INTRODUÇÃO
O conceito de aprendizado profundo foi apresentado no trabalho de Marton et al.1, em 1976, como sendo aquele que envolve a codificação de informações para construção de significado para o indivíduo. Em sequência, Biggs analisou as abordagens de aprendizado como uma combinação de objetivos (intenções e motivos) e estratégias de processamento2),(3. Biggs foi um dos principais autores a descrever os tipos de aprendizado e reconheceu três formas de aprendizado (superficial, profundo e estratégico), bem como a existência de fatores individuais e do ambiente educacional que podem influenciar na abordagem utilizada pelo estudante, demonstrando que a postura perante o aprendizado é mutável ao longo do tempo3)-(5.
O aprendizado superficial refere-se ao entendimento limitado de informações por meio de estratégias de memorização em curto prazo, sem a preocupação de relacionar conhecimentos novos e prévios ou entender mecanismos e princípios2)-(5. Por sua vez, o aprendizado profundo requer do estudante habilidades cognitivas mais complexas para entendimento abrangente de determinado assunto, extração de conceitos, princípios e mecanismos subjacentes. Para isso, o aluno deve estar interessado no assunto, ser responsável pelo seu estudo e adotar estratégias que maximizem sua aprendizagem3. Dessa forma, aqueles que experienciam o aprendizado profundo têm uma compreensão mais significativa de determinado tema, ou seja, possuem maior aproximação com a aprendizagem significativa, ao contrário daqueles que utilizam uma abordagem superficial do conhecimento2),(3),(5. O terceiro tipo de aprendizado é o estratégico ou esforço organizado, no qual a motivação é a competitividade e o reforço da autoestima. Montam-se estratégias de organização de tempo e recursos educacionais em busca de um objetivo, podendo ser utilizadas tanto estratégias de aprendizado superficial como de aprendizado profundo3),(6.
Ausubel7 desenvolveu outra concepção de aprendizagem, dividida entre significativa e mecânica. Na primeira, os conceitos adquiridos interagem de forma substancial com a estrutura cognitiva do indivíduo, a partir de seus conhecimentos prévios, modificando a bagagem teórica dele de maneira duradoura7. Na segunda, as informações são adquiridas de maneira temporária, sem envolver a estrutura cognitiva complexa do indivíduo7.
Atualmente, tem-se o conceito de que o ensino nas universidades, para ser efetivo e bem-sucedido, deve desenvolver o aprendizado profundo, pois este está relacionado a uma aprendizagem significativa de maior qualidade5),(8. Isso é especialmente importante na área médica, em que foi demonstrado que as diferentes formas de aprendizagem influenciam significativamente a capacidade de os estudantes-médicos se atualizarem após sua formação básica. A busca ativa do conhecimento é importante instrumento para manter a excelência da atuação clínica na vida profissional3),(9.
Segundo Ausubel e Moreira, para que ocorra aprendizado significativo, é necessário engajamento do aluno, o qual deve estar disposto a aprender, condição associada a características pessoais e subjetivas; além disso, o objeto a ser compreendido pelo estudante deve ter para ele o potencial de ser significativo7),(10),(11. Assim, em face da necessidade de incorporar essas questões ao ensino de graduação, foram desenvolvidas novas abordagens ao processo de ensino-aprendizagem, como a aprendizagem baseada em problemas (problem-based learning - PBL)12. Ela foi definida por Barrows13 como uma abordagem instrucional centrada no estudante, que se organiza em torno da discussão de problemas em pequenos grupos. Nessas discussões, facilitadas por um professor, questões de aprendizagem são formuladas com base em lacunas de conhecimento prévio, com o objetivo de adquirir novos conhecimentos, entender melhor um problema e desenvolver habilidades para resolvê-lo14. O aluno é visto como peça central do aprendizado, sendo estimulado a compartilhar informações, opiniões, saberes e experiências, além de reconhecer suas lacunas de conhecimento, valorizando a bagagem teórica prévia e a construção de conhecimento de forma colaborativa12),(15. A busca pelo aprendizado se torna lógica e psicologicamente relevante ao aluno, favorecendo sua motivação e autonomia, aumentando o protagonismo dele e estimulando o treino de habilidades cognitivas complexas, como interpretação, observação, problematização, reflexão e crítica, leitura e pesquisa, elaboração de hipóteses e sínteses, além de aplicação de princípios a novas experiências12),(15. Sendo assim, a metodologia de ensino se alinha ao seu objetivo de estimular o aprendizado profundo, integrando novas informações de forma substancial aos conceitos prévios do aluno, e de prepará-lo para o futuro profissional, haja vista a necessidade constante advinda da prática médica de saber aprender diante de novas situações12),(15. Dessa forma, valoriza-se o “aprender” em detrimento do “ensinar”, desestimulando o aprendizado superficial, mecânico e de memorização, distante do trabalho de habilidades cognitivas complexas12),(15.
A PBL engaja os estudantes em seu aprendizado, reduzindo a fragmentação do conteúdo e aumentando o desenvolvimento de aprendizado crítico16. Dolmans et al.17 mostraram, em sua revisão, que a PBL tem um efeito de estimular o aprendizado profundo. Gurpinar et al.5 e Khoiriyah et al.18 afirmaram ainda que a necessidade de desenvolver pensamento crítico, habilidades cognitivas superiores e ações de aprendizagem em grupo dá à PBL a possibilidade de promover uma aprendizagem significativa. Mirghani et al.19, no entanto, mostraram uma redução relevante na aprendizagem profunda dos estudantes após um ano em um currículo PBL. Uma das justificativas apontadas foi o grande volume de conteúdo dos cursos de Medicina, que teria induzido os alunos a assumir um aprendizado mais superficial para que pudessem memorizar o máximo de informações possíveis. Esses resultados sugerem uma influência significativa do ambiente, como carga de trabalho e metodologia de ensino, no tipo de aprendizagem.
Considerando a necessidade de aprofundar o conhecimento sobre a forma de aprendizagem adotada por estudantes inseridos em metodologias ativas de aprendizagem e a divergência na literatura sobre os fatores que influenciam essa variável, o objetivo deste trabalho foi avaliar a abordagem de aprendizado de estudantes de um curso de medicina que adota amplamente metodologias ativas de ensino-aprendizagem em seu currículo e sua relação com aspectos sociodemográficos e com o ambiente de ensino.
MÉTODO
Trata-se de estudo descritivo e transversal, desenvolvido no segundo semestre do ano letivo de 2018 e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da instituição (Parecer nº 2.661.069). Este trabalho obedeceu à Resolução nº 466/2012 da Comissão Nacional de Ética e Pesquisa e às suas complementares. Foram incluídos nesta pesquisa todos os alunos regularmente matriculados no curso, que concordaram com a sua participação, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e responderam a um mínimo de 80% dos questionários.
O curso de Medicina da instituição foi criado em 2006, com a proposta de realizar todo o ensino utilizando exclusivamente metodologias ativas de aprendizado. Os primeiros quatro anos foram considerados um ambiente de PBL, pois atenderam aos seguintes critérios: aprendizagem em pequenos grupos; estudo em grupo facilitado por um tutor/preceptor; processo de aprendizagem disparado por problemas; conhecimento novo adquirido por meio de estudo individual13. No quinto e no sexto ano do curso, que correspondem ao internato médico, utiliza-se a aprendizagem em serviço, uma outra forma de metodologia ativa, em que os estudantes são inseridos na prática médica real, derivando o aprendizado das situações vividas e observadas por eles. As turmas do curso são compostas, em média, por 40 estudantes, e cada participante respondeu aos questionários num único momento.
Para a determinação do tipo de aprendizagem dos estudantes, utilizou-se o Questionário Revisado do Processo de Estudo (Revised two-factor Study Process Questionnaire - R-SPQ-2F), composto por 20 itens pontuados segundo a escala Likert, com cinco possibilidades de respostas (discorda fortemente, discorda, não tem certeza, concorda e concorda fortemente). A cada resposta foi atribuída uma pontuação de 0 a 4, considerando 0 a de maior discordância e 4 a de maior concordância. Esse questionário, dividido em duas subescalas (superficial e profunda), com dez itens cada, tem pontuação que varia de 10 a 50, e quanto maior a nota, maior o uso da respectiva estratégia de aprendizado. É importante ressaltar que para esse questionário não há valores definidores de categorias, e, dessa forma, os resultados são comparados numericamente entre si. Esse questionário foi traduzido e validado para o Brasil20.
Para avaliação do ambiente de aprendizagem foi utilizado o Dundee Ready Education Environment Measure (DREEM), traduzido e validado para o Brasil15, subdividido em cinco dimensões: percepção da aprendizagem, dos docentes/preceptores, dos resultados acadêmicos, do ambiente geral e das relações sociais. Esse questionário é composto por 50 questões estruturadas segundo uma escala do tipo Likert, com pontuação máxima de 200 pontos - isto é, quanto mais próximo desse valor estiver o resultado, mais positiva será a percepção do ambiente educacional.
Foi aplicado também um questionário sociodemográfico, em que se pesquisaram os seguintes dados: procedência, tipo de moradia, tipo de ensino médio (público ou particular), inserção por cotas ou ampla concorrência, realização de outra graduação, contato prévio com metodologias ativas, recebimento ou não de assistência estudantil ou auxílio financeiro de familiares, exercício de emprego remunerado, carro próprio. Além disso, foram pesquisados dados relacionados às atividades dos estudantes durante a graduação, como estudo de outros idiomas e participações em atividades culturais, iniciação científica, monitoria, atividades curriculares de integração ensino, pesquisa e extensão (Aciepe), simpósios e congressos.
Na análise estatística, utilizou-se o IBM SPSS Statistics versão 25.0. Na análise descritiva, os dados categóricos foram resumidos em frequências absolutas e relativas e os numéricos em média, mediana, desvio padrão, valor mínimo e máximo. Utilizaram-se testes paramétricos e não paramétricos para variáveis com distribuição normal e não normal, respectivamente. A diferença entre as médias de dois grupos foi avaliada pelo teste t de Student ou pelo teste de Mann-Whitney. A diferença entre as médias de mais de dois grupos foi verificada pelos testes ANOVA ou Kruskal-Wallis. As correlações binárias foram avaliadas por meio do coeficiente de correlação de Pearson ou por meio do rô de Spearman. Para comparação de frequências das variáveis qualitativas entre os grupos, utilizaram-se o teste do qui-quadrado ou o teste exato de Fisher, conforme o número de ocorrências. Em todos os testes, adotou-se como parâmetro de significância um valor de p < 0,05.
A análise dos resultados do DREEM baseou-se na pontuação média de cada item, na soma dos escores para cada dimensão e no escore total do instrumento. Para a análise de cada item, considerou-se a seguinte pontuação média: ≥ 3,5 = pontos fortes, ≤ 2,0 = pontos que precisam de atenção especial e entre 2 e 3 = pontos que podem ser melhorados21. A soma dos escores obtida em cada dimensão foi analisada de acordo com os critérios utilizados por Swift et al.22. O escore total foi analisado considerando que valores entre 101 e 150 classificam o ambiente como “mais positivo do que negativo”, e valores acima de 150, como “excelente”23. Para obtenção do escore total, a pontuação nos itens negativos (4, 8, 9, 17, 25, 35, 39, 48 e 50) foi invertida.
O alfa de Cronbach foi utilizado para analisar a consistência interna dos instrumentos, considerando-se adequados valores entre 0,7 e 0,9524.
RESULTADOS
A Tabela 1 apresenta os dados sociodemográficos da população de estudo, composta por 226 estudantes. A distribuição em relação ao ano de graduação, do primeiro ao sexto ano, foi, respectivamente, de 39 (17,3%), 42 (18,6%), 37 (16,4%), 33 (14,6%), 36 (15,9%) e 39 (17,3%) indivíduos. Quanto ao envolvimento acadêmico dos estudantes, 128 estudantes (56,6%) referiram participar de pelo menos um projeto de iniciação científica, e 108 alunos (47,8%) afirmaram estudar outro idioma durante a graduação.
Variável | Frequência absoluta | Frequência relativa (em porcentagem) | |
---|---|---|---|
Idade (média ± DP) | 22 ± 5,7 anos | ||
Sexo | Feminino | 109 | 48,2 |
Masculino | 117 | 51,8 | |
Meio de entrada no curso | Ampla concorrência | 116 | 51,3 |
Ações afirmativas | 107 | 47,3 | |
Não declarado | 3 | 1,3 | |
Ensino médio | Particular | 117 | 51,8 |
Público | 108 | 47,8 | |
Não declarado | 1 | 0,4 | |
Graduação anterior | Não | 156 | 69,0 |
Sim | 69 | 30,5 | |
Não declarado | 1 | 0,4 | |
Contato prévio com metodologias ativas | Não | 208 | 92,0 |
Sim | 17 | 7,5 | |
Não declarado | 1 | 0,4 | |
Procedência | São Carlos, SP | 5 | 2,2 |
Outra cidade do estado de São Paulo | 181 | 80,1 | |
Outro estado do Brasil | 29 | 12,8 | |
Estrangeiro | 9 | 4,0 | |
Não declarado | 2 | 0,9 | |
Assistência estudantil | Não | 182 | 80,5 |
Sim | 41 | 18,1 | |
Não declarado | 3 | 1,3 | |
Auxílio financeiro de familiares | Não | 20 | 8,8 |
Sim | 204 | 90,3 | |
Não declarado | 2 | 0,9 | |
Emprego remunerado | Não | 213 | 94,2 |
Sim | 11 | 4,9 | |
Não declarado | 2 | 0,9 | |
Carro próprio | Não | 102 | 45,1 |
Sim | 122 | 54,0 | |
Não declarado | 2 | 0,9 | |
Moradia | Própria | 26 | 11,5 |
Alugada | 195 | 86,3 | |
Estudantil | 3 | 1,3 | |
Não declarado | 2 | 0,9 |
A Tabela 2 apresenta as pontuações totais dos questionários R-SPQ-2F e DREEM. O teste de normalidade (Kolmogorov-Smirnov) mostrou distribuição normal para a variável DREEM (valor 0,200) e distribuição não normal para as subescalas do questionário R-SPQ-2F, tanto para o aprendizado profundo (valor 0,010) quanto para o superficial (valor < 0,001).
Abordagem profunda | Abordagem superficial | Percepção do ambiente DREEM total | D1 | D2 | D3 | D4 | D5 | ||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Número | Válidos | 226 | 226 | 226 | 226 | 226 | 226 | 226 | 226 |
Omissos | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | |
Média | 33,52 | 17,42 | 129,77 | 32,59 | 29,42 | 20,62 | 31,49 | 15,66 | |
Mediana | 34,00 | 17,00 | 131,00 | 33,00 | 30,00 | 21,00 | 32,00 | 15,00 | |
Moda | 34 | 11 | 125 | 32 | 30 | 22 | 33 | 14 | |
Desvio padrão (DP) | 5,59 | 5,03 | 21,92 | 6,06 | 6,21 | 3,82 | 6,44 | 4,15 | |
Mínimo | 13 | 10 | 73 | 14 | 10 | 10 | 9 | 4 | |
Máximo | 46 | 35 | 181 | 47 | 42 | 30 | 47 | 27 | |
Percentis | 25 | 30,00 | 14,00 | 115,75 | 29,00 | 26,00 | 18,00 | 28,00 | 13,00 |
50 | 34,00 | 17,00 | 131,00 | 33,00 | 30,00 | 21,00 | 32,00 | 15,00 | |
75 | 38,00 | 20,25 | 145,00 | 37,00 | 34,00 | 23,00 | 35,00 | 19,00 | |
Porcentagem (%) (pontuação média / pontuação total *100) | 67,04 | 34,84 | 64,89 | 67,90 | 66,86 | 64,44 | 65,60 | 55,93 |
R-SPQ-2F = Questionário Revisado do Processo de Estudo; DREEM = Dundee Ready Education Environment Measure; D1 = subitem D1 do DREEM (percepção da aprendizagem); D2 = subitem D2 do DREEM (percepção dos professores); D3 = subitem D3 do DREEM (percepção dos resultados acadêmicos); D4 = subitem D4 do DREEM (percepção do ambiente geral); D5 = subitem D5 do DREEM (percepção das relações sociais).
Na Tabela 3, constam as pontuações por ano de curso dos questionários R-SPQ-2F e DREEM. O teste de normalidade (Kolmogorov-Smirnov) mostrou distribuição normal para a variável DREEM (valor 0,200) e distribuição não normal para as subescalas do questionário R-SPQ-2F, tanto para o aprendizado profundo (valor 0,010) quanto para o superficial (valor < 0,001).
Primeiro ano | Segundo ano | Terceiro ano | Quarto ano | Quinto ano | Sexto ano | |
---|---|---|---|---|---|---|
Abordagem profunda | 34,21 ±6,04 | 33,76 ±5,92 | 33,57 ±5,96 | 33,09 ±4,66 | 30,89 ±5,73 | 35,33 ±4,23 |
Abordagem superficial | 18,64 ±4,64 | 17,67 ±5,26 | 16,76 ±4,80 | 16,52 ±3,96 | 18,31 ±6,41 | 16,49 ±4,60 |
R-SPQ-2F = Questionário Revisado do Processo de Estudo.
Para o aprendizado profundo, não houve diferença em relação a ter iniciado uma graduação prévia (p = 0,186), mas aqueles que completaram outra graduação previamente tiveram maior aprendizado profundo em relação aos que não completaram (p = 0,023). Além disso, quem completou pós-graduação teve maior aprendizado profundo em relação aos que cursaram graduação prévia, porém sem pós-graduação (p = 0,008). Receber auxílio financeiro de familiares demonstrou ter correlação positiva com o aprendizado profundo (p = 0,012). Assim, demonstrou-se que os principais fatores que interferem positivamente na abordagem profunda de aprendizado são: ter realizado pós-graduação, ter completado outra graduação antes do curso médico e receber auxílio financeiro de familiares. O aprendizado profundo diminuiu de forma gradual do primeiro ao quinto ano, sem significância estatística, porém aumentou significativamente do quinto para o sexto ano (p = 0,001). Não houve diferença significativa entre o primeiro e o sexto ano em relação ao aprendizado profundo (p = 0,405). As demais variáveis da pesquisa não apresentaram correlação com o aprendizado profundo.
Para o aprendizado superficial, ser do sexo masculino demonstrou estar relacionado com o maior uso dessa estratégia de aprendizado (p < 0,001). Além disso, ter iniciado graduação prévia não teve influência sobre o aprendizado superficial (p = 0,548). Foi demonstrada, porém, correlação negativa entre aprendizado superficial e ter completado outra graduação (p < 0,001) ou ter feito pós-graduação (p = 0,003). Também apresentou menor aprendizado superficial quem teve contato com metodologias ativas de aprendizagem antes da graduação atual (p = 0,005) e referiu praticar outro idioma durante a graduação (p = 0,005). Em relação ao ano de graduação, houve redução da abordagem superficial ao longo dos anos, com exceção do quinto ano, no qual ocorreu aumento pontual para esse aprendizado. O sexto ano teve menor pontuação para aprendizado superficial em relação ao primeiro ano (p = 0,047). Por fim, constatou-se que quanto maior a idade de início do curso, menor o aprendizado superficial (p = 0,024). As demais variáveis não demonstraram correlação com a abordagem superficial de aprendizado, incluindo o ano de graduação.
A Tabela 4 apresenta as pontuações médias de cada um dos itens e subitens do questionário DREEM para cada ano de curso.
Primeiro ano | Segundo ano | Terceiro ano | Quarto ano | Quinto ano | Sexto ano | |
---|---|---|---|---|---|---|
DREEM total | 143,15 ± 16,55 | 119,00 ± 22,24 | 134,30 ± 21,50 | 123,58 ± 19,34 | 122,78 ± 23,96 | 135,41 ± 17,63 |
D1 | 35,59 ± 4,17 | 30,05 ± 6,60 | 33,41 ± 7,07 | 31,61 ± 6,31 | 31,19 ± 5,50 | 33,67 ± 4,81 |
D2 | 32,82 ± 4,04 | 26,95 ± 7,40 | 31,43 ± 5,36 | 27,97 ± 5,50 | 26,56 ± 6,71 | 30,67 ± 5,01 |
D3 | 21,74 ± 3,23 | 18,29 ± 3,54 | 20,84 ± 3,47 | 19,48 ± 3,75 | 20,89 ± 3,69 | 22,49 ± 3,81 |
D4 | 34,95 ± 5,14 | 29,21 ± 6,24 | 32,32 ± 6,74 | 30,03 ± 5,87 | 29,19 ± 7,82 | 33,03 ± 4,57 |
D5 | 18,05 ± 4,55 | 14,50 ± 3,71 | 16,30 ± 4,77 | 14,48 ± 3,00 | 14,94 ± 3,75 | 15,56 ± 3,84 |
DREEM = Dundee Ready Education Environment Measure; D1 = subitem D1 do DREEM (percepção da aprendizagem); D2 = subitem D2 do DREEM (percepção dos professores); D3 = subitem D3 do DREEM (percepção dos resultados acadêmicos); D4 = subitem D4 do DREEM (percepção do ambiente geral); D5 = subitem D5 do DREEM (percepção das relações sociais).
As pontuações de apenas três dos 50 itens do questionário DREEM (6%) ficaram abaixo de 2,0, indicando áreas de fragilidade que precisam de atenção especial, e 27 dos 50 itens (54%) ficaram com média entre 2 e 3, indicando áreas que podem ser melhoradas. As médias de 20 dos 50 itens (40%) ficaram ≥ 3,0, indicando áreas que contribuem para um bom ambiente educacional na percepção dos alunos.
O escore total do DREEM foi 129,77, classificando a percepção do ambiente pelos alunos como “mais positiva do que negativa”. Quando se analisou o escore total para cada ano, identificou-se diferença significativa entre os anos do curso (p = 0,001): o primeiro ano teve a percepção mais positiva; e o segundo, a mais negativa. As pontuações totais do DREEM do terceiro e do sexto ano foram significativamente maiores que as do segundo, quarto e quinto anos. Não houve diferença significativa nas comparações entre os demais anos do curso. O alfa de Cronbach demonstrou boa confiabilidade (0,863) do questionário DREEM.
Demonstrou-se que quem praticava outros idiomas durante a graduação apresentava percepção geral do ambiente menos positiva (p = 0,003). Verificaram-se correlação positiva entre a percepção do ambiente e a do aprendizado profundo (r = +0,299; p < 0,001) e correlação negativa entre aprendizado superficial e percepção do ambiente (r = -0,247; p < 0,001). Por fim, a média do DREEM para aqueles que tinham iniciado graduação prévia foi de 125 pontos, enquanto estudantes sem histórico de outras graduações obtiveram média geral para o DREEM de 132 pontos, sendo essa diferença significativa (p = 0,028). Para as demais variáveis independentes, não foi encontrada correlação significativa com a percepção do ambiente educacional, incluindo ter completado graduação prévia ou pós-graduação.
Em relação às subdimensões do DREEM, a percepção dos resultados acadêmicos (D3) foi maior nos estudantes que referiram graduação prévia, completa ou não (p = 0,001), e nos que praticavam outros idiomas (p = 0,001). A percepção das relações sociais (D5) foi melhor para o sexo masculino (p = 0,041), para os estudantes com ensino médio em escola particular (p = 0,045), para quem tinha graduação prévia (p = 0,008) e para aqueles que praticavam outros idiomas na graduação (p = 0,027). Com exceção dessa subdimensão do DREEM (D5), não houve diferença significativa entre os sexos para as demais subdimensões nem para a pontuação total do questionário DREEM.
Todas as subdimensões do DREEM apresentaram correlação positiva com o aprendizado profundo, sendo a percepção da aprendizagem (D1) a maior influência (p = 0,001) e a percepção dos professores (D2) a menor (p = 0,041). Todas as subescalas do DREEM apresentaram correlação negativa com a abordagem superficial de aprendizado, e o subitem D1 demonstrou a maior influência (p = 0,001) e o subitem D2 não demonstrou influência significativa (p = 0,055).
DISCUSSÃO
As médias gerais para abordagem profunda e para abordagem superficial de aprendizado foram semelhantes a outros estudos que avaliaram escolas médicas com metodologias ativas de aprendizagem. Gustin et al.2 verificaram média de 33,7 pontos para abordagem profunda e média de 23,7 para a abordagem superficial no R-SPQ-2F, em escola médica com currículo PBL. Gustin et al.2 também constataram que a escola médica com currículo tradicional, baseada em disciplinas não integradas, apresentou média de 29,5 para abordagem profunda e de 27,6 para a abordagem superficial. Esses resultados sugerem que estratégias educacionais que utilizam metodologias ativas de aprendizagem podem estimular a adoção de abordagem profunda de aprendizado, a qual se relaciona a melhores resultados acadêmicos25)-(27.
Em relação ao aprendizado profundo, houve diferença significativa entre os anos do curso, contrariando estudos anteriores19),(28. O quinto ano obteve a pior pontuação, e o sexto ano, a melhor, demonstrando aumento significativo da abordagem profunda de aprendizado na transição do quinto para o sexto ano. A menor pontuação do quinto ano pode estar relacionada ao início do internato médico, quando ocorre um aumento da sobrecarga de estudo e demanda de conhecimentos, paralelamente à uma diminuição do tempo livre. Esses resultados sugerem associação entre o nível de estresse do estudante e a adoção de determinadas abordagens de aprendizado29. Um estudo realizado em 2018 com estudantes de Medicina, embora não tenha constatado correlação significativa entre abordagens de aprendizado e níveis de estresse, demonstrou que a abordagem profunda foi positivamente associada a melhor percepção em lidar com o estresse, enquanto a abordagem superficial apresentou uma associação negativa30.
Embora exista expectativa de que um currículo baseado em metodologias ativas aumente progressivamente a abordagem profunda de aprendizado dos estudantes ao longo dos anos do curso, não encontramos diferenças significativas entre o primeiro e o sexto ano, corroborando outros estudos28. Apesar de o ambiente de metodologias ativas estar relacionado a maior aprendizado profundo, ele não é suficiente para aumentar progressivamente o aprendizado profundo no decorrer do curso, demonstrando a dificuldade de superar influências negativas relacionadas a um estudo disfuncional, caracterizado pela sobrecarga de trabalho do curso médico e elevados níveis de estresse27. Ao exemplificarem a rotina exaustiva do curso de Medicina, Delgado et al.27 demonstraram elevado consumo de estimulantes pelos estudantes, como cafeína, guaraná e metilfenidato, além de 53% referirem sono ruim ou muito ruim.
Em relação ao aprendizado superficial, observou-se tendência à diminuição dele com o avanço na graduação, com exceção do quinto ano, que demonstrou aumento em relação ao quarto ano, com aparente retorno a pontuações menores no sexto ano, porém sem que essas diferenças alcançassem significância estatística. Contudo, em nosso estudo, o sexto ano apresentou pontuação significativamente menor de aprendizado superficial em relação ao primeiro ano, corroborando estudo anterior28.
Considerando a correlação entre estratégias de aprendizado e o ambiente educacional, utilizamos o questionário DREEM para mensurar a percepção dos estudantes sobre seu ambiente. A percepção do ambiente educacional de cursos que adotam metodologias ativas de aprendizagem tem apresentado pontuações médias para o DREEM maiores do que as do ambiente de ensino tradicional, que geralmente tem pontuação abaixo de 60%2),(16),(21),(26),(31. Em nosso estudo, a pontuação apresentou valor muito próximo ao encontrado por Riquelme et al.26 para uma escola médica que adotava metodologias ativas de aprendizagem.
Em geral, os estudantes reconheceram seu ambiente educacional como “mais positivo que negativo” e apontaram como áreas que precisam de atenção a pontualidade do curso e o fato de o tempo para o ensino ser pouco focado e coeso, não sendo tão bem utilizado. A percepção do ambiente foi variável de acordo com o ano do curso, sendo maior no primeiro, terceiro e sexto anos. Pontuações mais baixas ocorreram no segundo, quarto e quinto anos do curso. Os itens com percepção mais negativa em relação aos outros anos foram: “tenho certeza sobre os objetivos deste curso”, “o método de ensino se preocupa em desenvolver minha confiança”, “o ensino é bastante coeso e focado” e “tempo para ensino é bem utilizado”.
Nosair et al.32 aplicaram o questionário DREEM para os primeiros três anos de curso, fase pré-clínica, de um curso médico que adotava a PBL como metodologia de aprendizagem e descreveram que os estudantes do primeiro ano avaliaram mais positivamente o ambiente geral de ensino e aprendizagem do que os alunos dos outros anos. Esses resultados podem estar relacionados ao aumento de competências a serem desenvolvidas no segundo ano em relação ao primeiro. Todavia, a melhor avaliação no primeiro ano pode estar influenciada pela satisfação e pelas expectativas dos alunos recém-inseridos no ambiente universitário, além do grau de adaptação a esse novo cenário33.
Gustin et al.2, ao compararem alunos de escola tradicional e de metodologias ativas, demonstraram que existem fatores que podem estar presentes no currículo PBL que diminuem a abordagem profunda de aprendizado, podendo prejudicar a percepção do ambiente. Os autores citam possíveis fatores que dificultariam o uso de aprendizado profundo pelos estudantes: densidade de conteúdo do currículo, pouca clareza nos objetivos de aprendizado, carga de trabalho percebida pelos estudantes como excessiva, avaliação desalinhada com os objetivos do método centrado no aluno, além de ausência do papel de professor para contrabalancear a carga de trabalho exigida. Isso sugere que, na prática, o currículo pode se distanciar dos referenciais metodológicos propostos originalmente2. Em nosso estudo, os itens do questionário DREEM que mais impactaram a abordagem de aprendizado foram os seguintes: “tenho certeza sobre os objetivos deste curso”, “o ensino é bastante coeso e focado” e “tempo para ensino é bem utilizado”.
Díaz-Véliz et al.31 demonstraram que, para ambos os currículos de escolas médicas (metodologias ativas e ensino tradicional), o quinto ano do curso apresentou pontuações para percepção do ambiente significativamente mais baixas, o que também foi verificado no presente estudo e por Riquelme et al.26. Esses autores sugerem que esse achado pode ter influência do ambiente físico e da maior proporção de atividades de prática clínica26),(31.
Altemani et al.34 constataram que ser do sexo feminino está relacionado a maior pontuação no DREEM total, com maior diferença com o sexo masculino no domínio de avaliação dos professores (D2). Hongkan et al.35) observaram que o sexo feminino apresentou percepção mais positiva dos professores, enquanto o sexo masculino apresentou pontuação maior para desempenho acadêmico. Nosso estudo não confirmou esses resultados, mas foi demonstrada diferença significativa entre os sexos na percepção das relações sociais (D5), sendo mais positiva no sexo masculino.
Riquelme et al.26) estudaram a percepção dos alunos de uma escola médica chilena que introduziu o currículo baseado em metodologias ativase. Segundo os autores, a percepção dos resultados acadêmicos (D3) obteve a maior pontuação entre as subescalas do DREEM, o que não foi demonstrado pelo presente estudo, no qual esse subitem teve média menor que percepção de aprendizagem, dos professores e do ambiente geral. Pontuações mais baixas nesse subitem (D3) podem significar que os alunos apresentam menor confiança em si próprios e se sentem menos preparados profissionalmente. Segundo Guimaraes et al.21, o sentimento de insegurança é especialmente evidente em três momentos do curso de Medicina: quando o aluno inicia o curso de e percebe pela primeira vez a fragilidade do ser humano e a certeza da morte; quando atinge o meio do curso e tem contato real com o ser humano em processo de adoecimento; e quando vivencia o internato médico e percebe que se encontra no fim do curso, próximo ao futuro incerto. Nesses momentos, o aluno pode demonstrar, por meio do subitem D3, que não se sente confiante em relação a seus resultados21.
A percepção das relações sociais (D5) foi a pior em nosso estudo, sendo classificada como “não muito ruim”, corroborando estudos anteriores36. Riquelme et al.26, em seu estudo com alunos de escola médica com metodologia ativa, também constataram que o pior índice dentro das subescalas do DREEM foi a percepção do ambiente social. Isso pode ser consequência do fato de o curso de Medicina exigir do discente responsabilidade e grande dedicação aos estudos, com abdicação de lazer em função da graduação, o que influencia negativamente sua vida social. No estudo de Guimaraes et al.21, 90,5% dos alunos de Medicina avaliaram as relações sociais como not a nice place pelo DREEM, enquanto, em nosso estudo, 50% dos alunos também o fizeram. Os resultados deste estudo apontam para a necessidade de um programa de apoio psicopedagógico efetivo aos estudantes do curso de Medicina.
Com relação à influência do ambiente educacional sobre as abordagens de aprendizado, demonstrou-se neste estudo que a avaliação positiva no questionário DREEM se correlacionou positivamente com aprendizado profundo e negativamente com aprendizado superficial, corroborando estudos anteriores5),(25),(37. Assim, os estudantes que reconheceram seus ambientes educacionais como satisfatórios demonstraram maior aprendizagem profunda.
Gustin et al.2 observaram que a percepção dos resultados acadêmicos (subitem D3 do DREEM) relacionou-se ao aumento de abordagem profunda e diminuição da superficial, tanto em escolas médicas de currículo tradicional como nas com metodologias ativas. Isso foi confirmado no presente estudo, que constatou correlação positiva significativa entre a percepção dos resultados acadêmicos e o aprendizado profundo, e correlação negativa significativa entre D3 e o aprendizado superficial. Assim, a maneira como o aluno percebe seus resultados impacta de maneira positiva a sua abordagem de aprendizagem2.
Neste estudo, também foi demonstrado que, de maneira geral, todos os subitens do DREEM se correlacionaram a aumento significativo do aprendizado profundo e diminuição significativa do aprendizado superficial, com exceção do subitem percepção dos professores (D2), o qual indicou a menor influência sobre o aprendizado profundo e não apresentou correlação significativa com o aprendizado superficial. Esse dado é similar aos resultados encontrados por Gustin et al.2, no qual a percepção dos professores não influenciou a abordagem de aprendizado dos alunos de Medicina, tanto em currículo tradicional como em metodologias ativas.
Gruppen et al.38 avaliaram os fatores individuais e institucionais envolvidos na percepção do ambiente de ensino. Segundo os autores, cerca de 57% da percepção do ambiente educacional foi influenciada diretamente por características pessoais e institucionais, sendo respectivamente 45% e 11% a influência de cada componente, indicando impacto quatro vezes maior dos fatores individuais em relação aos institucionais sobre a percepção do ambiente educacional. Apesar disso, os autores não conseguiram identificar as variáveis individuais responsáveis pela percepção do ambiente de ensino38. No presente estudo, demonstrou-se apenas correlação significativa positiva entre o DREEM e a prática de idiomas durante a graduação, isto é, não se verificaram outras correlações significativas do DREEM com os dados sociodemográficos levantados ou com o perfil de envolvimento do estudante com a universidade.
As abordagens de aprendizado são, portanto, resultado da interação entre o ambiente, o aluno e a tarefa2),(25),(39),(40. Gustin et al.2) sugerem que a influência da percepção do contexto educacional sobre as abordagens de aprendizado é pequena, chamando a atenção para fatores pouco mensurados e difíceis de identificar, pertencentes ao campo pessoal. Além disso, os alunos podem utilizar diferentes abordagens de aprendizado, o que dependerá de diversos fatores subjetivos e objetivos, como atitude e entusiasmo perante diversas matérias, motivação e aptidão, tipos de avaliação e outros27),(40.
No campo objetivo, estudos anteriores demonstraram que a abordagem de aprendizado profundo é maior em estudantes mais velhos e que os alunos mais velhos avaliaram melhor o ambiente de ensino-aprendizagem2),(25. Barros et al.8) também buscaram correlacionar os tipos de aprendizado com questões sociodemográficas, mas, contrariando estudos mencionados anteriormente, verificaram correlação negativa entre idade e aprendizagem profunda, indicando que com o aumento da idade ocorre diminuição da propensão ao uso de recursos de aprendizagem profunda, o que pode ser explicado pela multiplicidade de exigências sociais e profissionais, que aumentam com a idade. Essa correlação não foi confirmada pelos resultados deste estudo, assim como Shah et al.40, demonstrando a complexidade de encontrar correlações significativas que superem características particulares de cada população. No presente estudo, contudo, verificou-se que quanto maior a idade de início da graduação, menor o aprendizado superficial.
Em seu estudo, Barros et al.8) apontaram correlação positiva entre ser exclusivamente estudante e a adoção de abordagens profundas. Esse resultado pode ser explicado pela maior disponibilidade de tempo para estudo, além de menor necessidade de gestão do tempo, o que favoreceu estratégias de aprendizado profundo8. Neste estudo, os estudantes que referiram receber auxílio financeiro de familiares demonstraram pontuações significativamente maiores para abordagem profunda.
Com relação à abordagem superficial de aprendizado, constatou-se influência significativa do sexo, pois os indivíduos do sexo masculino demonstraram maior aprendizado superficial em relação ao sexo feminino, o que pode significar uma tendência do sexo masculino de manter o uso de metodologias superficiais de aprendizado em momentos de maior sobrecarga de volume de conhecimento e aumento das exigências. De acordo com essa hipótese, Mirghani et al.19 observaram que os estudantes do sexo feminino tiveram diminuição da abordagem superficial nos anos clínicos (quatro últimos) em comparação à fase pré-clínica (dois primeiros anos), o que não ocorreu com o sexo masculino. Os autores demonstraram que estudantes do sexo masculino apresentavam escores médios de aprendizado superficial mais elevados que os do sexo feminino19. Por sua vez, outro estudo não demonstrou influência significativa do sexo na abordagem de aprendizado40.
Em suma, os resultados do presente estudo reforçaram a complexidade de compreender os fatores individuais que influenciam a adoção de determinadas abordagens de aprendizagem, tendo demostrado pouca influência de aspectos pessoais objetivos, como os dados sociodemográficos e o perfil de envolvimento com a universidade. Este artigo, contudo, possibilitou o estudo das relações entre as características dos estudantes, os tipos de abordagens de aprendizado e a percepção do ambiente de estudo em uma escola médica brasileira, permitindo a comparação com estudos internacionais semelhantes, de forma a identificar pontos passíveis de alteração e tendências no ensino de medicina mundial.
As limitações do presente estudo estão no fato de que os resultados foram baseados na percepção dos estudantes, isto é, não se utilizou medida objetiva de aprendizagem, e a percepção dos docentes não foi objeto deste trabalho. Outra limitação deste trabalho foi não abordar aspectos pessoais subjetivos dos estudantes, como características de personalidade e comportamento, como sugerem outros estudos2),(25),(27),(41),(42. Além disso, por tratar-se de um estudo transversal, há a possibilidade de que os diferentes anos do curso tenham tido experiências de aprendizagem diferentes, baseadas em características particulares de determinada turma, o que prejudica a análise dos resultados obtidos. Para superar esse viés, sugere-se a realização de estudos longitudinais, com avaliação sequencial dos estudantes ao longo dos anos de graduação.
CONCLUSÕES
O estudo dos fatores que interferem na abordagem de aprendizado é complexo por envolver questões individuais subjetivas muitas vezes difíceis de identificar2),(24. Os resultados do presente trabalho sugerem que as estratégias educacionais que utilizam metodologias ativas de aprendizagem podem estimular a adoção de estratégias de aprendizado profundo pelos estudantes e, assim, permitir seu envolvimento num processo de aprendizagem contínua ao longo da vida profissional, essencial para uma prática médica de qualidade8),(23. Os achados deste trabalho corroboram também estudos anteriores, ao confirmarem a correlação positiva entre a percepção do ambiente educacional e a aprendizagem profunda, e a correlação negativa com a aprendizagem superficial. Os resultados deste estudo também apontam a necessidade de um programa de apoio psicopedagógico efetivo aos estudantes de Medicina, além de oferecerem informações específicas sobre suas fortalezas e fragilidades quanto aos processos de aprendizagem.
Os autores sugerem que sejam realizadas pesquisas colaborativas multicêntricas, que abordem diferentes tipos de currículo, para avaliar melhor a influência das características sociodemográficas e subjetivas sobre as abordagens de aprendizado.