonora e visual que, em última instância, facilitam a comunicabilidade de todos os envolvidos no processo disponibilizando variados meios de expressão bem como a possibilidade de, enquanto produz em colaboração, contempla, opina, debate e intervém noutros murais digitais enriquecendo ainda mais a produção de soluções para problemas comuns e reais;
A GW online permitiu que os praticantes culturais (professores formadores), de forma criativa e crítica e, por meio da cocriação, da interatividade e da hipertextualidade, em colaboração com especialistas da SEEDUC-RJ e com a comunidade escolar, debatessem e produzissem respostas para os problemas que os próprios vivenciavam. A produção de respostas foi exposta como em uma galeria de artes e os demais praticantes culturais de outros grupos puderam interagir com elas opinando, concordando, discordando, enfim, cocriando intergrupos e refinando as produções (respostas) com vistas a solução dos problemas vividos.
Nossa pesquisa segue com o olhar da escolarização aberta, multirreferencial que inclui no lugar da exclusão, que autoriza no lugar da desautorização e que caminha junto no lugar do conforto do “camarote” da observação. Finalmente, a tensão pela ousadia de articular o que antes era separado, incorporando possíveis extremos para, por meio de um olhar, agora paradoxal, não perder de vista a complexidade possível de se projetar a realidade, como ensina Jacques Ardoino, quando afirma que não é a realidade que é complexa, mas o olhar do pesquisador, e, adicionamos: do formador(a) que a vê (ARDOINO, 1998).
Ademais e, como forma de desenvolvermos ações formacionais e não exclusivamente formativas, propomos ações pedagógicas com a Gallery Walk online fundadas na escolarização aberta que, no contexto proposto e segundo Okada e Rodrigues (2018, p. 51), “refere-se às parcerias entre escolas, comunidades locais, famílias e instituições visando conectar as três abordagens de aprendizagem (formal, informal e não formal)” que, além dessa e de outras importantes contribuições, preconiza e potencializa a participação social nas relações de aprendizagem.
Ações que, com a Gallery Walk online, possam abrir os momentos de fazerpensar nas soluções de problemas, para que a contribuição da sociedade (empresas, agentes de políticas públicas, comunidades de pesquisa acadêmica, pais, responsáveis, dentre outros) colabore com conhecimentos outros para além dos muros institucionais da formação de formadores ou da escola/universidade e explorando as potências do digital em rede. Apresentamos alguns exemplos do que se pode produzir com a Gallery Walk online fundamentada na escolarização aberta abrindo um campo de prática e pesquisa ainda inexplorado.
Nesse ponto a GW online apresenta-se como um dispositivo que viabiliza, em conjunto, uma ambiência onde todos, sem distinção, podem expor ideias e sugestões que poderão colaborar para a solução de problemas reais vividos em comunidade de forma ubíqua, acrônica, hipermidiática, cocriativa e colaborativa.