Introdução
Ao abordar o tema do Ensino Médio no Brasil buscamos contemplar uma das discussões contemporâneas mais abordadas no ano 2023. Assim, cabe ressaltar que este debate encontra eco em quase todos os encontros e desencontros daqueles que estudam e pesquisam as políticas educacionais e seus meandros. A qualidade da educação é um tema que tem despertado grande interesse na sociedade, uma vez que esta é considerada um importante meio para o desenvolvimento social, cultural e econômico de um país.
No Brasil, o Ensino Médio é um dos níveis de ensino que apresenta os maiores desafios em relação à qualidade, principalmente pela falta de recursos e investimentos na formação de professores. Neste contexto, o conhecimento docente é fundamental para a qualidade da educação no Ensino Médio, pois o professor é o responsável por transmitir o conhecimento aos alunos, podendo influenciar positiva ou negativamente o processo educativo. Segundo Zeichner (1993), a qualidade da educação depende em grande medida da qualidade do professor e de sua capacidade de adaptar-se às necessidades dos alunos. Dessa forma, o objetivo deste artigo é avaliar a influência local do conhecimento docente sobre a qualidade da educação no Ensino Médio nos municípios brasileiros.
A formação continuada dos professores é essencial para que estes possam desenvolver habilidades e competências necessárias para atender às demandas do Ensino Médio. Segundo Almeida e Andrada (2012, p. 37), a formação continuada é uma oportunidade para que os professores possam atualizar-se e aprimorar sua prática pedagógica, a fim de atender às exigências do mercado de trabalho e da sociedade em geral. A formação continuada pode ser realizada por meio de cursos de atualização, oficinas pedagógicas, seminários, entre outros. Segundo Sacristán (2000), a formação continuada deve ser um processo de construção de conhecimento e de reflexão sobre a prática pedagógica, visando à melhoria da qualidade da educação.
O conhecimento docente deve ser construído a partir da reflexão sobre a prática pedagógica e da troca de experiências entre os professores. Segundo Tardif (2014), o conhecimento docente é um conhecimento profissional, construído na prática e na reflexão sobre a prática. E, ainda sugere, “[...] em educação, a profissionalização pode ser definida, em grande parte, como uma tentativa de reformular e renovar os fundamentos epistemológicos do ofício do professor e de educador, assim como da formação para o magistério. [...]” (TARDIF, 2014, p. 274).
É preciso reconhecer que a questão das reformas e contrarreformas na educação no Brasil são fundamentais, faz-se necessário entender o quanto a proposta da Lei nº 13.415/17 deve ser tratada, buscando as vozes dos interessados na questão, tais como: professores, alunos, aqueles que defendem e os que criticam a reforma do Ensino Médio. As pesquisas ora estudas apresentam diferentes opiniões, como as citadas acima, mas é preciso que nos pautemos nas conquistas e prejuízos que acarretaram a partir da medida viabilizada. Assim, os problemas que mobilizaram essa pesquisa foram: existe um padrão espacial na qualidade da educação do Ensino Médio no Brasil? Existe influência local do conhecimento docente sobre a qualidade da educação no Ensino Médio?
A Reforma do Ensino Médio e suas mudanças
Acredita-se não ser necessário neste texto fazer um histórico das alterações pelas quais passou o ensino médio e sua base legal, pois outros autores já o fizeram, tais como: Krawczyk e Vieira (2005); Ramos e Frigotto (2017); Negrão, Teixeira e Hora (2020); Goés e Boruchovitch (2021) entre outros. Cabe aqui ressaltar um período mais contemporâneo da história, como segue
Ao tomar posse em 2016, um dos primeiros atos do Presidente interino Michel Temer (2016-2019) foi a Reforma do Ensino Médio, por meio da Medida Provisória 746/2016. A justificativa para essa reforma foi respaldada em quatro pontos: 1) o baixo desempenho dos estudantes nas disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática de acordo com os dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB); 2) uma estrutura curricular de trajetória única, composta por 13 disciplinas consideradas excessivas, responsável pelo desinteresse e pelo baixo desempenho dos estudantes; 3) a necessidade de diversificação do currículo e 4) o baixo acesso ao Ensino Superior entre aqueles que finalizavam o Ensino Médio (17%) e o fato de que 10% das matrículas estavam na educação profissional, o que justificaria um dos itinerários do Ensino Médio (FERRETI; SILVA, 20171 apud GOÉS; BORUCHOVITCH, 2021, p. 7).
Com a promulgação da Lei nº 13.415/17, que instituiu a Reforma do Ensino Médio no Brasil, houve diversas mudanças na estrutura e nas diretrizes do Ensino Médio brasileiro. A reforma trouxe novas possibilidades para a educação no país, mas também gerou muitas críticas e discussões acerca de suas consequências para a qualidade da educação e para a equidade no acesso aos diferentes campos de conhecimento. Neste artigo, busca-se aprofundar a discussão sobre a Reforma do Ensino Médio no Brasil, com base em argumentos de 2018 até 2023, levando em conta as perspectivas de diferentes atores envolvidos no processo educativo.
A Reforma do Ensino Médio trouxe mudanças significativas para a estrutura e as diretrizes do Ensino Médio brasileiro. Uma das principais mudanças foi a flexibilização curricular, que permitiu a criação de itinerários formativos, nos quais os alunos podem escolher entre diferentes áreas de conhecimento, como Linguagens, Matemática, Ciências Humanas, Ciências da Natureza e Formação Técnica e Profissional. Além disso, a Reforma do Ensino Médio também previu a ampliação da carga horária e a valorização da formação integral do aluno, com ênfase no desenvolvimento de habilidades socioemocionais e no estímulo ao empreendedorismo e à inovação. No entanto, a Reforma do Ensino Médio também gerou muitas críticas e questionamentos por parte de diferentes atores envolvidos no processo educativo. Uma das principais críticas foi a falta de diálogo e participação da sociedade civil no processo de elaboração da reforma, o que gerou questionamentos acerca da legitimidade das mudanças propostas.
Outra crítica frequente diz respeito à desvalorização das áreas de conhecimento de Ciências Humanas e Artes, que foram excluídas do núcleo comum da grade curricular. Isso gerou preocupações acerca da formação integral do aluno e da possibilidade de reforçar desigualdades sociais e culturais, privilegiando áreas de conhecimento consideradas mais "práticas" ou "úteis" para o mercado de trabalho. Por fim, também houve críticas acerca da implementação da reforma, que foi marcada por dificuldades e incertezas na oferta dos itinerários formativos e na formação dos professores para atuar em uma estrutura curricular mais flexível e complexa.
Perspectivas sobre a Reforma do Ensino Médio
Diante das mudanças trazidas pela Reforma do Ensino Médio, diferentes atores envolvidos no processo educativo têm apresentado perspectivas e posicionamentos distintos. A seguir, destacamos algumas dessas perspectivas:
Perspectiva dos defensores da Reforma do Ensino Médio: para os defensores da reforma, a flexibilização curricular e a valorização da formação integral do aluno são fundamentais para tornar o ensino médio mais atrativo e adequado às demandas do mundo contemporâneo. Segundo essa perspectiva, os itinerários formativos permitem que os alunos desenvolvam habilidades e competências específicas em áreas de seu interesse, o que pode contribuir para sua formação como cidadãos críticos e preparados para enfrentar os desafios da sociedade atual.
Perspectiva dos críticos da Reforma do Ensino Médio: já para os críticos da reforma, as mudanças propostas podem agravar as desigualdades educacionais no país, ao reforçar a hierarquização entre áreas de conhecimento e ao ampliar as diferenças na oferta de itinerários formativos entre as escolas. Além disso, há preocupações acerca da formação dos professores para atuar em uma estrutura curricular mais flexível e da possibilidade de fragilização dos conteúdos curriculares básicos.
Perspectiva dos estudantes: os estudantes são diretamente afetados pela Reforma do Ensino Médio e apresentam perspectivas diversas sobre as mudanças. Alguns estudantes veem nos itinerários formativos a possibilidade de escolher áreas de conhecimento mais alinhadas com seus interesses e objetivos futuros. Porém, outros estudantes apontam dificuldades em escolher entre as opções oferecidas e em lidar com a carga horária ampliada.
Perspectiva dos professores: os professores também têm se posicionado de maneiras distintas em relação à Reforma do Ensino Médio. Alguns professores defendem as mudanças, especialmente a ampliação da formação integral do aluno e a possibilidade de desenvolver habilidades socioemocionais. Outros professores criticam a falta de diálogo na elaboração da reforma e apontam dificuldades na oferta e na implementação dos itinerários formativos.
Ao discutir a Reforma do Ensino Médio no Brasil, é importante trazer à tona a perspectiva da teoria marxiana sobre a educação. De acordo com Marx e Engels (1845/2008), a educação é um reflexo das relações sociais e das estruturas de poder existentes na sociedade. Nesse sentido, a Reforma do Ensino Médio pode ser vista como uma tentativa de adequação da educação às demandas do mercado de trabalho, em detrimento da formação cidadã e crítica dos estudantes.
Segundo Saviani (2008), a teoria marxiana da educação defende a importância da formação integral do ser humano, com o desenvolvimento de todas as dimensões humanas, e não apenas da capacitação técnica para o trabalho. Dessa forma, a ampliação da carga horária e a flexibilização curricular propostas na Reforma do Ensino Médio devem estar pautadas na perspectiva da formação integral do aluno, e não apenas na formação para o mercado de trabalho.
No entanto, é necessário questionar a lógica mercantilista que permeia a Reforma do Ensino Médio e a sua relação com o atual modelo econômico brasileiro. De acordo com Harvey (2011), o atual modelo de acumulação capitalista é caracterizado pela financeirização da economia e pela precarização do trabalho, o que implica em uma demanda por uma educação voltada para a formação técnica e a qualificação para o mercado, em detrimento da formação crítica e da valorização das áreas humanísticas e sociais do conhecimento.
Diante desse cenário, é fundamental que a Reforma do Ensino Médio esteja pautada na perspectiva da formação integral do aluno, e não apenas na formação técnica para o mercado de trabalho. Além disso, é importante garantir a participação da sociedade civil no processo educativo, a formação adequada dos professores para atuar em uma estrutura curricular mais flexível e a garantia de equidade no acesso aos diferentes itinerários formativos, de forma a construir uma educação cidadã e crítica para todos os estudantes, conforme preconizado pela teoria marxiana da educação.
A influência local do conhecimento docente sobre a qualidade da educação no Ensino Médio está relacionada à capacidade do professor de adaptar-se às necessidades dos alunos e às demandas da comunidade em que está inserido. Segundo André (2011), "a influência local é um fator determinante para a qualidade da educação, pois as características da comunidade e da região influenciam diretamente no processo educativo". Dessa forma, é necessário que o professor tenha conhecimento da realidade dos alunos e da comunidade em que está inserido, a fim de adaptar sua prática pedagógica e torná-la mais significativa e contextualizada para os alunos.
Procedimentos metodológicos
Para atender o objetivo proposto no estudo, inicialmente, foi realizada uma análise multivariada, pela técnica do Fator de Componentes Principais (FCP), a fim de mensurar a qualidade da educação no Ensino Médio. O FCP deve ser considerado quando a utilização de uma variável não é suficiente para representar o objeto de estudo (BEZERRA, 2007).
No âmbito da educação, utilizar apenas uma variável para ponderar a qualidade educacional pode ser superficial. A partir do objetivo deste estudo, por exemplo, avaliar apenas a taxa de reprovação do ensino médio pode indicar de maneira imprecisa a qualidade educacional em um município. Dessa forma, devem ser considerados outros aspectos, tais como taxa de distorção de idade-série, taxa de abandono e a média da nota do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) no município.
A técnica estatística multivariada de FCP permite mensurar de maneira linear um conjunto de variáveis correlacionadas, em um número muito menor de variáveis sem correlação ou reduzir para uma variável (como é o caso do presente trabalho), contendo a maior parte da informação das variáveis originais (JOLLIFFE, 2002; HONGYU; SANDANIELO; OLIVEIRA JUNIOR, 2016; BERNARDO; ALMEIDA; NASCIMENTO, 2020).
Para a avaliação da distribuição espacial da qualidade da educação, foi utilizado o método da Análise Exploratória de Dados Espaciais (AEDE). Dessa forma, foi possível investigar como as aglomerações estão distribuídas e a possível correlação espacial da qualidade da educação entre os municípios e seus respectivos clusters espaciais.
Para verificar a contribuição do conhecimento docente sobre a qualidade da educação em um aspecto local, foi utilizada a inferência da Regressão Ponderada Geograficamente (RPG). Quanto aos pacotes utilizados, para a estimação do FCP foi utilizado o software Stata, para a estimação da AEDE foi utilizado o software Geoda, para a estimativa da RPG foi utilizado o software GWR4 4.0 e para a construção dos mapas temáticos foi utilizado o software Quantum GIS.
Fonte de dados e especificações do modelo
Os dados utilizados neste trabalho foram extraídos do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP, 2022). Quanto ao número de observações, o estudo abrangeu 5.556 (99,75%), dado que para a construção da variável e para o modelo espacial, os municípios devem apresentar informações para todas as variáveis. A variável dependente do modelo que será representada pelo Índice de Qualidade da Educação no Ensino Médio (IQE) nos municípios, estimada pela FCP. As variáveis utilizadas para a construção do índice foram: taxa de distorção idade-série no ensino médio; taxa de abandono no Ensino Médio; taxa de reprovação no Ensino Médio e a média da nota do ENEM.
Quanto às variáveis independentes, as quais podem afetar a qualidade da educação municipal do Ensino Médio, elas foram divididas em dois grupos, variáveis de interesse e variáveis de controle. As variáveis de interesse, remetem ao conhecimento docente no Ensino Médio, o qual pode contribuir para o avanço da qualidade da educação nos municípios; e as variáveis de controle, que têm a função de ajustar o modelo, são relacionadas ao desenvolvimento econômico e ao tamanho da turma.
Entre as variáveis de interesse, foram incluídas no modelo a proxy de adequação da formação docente no ensino médio (AFDEM), representada por um índice que mede a adequação da formação docente, quanto mais próximo de 1, mais adequada é a formação do docente para a área que leciona e quanto mais próximo de 0, menos adequada é a formação do professor para a área lecionada.
Esse índice foi construído a partir dos cinco grupos de indicadores de adequação da formação docente do INEP. Os grupos apresentam desde maior adequação da formação docente até a menor adequação da formação docente. Dessa forma, para a construção do indicador único de adequação da formação docente, foi atribuído diferentes pesos para cada nível de adequação da formação docente, quanto maior a adequação, maior o peso, conforme apresentado no Quadro 1.
Grupo | Descrição | Peso |
---|---|---|
1 | Docentes com formação superior de licenciatura na mesma disciplina que lecionam, ou bacharelado na mesma disciplina com curso de complementação pedagógica concluído. | 1 |
2 | Docentes com formação superior de bacharelado na disciplina correspondente, mas sem licenciatura ou complementação pedagógica. | 0,75 |
3 | Docentes com licenciatura em área diferente daquela que leciona, ou com bacharelado nas disciplinas da base curricular comum e complementação pedagógica concluída em área diferente daquela que leciona. | 0,5 |
4 | Docentes com outra formação superior não considerada nas categorias anteriores. | 0,25 |
5 | Docentes que não possuem curso superior completo. | 0,0 |
Fonte: Adaptado do INEP (2023).
Além disso, foi considerada outra proxy para a variável de interesse, a taxa de docentes no Ensino Médio com pós-graduação (DOC_POS), que representa uma maior qualificação para o docente. Quanto às variáveis de controle, foram selecionadas duas proxys. O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), com a proposta de apresentar a influência do nível de desenvolvimento econômico municipal e a média de alunos por turma no ensino médio (ALU_TUR), turmas muito numerosas tendem a exercer influência negativa sobre a qualidade da educação.
Pode ser verificado abaixo a relação de causa e efeito das variáveis independentes em relação à qualidade da educação no ensino médio. Foram apresentadas no Quadro 2 as variáveis gerais, as proxys e suas respectivas descrições, sinais esperados e referências.
Variável | Proxy | Descrição | Sinal esperado | Referências |
---|---|---|---|---|
Conhecimento docente | AFDEM | Índice de adequação da formação docente no ensino médio | + | Farcia, Rios-Neto e Ribeiro (2021); Ogbuanya e Shodipe (2022) |
DOC_POS | Taxa de docentes do ensino médio com pós-graduação | + | Mejía e Galvis (2012); Markowitz; Sadowski e Hamre (2022) | |
Desenvolvimento Econômico | IDHM | Índice de Desenvolvimento Humano Municipal | + | Bernardo, Almeida e Nascimento, (2020) |
Tamanho da turma | ALU_TUR | Média de alunos por turma | - | sanders; wright e horn, 1997); Bernardo, Almeida e Nascimento, (2020) |
Fonte: Elaboração dos autores.
Foram apresentados os fatores que influenciam a qualidade de educação, em que inclui as variáveis de interesse e as variáveis de controle. Porém, na avaliação de como o conhecimento docente pode influenciar a qualidade da educação local, os mesmos também podem sofrer influência da região, pois o Brasil apresenta uma heterogeneidade regional que tende a refletir na educação. Nesse sentido, também deve ser levado em conta o efeito advindo da região para a qualidade educacional. Para isso, será utilizada a abordagem de econometria espacial, que será mais bem especificada a seguir.
Econometria Espacial
A análise inicial foi realizada por meio da técnica da Análise Exploratória de Dados Espaciais (AEDE). Segundo Anselin (1999), a AEDE consiste na técnica de descrever e visualizar distribuições espaciais, identificar localidades atípicas (outliers espaciais), descobrir padrões de associação espacial (clusters espaciais) e sugerir diferentes regimes espaciais e outras formas de instabilidade. Para isso, é necessário considerar um tipo de ponderação espacial, representado por uma matriz de pesos espaciais.
As matrizes de pesos espaciais mais utilizadas pela literatura são as matrizes Rainha, Torre e k vizinhos mais próximos. Neste trabalho, foram testadas essas matrizes e foi utilizada aquela que apresentar a maior autocorrelação espacial. Segundo Almeida (2012), para testar se os dados estão autocorrelacionados no espaço pode ser utilizado o método estatístico I de Moran, que é um coeficiente de autocorrelação espacial, o qual utiliza a medida de autocovariância na forma de produto cruzado. A investigação em nível local pode ser realizada utilizando-se os indicadores de associação espacial (LISA).
Para a identificação dos efeitos espaciais, é necessário a utilização de uma das matrizes de pesos espaciais. Segundo Almeida (2012), a convenção de contiguidade rainha considera, além das fronteiras com extensão diferente de 0, também os vértices (nós), na visualização de um mapa, como contíguos. Enquanto a convenção de contiguidade torre considera apenas as fronteiras físicas com extensão diferente de 0 entre as regiões. Dessa forma, a matriz de pesos espaciais rainha pode apresentar até 8 vizinhos e a matriz de pesos espaciais torre pode apresentar até 4 vizinhos. Formalmente:
Outro critério de proximidade utilizado na definição de pesos espaciais é a distância geográfica, a ideia central é que duas regiões próximas geograficamente têm maior interação espacial. A matriz de k vizinhos mais próximos é um tipo de convenção que utiliza como critério medidas em quilômetros ou milhas. Formalmente,
em que d_ij é distância de corte para a região i, especificamente, a fim de que esta região i tenha k vizinhos. Assim, d_i (k) é a menor distância para a região i a fim de que ela possua exatamente k vizinhos, sendo o número de k vizinhos pré-definido. Dessa forma, as matrizes de pesos espaciais testadas neste trabalho foram a de convenção Rainha, Torre e de k vizinhos, considerando diferentes número de vizinhos.
Na estatística espacial, existem alguns modelos que são denominados de modelos globais, dentre os quais se destaca o modelo de defasagem espacial (SAR). O modelo de defasagem espacial (SAR) mostra que a variável dependente (y) é influenciada pela variável dependente das regiões vizinhas (Wy). Almeida (2012) pontua a necessidade de uma análise local para não estimar respostas médias, e sim capturar respostas para cada região. Do mesmo modo, esse método de análise pode ajudar na formulação de políticas públicas conforme a necessidade de cada região, além de possibilitar a análise visual a partir do mapeamento das diferentes respostas das relações (ALMEIDA, 2012).
Muitos métodos foram criados para analisar o comportamento das variáveis espacialmente. Porém, o método desenvolvido por Fotheringham et al. (2003), o Geographically Weighted Regression (GWR) ou Regressão Ponderada Geograficamente (RPG), permite encontrar parâmetros para cada unidade espacial, ou uma versão local da análise de regressão linear. Fotheringham et al. (2003) estabeleceram a extensão na qual parâmetros estimados podem variar de um local para outro. E os resultados encontrados pelos autores mostram que as relações podem variar de maneira significativa através do espaço, de modo que a análise global esconde importantes relações geográficas. Desta maneira, as variações regionais podem ser suficientemente complexas para invalidar o valor médio fornecido pela regressão linear global.
De acordo com Fotheringham et al. (2003), o método GWR é uma técnica que estende a regressão linear permitindo variações locais nas taxas de variação. Desta maneira, ao contrário da regressão linear tradicional que parte de uma análise global, os coeficientes estimados são específicos para cada local i. Deste modo, o GWR estima regressões lineares para cada região, usando sub amostras dos dados ponderadas pela distância. Ao atribuir pesos às observações individuais a partir de um ponto focal, ressalta-se o conceito de que a importância relativa decresce à medida que se aumenta a distância deste ponto. Dessa maneira, cria-se uma “janela móvel” sobre o conjunto de observações distribuídas através do espaço, de maneira que a influência das observações é diminuída quanto mais se distancia do centro da janela (ALMEIDA, 2012).
Formalmente a equação do modelo pode ser representada por:
em que (u_i, v_i) representa as coordenadas do ponto i no espaço e β_k (u_i, v_i) é o coeficiente local no ponto i. A ponderação é feita pela função Kernel espacial. Em termos gerais, o Kernel é uma função real, contínua e simétrica, cuja integral soma um, semelhante a uma função densidade de probabilidade (ANSELIN; LOZANO-GRACIA, 2009). De forma prática, o Kernel usa a distância (d_ij) entre dois pontos geométricos representando duas regiões, e um parâmetro da largura da banda (b), para determinar um peso entre essas duas regiões, que é inversamente relacionado à distância geográfica (w_ij).
Portanto, a especificação do Kernel Espacial, necessária para a obtenção dos pesos que compõem a diagonal da matriz de ponderação espacial local para cada ponto de regressão i, depende dos elementos, a saber, uma função matemática na qual foram colocadas as informações sobre as distâncias entre dois pontos geográficos (d_ij) e um parâmetro de largura da banda (b).
O Kernel espacial fixo apresenta uma largura de banda constante que pode redundar em certas subamostras, localizadas em regiões densas em dados, ao levar em conta muitas observações para calibrar o modelo, assim pode os coeficientes sofrerem de vieses. Inversamente, o problema do Kernel fixo em regiões onde os dados são escassos é de ineficiência, o Kernel é menor do que precisava ser para calibrar apropriadamente os coeficientes locais, sendo usadas poucas observações e, por consequência, poucas informações (FOTHERINGHAM; BRUNDSON; CHARLTON et al., 2002).
Para contornar os problemas do Kernel fixo, é preciso definir a função de ponderação espacial que gere um Kernel adaptativo no sentido em que ele se expanda em áreas em que as observações sejam escassas e encolha em áreas em que as observações são abundantes, ou seja, regiões com alta densidade de dados. A largura da banda (b) é definida de tal forma que haja o mesmo número de observações em torno de cada ponto de regressão
Para a escolha adequada do Kernel, deve ser estimado o modelo utilizando tanto o Kernel fixo quanto o Kernel adaptativo e verificar o resultado do Critério de Informação de Akaike (AIC), dando prioridade para aquele que apresentar o menor valor de AIC. (ALMEIDA, 2012).
No que tange a validade do modelo, foi avaliado o Critério de Informação de Akaike (AIC) e o teste de razão de verossimilhança (LIK) (FOTHERINGHAM et al., 2003). Quanto à qualidade do modelo de RPG, foi realizado o teste F (LEUNG et al. 2000). Para testar a variabilidade geográfica das variáveis foram verificados o teste F individual (FOTHERINGHAM et al., 2003) e o valor da diferença de critério (SASS et al., 2016). Para a diferença de critério, se apresentar um valor maior que 2, não existe variabilidade geográfica, um valor entre -2 e 2, indica fraca variabilidade geográfica e menor que -2, evidencia forte variabilidade geográfica (NAKAYA, 2016; SASS et al., 2016).
Resultados e discussões
Nesta seção, inicialmente, foram avaliadas as estatísticas descritivas. Nesse sentido, a Tabela 1 apresenta a média, o valor mínimo e máximo, o desvio padrão e o coeficiente de variação para verificar o percentual da dispersão dos dados de cada variável. Sendo que, foram verificadas todas as variáveis do modelo no ano de 2021, o Índice de Qualidade da Educação no Ensino Médio (IQE), o índice de adequação da formação docente no Ensino Médio (AFDEM), a taxa de docentes com pós-graduação no Ensino Médio (DOC_POS), o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) e a média de alunos por turma no Ensino Médio (ALU_TUR).
Ano | Média | Mínimo | Máximo | Desvio-padrão | Coeficiente de variação (%) |
---|---|---|---|---|---|
IQE | 0.75 | 0.00 | 1.00 | 0.13 | 17 |
AFDEM | 0.79 | 0.16 | 1.00 | 0.11 | 14 |
DOC_POS | 0.51 | 0.00 | 1.00 | 0.21 | 42 |
IDHM | 0.66 | 0.42 | 0.86 | 0.07 | 11 |
ALU_TUR | 27 | 7 | 77 | 6 | 22 |
Fonte: Elaboração própria com dados do INEP.
Em média, no ano de 2021, o IQE dos municípios foi de 0,75, estando em um intervalo de 0, que representa o município (Pedro Avelino-RN) com o menor nível de qualidade da educação e 1, sendo representado pelo município (Dirce Reis-SP) com o maior nível de educação. Além disso, pelo desvio-padrão e coeficiente de variação, pode ser observado uma média disparidade dos dados na qualidade educacional.
Quanto às estatísticas descritivas relacionadas ao conhecimento, em média, o índice da adequação da formação docente foi de 0.79, dentro de um intervalo que varia entre 0.16 (Carmésia-MG) e 1, sendo representado por municípios de Minas Gerais (Augusto de Lima e Rio Doce), São Paulo (Nuporanga e Populina), Paraná (Nova América da Colina, Jundiaí do Sul, Formosa do Oeste e Altamira do Paraná), e Rio Grande do Sul (Faxinal do Soturno).
Para o percentual de docentes com pós-graduação, em média, o percentual é de 51%, sendo que, variou entre 22 municípios que apresentaram 0,0001% dos professores com pós-graduação, com maior concentração na região Norte e 75 municípios com 100% dos docentes pós-graduados, com maior concentração na região Sul. Adicionalmente, as estatísticas de desvio-padrão e coeficiente de variação, revelam que a adequação da formação docente apresenta baixa dispersão dos dados, enquanto a taxa de docentes com pós-graduação apresenta alta dispersão dos dados.
Em relação às variáveis de controle, o indicador do IDHM apresenta, em média, pontuação de 0,66, com o menor valor sendo correspondente a 0,42 (Melgaço-PA) e o maior 0,86 (São Caetano do Sul). Para a média de alunos por turma, em média, a quantidade é de 27 alunos por turma, com a menor quantidade média sendo de 7 alunos (Itacajá-TO) e a maior de 77 (Sobrado-PB). No que tange às estatísticas de desvio-padrão e coeficiente de variação, pode ser observado para as variáveis do IDHM e média de alunos por turma, apresentam baixa e média dispersão dos dados, respectivamente.
Para uma avaliação geográfica prévia dos dados da qualidade da educação, foi apresentado o mapa da distribuição espacial do IQE. Dessa forma, por meio da Figura 1 é possível observar indícios de que existe um padrão na distribuição espacial do IQE. Os tons mais escuros representam os municípios com os maiores indicadores do IQE, enquanto os tons mais claros apresentaram os menores indicadores de qualidade da educação.
Os municípios com as maiores pontuações do IQE estão concentrados, principalmente, na região Sudeste. Por outro lado, a região Norte apresentou a maior concentração de municípios com as menores pontuações do IQE. A região Sudeste apresentou 71,4% dos municípios com a maior pontuação do IQE, seguido das regiões Sul e Centro-Oeste, com 47,6% e 43,1% municípios com a maior pontuação do IQE, respectivamente. Além disso, as três regiões não apresentaram nenhum município na classificação de menor pontuação do IQE.
Em contrapartida, a região Norte apresentou os maiores percentuais de municípios com os menores indicadores de qualidade da educação, 12,3% dos municípios se encontram nas duas piores classificações do indicador de qualidade da educação. E ainda, menos de 8% dos municípios da região Norte apresentaram a melhor classificação de pontuação do IQE. Portanto, os dados indicam que existe um padrão na distribuição espacial do IQE. Nesse sentido, para confirmar as suspeitas apresentadas, considerando o efeito da região, foi realizada a análise exploratória de dados espaciais. Adicionalmente, será investigada a influência local do conhecimento sobre a qualidade da educação.
Autocorrelação espacial da qualidade da educação
Na Tabela 2 é possível observar o resultado da autocorrelação espacial da qualidade da educação, por meio do IQE para o ano de 2021. Foram testadas as matrizes de convenção rainha, torre e três matrizes de pesos espaciais K vizinhos (K5, K7 e K10). Como o valor do I de Moran ficou acima do valor esperado e foi significativo para todas as matrizes de pesos espaciais no período analisado, pode-se inferir que existe autocorrelação espacial positiva da qualidade da educação entre os municípios, a um nível de significância de 1%.
As matrizes de convenção rainha e torre apresentaram o maior índice, com igual valor, porém, devido a maior conectividade entre os municípios que a matriz rainha tende a apresentar devido a possibilidade de considerar mais vizinhos que a matriz torre, a matriz rainha foi utilizada para a análise (ALMEIDA, 2012).
Matrizes | I de Moran | E (I) | Probabilidade |
---|---|---|---|
Rainha | 0,638 | -0,0002 | 0,001 |
Torre | 0,638 | -0,0002 | 0,001 |
K 5 vizinhos | 0,630 | -0,0002 | 0,001 |
K 7 vizinhos | 0,618 | -0,0002 | 0,001 |
K 10 vizinhos | 0,607 | -0,0002 | 0,001 |
Fonte: Elaboração própria a partir dos resultados da pesquisa.
O sinal positivo da estatística I de Moran indica que municípios com alto nível de qualidade da educação estão cercados por municípios com alto nível de qualidade da educação. Por outro lado, as localidades com baixo nível de qualidade da educação estão rodeadas por municípios com baixo nível de qualidade da educação. Esse resultado mostra a heterogeneidade educacional que ocorre no país, o que é reforçado pelos resultados encontrados por Gomes (2017), que inferiu autocorrelação espacial na qualidade da educação no ensino fundamental. Adicionalmente, Soares, Alves e Fonseca (2021), evidenciaram que determinados grupos sociais tendem a apresentar trajetórias educacionais regulares, enquanto outros grupos são mais propensos a apresentar trajetórias educacionais irregulares.
O mapa de cluster LISA de qualidade da educação que pode ser observado na Figura 2, permite verificar onde foram formados os agrupamentos espaciais estatisticamente significativos a 5%, divididos em quatro categorias de associação espacial. As localidades destacadas em vermelho representam os clusters espaciais alto-alto (AA), enquanto as unidades em azul no mapa exibem os regimes espaciais baixo-baixo (BB). Em relação às associações atípicas, em rosa e azul claro estão os clusters alto-baixo (AB) e as unidades municipais baixo-alto (BA), respectivamente.
Conforme apresentado no mapa de cluster, referente ao IQE dos municípios analisados, 41% (2278) dos municípios foram estatisticamente significativos a 5%. Os maiores agrupamentos com alta qualidade da educação ficaram situados nas regiões Sul e Sudeste e os cluster com os menores indicadores de qualidade da educação podem ser observados nas regiões Norte e Nordeste (GOMES, 2017). A maior concentração dos clusters do tipo AA foi observada nos estados de São Paulo e Paraná. Ambos os estados apresentaram mais de 70% dos municípios na aglomeração espacial AA, sendo que São Paulo concentrou mais de 85% dos municípios.
Por outro lado, a maior concentração de municípios na aglomeração do tipo BB, ficaram situadas nos estados do Pará, Amapá e Bahia, todos superando 80% dos municípios classificados no cluster de baixa qualidade da educação, com destaque para o Pará e o Amapá, que apresentaram todos os municípios na aglomeração com baixa qualidade da educação.
Resultado que pode ser corroborado com o estudo de Soares, Alves e Fonseca (2021), que apresentou a maior concentração de alunos com trajetória educacional regular na região Sudeste e o maior percentual de alunos com trajetória educacional com grandes irregularidades na região Norte, seguida da região Nordeste. Dado a evidente heterogeneidade espacial observada na qualidade da educação nacional, se faz pertinente investigar os efeitos divergentes para cada variável, em especial o conhecimento docente.
Efeito local do conhecimento docente sobre a qualidade educacional
A Tabela 3 apresenta as especificações do modelo de Regressão Ponderada Geograficamente, sem o componente espacial (RPG) e com o componente espacial (SAR), estimados com o Kernel fixo e Kernel adaptativo para regressões globais e locais. Conforme o critério de informação de Akaike (AIC) e razão de verossimilhança (LIK), os testes apresentaram ganhos em regressões SAR em relação à RPG sem o componente espacial, nas regressões locais em relação às globais, e ainda, sugere que o modelo mais adequado é estimado com o Kernel fixo. Adicionalmente, o teste F significativo, indica que o modelo local foi bem especificado a um nível de significância de 5%.
Modelo | Regressão | AIC | LIK | Teste F |
---|---|---|---|---|
RPG (Kernel fixo) | Global | -8361,83 | -8373,83 | - |
SAR (Kernel fixo) | Local | -11683,82 | -12535,68 | |
Global | -12070,17 | -12084,17 | - | |
RPG (Kernel adaptativo) | Local | -12451,20 | -13151,29 | 2,28** |
Global | -8361,83 | -8373,83 | - | |
SAR (Kernel adaptativo) | Local | -11644,81 | -12178,49 | |
Global | -12070,16 | -12084,16 | - | |
Local | -12350,54 | -12802,20 | 2,28** |
Fonte: Elaboração própria a partir dos resultados da pesquisa. Nota:
**Nível de significância de 5%;
***Nível de significância de 1%.
A Tabela 4 apresenta as estatísticas dos coeficientes locais para o modelo SAR estimado pela RPG. Foi possível observar que os parâmetros estimados do quartil inferior e superior apresentam alta dispersão em relação à mediana. Isso indica que a influência pode divergir entre os municípios. Devido a essa heterogeneidade entre as variáveis, deve ser testada a variabilidade geográfica do modelo. Foram apresentados dois testes para avaliar a variabilidade geográfica, o teste F e a diferença de critérios.
Pela diferença de critérios, como as variáveis de adequação da formação docente no ensino médio (AFDEM), taxa de docentes do ensino médio com pós-graduação (DOC_POS), o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), a média de alunos por turma (ALU_TUR) e Índice de Qualidade da Educação da região (W_IQE) apresentaram valor negativo e menor que -2, pode ser inferido que essas variáveis apresentam forte variabilidade geográfica (SASS et al., 2016). No que concerne ao teste F, pode ser observado que todas as variáveis apresentaram significância estatística de pelo menos 5% (com exceção do IDHM, com significância de 1%), reforçando que existe variabilidade geográfica para todas as variáveis.
Matrizes | Quartil inferior | Mediana | Quartil superior | Teste F | Diferença de critérios |
---|---|---|---|---|---|
Variável | -0,0059 | 0,0007 | 0,0085 | 3,03** | -47,89 |
AFDEM | -0,0012 | 0,0021 | 0,0074 | 2,32** | -9,72 |
DOC_POS | 0,0219 | 0,0341 | 0,0423 | 2,25* | -6,41 |
IDHM | -0,0106 | -0,0038 | 0,0022 | 2,98** | -45,35 |
ALU_TUR | 0,0603 | 0,0688 | 0,0829 | 3,26*** | -50,23 |
Fonte: Elaboração própria a partir dos resultados da pesquisa. Nota:
*Nível de significância de 10%;
**Nível de significância de 5%;
***Nível de significância de 1%.
Os resultados do modelo local foram apresentados por meio de mapas temáticos, que apresentaram os municípios com diferentes níveis de impacto local esperado, impacto não esperado e não significativo. Inicialmente, foram avaliadas as variáveis de conhecimento, posteriormente, as variáveis de controle e, por fim, a variável espacial (região). Quanto às variáveis de conhecimento, por meio da Figura 3, podem ser analisados os impactos do coeficiente local da adequação da formação docente no ensino médio (AFDEM) e da taxa dos docentes com pós-graduação sobre o Índice de Qualidade da Educação (IQE) no ensino médio.
Os municípios que apresentaram o sinal do coeficiente não esperado estão na cor verde, os municípios que não foram estatisticamente significativos a 5% ou não foram incluídos no modelo estão na cor branca, quanto aos municípios com os coeficientes esperados e significativos, estão em escala de cinza e foram classificados como baixo, médio e alto impacto, sendo que, quanto mais forte a tonalidade, maior é o impacto local do coeficiente.
Foi verificado que a adequação da formação docente no Ensino Médio apresentou impacto esperado e significativo, principalmente, nos estados do Mato Grosso do Sul, Bahia, Alagoas e Sergipe, com destaque para Sergipe, que apresentou 100% dos municípios com impacto local. Dessa forma, a formação docente adequada contribui para a melhora da qualidade da educação nessas regiões. Vale destacar que, as mesorregiões do Norte Mato-Grossense, o Sudoeste e Pantanais do Mato Grosso do Sul, Jequitinhonha em Minas Gerais e Sul da Bahia apresentaram a maior proporção de municípios com alto e médio impacto da adequação da formação docente sobre a qualidade da educação.
Em um contexto global, foi evidenciado pela literatura (GARCIA; RIOS-NETO; RIBEIRO, 2021; OGBUANYA; SHODIPE, 2022) que a adequação docente contribui para a melhora da qualidade da educação. Garcia; Rios-Neto e Ribeiro (2021) mostraram que a formação docente foi o fator escolar mais importante para o desempenho escolar. A formação adequada do docente reflete influência positiva, não apenas no Ensino Médio, mas também na educação inicial (OGBUANYA; SHODIPE, 2022).
Os resultados encontrados oferecem subsídios para a formulação de políticas públicas regionais que permitam melhorar a melhora da qualidade da educação, por meio de medidas que procuram aperfeiçoar a adequação da formação docente, especialmente nos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
No que concerne aos professores com pós-graduação, é possível observar que os estados do Amapá, Pará, Maranhão e Rio Grande do Sul apresentaram mais da metade dos municípios com impacto local esperado e significativo dos docentes com pós-graduação sobre a qualidade da educação, com destaque para os estados do Amapá e Maranhão que apresentaram impacto local em mais de 60% dos municípios. O Sul do Amazonas, a mesorregião Sul do Amapá e a Zona da Mata de Minas Gerais evidenciaram as maiores proporções de municípios com alto impacto dos docentes com pós-graduação sobre a qualidade da educação.
A qualificação docente, em consonância com a adequação docente, também contribui para o avanço da qualidade educacional. Mejía e Galvis (2012) verificaram esse efeito positivo da formação docente sobre o desempenho dos alunos. Os autores também destacam que esse efeito é maior na disciplina de Matemática do que na disciplina de linguagem, o que mostra a importância ainda maior para o contexto dos municípios brasileiros.
Esses resultados, podem auxiliar na estruturação de políticas educacionais, voltadas para os professores que não possuem pós-graduação, no intuito de incentivar a especialização. E, a partir disso, contribuir para aumentar os indicadores de qualidade da educação (MARKOWITZ; SADOWSKI; HAMRE, 2022), especialmente nas regiões mencionadas.
Portanto, esses resultados mostram a importância do conhecimento docente para a qualidade da formação dos alunos. A qualidade educacional promove uma sociedade com melhores profissionais e, com isso, melhores padrões de bem-estar social, e o conhecimento docente é um fator fundamental para fornecer boa qualidade da educação (SANDERS; RIVERS, 1996; SANDERS; WRIGHT; HORN, 1997)
No que tange às variáveis de controle, a Figura 4 apresenta os resultados dos impactos dos coeficientes locais do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) e da média de alunos por turma (ALUNO_TURMA) sobre o Índice de Qualidade da Educação no Ensino Médio (IQE).
Os resultados para o IDHM, que mede o desenvolvimento econômico, evidenciaram que a maior parte do território nacional apresentou impacto local estatisticamente significativo. Contudo, existem regiões específicas que o indicador não apresentou significância, sendo localizadas, principalmente, nos estados de Minas Gerais, Espírito Santo, Amazonas, Pará, Piauí, Bahia, Minas Gerais e Espírito Santo, onde não apresentaram impacto local.
Para a avaliação de políticas de desenvolvimento econômico em prol da qualidade da educação, podem ser destacadas as regiões com alto impacto local. Nesse sentido, pode ser citado o estado do Mato Grosso, Pará, além da mesorregião do Triângulo Mineiro. Dessa forma, além do conhecimento, também deve ser considerado pela administração pública, questões de desenvolvimento econômico.
Outro fator de controle que tende a influenciar a qualidade na educação é a média de alunos por turma (SANDERS; WRIGHT; HORN, 1997). Os estados que apresentaram a maior proporção de municípios com impacto local esperado e significativo foram Rio Grande do Norte, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, todos com mais de 65% dos municípios com impacto local da média de alunos por turma sobre a qualidade da educação. Ou seja, quanto maior a média de alunos por turma, menor é a qualidade da educação. No que tange ao alto impacto de alunos por turma sobre a qualidade da educação, os estados com maior destaque são Mato Grosso, Pará e Amazonas.
A partir disso, podem ser realizadas políticas de infraestrutura em educação, como a construção de escolas, a fim de reduzir a média de alunos por turma nessas localidades. Bernardo, Almeida e Nascimento (2020), sugerem que para aumentar a qualidade educacional sejam realizados investimentos de infraestrutura escolar e de aspectos sociais.
Dessa forma, os investimentos sociais podem ser direcionados, especialmente para os estados do Mato Grosso e do Pará, além da mesorregião do Triângulo Mineiro. Enquanto investimentos de infraestrutura escolar podem ser direcionados para o Nordeste e Sudeste de Mato Grosso, para o Sudeste Paraense e para o Leste de Amazonas.
Por fim, no que se refere ao impacto regional, a Figura 5 mostra os coeficientes, nos quais apresentam os impactos locais sobre o Índice de Qualidade da Educação (IQE) nos municípios vizinhos (Região) sobre o Índice de Qualidade da Educação (IQE) do município.
A Figura 5 sugere que o IQE da região apresentou impacto esperado e significativo em todas as regiões do país, com mais de 80% dos municípios com impacto local da região (exceto a região Norte), com destaque para as regiões mais ricas, Sul e Sudeste, que apresentaram mais de 99% dos municípios com impacto local. Entre os estados, se destacaram Ceará, Rio Grande do Norte, Sergipe, Espírito Santo e Rio de Janeiro, que apresentaram 100% dos municípios com alto impacto do IQE da região sobre o IQE do município.
Nesse aspecto, pode ser observado que a qualidade educacional em municípios próximos, contribui para a melhora da qualidade da educação no município nessas regiões. Nesse aspecto, políticas educacionais regionais em diversos âmbitos, além de contribuir para a melhora da qualidade de educação em cada município, tende a beneficiar municípios próximos, em especial, nos municípios das regiões apresentadas.
Em virtude da abrangência do estudo (municipal), o tralho apresenta limitação no que consiste em identificar fatores específicos de unidades da federação ou dos próprios municípios, tanto pelo contexto da maior qualidade da educação, quanto em lugares com menor qualidade educacional. A análise deste estudo apresentou foco no impacto que o conhecimento docente exerce sobre a qualidade educacional, porém, há outros aspectos que também podem influenciar o desempenho educacional no município.
Considerações finais
A qualidade da educação no Ensino Médio está diretamente relacionada ao conhecimento docente e à capacidade do professor de adaptar-se às necessidades dos alunos e às demandas da comunidade em que está inserido. Os resultados permitiram evidenciar que, muitas localidades situadas nos clusters com baixa qualidade educacional, apresentaram impacto local da adequação da formação docente e da proporção de docentes com pós-graduação sobre a qualidade da educação no Ensino Médio. Portanto, é essencial o aprimoramento da formação docente na área que atua.
A formação continuada dos professores é fundamental para que estes possam desenvolver habilidades e competências necessárias para atender às demandas do Ensino Médio. É importante destacar que o conhecimento docente é composto por diferentes tipos de conhecimentos interdependentes e complementares. O conhecimento disciplinar e o conhecimento pedagógico são fundamentais para a prática pedagógica do professor. É necessário que o professor tenha conhecimento da realidade dos alunos e da comunidade em que está inserido, a fim de adaptar sua prática pedagógica e torná-la mais significativa e contextualizada para os alunos.
Foi possível observar neste estudo, que o desenvolvimento econômico municipal também exerce influência sobre o processo educacional, com impacto local em todas as regiões do país. Adicionalmente, regiões mais pobres, com poucos recursos para infraestrutura, apresentam impactos locais negativos sobre a qualidade educacional, em virtude da lotação nas salas de aula, o que pode ser percebido, principalmente, no Mato Grosso e na região Norte.
A Reforma do Ensino Médio no Brasil trouxe mudanças significativas para a estrutura e as diretrizes do ensino médio, com a flexibilização curricular e a ampliação da carga horária e da formação integral do aluno. No entanto, a implementação da reforma tem gerado desafios e críticas por parte de diferentes atores envolvidos no processo educativo. Para garantir a efetividade da reforma e a melhoria da qualidade da educação no ensino médio brasileiro, é necessário garantir a participação da sociedade civil no processo educativo, a formação adequada dos professores para atuar em uma estrutura curricular mais flexível, garantia de equidade no acesso aos diferentes itinerários formativos e políticas educacionais, a fim de melhorar as condições de infraestrutura para os alunos. Além disso, é fundamental manter o foco na formação integral do aluno, valorizando todas as áreas de conhecimento e garantindo a construção de uma educação cidadã e crítica para todos os estudantes.