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Revista Diálogo Educacional

Print version ISSN 1518-3483On-line version ISSN 1981-416X

Rev. Diálogo Educ. vol.23 no.78 Curitiba  2023  Epub Oct 04, 2023

https://doi.org/10.7213/1981-416x.23.078.ds08 

Dossiê

Educação complexa: uma nova abordagem de ensino na formação de professores da Educação Básica

Complex education: a new teaching approach to teacher training in Basic Education

Educación compleja: un nuevo enfoque de enseñanza en la formación de profesores de la Educación Básica

1Universidade Alto Vale do Rio do Peixe (UNIARP), Caçador, SC, Brasil

2Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Curitiba, PR, Brasil

3Instituto de Educação Superior de Brasília (IESB), Brasília, DF, Brasil


Resumo

Este artigo sistematiza abordagens de ensino que influenciam na educação brasileira, com o objetivo de situar uma alternativa para a formação de professores diante do problema da falta de práticas pedagógicas comprometidas com o atendimento de suas demandas formativas, de modo contextualizado e planetariamente conectado. Utilizando a pesquisa bibliográfica e qualitativa, o estudo transitou pelas abordagens de ensino identificadas por Mizukami (2016) e se aproximou especialmente daquela vinculada à tríade conceitual pensamento complexo-transdisciplinaridade-ecoformação. Assim, conclui-se que a educação complexa se constitui em uma abordagem de ensino que estimula formações de professores promotoras de metamorfoses na prática pedagógica, por valorizar o conhecimento pertinente e, em decorrência, processos de ensino e de aprendizagem valorizadores dos princípios hologramático, dialógico e recursivo.

Palavras-chave: Formação de professores; Prática pedagógica; Abordagens de ensino; Educação transcomplexa.

Abstract

This article systematizes teaching approaches that influence Brazilian education, for the purpose of locate an alternative to be applied in teacher education regarding the problem of the lack of pedagogical practices committed to meeting its formative demands, in a contextualized manner and globally connected. By utilizing bibliographical review and qualitative research, the study looked into the teaching approaches identified by Mizukami (2016) and came closer especially to the approach involving the conceptual triad: complex thinking-transdisciplinarity-ecoformation. Thus, it is concluded that complex education is in fact a teaching approach that encourages teacher training aimed at promoting metamorphoses in the pedagogical practice as it values pertinent knowledge and, as a result, it also values teaching and learning processes which effectively appreciate hologrammatic, dialogical, and recursive principles.

Keywords: Teacher training; Pedagogical practice; Teaching approach; Transcomplex education.

Resumen

Este artículo sistematiza los enfoques de enseñanza que influyen en la educación brasileña, con el objetivo de situar una alternativa para la formación de profesores frente al problema de la falta de prácticas pedagógicas comprometidas con la atención de sus demandas de formación, de forma contextualizada y globalmente conectada. Utilizando una investigación bibliográfica y cualitativa, el estudio transitó por los enfoques de enseñanza identificados por Mizukami (2016) y abordó especialmente aquellos vinculados a la tríada conceptual pensamiento complejo-transdisciplinariedad-eco-formación. Así, se concluye que la educación compleja constituye un enfoque de enseñanza que estimula la formación docente que promueve metamorfosis en la práctica pedagógica, al valorizar conocimientos relevantes y, en consecuencia, procesos de enseñanza y aprendizaje que valoran principios hologramáticos, dialógicos y recursivos.

Palabras clave: Formación de profesores; Práctica pedagógica; Enfoques de enseñanza; Educación transcompleja.

Introdução

Os desafios da realidade atual e as incertezas em relação ao futuro da humanidade evidenciam que as abordagens de ensino, conforme mapeadas no século XX por Mizukami (2016), não têm sido suficientes para atender parte das demandas educacionais do século XXI. Assim sendo, mesmo com os avanços observados na transição entre as cinco abordagens identificadas pela autora (tradicional, comportamentalista, humanista, cognitivista, sociocultural), especialmente nas três últimas, percebe-se que é preciso prosseguir ainda em direção a uma abordagem que valorize o conhecimento pertinente na formação dos professores e, em decorrência, colabore para a metamorfose da prática pedagógica.

Entre as demandas da realidade atual que geram incertezas em relação ao futuro, destaca-se o aumento de problemas relacionados à saúde mental (OMS, 2022), à fome no mundo (FAO et al., 2022), à crise hídrica (UNESCO, 2021) e ao aquecimento global (IPCC, 2022). Como afirmam Mallart e Mallart-Sanz (2022), vivemos uma emergência planetária com enormes problemas relacionados entre si, resultados de comportamentos motivados pelo “[...] hábito de atender somente o mais próximo, espacial e temporalmente, e desatender as previsíveis consequências futuras de nossas ações” (p. 87).

Trata-se de uma crise que “[...] atinge um mundo que lida com tensões não resolvidas: entre as pessoas e a tecnologia, entre as pessoas e o planeta, e entre os que têm oportunidades e os que não têm - questões que estão moldando uma nova geração de desigualdades [...]” (PNUD et al., 2021, p. 31). Ainda assim, existe uma persistência em práticas pedagógicas que priorizam “[...] saberes separados, fragmentados, compartimentados entre disciplinas [...]” enquanto os problemas se mostram cada vez mais “[...] transversais, multidimensionais, transnacionais, globais, planetários” (MORIN, 2018, p. 13).

Especificamente no âmbito da profissionalização docente, pesquisas “[...] apontam que a formação de professores é fortemente influenciada pela concepção que fundamenta o paradigma conservador [...]” (LUPPI; BEHRENS; SÁ, 2021, p. 5). Como consequência, tem se ampliado “[...] um sentimento de insatisfação, que resulta da existência de uma distância profunda entre as nossas ambições teóricas e a realidade concreta das escolas e dos professores [...]” (NÓVOA, 2017, p. 1108-1109).

Tendo nesse panorama sua motivação, este artigo objetiva sistematizar abordagens de ensino que influenciam na educação brasileira, evidenciando a necessidade de situar alternativas para uma formação de professores que favoreça práticas pedagógicas comprometidas com o atendimento de demandas da realidade atual.

Com base na pesquisa bibliográfica e na abordagem qualitativa, o estudo prioriza autores que discutem o pensamento complexo, o conhecimento pertinente, a formação de professores e especificidades dos processos de ensino e de aprendizagem, dentre os quais Mizukami (2016), Luppi, Behrens e Sá (2021), Morin (2011, 2015a, 2015b, 2018, 2019), Nicolescu (2018), Nóvoa (2017, 2019), Petraglia (2008), Sá (2019) e Santos (2005).

Nesse percurso, inicialmente são recuperadas e contextualizadas as abordagens de ensino mapeadas por Mizukami (2016), para, finalmente, serem tecidas reflexões sobre a formação continuada de professores e sua aproximação com a tríade conceitual pensamento complexo-trandisciplinaridade-ecoformação. Teoricamente, essas especificidades pautam a discussão acerca da educação transcomplexa, considerada, neste artigo, uma nova abordagem de ensino.

As abordagens de ensino mapeadas no século XX

Um mapeamento das abordagens de ensino, amplamente reconhecido no contexto brasileiro, foi publicado por Mizukami (2016), no ano de 1986, no livro Ensino: as abordagens do processo. Na obra, a autora apresentou cinco abordagens: tradicional, comportamentalista, humanista, cognitivista e sociocultural.

Na abordagem tradicional, prioriza-se a transmissão do conhecimento, competindo ao professor a apresentação do conteúdo e ao estudante a responsabilidade de assimilá-lo. Portanto, essa abordagem se caracteriza por um ensino centrado no verbalismo e na memorização e por preocupações “[...] mais com a variedade e a quantidade de noções/conceitos/informações do que com a formação do pensamento reflexivo” (MIZUKAMI, 2016, p. 14).

Nessa perspectiva, enquanto “[...] o professor é a autoridade máxima e o detentor do conhecimento [...]” (FERREIRA et al., 2017, p. 30), a escola se constitui no “[...] local ideal para a transmissão desses conhecimentos que foram selecionados e elaborados por outros” (SANTOS, 2005, p. 21). Por isso, didaticamente, a abordagem tradicional prioriza a realização de atividades repetitivas, que são propostas depois de a exposição ser feita pelo docente, sem estimular, de fato, uma compreensão acerca do conteúdo (MIZUKAMI, 2016).

Esse processo colabora para mutilar o conhecimento, justamente por centrar-se na simplicidade que “[...] vê o uno, ou o múltiplo, mas não consegue ver que o uno pode ser ao mesmo tempo múltiplo [...]”, contribuindo para que na prática pedagógica se fortaleça a separação “[...] do que está ligado (disjunção), ou a unificação do que é diverso (redução)” (MORIN, 2015b, p. 59). Como resultado, colabora-se para “[...] uma visão fragmentada, disjuntiva e separadora do ser humano em relação à natureza e à sociedade” (SÁ, 2019, p. 19).

A abordagem comportamentalista se distingue da tradicional por utilizar estratégias comportamentais voltadas para modelar o comportamento dos estudantes e também pela ênfase no objeto de conhecimento (SANTOS, 2005). Para a modelação, é comum que os professores utilizem estratégias de controle de contingências e feedbacks constantes para fornecer “[…] elementos que especifiquem o domínio de uma determinada habilidade [...]” (MIZUKAMI, 2016, p. 33).

A abordagem comportamentalista converge com a ideia de que os estudantes são produtos do meio, sendo possível controlá-los mediante a adoção de uma dinâmica centrada na padronização de comportamentos (ZWIEREWICZ et al., 2019). Por isso, seu foco está na metodologia e na defesa do uso da instrução programada, na operacionalização de objetivos comportamentais, na análise comportamental e na sequência instrucional (SANTOS, 2005).

Apesar de ter suas especificidades, a abordagem comportamentalista reitera resultados observados no uso da abordagem tradicional. Como exemplo, ao centrar o processo no uso de técnicas, a abordagem comportamentalista continua ensinando a “[...] isolar os objetos (de seu meio ambiente), a separar a disciplinas (em vez de reconhecer suas correlações), a dissociar problemas, em vez de reunir e integrar [...]”, colaborando para que mentes jovens percam “[...] suas aptidões naturais para contextualizar os saberes e integrá-los em seus conjuntos” (MORIN, 2018, p. 15).

Em contrapartida, a abordagem humanista representa um avanço significativo em relação às abordagens tradicional e comportamentalista. Isso ocorre por seu pioneirismo na valorização da autonomia, descentralizando os processos de ensino e de aprendizagem da transmissão de conhecimentos e da utilização de técnicas reprodutivistas.

Como o foco da abordagem humanista está no estudante e nas suas particularidades, ela prioriza o “[...] desenvolvimento de um clima que possibilite liberdade para aprender” (MIZUKAMI, 2016, p. 54). Portanto, valoriza “[...] as relações interpessoais, objetivando o crescimento do indivíduo em seus processos internos de construção e organização pessoal da realidade, de forma que atue como uma pessoa integrada” (SANTOS, 2005, p. 24). Para o autor, é nesse processo que o professor se posiciona como um facilitador, competindo-lhe fornecer condições para a aprendizagem.

Mesmo distinta das abordagens tradicional e comportamentalista, a abordagem humanista não defende a suspensão do fornecimento de informações (ZWIEREWICZ et al., 2019). No entanto, os conhecimentos devem ser significativos e percebidos como mutáveis, por isso são valorizadas a pesquisa e a capacidade crítica dos estudantes, bem como seu potencial para aperfeiçoar conhecimentos “[...] ou até mesmo de substituí-los” (MIZUKAMI, 2016, p. 55).

Já a abordagem cognitivista, a quarta abordagem mapeada por Mizukami (2016), tem como foco a interação entre o sujeito e o objeto, portanto converge com a ideia de que a aprendizagem decorre “[...] da assimilação do conhecimento e também da modificação de estruturas mentais já existentes [...]” (SANTOS, 2005, p. 25). Observa-se, assim, a existência de avanços por sua defesa da interação entre sujeito e objeto, mas uma estagnação quando preserva a perspectiva da assimilação de conhecimentos.

Essa ênfase na assimilação mostra-se como um impeditivo para a valorização do conhecimento pertinente, ou seja, de um conhecimento indispensável diante das emergências atuais e das incertezas em relação ao futuro, por ser este conhecimento “[...] capaz de apreender problemas globais e fundamentais para neles inserir os conhecimentos parciais e locais” (MORIN, 2011, p. 16). Nesse sentido, observa-se que a abordagem cognitivista se distancia do princípio hologramático e, por conseguinte, da compreensão do todo sem desconsiderar o valor das partes como aquilo que existe entre uma parte e outra. Trata-se, portanto, de uma limitação dessa abordagem porque “[...] o todo tem qualidades ou propriedades que não são encontradas nas partes [...]”, por isso existe a necessidade de “[...] efetivamente recompor o todo para conhecer as partes [...]” (MORIN, 2011, p. 35), o que implica considerar também o que está entre as partes para reconectá-las.

Apesar dessa limitação, observam-se outros avanços da abordagem cognitivista especialmente em relação às abordagens tradicional e comportamentalista. Um deles é constituído pelo estímulo ao trabalho em equipe, pois se parte do princípio de que a aprendizagem ocorre quando se compartilham ideias e informações, mas também responsabilidades e decisões (MIZUKAMI, 2016).

Além disso, por ter como base o construtivismo interacionista, a abordagem cognitivista também valoriza a pesquisa e a resolução de problemas (ZWIEREWICZ et al., 2019). Desse modo, comparando-a à abordagem tradicional, suas estratégias superam a inspiração filosófica centrada na ciência lógica para dar vazão a uma pedagogia que se inspira na experimentação (SANTOS, 2005). Nesse sentido, ela também se afasta da abordagem comportamentalista por não valorizar a modelação.

A abordagem sociocultural completa o mapeamento realizado por Mizukami (2016). Esta última abordagem também é identificada como interacionista, pois prioriza a relação “[...] entre sujeito e objeto de conhecimento, embora tenha como ênfase o sujeito como elaborador e criador do conhecimento” (SANTOS, 2005, p. 25).

Dentre os diferenciais dessa abordagem em relação às abordagens tradicional, comportamentalista, humanista e cognitivista, consta a ideia de que “[...] o homem se constrói e chega a ser sujeito na medida em que, integrado em seu contexto, reflete sobre ele e com ele se compromete, tomando consciência de sua historicidade” (MIZUKAMI, 2016, p. 93). Por isso, “[...] quanto mais ele reflete sobre a realidade, sobre a sua própria situação concreta, mais se torna [...] consciente, comprometido a intervir na realidade para mudá-la” (MIZUKAMI, 2016, p. 88). Dessa forma, a abordagem sociocultural “[...] é vista como um ato político, que deve criar e provocar condições para que se desenvolva uma atitude de reflexão crítica, comprometida com a sociedade e sua cultura [...]” (SANTOS, 2005, p. 25).

Em comparação com a abordagem sociocultural, que valoriza uma consciência para intervir na realidade a fim de transformá-la, a educação complexa valoriza essa consciência acrescida de uma atuação nutrida por uma identidade terrena mobilizada por perspectivas hologramáticas, dialógicas e recursivas. O princípio hologramático favorece que se perceba o todo sem desconsiderar as partes e aquilo que as vincula, o dialógico valoriza a religação de ideias que se rejeitam mutuamente e o recursivo mobiliza “[...] um circuito no qual os efeitos e os produtos tornam-se necessários à produção e à causa daquilo que os causa e daquilo que os produz [...]” (MORIN, 2015a, p. 111). Em decorrência disso, na abordagem da educação complexa estimula-se que, em sua formação, os estudantes possam se desenvolver ao mesmo tempo em que colaboram para melhorar suas condições de vida, uma condição que, para Espinosa (2019), é fundamental para a superação de uma perspectiva tradicional da educação.

Especificidades que distinguem ambas as abordagens também podem ser observadas nas discussões propostas por Moraes (2018) acerca dos paradigmas educacionais. Para a autora, enquanto o paradigma sociocrítico prioriza o “[...] contexto sociopolítico como agente envolvente do objeto e do sujeito [...]”, o paradigma ecossistêmico “[...] atende à relação dinâmica entre o objeto de conhecimento, o sujeito e ambos com os valores e as normas sociais”. Por isso, colabora para compreender que “[...] a realidade educacional é complexa, polivalente, interativa, construtiva e transcendente” (MORAES, 2018, p. 18).

Observa-se que, mesmo antes de se pensar em uma abordagem que se aproxime do paradigma ecossistêmico, na transição da abordagem tradicional à sociocultural ocorreram avanços significativos a respeito da compreensão da educação e do desenvolvimento dos processos de ensino e de aprendizagem de forma que sejam atendidas as demandas dos estudantes. Contudo, a classificação publicada por Mizukami, originalmente em 1986, completa três décadas e as discussões para o acréscimo de abordagens ainda é incipiente, apesar de todas as mudanças que ocorreram no mundo desde então.

São muitas as emergências globais capilarizadas localmente que indicam a necessidade de avanços na educação, evidenciando a urgência de se discutir novas abordagens do ensino. Dentre essas emergências, destaca-se que foi constatado que, no ano de 2019, 2 bilhões de pessoas enfrentavam moderadamente ou severamente a situação de insegurança alimentar (FAO et al., 2022), registrando-se também o aumento de mais de 25% de casos de depressão e ansiedade no primeiro ano da pandemia (OMS, 2022). Além disso, o aquecimento atual de 1,1 °C, com secas devastadoras, calor extremo e inundações recordes, já ameaça contribuir com a piora nas condições de segurança alimentar e dos meios de subsistência de milhões de pessoas (IPCC, 2022), a qualidade da água no planeta diminuiu exponencialmente e o estresse hídrico, mensurado essencialmente pela disponibilidade em função do suprimento, já afeta mais de 2 bilhões de pessoas (UNESCO, 2021).

Emergências como essas justificam o foco deste artigo na busca de uma abordagem de ensino que valorize formações de professores potencializadoras de práticas pedagógicas comprometidas com o conhecimento pertinente. Ao dialogar com o contexto e com as condições planetárias, esse conhecimento colabora para valorizar os sentidos e os significados dos conteúdos “[...] construídos socio-historicamente pelas pessoas [...]” e estimula que, enquanto os estudantes se apropriam deles, também podem melhorar suas condições de vida (ESPINOSA, 2019, p. 66).

Interdependência entre abordagens de ensino, formação de professores e prática pedagógica

As abordagens de ensino influenciam na formação dos professores e, consequentemente, na sua prática pedagógica. Isso porque tanto os projetos dos cursos de formação inicial como as propostas de formação continuada são elaborados a partir de determinadas perspectivas epistemológicas que são reverberadas pelos professores em sua atuação.

Das cinco abordagens mapeadas por Mizukami (2016), a tradicional pode ser claramente observada na ênfase da prática pedagógica centrada na transmissão e reprodução do conhecimento. Essa ênfase subestima a relevância do conhecimento pertinente.

Ainda que as outras quatro abordagens indicadas por Mizukami (2016) também exerçam influência na formação de professores e, por conseguinte, em suas práticas pedagógicas, a abordagem tradicional se destaca pelo seu potencial de resistência, que pode ser observado no cotidiano escolar, a exemplo da adoção de apostilas na Educação Infantil, da avaliação centrada em provas elaboradas com perguntas que exigem respostas padronizadas e do planejamento disciplinar e individualista.

Luppi, Behrens e Sá (2021, p. 5) afirmam “[...] que a formação de professores é fortemente influenciada pela concepção que fundamenta o paradigma conservador [...]”. A opinião dessas autoras corrobora com o estudo de Behrens (2007), que também reconhece a grande influência desse paradigma nas formações. Desse modo, tanto Luppi, Behrens e Sá (2021) quanto Behrens (2007) enfatizam que devem ser estimuladas e aproveitadas as possibilidades de mudança de perspectivas epistemológicas durante a carreira profissional.

Apesar dessas possibilidades, existe uma carência de propostas formativas capazes de adequar o currículo às necessidades atuais de ensino (GATTI, 2014), gerando um sentimento de insatisfação, derivado da sensação de existir “[...] um fosso intransponível entre a universidade e as escolas, como se a nossa elaboração acadêmica pouco tivesse contribuído para transformar a condição socioprofissional dos professores” (NÓVOA, 2017, p. 1108-1109).

Gatti (2017, p. 733) defende que é necessário, além da consciência “[...] de que a formação oferecida não é suficiente ou adequada [...]”, reinventar as propostas formativas. Uma das alternativas para essa reinvenção é sugerida por Imbernón (2016), autor defensor da ideia de que a formação continuada deveria contar com a reflexão dos professores sobre sua própria prática.

Nóvoa (2019, p. 3) reitera a relevância desse processo e acrescenta que a metamorfose da prática pedagógica acontece quando “[...] os professores se juntam em coletivo para pensarem o trabalho, para construírem práticas pedagógicas diferentes, para responderem aos desafios colocados pelo fim do modelo escolar [...]” tradicionalmente adotado. É dessa forma que, além da análise da realidade, são criadas soluções resultantes de diálogos colaborativos.

A perspectiva defendida por esses autores valoriza o conhecimento pertinente ao aproximar a formação das reais demandas do contexto de atuação dos próprios professores. O conhecimento pertinente, contudo, não se limita a reflexões/ações concernentes apenas ao espaço de atuação docente, pois, para Morin (2011), além de situar informações e dados contextualmente, esse tipo de conhecimento valoriza o global, que representa mais do que o contexto porque implica as relações entre o todo e as partes.

Na interdependência entre as abordagens de ensino, a formação de professores e a prática pedagógica, o conhecimento pertinente é potencializado quando a base epistemológica das propostas formativas se vincula à tríade pensamento complexo-transdisciplinaridade-ecoformação. Essa condição pode ser observada quando se analisam três princípios do pensamento complexo: hologramático, dialógico e recursivo.

O princípio hologramático “[...] explicita que em um sistema ou em um mundo complexo, não apenas uma parte encontra-se no todo, mas o todo encontra-se na parte [...]” (MORIN, 2015a, p. 116). Por isso, aproxima-se do que Morin, Ciurana e Motta (2009, p. 63) consideram o “[...] principal objetivo da educação na era planetária [...]”, que é o de “[...] educar para o despertar de uma sociedade-mundo [...]”.

Essa finalidade da educação é favorecida com o estímulo ao pensamento complexo. Para tanto, a abordagem de ensino que nutre a formação dos professores e, em decorrência, sua prática pedagógica, precisa considerar esse tipo de pensar, justamente porque busca dar conta do que outros tipos de pensamento se desfazem, excluindo mecanismos simplificadores, já que “[...] ele luta, não contra a incompletude, mas contra a mutilação [...]” (MORIN, 2019, p. 176).

Ademais, acentua-se a relevância do princípio dialógico. Isso porque a dialogicidade não opera como a “[...] simples superação das contradições por meio de uma síntese, mas como presença necessária e complementar de processos ou de instâncias antagônicas” (MORIN, 2015a, p. 114). Ao considerar o princípio dialógico na formação de professores, colabora-se para “[...] religar ideias que se rejeitam mutuamente [...]” (MORIN, 2015a, p. 114), superando a perspectiva dualista presente em alternativas que caracterizam as formações tradicionalmente ofertadas.

Para essa religação, a transdisciplinaridade assume um papel determinante devido ao seu potencial para enraizar o conhecimento “[...] numa cultura, numa sociedade, numa história, numa humanidade [...]” (MORIN, 2019, p. 139). Isso ocorre pois a transdisciplinaridade tem como objetivo “[...] a compreensão do mundo presente, para o qual um dos imperativos é a unidade do conhecimento [...]” e, por isso, refere-se “[...] àquilo que está ao mesmo tempo entre as disciplinas, através das diferentes disciplinas e além de qualquer disciplina [...]” (NICOLESCU, 2018, p. 53).

Diante dessa compreensão do mundo presente, o princípio da recursividade se torna fundamental para mobilizar ações compatíveis com o papel da educação de despertar uma sociedade-mundo, conforme defendido por Morin, Ciurana e Motta (2009). Por meio desse princípio, a realidade se constitui em “[...] um circuito no qual os efeitos e os produtos tornam-se necessários à produção e à causa daquilo que os causa e daquilo que os produz [...]” (MORIN, 2015a, p. 111). Assim, considerar o princípio recursivo na formação continuada dos professores significa observar que aquilo que se planeja para a prática pedagógica tem consequências em sala de aula e essas, por sua vez, podem colaborar para ressignificar o próprio planejamento.

Além disso, se esse processo valorizar a ecoformação, potencializa também condições que favorecem os âmbitos pessoal, social e ambiental. Isso porque a ecoformação “[...] é uma maneira sistêmica, integradora e sustentável de entender a ação formadora, sempre em relação ao sujeito, à sociedade e à natureza” (TORRE, 2008, p. 43). Se ela for trabalhada de formada articulada com a transdisciplinaridade, mobilizará ainda um pensar complexo vinculado a ações comprometidas com o bem viver valorizado por Morin (2015a).

Portanto, o conhecimento pertinente, potencializado pelos três princípios do pensamento complexo (hologramático, dialógico e recursivo), tem implicações profundas no campo educacional, que justificam o propósito deste artigo de vincular a formação docente e a prática pedagógica a uma abordagem de ensino que congregue o compromisso não somente com as pessoas e com a sociedade, mas também com a preservação do meio ambiente.

Metodologia da pesquisa

Considerando o objetivo de sistematizar abordagens de ensino que influenciam na educação brasileira, evidenciando a necessidade de situar uma alternativa para uma formação docente que favoreça práticas pedagógicas comprometidas com o atendimento de demandas contextualizadas e planetariamente conectadas, optou-se pela pesquisa bibliográfica. Este tipo de pesquisa é explorado em quase todos os estudos, mas “[...] há pesquisas desenvolvidas exclusivamente a partir de fontes bibliográficas” (GIL, 2022, p. 44), como na presente pesquisa.

Quanto à priorização da abordagem qualitativa, a opção é justificada por ter como foco o processo interpretativo (BRASIL et al., 2018). Nesse sentido, diferencia-se da abordagem quantitativa, cujo propósito é “[...] trazer à luz dados, indicadores e tendências observáveis” (SERAPIONI, 2000, p. 188).

A coleta de dados teve como fonte central o artigo Educação complexa para uma nova política de civilização, de Petraglia (2008). A partir deste artigo, estabeleceu-se um confronto com outras fontes utilizadas para fundamentar este estudo, dentre elas três pesquisas de mestrado que vincularam a formação docente à tríade conceitual pensamento complexo-transdisciplinaridade-ecoformação, desenvolvidas por Almeida (2018), Horn (2021) e Zielinski (2019). Tais pesquisas utilizaram como base a mesma proposta formativa, mas a adaptaram às demandas das escolas implicadas e a emergências globais latentes no momento de seu desenvolvimento.

Resultados e discussão

Em meio aos avanços epistemológicos ocorridos após o ano de 1986, quando Mizukami (2016) publicou o mapeamento das cinco abordagens destacadas neste artigo, foram fortalecidas discussões acerca da tríade pensamento complexo-transdisciplinaridade-ecoformação. A partir das publicações de Morin (2011, 2015a, 2015b, 2018, 2019), Nicolescu (2018) e Pineau (2004), esses conceitos passaram a ser discutidos na academia e, ainda que lentamente, incorporados em documentos e ações de diferentes instituições de ensino, especialmente da Educação Básica, a exemplo das pesquisas de Almeida (2018), Horn (2021) e Zielinski (2019).

Nesse ínterim, observa-se uma carência de publicações que discutam abordagens de ensino. Existe, portanto, uma lacuna que este artigo procura preencher quando se propõe a analisar uma alternativa de abordagem de ensino convergente com os avanços teóricos das últimas décadas.

O artigo pioneiro que se propôs a fazer esse movimento foi publicado por Zwierewicz et al. (2019). Nele, as autoras identificam como uma possível abordagem de ensino a educação complexa, um conceito discutido por Petraglia (2008).

Ainda que Petraglia (2008) não tenha sugerido, em sua publicação, que a educação complexa se constitua em uma abordagem de ensino, Zwierewicz et al. (2019) optaram por indicá-la como uma possível via pelo seu potencial para ressignificar a prática pedagógica. Essa opção se justifica nos próprios propósitos da educação complexa, que são “[…] propiciar a reflexão e a ação de resgatar a nossa essência e a nossa humanidade, acenando com novas perspectivas de resistência, emancipação e felicidade” (PETRAGLIA, 2008, p. 35), os quais se mostram fundamentais para o enfrentamento das emergências da realidade atual e das incertezas em relação ao futuro da humanidade.

A autora vincula a discussão da educação complexa ao que define como sujeito do processo educacional, com as influências recebidas da modernidade e seus reflexos no presente. Para ela, esse sujeito é um “[...] ser complexo, imerso no caldo cultural de seu tempo e lugar [...]”, sendo a educação complexa uma alternativa “[...] capaz de promover questionamentos ético-políticos que possam influenciar o seu processo auto-organizador [...]” (PETRAGLIA, 2008, p. 29). Com esse propósito, a educação complexa supera visões educacionais que cindem a relação entre tempo e história e entre ciência e ser humano. Portanto, visões que acirraram “[…] o individualismo e, com ele, o isolamento do sujeito” (PETRAGLIA, 2008, p. 32).

Em uma formação de professores, essa perspectiva coaduna com o princípio hologramático. Isso porque o estímulo a uma percepção hologramática é fundamental para que os professores valorizem as partes e suas interconexões sem subestimar o todo. Como afirma Morin (2015a, p. 116), “[...] em um sistema ou um mundo complexo, não apenas uma parte encontra-se no todo, mas o todo encontra-se na parte”. Aproximar essa compreensão da formação é uma forma de proporcionar aos professores possibilidades de compreender as especificidades que integram os processos de ensino e de aprendizagem, articulando-as à compreensão do conjunto formado por tais especificidades e das relações existentes entre elas.

Como exemplo, destaca-se a compreensão da relação existente entre a concepção educacional priorizada nas escolas, as práticas pedagógicas efetivadas em sala de aula e suas implicações na formação dos estudantes, que pode ser observada na forma como se relacionam consigo, com os outros e com o meio ambiente. As articulações presentes nesse exemplo convergem com o princípio hologramático pelo potencial que ele oferece para se compreender o que Morin (2019, p. 291) define como “[...] inter-relações de elementos diversos numa unidade que se torna complexa (una e múltipla)”.

Uma visão hologramática coaduna a relação entre as abordagens de ensino priorizadas na formação de professores e as práticas que efetivam em sala de aula. Essa interdependência pode ser observada nas intervenções formativas realizadas nas pesquisas de Almeida (2008), Horn (2021) e Zielinski (2019) quando os professores que participaram das propostas formativas planejaram, nos próprios encontros iniciais, projetos para desenvolverem nas escolas durante o período de formação, adequando-os à medida que vivenciavam e discutiam alternativas criativas, transdisciplinares e ecoformadores. Esses projetos contavam também com sugestões dos estudantes e das comunidades, indicando que o planejamento não se limitou a uma atividade realizada exclusivamente pelos professores e que a formação não se restringiu aos encontros previstos na proposta.

Esse tipo de formação coincide com um sistema aberto no qual o princípio hologramático se manifesta em uma relação que se aproxima daquilo que Morin (2019, p. 292) define como “[...] propriamente complexa, ambígua, entre o sistema aberto e o ambiente, em relação a qual [o sujeito] é, ao mesmo tempo, autônomo e dependente”. Por isso, é favorável ao conhecimento pertinente, por articular pessoas, processos e condições que se vinculam ao contexto ao mesmo tempo em que se conectam planetariamente.

Nas pesquisas de Almeida (2018), Horn (2021) e Zielinski (2019), esse processo se deu mediante um trabalho colaborativo que implicou profissionais das escolas, estudantes e comunidades na articulação do projeto de ensino, planejado e elaborado durante a formação, com demandas das realidades local e global conectadas aos conteúdos curriculares. Iniciativas como essas são fundamentais para vincular formação docente à metamorfose da prática pedagógica, como defende Nóvoa (2019), e se aproximam da educação complexa por “[...] propiciar a reflexão e a ação de resgatar a nossa essência e a nossa humanidade [...]”, como defende Petraglia (2008, p. 35).

Esse processo é fortemente influenciado pelo princípio da dialogicidade, perceptível em uma formação de professores que favorece a interação entre diferentes saberes e valoriza processos de cocriação. Esse tipo de formação estimula a criação de possibilidades para fortalecer diálogos, valorizar os sentidos e os significados de conhecimentos “[...] construídos socio-historicamente pelas pessoas e [...]” e para “[...] melhorar as condições de vida dos estudantes [...]” (ESPINOSA, 2019, p. 66).

Como exemplo, a intervenção proposta na pesquisa de Zielinski (2019), por meio do projeto desenvolvido pelos professores em suas escolas durante a participação na formação, favoreceu um diálogo entre os conteúdos curriculares, os saberes da comunidade e outros conhecimentos técnicos e científicos discutidos por profissionais que colaboraram com a proposta formativa. No desenvolvimento do projeto, os estudantes analisaram técnicas de produção agrícola utilizadas pelas suas famílias, que foram aprendidas com gerações anteriores, e técnicas apresentadas por um engenheiro agrônomo que colaborou com a escola durante a formação. Desse modo, sem desconsiderar o conhecimento popular, os estudantes puderam observar possibilidades de aperfeiçoamento das técnicas utilizadas por suas famílias com a utilização de técnicas da área da Agronomia enquanto se apropriavam dos conteúdos curriculares. Trata-se, portanto, de uma ênfase formativa que religa “[...] noções sem negar a oposição entre elas” (MORIN, 2015a, p. 115).

Ao problematizar a realidade, as formações de professores desenvolvidas nas pesquisas de Almeida (2018), Horn (2021) e Zielinski (2019) geraram ações com reações que geraram novas ações, o que coincide com o princípio da recursividade. Petraglia (2008, p. 36) defende que, na problematização, o estímulo a agir e a produzir conhecimentos “[...] surge da indignação, do espanto e do encantamento diante dos conflitos da existência que, desde que contextualizados, podem ser compreendidos de maneira saudável em suas multiplicidades complexas”.

Essa condição foi observada na pesquisa de Almeida (2018) quando os estudantes discutiram o uso excessivo de agrotóxicos na própria comunidade. Tal discussão gerou várias ações, como a melhoria da horta escolar e atividades com as famílias para aprofundar conhecimentos sobre produção orgânica. Essas iniciativas, por sua vez, geraram reações por meio de novas ações, como a participação das famílias na escola, apresentando receitas preparadas com produtos orgânicos, pesquisadas durante o período destinado à formação de professores.

Dessa maneira, a educação complexa é a expressão desse movimento gerado na escola lócus da pesquisa de Almeida (2018) a partir da formação de seus professores. Em movimentos como esses se propõem, conforme Petraglia (2008, p. 36), “[...] religações e solidariedade na conjugação da ciência com as culturas, das artes e a filosofia, para a construção de uma educação cidadã, comprometida com a formação de sujeitos planetários, éticos e mais felizes”.

Exemplos como esses, ao mesmo tempo em que convergem com o princípio da recursividade, demonstram a relevância de formações comprometidas com a transdisciplinaridade e a ecoformação. Assim, enquanto a transdisciplinaridade inspira a religação dos conteúdos curriculares com outros tipos de conhecimento, a ecoformação favorece ações comprometidas com o bem viver anunciado por Morin (2015a), que abrange desde as relações intra e interpessoais às ocorridas na interação com o meio ambiente.

Portanto, esta pesquisa corrobora com Zwierewicz et al. (2019) ao identificar na educação complexa uma nova abordagem do ensino. Essa opção tem, dentre suas justificativas, o fato de colaborar para “[...] emergir a tomada de consciência de nossa cidadania planetária e influir positivamente no devir do Planeta [...]” (PETRAGLIA, 2008, p. 29). Por isso, sua vinculação ao contexto escolar colabora com o que Santos (2009, p. 15) trata como “[…] outra forma de pensar os problemas contemporâneos”, sendo possível quando se estimulam uma visão hologramática e iniciativas dialógicas e recursivas pautadas no conhecimento pertinente.

Considerações finais

Com o objetivo de sistematizar abordagens de ensino que influenciam na educação brasileira, evidenciando a necessidade de situar uma alternativa para uma formação de professores que favoreça práticas pedagógicas comprometidas com o atendimento de demandas contextualizadas e planetariamente conectadas, recuperaram-se as cinco abordagens mapeadas por Mizukami (2016), publicadas pela autora no ano de 1986. A análise das referidas abordagens possibilita que se observem avanços significativos em sua constituição, especialmente das três últimas abordagens em relação às duas primeiras.

De uma perspectiva do professor como transmissor do conhecimento e do ensino centrado na reprodução (abordagem tradicional) e da aprendizagem pautada na modelação (abordagem comportamentalista), avançou-se para a valorização da autonomia e o desenvolvimento de um clima que possibilite liberdade para aprender (abordagem humanista). Dessas perspectivas, também se prosseguiu para a valorização da interação, da pesquisa e da resolução de problemas (abordagem cognitivista) para a potencialização da educação como um ato político e para a defesa do seu papel diante da necessidade de reflexão crítica (abordagem sociocrítica).

No entanto, mudanças significativas ocorreram na sociedade depois do mapeamento das cinco abordagens de ensino, requisitando o surgimento de novas alternativas. Nesse contexto se insere a abordagem da educação complexa.

A abordagem da educação complexa, ao valorizar avanços de abordagens anteriores, incluindo a relevância atribuída à análise crítica da realidade defendida na abordagem sociocultural, avança no sentido de valorizar uma atuação nutrida por uma identidade terrena e mobilizada por perspectivas hologramáticas, dialógicas e recursivas. Nesse processo, ao fortalecer uma vinculação entre formação de professores e prática pedagógica, ela colabora para que, em sala de aula, os próprios estudantes criem condições para transformar a realidade enquanto se dedicam ao estudo dos componentes curriculares.

Trata-se de uma abordagem vinculada ao paradigma ecossistêmico, potencializadora de um pensamento complexo ao ser dinamizada por perspectivas transdisciplinares e ecoformadoras. Dessa forma, ao considerar o que está entre os conteúdos discutidos na formação de professores, além e através deles (transdisciplinaridade), a referida abordagem colabora para um bem viver individual, social e ambiental (ecoformação).

Esse processo apresenta-se como um avanço para a formação dos professores e também para a formação dos estudantes por ser caracterizado pelos princípios hologramático, dialógico e recursivo. Ele traz consigo diferenciais que posicionam a educação complexa como uma nova abordagem de ensino.

Com base na educação complexa, a formação docente mobilizada pelo princípio hologramático favorece que, em sala de aula, ocorra uma aproximação entre os componentes curriculares e desses com a realidade. Dessa maneira, ocorre uma articulação entre as partes e das partes com o todo, colaborando para romper a fragmentação do conhecimento.

Nesse cenário, o princípio da dialogocidade se manifesta como interface entre diferentes tipos de conhecimento. Essa interface não subestima os conteúdos curriculares, fortalece a troca com outros tipos de conhecimento e busca a superação de práticas que eliminam a discussão de diferentes pontos de vista.

Finalmente, o princípio recursivo possibilita que, a partir de uma visão hologramática e de uma interação dialógica, construam-se possibilidades que favoreçam a aprendizagem e colaborem com as relações intra e interpessoais e com o compromisso com o meio ambiente. Dessa forma, a educação se constitui como um processo espiralado mobilizado pela educação complexa.

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Recebido: 25 de Março de 2023; Aceito: 12 de Junho de 2023

[a]

Doutora em Educação, e-mail: marlenezwie@yahoo.com.br

[b]

Doutora em Educação, e-mail: danisaheb@yahoo.com.br

[c]

Doutora em Educação, e-mail: michellejm@gmail.com

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