INTRODUÇÃO
Os cuidados paliativos (CP) foram definidos pela Organização Mundial da Saúde com base no conjunto de abordagens de equipes de saúde multiprofissionais que melhoram a qualidade de vida dos pacientes e familiares - adultos e crianças - que enfrentam problemas associados com doenças potencialmente fatais1. Os profissionais atuam na prevenção e no alívio do sofrimento por meio de identificação precoce, avaliação e tratamento impecável da dor e outros problemas psicossociais e espirituais.
Conhecer os conteúdos pertinente dos CP é essencial para os cuidados dos pacientes na terminalidade da vida. Os estudantes de Medicina poderiam ser inseridos na área desde a sua formação na graduação. Entretanto, é preciso ensinar mais que teorias, pois os estudantes deverão ser capazes de articular os conhecimentos com a prática e agir na direção dos melhores interesses e necessidades do paciente e dos familiares.
Esse conjunto de aquisição de conhecimentos, habilidades e atitudes necessários para exercer determinada atividade profissional define o conceito de competência profissional. O estudante será capaz de enfrentar as situações próprias do ofício que exercerá futuramente por meio da aquisição de competências2. A educação por competências foi introduzida com a missão de fornecer ao estudante conhecimento global, associado com habilidades, atitudes e aquisição de raciocínio crítico e ético. Desse modo, o ensino cumpriria seu papel transformador na sociedade, passando do modelo informativo para o formativo3.
Como a complexidade dos CP aumenta de acordo com o nível de abordagem, é pertinente que sejam ensinados na graduação o conteúdo essencial da prática médica. A descrição das competências em CP foi redigida pelo grupo de educação da European Association for Palliative Care (EAPC) em 20134),(5 e são descritas por: 1. aplicar os constituintes centrais dos CP no ambiente próprio e mais seguro para os doentes e as famílias; 2. aumentar o conforto físico durante as trajetórias dos doentes; 3. atender às necessidades psicológicas dos doentes; 4. atender às necessidades sociais dos doentes; 5. atender às necessidades espirituais dos doentes; 6. responder às necessidades dos cuidadores familiares em relação aos objetivos do cuidar em curto, médio e longo prazos; 7. responder aos desafios da tomada de decisão clínica e ética em CP; 8. implementar uma coordenação integral do cuidar e um trabalho de equipe interdisciplinar em todos os contextos em que os CP são oferecidos; 9. desenvolver competências interpessoais e comunicacionais adequadas aos CP; 10. promover o autoconhecimento e o contínuo desenvolvimento profissional.
Nas escolas médicas brasileiras, o ensino das abordagens paliativas é frequentemente descrito como frágil, além de não ser considerado suficiente para formar futuros médicos competentes nessa área. Um estudo realizado em Goiás com estudantes do último ano do curso Medicina mostrou que 36,9% não se consideravam preparados para lidar com a terminalidade, e a maioria referiu déficit da abordagem na graduação6. Estudantes de Minas Gerais apontaram que entendiam por terminalidade apenas a etapa do “fim da vida” e não todo o processo de adoecimento grave, e 58% não se sentiam preparados para lidar com a morte de pacientes em razão da escassez de reflexões e ensino das repercussões no contexto médico-acadêmico7. Em Santa Catarina, 80% dos estudantes de Medicina não haviam adquirido habilidades de comunicação de más notícias, e, apesar de a maioria dos entrevistados julgar importante ter aulas com temas dos CP, 68% não mostraram interesse em atuar com pacientes em terminalidade8. Dos coordenadores de cursos de Medicina brasileiros entrevistados, 96% consideraram muito importante o ensino dos CP, entretanto 73% manifestaram que a carga horária destinada no currículo era insuficiente e que o tema não era priorizado pelo colegiado de seus cursos9.
No cenário internacional, também são apontados inúmeros desafios no ensino dos CP. Para o ensino efetivo, seria interessante formação teórica e prática para que os estudantes observassem pacientes com necessidades paliativas em ambulatórios, hospital e assistência domiciliar, ao longo de todo curso, na atenção primária e nas diversas especialidades. A disciplina deveria ser obrigatória, pois, quando existe a opção de cursar ou não a disciplina, passa-se a informação subjetiva de que o estudante não teria obrigação de conhecer tal conteúdo e que esse tipo de cuidado ocorreria de forma isolada em uma especialidade10. Israel, Noruega, Inglaterra, Bélgica, França, Áustria, Alemanha e Irlanda são os países que apresentam melhor desenvolvimento educacional em CP, pois o ensino é obrigatório, com professores formados na área e dedicados a ela11),(12.
Uma revisão sistemática sobre o ensino de CP, na qual se utilizaram artigos publicados na língua inglesa, mostrou que os temas mais abordados na educação médica foram a morte e o morrer, a comunicação e o manejo da dor, com raras referências à terminalidade em pediatria e à inclusão dos aspectos culturais/espirituais dos pacientes ao longo da formação13. Nas escolas inglesas, o ensino de CP é obrigatório e ocupa uma média de quatro hora por semana14. Nos Estados Unidos, o ensino modificou-se nos últimos 40 anos: hoje cada estado estabelece as próprias regras, mas, na maioria deles, o ensino é obrigatório15, com carga horária que varia de duas horas em sala de aula a semanas de estágio em enfermarias16.
Estudantes espanhóis relataram que se sentiram melhores profissionais e mais preparados não apenas para o fim de vida, mas para toda trajetória do adoecimento dos pacientes quando adquiriram conhecimentos, habilidades e atitudes por meio de vivências em enfermarias e ambulatórios com pacientes na terminalidade da vida17. É possível que as vivências paliativas apoiem o profissionalismo médico.
É essencial qualificar a aquisição de competências em CP entre estudantes de Medicina. As competências descritas por Gamondi et al.4),(5 são completas e orientam o ensino de CP no mundo atual.
Contudo, não existe um instrumento para avaliação da aquisição das competências paliativas descritas, seja entre futuros médicos ou outros profissionais de saúde. Por meio de avaliação seriada dos estudantes, submetidos a diferentes estratégias de ensino, será possível quantificar e comparar a aquisição das competências paliativas. O objetivo desta pesquisa foi desenvolver um instrumento para avaliar a aquisição das competências em CP entre estudantes de Medicina.
MÉTODO
Este estudo obteve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do Setor de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Paraná e está registrado na Plataforma Brasil - Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) nº 99340218.0.0000.0102. Todos os participantes foram orientados e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O estudo ocorreu de janeiro a dezembro de 2019.
Trata-se de estudo transversal para a validação de instrumento de pesquisa. As etapas deste estudo foram: 1. desenvolvimento do instrumento de pesquisa, 2. aperfeiçoamento do instrumento de pesquisa e validação de conteúdo por especialistas, 3. coleta de dados entre estudantes de Medicina e 4. análise dos dados.
Desenvolvimento do instrumento de pesquisa
O instrumento de pesquisa denominado PalliComp foi inicialmente desenvolvido pelos três pesquisadores e autores, que se basearam nas dez competências em CP da EAPC4),(5 para construir afirmativas. Os pesquisadores, em conjunto, têm formação e experiência tanto em CP como em ensino médico.
Estabeleceu-se previamente que o instrumento final deveria ser de fácil compreensão para o estudante, de modo que permitisse o autopreenchimento em menos de 30 minutos. Foram estabelecidas regras para a construção inicial das afirmativas: elas deveriam ser claras e objetivas, conter até 50 palavras e evitar termos que levassem à confusão, como “sempre”, “nunca” ou dupla negativa. As afirmativas foram construídas aleatoriamente entre corretas e incorretas, de acordo com a melhor redação encontrada pelos pesquisadores. O formato de respostas consistiria na escala do tipo Likert de 5 pontos.
Com a descrição de cada uma das dez competências em vista, desenvolveram-se três afirmativas por item, que tentavam compreender o conhecimento, as habilidades e as atitudes relacionados a cada competência. Tentou-se manter o nível de compreensão da abordagem paliativa, ou seja, saberes desejáveis ao médico generalista.
Elaboraram-se as 30 afirmativas em língua portuguesa, e o material foi revisado exaustivamente pelos três pesquisadores e encaminhado para correção e avaliação de outros especialistas, para aperfeiçoamento e validação do conteúdo.
Aperfeiçoamento do instrumento de pesquisa e validação de conteúdo por especialistas
O aperfeiçoamento do instrumento de pesquisa e validação do conteúdo foi feito por meio da metodologia Delphi, que consiste em rodadas de avaliação por especialistas que analisaram individualmente o conteúdo com critérios preestabelecidos. Os especialistas são juízes que apontam o melhor direcionamento de um instrumento18),(19. A metodologia é útil para o estabelecimento de questionários e para a avaliação da opinião de especialistas, com a intenção de obter consenso sobre determinado assunto, como o conteúdo de um instrumento de pesquisa20),(21.
Para o sucesso da metodologia Delphi, o painel de especialistas deve ser comprovadamente qualificado, pois eles direcionarão o desenvolvimento do instrumento20.
Os critérios para inclusão dos especialistas nesta pesquisa foram os seguintes: 1. ser médico com formação profissional em CP (pós-graduação ou residência médica), 2. ser indicado pelos diretores da Academia Nacional de Cuidados Paliativos como pessoas de referência no ensino médico em CP, no Brasil, e 3. ser docente em curso Medicina há um ano ou mais. Selecionaram-se especialistas de todo o país até o limite de dez por região geográfica. Se houvesse mais indicados, seriam eleitos aqueles com maior titulação acadêmica e tempo de docência.
Com os nomes indicados, enviou-se convite inicial por e-mail e telefone. Aqueles que aceitaram participar receberam orientação, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e receberam link eletrônico, de acordo com a agenda da pesquisa. Os participantes tiveram até três semanas para responder, com lembrete semanal de participação. Se o especialista não participasse de uma rodada, seria excluído das rodadas subsequentes.
Para apresentação do instrumento de pesquisa aos especialistas, utilizou-se a plataforma eletrônica SurveyMonkey®, com a descrição das competências traduzidas4,5 e as afirmativas construídas dispostas abaixo. Cada especialista avaliou cada uma das afirmativas, tendo em mente a competência descrita.
Para avaliação das afirmativas, solicitou-se aos especialistas que atribuíssem notas a cada uma das afirmativas de acordo com os seguintes critérios: qualidade da redação (de 0 a 30 pontos), adequação do conteúdo à descrição da competência (de 0 a 40 pontos) e qualidade geral do item (de 0 a 30 pontos). Após a avaliação, o especialista poderia sugerir por escrito uma melhor redação da afirmativa. Todas as sugestões dos especialistas deveriam ter justificativa e bibliografia apontada.
Após as três semanas de participação dos especialistas, a rodada seria encerrada. As correções e sugestões foram reunidas e avaliadas de maneira anônima pelos pesquisadores, e aquelas amparadas na literatura foram incorporadas ao PalliComp. As que tratavam de opinião pessoal do especialista foram avaliadas pelos pesquisadores, que julgaram a pertinência delas. Incluíram-se as sugestões consideradas apropriadas por, pelo menos, dois dos três pesquisadores. Os pesquisadores tiveram duas semanas para avaliar e incluir as sugestões dos especialistas no instrumento de pesquisa. Na sequência, iniciava-se nova rodada com o instrumento corrigido.
Definiu-se inicialmente a necessidade de, no mínimo, duas rodas e, no máximo, de cinco. Se não houvesse aprovação ou consenso entre os especialistas nas cinco rodadas, a pesquisa seria encerrada pelo insucesso na construção do instrumento de pesquisa no formato proposto. Cada afirmativa seria aprovada quando obtivesse média superior ou igual a 70. O instrumento como um todo seria considerado aprovado somente quando todas as afirmativas fossem aprovadas individualmente. Mesmo aprovadas, as afirmativas foram mantidas nas rodadas subsequentes, de modo a permitir a realização de melhorias pelos especialistas.
Após a aprovação do conteúdo do instrumento pelos especialistas, confeccionou-se o arquivo da versão de futura aplicação. As afirmativas foram dispostas e seguidas das respostas em escala do tipo Likert de 5 pontos (discordo totalmente, discordo, não discordo nem concordo, concordo e concordo totalmente). A ordem da disposição das afirmativas foi sorteada por meio eletrônico gratuito (www.sorteador.com.br), retirou-se o cabeçalho com a descrição das competências, e fez-se a formatação em duas páginas. Esse modelo foi apresentado aos especialistas, que o avaliaram e puderam aprovar ou reprovar, justificando a reprovação.
Aplicação em estudantes de Medicina
Convidaram-se os estudantes para preencher o instrumento e participar da coleta de dados para validação. Convidaram-se para participar dessa etapa todos os estudantes matriculados no oitavo período do curso de Medicina de uma universidade, e aqueles que aceitaram foram orientados e assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. No dia agendado, apresentou-se o instrumento PalliComp em papel impresso, e solicitou-se a participação individual e sem consulta a outros materiais, com limite de tempo de 30 minutos. Os estudantes poderiam apontar os termos que não permitissem a compreensão.
Análise dos dados
Os dados foram digitados em planilha eletrônica e submetidos à análise estatística pelo software Estatístico R versão 3.4.4 (R Core Team, 2018). O nível de significância estatística adotado foi de 0,05.
A etapa de desenvolvimento do instrumento não teve análise de dados. A etapa de aperfeiçoamento do instrumento de pesquisa exigiu planilha simples e cálculo de média aritmética simples das notas atribuídas em cada rodada pelos especialistas até a aprovação.
Para a etapa de aplicação entre estudantes de Medicina, após o preenchimento dos questionários, os dados obtidos foram digitados em planilha eletrônica, conferidos e submetidos a estudo estatístico. Corrigiram-se os dados da participação dos estudantes, e cada item recebeu uma pontuação: +1 (totalmente correto), +0,5 (correto), 0 (alternativa neutra), -0,5 (incorreto) e -1 (totalmente incorreto). Deu-se atenção especial à correção de afirmativas propositalmente incorretas, que tiveram pontuação invertida. Os escores foram calculados pela fórmula = (variável - nota mínima)/(nota máxima - nota mínima) e transformados numa escala 0 a 100.
Para a validação estatística, foi necessária a exclusão dos instrumentos com preenchimento incompleto. Realizou-se o teste de esfericidade de Bartlett para avaliar a correlação entre os itens (adequado p < 0,05). A adequação amostral foi realizada com o teste de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO), que indica padrões de correlação com valores entre 0,5 e 1,0. A consistência interna do instrumento foi avaliada pelo coeficiente alfa de Cronbach22)-(25.
O alfa de Cronbach é um coeficiente que quantifica, numa escala de 0 a 1, a confiabilidade do questionário. O valor mínimo para considerar o questionário confiável é 0,7 e máximo 0,9, e a melhor consistência interna é encontrada entre 0,8 a 0,9. Um coeficiente menor que 0,7 sugere baixa consistência do instrumento de pesquisa, e acima de 0,9 considera-se que há redundância, ou seja, vários itens aferem o mesmo elemento22),(26),(27. Como essa análise de dados ocorreu a título de validação do instrumento desenvolvido, a análise fatorial não foi indicada para preservar a característica das competências previamente determinadas até a validação em uma amostra maior de estudantes.
RESULTADOS
Identificaram-se 33 especialistas que contemplavam os critérios de inclusão propostos. Desses especialistas, 24 aceitaram participar da primeira rodada da metodologia Delphi (100%), 22 da segunda (91,7%), 19 da terceira (79,2%) e 18 da avaliação final (75,0%). Dos especialistas, 41,7% possuíam título de mestrado, 62,5% tinham doutorado e 25,0% eram pós-doutores. O tempo de experiência docente foi de 9,7±7,7 anos, e 95,8% também atuavam simultaneamente na assistência e docência.
O instrumento de pesquisa desenvolvido contava inicialmente com 30 afirmativas que foram avaliadas pelos especialistas na primeira rodada.
Na primeira rodada da metodologia Delphi, apesar de a avaliação geral ter sido razoável, o instrumento foi reprovado pelo excesso de tempo demandado. Dos 24 especialistas, 19 responderam que o tempo despendido na avaliação foi de cerca de uma hora, o que não seria razoável para a futura aplicação entre estudantes.
Os pesquisadores revisaram totalmente o instrumento, adequando-o ao objetivo da pesquisa. Seguiu-se a sugestão dos especialistas de supressão de seis itens redundantes e correção das afirmativas, de modo a torná-las mais claras e curtas. O instrumento revisado, agora com 24 afirmativas, foi submetido à segunda rodada.
Seguiu-se a segunda rodada, com a atribuição de notas e correções dos especialistas. Apenas três afirmativas não foram aprovadas, gerando a necessidade da terceira rodada. As correções foram incorporadas, resultando em 24 afirmativas totalmente aprovadas na terceira rodada. A disposição das afirmativas foi sorteada conforme a metodologia descrita, e o arquivo final obteve aprovação unânime dos especialistas participantes (Tabela 1).
Item | 1ª etapa* (n = 24) | 2ª etapa (n = 22) | 3ª etapa (n = 19) | Avaliação final (n = 18) | Item | 1ª etapa* (n = 24) | 2ª etapa (n = 22) | 3ª etapa (n = 19) | Avaliação final (n = 18) |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
1 | - | 85,8 | 79,6 | Aprovado | 16 | - | 96,7 | 75,5 | Aprovado |
2 | - | 75,4 | 93,6 | Aprovado | 17 | - | Exclusão | - | - |
3 | Exclusão | - | - | 18 | 72,2 | 74,1 | Aprovado | ||
4 | - | 99,1 | 91,1 | Aprovado | 19 | - | 75,4 | 97,2 | Aprovado |
5 | - | 99,1 | 95,9 | Aprovado | 20 | - | Exclusão | - | - |
6 | - | 98,7 | 88,6 | Aprovado | 21 | - | 64,2 | 98,8 | Aprovado |
7 | - | 75,7 | 98,1 | Aprovado | 22 | - | 64,2 | 74,6 | Aprovado |
8 | - | 79,9 | 81,6 | Aprovado | 23 | - | 98,0 | 97,9 | Aprovado |
9 | - | 75,2 | 74,8 | Aprovado | 24 | - | 90,9 | 81,8 | Aprovado |
10 | - | 98,9 | 98,9 | Aprovado | 25 | - | 95,6 | 74,0 | Aprovado |
11 | - | 79,4 | 77,9 | Aprovado | 26 | - | 68,5 | 99,0 | Aprovado |
12 | - | 99,4 | 94,6 | Aprovado | 27 | 96,7 | 71,8 | Aprovado | |
13 | - | 86,7 | 74,4 | Aprovado | 28 | Exclusão | - | - | |
14 | - | Exclusão | - | - | 29 | 75,7 | 81,8 | Aprovado | |
15 | - | 97,9 | 95,7 | Aprovado | 30 | Exclusão | - | - |
*Rodada reprovada pelo tempo excessivo de avaliação.
Dos 80 estudantes matriculados no oitavo semestre, 71 aceitaram participar desta pesquisa. A idade média dos participantes foi de 23,4 ± 2,6 anos, 30 (42,3%) eram homens, 41 (57,7%) eram mulheres, e 17 (23,9%) cursavam a disciplina optativa de CP. Não houve questionamentos acerca da compreensão das palavras empregadas no PalliComp. As respostas dos estudantes às afirmativas estão descritas na Tabela 2. Os escores médios por competências podem ser observados no Gráfico 1.
Afirmativas | Concordo totalmente | Concordo | Não concordo nem discordo | Discordo | Discordo totalmente |
---|---|---|---|---|---|
Q 1 | 30 (42,3%) | 33 (46,5%) | 2 (2,8%) | 5 (7,0%) | 0 (0%) |
Q 2# | 4 (5,6%) | 6 (8,5%) | 12 (16,9%) | 30 (42,3%) | 17 (23,9%) |
Q 3 | 35 (49,3%) | 28 (39,4%) | 5 (7,0%) | 1 (1,4%) | 0 (0%) |
Q 4 | 39 (54,9%) | 25 (35,2%) | 6 (8,5%) | 0 (0%) | 0 (0%) |
Q 5 | 43 (60,6%) | 23 (32,4%) | 3 (4,2%) | 0 (0%) | 1 (1,4%) |
Q 6# | 4 (5,6%) | 6 (8,5%) | 4 (5,6%) | 30 (42,3%) | 26 (36,6%) |
Q 7# | 5 (7,0%) | 8 (11,3%) | 12 (16,9%) | 33 (46,5%) | 11 (15,5%) |
Q 8# | 11 (15,5%) | 15 (21,1%) | 12 (16,9%) | 24 (33,8%) | 7 (9,9%) |
Q 9 | 32 (45,1%) | 29 (40,8%) | 7 (9,9%) | 2 (2,8%) | 0 (0%) |
Q 10 | 33 (46,5%) | 27 (38,0%) | 8 (11,3%) | 2 (2,8%) | 0 (0%) |
Q 11 | 37 (52,1%) | 26 (36,6%) | 6 (8,5%) | 1 (1,4%) | 0 (0%) |
Q 12# | 7 (9,9%) | 22 (31,0%) | 16 (22,5%) | 21 (29,6%) | 4 (5,6%) |
Q 13 | 44 (62,0%) | 23 (32,4%) | 2 (2,8%) | 0 (0%) | 0 (0%) |
Q 14 | 42 (59,2%) | 27 (38,0%) | 0 (0%) | 0 (0%) | 0 (0%) |
Q 15# | 4 (5,6%) | 15 (21,1%) | 20 (28,2%) | 26 (36,3%) | 5 (7,0%) |
Q 16# | 1 (1,4%) | 3 (4,2%) | 8 (11,3%) | 32 (45,1%) | 26 (36,6%) |
Q 17 | 33 (46,5%) | 32 (45,1%) | 4 (5,6%) | 1 (1,4%) | 0 (0%) |
Q 18# | 9 (12,7%) | 23 (32,4%) | 16 (22,5%) | 14 (19,7%) | 8 (11,3%) |
Q 19 | 22 (31,0%) | 20 (28,2%) | 18 (25,4%) | 9 (12,7%) | 1 (1,4%) |
Q 20 | 24 (33,8%) | 24 (33,8%) | 12 (16,9%) | 5 (7,0%) | 3 (4,2%) |
Q 21 | 41 (57,7%) | 24 (33,8%) | 2 (2,8%) | 0 (0%) | 0 (0%) |
Q 22# | 3 (4,2%) | 9 (12,7%) | 31 (43,7%) | 25 (35,2%) | 1 (1,4%) |
Q 23 | 19 (26,8%) | 34 (47,9%) | 13 (18,3%) | 3 (4,2%) | 0 (0%) |
Q 24 | 42 (59,2%) | 25 (35,2%) | 1 (1,4%) | 11 (1,4%) | 1 (1,4%) |
Q = afirmativa; # = afirmativa com desenvolvimento propositalmente incorreto.
Três questionários foram excluídos por preenchimento incompleto. O estudo estatístico mostrou matriz de identidade com correlação adequada (teste de esfericidade de Bartlett p < 0,001) e padrões de correlação relativamente compactos e pouco dispersos (teste de KMO = 0,63). O coeficiente alfa de Cronbach revelou consistência interna (0,73).
DISCUSSÃO
Os profissionais de saúde desejados no século XXI deverão ser capazes de compreender o mundo, apesar das muitas desigualdades encontradas na sociedade. Além disso, deverão ser educados para mobilizar saberes e ter raciocínio crítico e conduta ética, de modo que sejam pessoas competentes para participar de um sistema de saúde orientado para as necessidades reais da população. Trata-se de um desafio imensurável.
Como área assistencial em saúde e especialidade médica, os CP ainda são novos no Brasil e contam com apenas 30 anos de história, e há pouco mais de uma centena de médicos titulados no Conselho Federal de Medicina28. Com os critérios exigidos dos especialistas nesta pesquisa, observa-se que há poucos profissionais médicos capacitados tanto na docência como na assistência, e foi desafiador envolvê-los na construção e validação do PalliComp.
Após o aceite de participação, os médicos especialistas e os docentes participantes compartilharam sua experiência profissional e acadêmica para a construção do PalliComp, e demonstraram resistência - e até alguma paciência - até a aprovação do instrumento de pesquisa nas várias etapas. Para que não houvesse viés, pediu-se que os especialistas empregassem, ao longo da participação, o conceito de competências descrito por Gamondi et al.4),(5.
A construção de instrumentos de pesquisa em temáticas, para as quais não existia um consenso prévio, mas um direcionamento na literatura, por meio da metodologia Delphi mostrou-se viável e exequível20),(21),(25. Os especialistas dispensaram tempo, conhecimento e experiência com a intenção de construir um instrumento de pesquisa, e, sem a participação deles com os apontamentos essenciais para aprimorar o PalliComp, a construção e validação do instrumento não seriam possíveis.
Até o momento não existia um instrumento disponível na literatura com a proposta de avaliação das competências em CP entre estudantes de Medicina. Os estudos disponíveis descrevem a fragilidade em termos de conhecimentos dos estudantes de Medicina por meio de avaliações que não podem ser comparadas entre si e não compreendem todas as competências descritas6)-(8. Outros estudos descrevem as temáticas que devem ser ensinadas em CP10, mas trata-se de revisões11),(13)-(16),(11 ou experiências de ensino17.
Existem concepções equivocadas em CP no Brasil 7, como se fossem indicados apenas para o fim de vida. A Organização Mundial da Saúde descreve que o objetivo dos CP é melhorar a qualidade de vida de pacientes que enfrentam a doenças graves e que ameaçam a vida1, portanto não deveriam estar relegados aos últimos dias de vida. As Diretrizes Nacionais para os cursos de Medicina no Brasil29 apontam a necessidade de formar médicos capazes de ofertar assistência do início ao fim da vida. Portanto, seria importante inserir os conteúdos da abordagem paliativa básica na formação do médico generalista e avaliar a aquisição dessas competências ao longo da formação.
O conceito de competências ganhou espaço desde o final do século XX, quando o sociólogo suíço Philippe Perrenoud descreveu que competência é a “capacidade de agir eficazmente em um determinado tipo de situação, apoiado em conhecimentos, mas sem limitar-se a eles”2 pág. 140. O autor ressaltou o fato de que a escola transfere conhecimentos, mas nem sempre é capaz de ligar saberes com a própria vida do educando ou a realidade profissional. Parece ser mais importante a aquisição de proficiência, ou seja, que o estudante domine as habilidades necessárias para o desempenho de uma determinada profissão e seja capaz de agir eticamente em direção às atitudes profissionais desejáveis2),(3),(30.
A aquisição de competências ocorre ao longo de toda a formação e não em apenas durante o ensino de uma disciplina isolada. Todas as vivências que apresentam determinado tema aos estudantes são capazes de proporcionar conhecimentos, treinar habilidades e orientar atitudes adequadas ao futuro médico10),(4),(5). Portanto, aferir a aquisição de competências desejáveis é uma missão dos educadores e deve ser realizada ao longo de todo o curso de Medicina.
No desenvolvimento do PalliComp, escolheram-se afirmativas curtas e objetivas, com formato de respostas em escala do tipo Likert. Assim, é permitido ao estudante apontar o grau de certeza que possui em cada afirmativa. Essa foi a melhor forma que os pesquisadores encontraram para reduzir o acerto ou erro aleatório, que possivelmente ocorreria no caso de respostas por múltipla escolha. O cálculo dos escores mostrará a confiança que os participantes apresentarão nas diferentes competências em CP.
A metodologia Delphi consiste na avaliação da opinião de especialistas em situações para as quais não existe consenso18)-(21. A técnica é desafiadora e exige escolha de especialistas qualificados, pois a opinião deles é fundamental no processo de avaliação do conteúdo. Como a metodologia exige tempo e dedicação dos especialistas, era esperada a desistência de parte deles ao longo do processo de construção e validação do PalliComp. Havia a necessidade de avaliação por critérios objetivos estabelecidos previamente, com sugestões baseadas na literatura e aferição clara para evitar opinião pessoal dos especialistas participantes.
Observou-se que, no cenário brasileiro, há apenas 33 médicos especialistas em CP que atuam formalmente na docência, o que certamente influirá no cenário de ensino qualificado em CP. Felizmente, entre os poucos especialistas existentes, 24 aceitaram participar do estudo, dos quais 75% cumpriram até a última rodada, permitindo a construção do instrumento proposto. Os poucos médicos docentes especialistas existentes no país mostraram-se altamente qualificados em termos de titulação e experiência na área.
Todas as rodadas tiveram as sugestões dos especialistas avaliadas e incluídas pelos pesquisadores. As correções foram realizadas em conjunto pelos pesquisadores, respeitando a melhor redação e a opinião da maioria dos especialistas baseada na literatura.
A primeira rodada foi considerada insatisfatória, pois o excesso de tempo levaria, futuramente, à baixa adesão dos estudantes participantes. Acataram-se as sugestões dos especialistas na supressão de itens redundantes e na correção da redação daqueles considerados inadequados.
A segunda rodada mostrou-se mais adequada ao propósito do desenvolvimento do instrumento com foco nos estudantes de graduação. Fizeram-se as correções que foram submetidas à terceira rodada. Foi interessante notar que a segunda rodada, com exceção de três afirmativas, recebeu avaliação favorável. Seguindo a metodologia proposta, a incorporação das sugestões dos próprios especialistas reduziu curiosamente a avaliação de algumas afirmativas, sem comprometer a aprovação completa na terceira rodada.
Mesmo com a inclusão de itens com comprovada adequação científica, a avaliação está sujeita à subjetividade dos especialistas. Tal comportamento foi descrito na metodologia Delphi e pode ser devido à elevada exigência ou fadiga dos especialistas18),(20. Acredita-se que, com o estabelecimento de critérios antecipados e objetivos, haja uma redução da subjetividade, sem interferir de maneira negativa no resultado final.
Os estudantes participantes estavam no final do semestre acadêmico, foram escolhidos por terem sido submetidos a todo o conteúdo programático previsto no curso de Medicina e, a partir daquele momento, refinariam a formação nos estágios. É importante ressaltar que se trata de um estudo de construção e validação de instrumento. Não se pode concluir de maneira definitiva sobre a amostra de estudantes, entretanto quatro das dez competências mostraram desempenho inferior a 70% e, possivelmente, apontarão para a aquisição insuficiente de competências em CP. Contudo, conclusões mais adequadas só poderão ser obtidas por meio da aplicação em uma amostra maior de estudantes.
O conteúdo das dez competências descritas pela EAPC4),(5 é abrangente e, por vezes, se sobrepõe. A assistência paliativa adequada exige bom desempenho nas diversas competências. Um paciente que enfrenta a terminalidade precisa ter suas múltiplas necessidades acolhidas, como manejo de sintomas, questões psicossociais, espirituais e familiares, trabalho em equipe e tomada de decisão ética. Se apenas algumas forem satisfatórias e outras não, a assistência será inadequada.
Assim, conclui-se que é interessante que o estudante demonstre desempenho razoável em todas as competências, bem como no escore geral das competências. Como a proposta deste estudo foi a construção e validação do instrumento, não se podem atribuir, por ora, escores de desempenho.
O PalliComp mostrou ser um instrumento válido e com consistência interna razoável, permitindo a aplicação em uma amostra maior de estudantes. A correção futura do instrumento poderá melhorar a consistência interna, e, assim, planeja-se a continuidade do estudo. Como se trata de amostra inicial, não foi realizado reteste, o que será considerado na amostra mais representativa do curso.
Quando se trabalha na construção de instrumentos de pesquisa, é frequente a realização da análise fatorial, e itens de menor peso são suprimidos. Apesar de tal análise de dados ser possível, como o PalliComp foi desenvolvido a partir de competências preestabelecidas, a análise fatorial e a supressão de itens não foram recomendadas até a aplicação em uma amostra representativa de estudantes.
O objetivo deste estudo de validar o instrumento de pesquisa PalliComp entre estudantes de Medicina foi alcançado. Entretanto, não se puderam extrapolar, por ora, os resultados para além do objetivo proposto, especialmente porque utilizou-se apenas uma amostra isolada. Para que possam aferir a aquisição de competências em CP, os autores pretendem incluir estudantes de Medicina de diversas instituições e acompanhá-los por meio de estudo longitudinal, a fim de avaliar as potencialidades do instrumento desenvolvido. No futuro, seria interessante traduzir para outros idiomas e realizar a adaptação cultural.
CONCLUSÃO
Com as etapas realizados nesta pesquisa, pode-se afirmar que foi possível construir e validar o instrumento PalliComp para avaliar a aquisição de competências em CP entre estudantes de Medicina. Ele mostrou-se com consistência interna e adequado ao propósito, e, por conta disso, há a intenção de prosseguir com a pesquisa.
É adequado prosseguir com a avaliação de estudantes de matriculados nos diferentes semestres do curso de Medicina e de diferentes instituições, e realizar estudo prospectivo. Dessa maneira, será possível verificar como as competências básicas em CP estão sendo adquiridas e estruturar intervenções de ensino.