Introdução
A divulgação de ciências se mostra uma temática bastante atual. Na contemporaneidade, conforme Lordêlo e Porto (2012), vive-se um momento especial da História pela mobilização geral em torno da constituição de uma cultura científica. Para que se faça a divulgação científica, é necessária a transferência do conteúdo científico para um conteúdo de divulgação que apresente uma linguagem de fácil compreensão para o público-alvo que se almeja. Neste estudo sobre o processo de produção de material de divulgação científica para um perfil do Instagram, a escolha foi de analisar o processo de produção tomando como teoria o conceito de recontextualização, abordado nos estudos sobre o discurso pedagógico de Bernstein (1996), e o conceito de divulgação científica.
A pesquisa contou com a participação de estudantes do curso de Física - Licenciatura da Universidade Federal de Pernambuco - Centro Acadêmico do Agreste (UFPE/CAA) - da disciplina de Estágio Supervisionado IV. Ao longo da disciplina, eles produziram conteúdos de divulgação científica na temática das contribuições de mulheres cientistas para a Ciência, para o perfil de divulgação científica do Instagram: “Tem Física Aí?”.
O estudo buscou compreender como ocorre o processo de recontextualização dos saberes na produção dos conteúdos produzidos nessa temática, como material de divulgação científica para o Instagram. Alguns questionamentos direcionaram a pesquisa, como: o discurso utilizado na divulgação científica em redes sociais, sendo esta divulgação feita por licenciandos e tendo ela, portanto, interesse em contribuições para o ensino, pode ser tratado de modo análogo a um discurso pedagógico? Se sim, como a recontextualização dos saberes ocorre neste processo? Quais características são próprias dessa forma de organizar e de recontextualizar o conteúdo?
Pesquisar sobre meios de divulgação científica que utilizam a tecnologia das redes sociais, no contexto do ensino de Ciências, é importante para que se contribua com a promoção do desenvolvimento de uma cultura científica, a partir de um ambiente cada vez mais utilizado pelas pessoas: as redes sociais.
A temática “contribuições de mulheres cientistas para a Ciência” foi escolhida, especialmente, como forma de buscar trazer mais visibilidade a mulheres cientistas que, historicamente, foram colocadas na sociedade em posições subordinadas, sendo inferiorizadas e invisibilizadas pelo privilégio oferecido aos homens, algo que é muito marcante no meio científico, infelizmente. O desafio para as mulheres obterem reconhecimento ao produzirem Ciência ainda é algo constante, e é também um desafio e, por que não, um dever, buscar trazer para o ensino estratégias que contribuam para a desconstrução e para uma progressiva reparação desses paradigmas.
Durante o processo da recontextualização dos saberes e da produção de conteúdo de divulgação de ciências, o trabalho feito pelos estudantes foi acompanhado e, com o término das atividades de produção, a análise dos dados coletados e aqui apresentados foi feita à luz dos estudos sobre divulgação científica e do conceito de recontextualização, abordado na teoria do dispositivo pedagógico de Basil Bernstein, de modo a responder aos questionamentos e aos objetivos deste estudo.
Divulgação científica
Uma das principais funções da divulgação de Ciências é democratizar o conhecimento científico, além de possibilitar a alfabetização científica. Desse modo, a divulgação científica contribui de forma direta para a inclusão dos cidadãos em debates referentes a temas especializados, os quais podem até mesmo impactar no seu trabalho ou na vida pessoal, como por exemplo, o caso de conteúdos relacionados às células-tronco, mudanças climáticas, produtos transgênicos e energias renováveis (BUENO, 2010).
A divulgação científica, conforme Bueno (2010), faz uso de recursos, processos, técnicas e veículos que visam levar as informações inovadoras, científicas e tecnológicas ao público leigo, ao passo que a comunicação científica possui o papel de levar estas informações inovadoras, científicas e tecnológicas aos especialistas em determinadas áreas do conhecimento.
No contexto da importância da divulgação científica, de acordo com Vallério e Bazzo (2005), a educação científica e tecnológica é essencial para que os conhecimentos e valores que sustentam as ciências e tecnologias (C&T) sejam do acesso de todos, tornando possível ao público leigo o desenvolvimento de uma criticidade científica. Assim, a divulgação científica e da tecnologia é uma importante ferramenta para que isso ocorra.
O discurso da divulgação científica
A divulgação científica possui algumas características próprias, como a necessidade de chamar a atenção do leitor, de buscar o envolvimento do leitor com o conteúdo e de ser de uma compreensão simples. O discurso da divulgação científica é assim, não somente uma adaptação da linguagem, mas um discurso que possui um gênero específico, que se adequa à necessidade do interlocutor. Trata-se de um discurso muito próprio, que envolve o que cientista produziu no material original, o que o divulgador compreendeu a respeito e as necessidades do público de destino.
Para Cunha e Giordan (2009), o que o divulgador faz é resultado da interpretação do discurso da Ciência e não só de sua reformulação, e assim, no discurso da divulgação científica, o divulgador coloca também sua própria voz, sendo um discurso que busca pela subjetividade.
O discurso da divulgação científica é, por sua vez, um discurso da informação da Ciência e da Tecnologia, de modo que o material de divulgação científica não é um material diretamente pedagógico. No entanto, pode ser utilizado como instrumento para o ensino, por sua capacidade de fomentar debates e discussões acerca das temáticas abordadas e de promover um comportamento crítico dos estudantes a respeito da Ciência.
Cultura digital
É fato que a tecnologia tem adentrado cada vez mais no ambiente educacional, com o uso de diversas tecnologias digitais como recursos de ensino. Com isso, se faz necessária uma melhor compreensão a respeito das Tecnologias Digitais de Informação e de Comunicação (TDIC), tanto pelos estudantes quanto pelos professores, especialmente os professores, que são os principais responsáveis pela condução das relações educacionais.
Para Boucherville e Borges (2018), a relação entre o ensino e as tecnologias digitais deve ser compreendida dentro de uma nova cultura, a qual surgiu com o uso das tecnologias digitais. Frente a isso, no contexto do ensino, cabe ao professor conseguir recontextualizar para uma linguagem que condiz com a da sala de aula, por exemplo, um conteúdo que, muitas vezes, é tratado de forma complexa e com uma linguagem que pode ser de distante compreensão para os estudantes.
A cultura digital permite ao sujeito estar em espaços e tempos diferentes, sem estar fisicamente presente, o que possibilita a presença virtual do indivíduo em qualquer lugar e em qualquer tempo. Essa cultura se mostrou bastante presente no recente período pandêmico da covid-19, no qual o meio virtual foi a saída encontrada para dar continuidade a diversas atividades que não podiam ser realizadas de forma presencial, como o ensino escolar.
A dinamicidade cada vez mais existente nas relações entre educação, sociedade e tecnologia, atrelada às desigualdades sociais que, muitas vezes, impedem o acesso igualitário das tecnologias para todos, provoca um desafio no papel da educação (TRAXLER, 2007).
Como este estudo envolve aspectos da cultura digital e como propõe abordar, na produção de material de divulgação científica feita, a temática das contribuições das mulheres cientistas para a Ciência, cabe aqui uma breve contextualização a respeito das mulheres cientistas, evidenciando suas dificuldades ao longo da história e sua importância para a Ciência de um modo geral.
Mulheres na Ciência
No que concerne ao campo das ciências, as mulheres sofreram historicamente discriminações e exclusões. Por ser um saber dito “feminino”, os conhecimentos produzidos por mulheres não costumavam ser aceitos como científicos, embora eles tenham sido a base de muitas pesquisas científicas (CARVALHO; CASAGRANDE, 2011).
Conforme uma consulta feita no site Agência Brasil (2021), do ano de 2004 até o ano de 2021 “No total, 947 pessoas e 28 organizações receberam o Prêmio Nobel entre 1901 e 2021. Destas, apenas 58 são mulheres.” Mesmo que isso evidencie um significativo avanço histórico, evidencia também a pequena quantidade de mulheres presentes em títulos de prestígio científico, comparado à quantidade de homens, afinal, são 58 mulheres em um universo de 889 homens. Certamente, esse é um dos fatores que colabora com o desconhecimento da sociedade a respeito das mulheres cientistas e de seus feitos.
Nas salas de aula, Marie Curie é, geralmente, a única cientista citada, o que ajuda (em um sentido negativo) na construção e no fortalecimento de uma imagem de incapacidade feminina para os campos das ciências, especialmente das ciências exatas e da natureza: uma menina aprende matemática por se esforçar, já um menino aprende apenas porque é menino, como se seu gênero implicasse no fato de ele ser naturalmente inteligente. Obviamente é uma premissa falsa, mas que ainda é reforçada no ensino (CHASSOT, 2004).
Grandes títulos científicos, como um Nobel, evidenciam o nome de um cientista, mas ainda são poucas as mulheres que conseguem alcançar tais títulos. Isso não significa que são poucas as mulheres que fizeram e ainda fazem Ciência, e sim que seus nomes e seus trabalhos, muitas vezes, deixam de ser reconhecidos e divulgados, de certa forma, por serem mulheres.
O Discurso pedagógico e a recontextualização do discurso
Ao buscar um referencial teórico que explicasse, de forma mais satisfatória, o processo de transposição de saberes presente no material de divulgação científica produzido, o qual consiste em um discurso de informação, utilizou-se os estudos de Bernstein (1996) sobre o discurso pedagógico, em especial o conceito de recontextualização do discurso.
Basil Bernstein (1924-2000) foi professor emérito da cátedra Karl Mannheim de Sociologia da Educação no Instituto de Educação da Universidade de Londres. Suas publicações se iniciaram em 1958 e prosseguiram até 2000, ano de sua morte. Bernstein (1996) compreende que o discurso pedagógico se trata de um discurso que desloca um ou mais discursos de um certo contexto e os realoca de acordo com seu princípio próprio de focalização. De acordo com sua teoria, há regras específicas que constituem o discurso pedagógico, as quais ele denomina como: regras distributivas, regras de avaliação e regras recontextualizadoras. Estas regras estão hierarquicamente relacionadas, de modo que a natureza das regras distributivas regula as regras recontextualizadoras, e estas, por sua vez, regulam as regras de avaliação.
São as regras distributivas que realizam as relações entre poder, conhecimento e formas de consciência e de prática, e que atuam no campo da produção do discurso. Conforme Bernstein (1996), estas regras tornam possível a representação do controle sobre o “impensável” e sobre quem poderá pensá-lo, de modo que são estas regras que distribuem quem pode transmitir o que a quem, e em quais condições isso pode ocorrer, estabelecendo limites internos e externos ao discurso.
A respeito das regras de avaliação, para o autor, a prática de qualquer DI/DR (discurso instrucional/discurso regulativo) leva a uma divisão por idade, sendo a especialização do tempo e a diferenciação no tempo próprias do discurso pedagógico, e sendo o texto transformado sempre em um conteúdo relacionado à idade. A prática pedagógica cria assim uma autorização para falar dentro de suas próprias divisões temporais. De acordo com Bernstein (1996), a principal chave para a prática pedagógica é a avaliação contínua, e as regras de avaliação avaliam os discursos produzidos pelas práticas manuais, junto aos executores dessas práticas.
No que diz respeito às regras recontextualizadoras, Bernstein (1996) compreende o discurso pedagógico como as regras que embutem e que relacionam dois discursos - um discurso de competência em um discurso de ordem social, de forma que o discurso de ordem social sempre domina o de competências. O autor define ainda dois outros discursos: o discurso instrucional e o discurso regulativo.
O discurso instrucional é o responsável por transmitir as competências especializadas e os conhecimentos mais específicos, é aquele que regula as regras de como transmiti-lo. Já o discurso regulativo é mais ideológico, apresentando a transmissão de identidades e valores, é o discurso que cria a ordem, e suas regras regulam o que conta como ordem entre transmissores, adquirentes, competências e contextos. Para representar essa característica do discurso pedagógico, Bernstein (1996) utiliza a representação DI/DR, na qual a barra significa “embutido”. Ou seja, um discurso embutido no outro. O discurso regulativo é tido para o autor como uma pré-condição de qualquer discurso pedagógico.
O princípio que constitui o discurso pedagógico é o que Bernstein (1996) chama de princípio recontextualizador. Este é de caráter seletivo e apropria, realoca e relaciona outros discursos, de modo a constituir sua própria ordem. Desse modo, Bernstein (1996) afirma que o discurso pedagógico é, por sua vez, um princípio recontextualizador e afirma ainda que qualquer discurso recontextualizado passa a ter um significado para outra coisa diferente dele mesmo, e esse novo significado varia conforme os princípios que dominam cada sociedade em particular.
Ao compreender que um perfil de divulgação científica em uma rede social, como o Instagram, pode assumir a posição de uma unidade pedagógica, servindo de instrumento para o ensino, é possível desenvolver a hipótese de que a produção do discurso de informação, contida nos materiais de divulgação científica criados para a rede social utilizada, pode ser analisada tomando uma analogia ao discurso pedagógico de Bernstein, em especial ao conceito de recontextualização.
Metodologia
A pesquisa utilizou uma metodologia qualitativa, se enquadrando, conforme a literatura, em um estudo de caso. Para o estudo realizado, foi feita a produção de materiais de divulgação científica para o Instagram, voltados para a temática: “contribuições de cientistas mulheres para a Ciência”. Essa produção foi desenvolvida por licenciandos do curso de Física da Universidade Federal de Pernambuco, do Centro Acadêmico do Agreste (UFPE/CAA), estudantes da disciplina de Estágio Supervisionado IV. As produções ocorreram no período letivo de 2021.1, ao longo da disciplina.
Após serem estabelecidos o cronograma e a forma de realização das atividades com o professor da disciplina, com o início da disciplina, o processo de produção de conteúdo também teve início. A produção de material de divulgação científica para o Instagram fez parte do planejamento da disciplina e coube aos estudantes fazerem toda a produção desse conteúdo.
Antes de iniciarem a atividade, em uma aula anterior, os estudantes foram apresentados de forma prévia à proposta da pesquisa e ao que era esperado deles enquanto participantes, e foram orientados sobre como ocorreria a atividade. Os participantes foram instruídos a produzirem, para o Instagram, um material em formato de vídeo e um em formato de imagem, e a utilizarem também os stories e as ferramentas que a rede social disponibiliza. Para as produções, eles deveriam escolher duas cientistas distintas para abordarem.
Os temas escolhidos para as produções pertenciam ao universo do tema “Contribuições de Cientistas Mulheres para a Ciência”. Como forma de organização, os estudantes se dividiram em duplas (havendo apenas um trio dentre os grupos), para escolherem as cientistas e executarem, assim, as produções, que ocorreram ao longo de duas semanas consecutivas. Todos os nomes das cientistas, assim como a organização das equipes e a definição dos dias e horários das postagens, foram discutidos junto ao professor responsável pela disciplina durante as aulas.
Os materiais produzidos pelos estudantes abrangeram nomes de mulheres cientistas, o que estas realizaram ou pesquisaram e quais contribuições trouxeram para a Ciência de um modo geral. Para as postagens dos materiais produzidos, os licenciandos utilizaram o perfil “Tem Física Aí” do Instagram e cada equipe produziu, conforme foi solicitado, duas publicações para o feed: uma publicação no formato de imagem e a outra publicação em formato de vídeo.
As equipes utilizaram também os stories como ferramenta, como forma de apresentar e introduzir a temática, e para compartilhar os conteúdos divulgados no feed. Antes de iniciarem as atividades referentes ao conteúdo diretamente no Instagram (tanto nos stories quanto no feed), cada equipe apresentou, via Google Meet, na aula anterior correspondente da disciplina, a cientista escolhida para a produção do material e quais foram os resultados de sua pesquisa a respeito dessa cientista, de forma a compartilhar a experiência com a turma.
Resultados e análise dos dados obtidos
O material produzido e publicado no perfil do Instagram, assim como o questionário final, aplicado individualmente via Google Forms, e o momento de socialização final das produções, feito ao término da disciplina via Google Meet (no qual os estudantes se pronunciaram a respeito da atividade, relatando sobre a realização de todo o processo de produção, as dificuldades que surgiram e quais estratégias utilizaram), foram considerados como material de análise. A análise, feita a partir desse material, foi então dividida em duas partes: análise do material produzido e análise do processo de produção.
A análise do material produzido pelos estudantes para o perfil “Tem Física Aí?”, teve como base os critérios teóricos do que se compreende por divulgação científica, de modo a verificar se o material produzido, de fato, apresenta características e marcas próprias da divulgação científica, como a busca pelo interesse do público-alvo e a transposição de um conteúdo especializado em um conteúdo com uma linguagem mais simples. A análise do discurso presente nos materiais produzidos, por sua vez, foi realizada tendo como base o conceito de recontextualização estudado por Bernstein (1996), buscando no material produzido características da presença desse conceito.
Isso se tornou possível pois, por compreender-se que um perfil de divulgação científica do Instagram pode assumir a posição de uma unidade pedagógica, pôde-se também desenvolver a hipótese de que a produção do discurso de informação, presente nos materiais de divulgação científica disponibilizados em redes sociais, pode ser analisada de forma análoga ao discurso pedagógico de Bernstein, em especial, ao conceito de recontextualização.
A ideia defendida por Bernstein (de que o discurso pedagógico é também um discurso recontextualizador) pôde assim ser aplicada na análise do material produzido, como forma de encontrar no discurso de informação (característico da divulgação científica) características recontextualizadoras e, assim, verificar se o material assemelha-se, de fato, ao que Bernstein propõe no conceito de recontextualização.
Para Bernstein, o processo de recontextualização apresenta a característica principal de deslocar o discurso original de seu contexto inicial para um outro contexto. Antes de ser relocado, ao ser apropriado por agentes recontextualizadores, o texto geralmente sofre uma transformação, que é regulada pelo princípio da descontextualização.
No caso das produções elaboradas pelos estudantes, buscamos encontrar indícios de relocação do discurso original para o meio virtual, de modo a identificar, a partir do conteúdo e da estrutura do material produzido, a presença de um novo discurso que agrega outros discursos e que marcam a recontextualização, como o discurso instrucional e o discurso regulador. Buscamos também identificar os critérios e estratégias que foram utilizados pelos estudantes para selecionar e simplificar o conteúdo original escolhido por eles para a produção.
Para a pesquisa, onze estudantes da disciplina decidiram participar, de modo que, na divisão dos grupos feita no cronograma, houveram quatro duplas e um trio, os quais chamaremos aqui de G1, G2, G3, G4 e G5 (respectivamente, grupo 1, grupo 2, grupo 3, grupo 4 e grupo 5). Cada grupo produziu, entre os dias 6 de dezembro de 2021 e 17 de dezembro de 2021, duas publicações, uma em formato de vídeo e uma em formato de imagem, havendo assim um total de dez postagens, além dos stories produzidos relacionados a cada publicação.
Para exemplificar a atividade realizada pelos estudantes, trazemos a seguir uma das publicações feitas, em formato de imagem, pelo G2. A publicação foi feita no perfil “Tem Física Aí?” em 06 de dezembro de 2021, sendo a primeira postagem feita dentro do período de realização da atividade. O grupo falou sobre a cientista Katherine Johnson.
É possível observar que o grupo 2 explorou algo característico de um material de divulgação científica, que se trata da busca pela interação com o público, conforme Cunha e Giordan (2009). Pode-se ver a tentativa de aproximação com o público, por exemplo, a partir do uso das setas indicativas “arrasta para o lado”, que evidenciam a ocorrência de um discurso instrucional, da pergunta retórica “quem foi ela?”, que prevê um questionamento do público diante do conteúdo, e da indicação de um filme sobre a cientista. Isso demonstra a presença de uma subjetividade e também de uma preocupação do grupo em trazer algo que seja próximo da realidade do público, o que também pode ser visto, no caso da indicação do filme, como uma tentativa de exemplificação a respeito da importância da cientista.
O grupo busca pela interação com o público também quando solicita, na última imagem da sequência de cards, que este curta, comente e compartilhe a publicação. Olhando para as imagens, percebe-se que a equipe buscou também sintetizar o que julgou ser o ponto-chave para o interesse do público, a história da cientista, utilizando frases curtas e imagens de Katherine Johnson.
Considerando o que propõe Bernstein (1969) sobre o conceito de recontextualização, a partir da legenda e da parte textual presente nas imagens, é possível fazer uma analogia entre o discurso de informação e o que Bernstein denomina de discurso pedagógico. Observa-se que o grupo deslocou, selecionou, simplificou e relocou o conteúdo original que consultou, de acordo com o novo foco e o novo ambiente: a rede social. A recontextualização se mostra evidente, por exemplo, na organização do texto da legenda e também no uso das hashtags, que são características das redes sociais. A escolha das fotografias da cientista, por exemplo, colabora para uma humanização da sua imagem enquanto cientista.
Esses aspectos mostram uma descontextualização dos textos de suas fontes originais para o ambiente virtual. O discurso original foi assim transformado em um discurso imaginário (recontextualizado), evidenciando a presença também do discurso regulativo e de um discurso social internalizado nos divulgadores, pois percebe-se que, para o grupo, no contexto do ambiente utilizado para a divulgação científica, não seria necessário aprofundar o conteúdo referente aos “cálculos finais” da cientista, talvez por julgarem que o público-alvo não se prenderia tanto a questões algébricas, o que mostra uma concepção dos valores sociais e ideológicos da equipe.
Sobre os stories, o grupo 2 os utilizou como uma ferramenta de interação prévia com o público: nos dois primeiros, o grupo buscou, a partir do uso das enquetes, aferir se o público já tinha algum conhecimento a respeito da cientista. O terceiro story foi apenas para o compartilhamento da publicação feita no feed.
Seguindo a mesma forma de análise nas nove demais publicações feitas e nos stories também produzidos, pudemos chegar a conclusões a respeito do material produzido e das questões iniciais acerca da relação entre a recontextualização do discurso e o material de divulgação científica produzido por licenciandos para o Instagram. Antes do resultado, vejamos a seguir um quadro que resume algumas das características mais marcantes observadas no material produzido como um todo.
Publicações | ||||||||||
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Aspectos identificados | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | 7 | 8 | 9 | 10 |
G2 | G4 | G3 | G1 | G5 | G4 | G2 | G3 | G5 | G1 | |
Discurso regulativo | X | X | X | X | X | X | X | X | ||
Discurso instrucional | X | X | X | |||||||
Presença de trechos com transcrição do discurso original | X | X | X | X | X | X | ||||
Tentativas de interação com o público | X | X | X | X | X | X | X | |||
Presença da “voz” /subjetividade dos divulgadores | X | X | X | X | X | X |
Fonte: Autores (2021).
A partir do quadro é possível ver que a presença do discurso regulativo é mais frequente, comparada à presença do discurso instrucional. Outro aspecto relevante que pode ser visto no quadro é que muitos grupos acabaram, em alguns momentos, fazendo apenas a transcrição do discurso original que consultaram, e embora o material final ainda constitua um processo de recontextualização, já que o texto está sendo relocado em um contexto totalmente diferente do original, o conteúdo produzido acaba não apresentando a compreensão dos divulgadores no novo discurso. De um modo geral, apesar das dificuldades que encontraram, os estudantes cumpriram a proposta da atividade: produziram o material de divulgação científica abordando a temática proposta.
Diante da análise, alguns questionamentos feitos inicialmente podem ser respondidos. Verificamos que, embora a divulgação científica tenha como essência um discurso da informação, o discurso utilizado na divulgação científica em redes sociais, neste caso o Instagram, pode sim ser tratado de maneira análoga a um discurso pedagógico, como vemos a partir da verificação da presença, no discurso final do material produzido, do discurso regulativo e do discurso instrucional, e também de discursos de valores sociais. Ou seja, vemos um discurso final recontextualizado e que agrega outros discursos.
Quanto a esses discursos, foi interessante constatar que a presença do discurso regulativo foi a que mais prevaleceu nos materiais produzidos, o que pode ser justificado pelo fato de que o papel da divulgação científica não é essencialmente o de ensinar ou de instruir sobre algo. Acreditamos que por um material de divulgação científica ter como característica a subjetividade, o discurso regulativo, que mescla a transmissão de valores e de ideologias, tenha se sobressaído comparado ao discurso instrucional.
Nas características de organização do conteúdo, nos deparamos com a adaptação feita pelos licenciandos ao recontextualizar os saberes de acordo com o que o ambiente do Instagram disponibiliza ao usuário. A maioria dos grupos utilizou textos relativamente curtos nas legendas das publicações e até mesmo na parte textual dos cards de cada imagem, que frequentemente apareceu em forma de tópicos. O uso de ferramentas para aumentar a interação do público foi comum, como as enquetes presentes em alguns stories e o “gostou? Curta, comenta, compartilha” presente nas publicações. Houve pouco uso de emojis, embora esperássemos o contrário, por se tratar de uma rede social, já as hashtags, por outro lado, foram muito utilizadas.
O uso de cards coloridos e bem chamativos, com ilustrações sobre a cientista, aparece para nós como um aspecto visual que auxilia na divulgação científica feita nesse tipo de ambiente virtual, no qual os aspectos visuais são tão importantes. Apenas um grupo trouxe a exposição de uma fórmula algébrica no material produzido, o que nos leva à hipótese de que isso se deve a valores adquiridos culturalmente e academicamente pelos estudantes.
Outro aspecto importante que pode ser discutido aqui é que das dez cientistas escolhidas pelos estudantes, oito são estrangeiras e só duas são brasileiras, ambas da Física e professoras da UFPE/CAA, ou seja, próximas da realidade dos participantes. Esse fato traz indícios de que, além do problema de as mulheres cientistas e de seus respectivos trabalhos serem pouco difundidos na Ciência, de um modo geral, as cientistas brasileiras parecem sofrer um pouco mais nesse quesito.
Como dito no início desta seção, dividimos a análise em duas partes: análise do material produzido e análise do processo de produção. Neste texto, trazemos apenas as discussões a respeito da análise do material produzido. No entanto, a nível de curiosidade, a análise do processo de produção foi voltada para os relatos dos alunos, presentes no questionário final e na socialização feita ao final da disciplina, via Google Meet.
Considerações finais
A respeito do material produzido, identificamos alguns trechos de conteúdos que foram meramente transcritos de suas fontes primárias, o que revela certa dificuldade dos estudantes em recontextualizar o conteúdo e em imprimir, no discurso final elaborado, marcas de sua “voz” enquanto divulgadores. Apesar disso, identificamos, contudo, aspectos importantes do processo de recontextualização dos saberes, como a presença do discurso regulativo e do discurso instrucional, com o primeiro se mostrando preponderante em relação ao último.
Diante do objetivo de compreender como ocorre o então processo de recontextualização dos saberes na produção dos conteúdos, como forma de material de divulgação científica para o Instagram, e tomando como referencial teórico o conceito de Recontextualização do discurso de Bernstein (1996), no contexto de sua teoria do dispositivo pedagógico e o conceito de divulgação científica, as produções feitas pelos licenciandos evidenciaram diversos aspectos próprios desse formato de divulgação científica.
Concluímos, com base nas observações feitas e na análise dos dados obtidos, que a rede social Instagram se mostrou um ambiente viável e promissor para a divulgação de ciências, apesar de apresentar algumas limitações. As redes sociais parecem cada vez mais caminharem para ambientes voltados para a disseminação de vídeos, como acontece com o TikTok e com o próprio reels do Instagram. Desse modo, as diversas atualizações que as redes sociais sofrem, sejam elas decorrentes das mudanças de hábitos de seus usuários ou sejam elas atualizações do software da rede social, revelam um ambiente virtual cujo futuro é incerto, um ambiente com constantes mudanças.
As estratégias e metodologias utilizadas para a elaboração de conteúdo de divulgação científica no ambiente de redes sociais, como o Instagram, tendem a serem também mutáveis e a se adaptarem ao momento. Acreditamos, no entanto, que a divulgação científica pode encontrar espaço e se adaptar em ambientes que não sejam necessariamente convencionais, de modo que esse importante instrumento para o ensino e para a Ciência também caminhe lado a lado com o virtual, alcançando assim, por meio de novas estratégias e metodologias, uma parcela cada vez maior da sociedade.