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Revista Brasileira de Educação Médica

Print version ISSN 0100-5502On-line version ISSN 1981-5271

Rev. Bras. Educ. Med. vol.46 no.2 Rio de Janeiro  2022  Epub Mar 03, 2022

https://doi.org/10.1590/1981-5271v46.2-20210290 

Artigo Original

Empatia em estudantes de Medicina: efeitos de um programa de gerenciamento do estresse

Empathy in medical students: effects of a stress management program

Fernanda Martin Catarucci1 
http://orcid.org/0000-0003-2935-2475

Thays Herbst Carvalho1 
http://orcid.org/0000-0001-8331-2437

Susan Andrews2 
http://orcid.org/0000-0003-0655-9633

Emmanuel A. Burdmann3 
http://orcid.org/0000-0002-7644-8579

Karina Pavão Patrício1 
http://orcid.org/0000-0003-2112-5956

1 Faculdade de Medicina de Botucatu, Botucatu, São Paulo, Brasil.

2 Instituto Visão Futuro, Areia Branca, São Paulo, Brasil.

3 Universidade de São Paulo, São Paulo, São Paulo, Brasil.


Resumo:

Introdução:

O curso de graduação em Medicina expõe os alunos a uma quantidade significativa de estresse, o que pode gerar consequências negativas para o aprendizado, a motivação e o contato com os pacientes. A falta de empatia na relação médico-paciente pode dificultar a adesão ao tratamento e os resultados nele. Algumas técnicas e práticas de medicina integrativa (mente e corpo) têm sido indicadas para auxiliar no manejo e na redução do estresse. Essas intervenções que envolvem práticas de meditação e que já são utilizadas em escolas médicas podem auxiliar no desenvolvimento da empatia e na visão da integralidade do cuidado.

Objetivo:

Este estudo teve como objetivo investigar o efeito de um programa de Redução de Estresse e Desenvolvimento da Empatia na Medicina (Redemed©) no nível de empatia de estudantes de graduação em Medicina.

Método:

O programa foi composto por oito encontros de duas horas cada, envolvendo práticas de meditação, posturas de ioga e atividades de grupo direcionadas ao aperfeiçoamento de interações interpessoais. O grupo intervenção foi composto por 47 alunos, e o grupo controle, por 40 estudantes. Utilizou-se a Escala Jefferson de Empatia Médica, versão para estudantes (JSPE-S), para avaliar o nível de empatia antes e depois da intervenção.

Resultado:

O aumento do nível de empatia no grupo que recebeu a intervenção foi significativo quando comparado ao grupo controle (p: 0,000).

Conclusão:

A participação no programa Redemed© se mostrou eficaz no aumento da empatia entre estudantes de graduação de um curso de Medicina.

Palavras-chave: Empatia; Educação Médica; Meditação; Medicina Integrativa; Estudantes de Medicina

Abstract:

Introduction:

The undergraduate medical course exposes students to a significant amount of stress, which can have negative consequences for learning, motivation and contact with patients. Lack of empathy in the doctor-patient relationship can hinder adherence and treatment results. Some techniques and practices of integrative medicine (mind and body) have been indicated as aiding the management and reduction of stress. These interventions that involve meditation practices, and which are already used in medical schools, can help in the development of empathy and in the vision of comprehensive care.

Objective:

Investigate the effect of the Stress Reduction and Empathy Development in Medicine Program (REDEMED©) on empathy levels in undergraduate medical students.

Method:

The program consisted of eight 2-hour sessions with practices involving meditation, yoga postures, and group activities aimed at improving interpersonal interactions. The intervention group consisted of 47 students and the control group 40 students. Empathy was evaluated before and after intervention using the Jefferson Scale of Empathy - version for medical students (JSE-S).

Result:

Empathy level significantly increased in the group who received intervention compared to the control group (p: 0.000).

Conclusion:

Participation in the REDEMED© program showed an increase in empathy in undergraduate medical students.

Keywords: Empathy; Medical Education; Meditation; Integrative Medicine; Medical Students

INTRODUÇÃO

O termo empatia foi pioneiramente utilizado dentro da prática médica em 1918, por Elmer Ernest Southard, como instrumento facilitador de resultados diagnósticos e adesão terapêutica1. Na literatura atual, existem diferentes abordagens de seu significado2, o que é mostrado por Stepien et al.3 ao considerarem a empatia como multidimensional no contexto clínico e ao descreveram-na como a habilidade de imaginar os sentimentos do paciente (dimensão emocional), a motivação pessoal de ser empático (dimensão moral), a capacidade de identificar e entender as reações do paciente (dimensão cognitiva) e, por fim, a técnica de transmitir ao paciente essa compreensão (dimensão comportamental).

Os benefícios de integrar a empatia à prestação de cuidados4 centrados na pessoa incluem melhor satisfação do paciente e adesão dele ao plano terapêutico, com redução da ansiedade e melhoria da capacidade de coping em relação à própria situação; menores níveis de burnout nos profissionais da saúde5, além da construção de melhores anamneses e, consequentemente, do estabelecimento de diagnósticos mais acurados, de modo a proporcionar melhores resultados clínicos4),(6.

Em razão da crescente preocupação com a desumanização da medicina, a intervenção médica que busca a integralidade do cuidado surge como um contraponto ao mostrar a empatia como um de seus principais pilares6 para o estabelecimento de uma relação médico-paciente efetiva e que esteja em confluência com o conceito de saúde adotado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) desde 1948, sendo uma importante competência a ser trabalhada dentro do currículo médico.

Com relação aos níveis de empatia dos estudantes de Medicina e à sua progressão ao longo dos anos da graduação, existem controvérsias na literatura atual. Alguns estudos têm demonstrado que esses níveis tendem a diminuir com o decorrer dos anos do curso, à medida que os alunos vão tendo contato com a prática clínica7, com deterioração principalmente evidenciada no terceiro ano8. Vários fatores estão relacionados a esse problema, como aumento progressivo da carga teórica, medo de cometer erros, currículo exigente e poucas horas para descanso7, despersonalização e fadiga empática pela carga curricular, mecanização da prática e falta de exemplos entre os tutores9. Outros autores mencionam que os níveis de empatia entre os estudantes tendem a crescer no decorrer do curso de Medicina10),(11, mas outros estudos mostraram que os níveis empáticos permanecem constantes ao longo dos anos12. Além disso, é importante considerar o papel da personalidade individual no desenvolvimento da empatia, pois isso está também relacionado às predisposições genéticas, ao ambiente familiar e às vivências13.

No Brasil, algumas propostas de intervenção têm sido postas em prática com repercussões positivas. A Faculdade de Medicina da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) investigou a empatia nos estudantes de Medicina14. Concluiu-se que as metodologias ativas de ensino15 em diferentes estágios da formação médica e atividades em grupos pequenos trabalhando com problematização ou casos motivadores, de modo a aproximar os alunos da realidade vivida pela população e apresentar a medicina de forma positiva, são úteis no processo de preservação e ampliação da empatia em estudantes de Medicina14.

Estudos demonstram ser possível ensinar competências empáticas aos estudantes16),(17, ao estimular o reconhecimento das próprias emoções, a boa receptividade ao feedback negativo e a atenção à linguagem usada18, seja verbal ou não verbal. Com o propósito de reforçar a importância da integração desses programas no currículo médico9, uma revisão sistemática17 listou diferentes propostas intervencionistas, que incluíam a exploração do campo artístico19 com uso de teatro, literatura, cinema e interpretação de imagens; reflexões grupais ou individuais sobre a consulta médica; cursos e workshops focados em comunicação empática; e estímulos à prática de entrevistas com pacientes reais ou virtuais. Com base nesses recursos, constatou-se que é possível a manutenção ou o aumento da empatia.

Desse modo, quando aliada a técnicas para estimular a empatia, a meditação pode ser uma ferramenta de intervenção comportamental que desenvolve habilidades de autorregulação, ao favorecer a redução dos efeitos do estresse e a gestão das emoções, e possibilitar a melhora das competências relacionadas com as boas práticas médicas, como estar ciente dos próprios conteúdos da consciência, colocar-se na posição de observador, ter capacidade empática e escuta ativa, estar presente, ter autoconhecimento em relação ao que está acontecendo na interação com o paciente, e estabelecer aliança terapêutica20)-(22.

No Brasil, implantou-se em 2006 a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) que apresentou de forma oficial as práticas integrativas para a população e para os serviços de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS). Em 2017, implantaram-se mais práticas integrativas e complementares (PIC) na lista brasileira, como a meditação, a ioga e outras terapias. Em 2018, a lista passou a conter 29 PIC, desenvolvidas sobretudo na atenção primária à saúde, de modo a torná-la mais integral23.

Considerando que estudantes de Medicina estão altamente expostos ao estresse e às suas consequências, o presente trabalho tem como objetivo avaliar o impacto de um programa de desenvolvimento de empatia e gerenciamento de estresse sobre seus efeitos nos níveis de empatia em discentes de Medicina de uma universidade brasileira.

MÉTODOS

Desenvolveu-se um estudo quase experimental para avaliar os efeitos do programa de Redução de Estresse e Desenvolvimento da Empatia na Medicina (Redemed©) sobre a empatia de estudantes de Medicina. O programa foi desenvolvido e patenteado - Instituto Nacional da Propriedade Intelectual (Inpi) nº 908484348 - por Andrews24 do Instituto Visão Futuro, localizado no município de Porangaba, no estado de São Paulo.

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (FMB/Unesp), com Parecer nº 1.068.260 emitido em 19 de maio de 2015, e recebeu financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) - Processo nº 2015/10854-2.

Todos os alunos do curso de Medicina da FMB foram convidados a assistir a uma conferência na qual se apresentou a proposta da pesquisa e eles puderam esclarecer dúvidas. O grupo intervenção foi composto por todos os alunos que se interessaram em participar do programa Redemed© e tinham disponibilidade para estar nos oito encontros presenciais. O grupo controle foi composto por alunos que tinham interesse, mas não tinham disponibilidade de tempo no período dos encontros presenciais, e também por colegas que foram convidados pelos próprios discentes do grupo intervenção, que tinham interesse e disponibilidade em participar do grupo controle.

Não foi possível fazer um grupo randomizado, pois a grade horária dos alunos de Medicina do primeiro ao sexto ano é muito intensa e diferente em cada ano, além de várias atividades extracurriculares que eles assumem. Para participar deste estudo complexo, cada estudante precisava ter disponibilidade em responder aos questionários antes e depois do curso sobre estresse25 e empatia, e ainda passar por duas coletas de sangue26 em local e horário predefinidos pela Unidade de Pesquisa Clínica (Upeclin) da FMB.

Depois de avaliarem as dificuldades de compor um grupo controle e um de intervenção randomizados, e por conta dos 73 estudantes dispostos a fazer o curso e chamar colegas da Medicina para compor o grupo controle, os pesquisadores decidiram que esse seria o caminho viável naquele momento para execução da pesquisa.

Todos os estudantes que manifestaram interesse em participar da pesquisa como grupo intervenção ou controle receberam, leram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) antes de realizarem as avaliações.

O programa Redemed© foi ministrado pela Dra. Susan Andrews durante oito encontros semanais de duas horas. Na parte teórica, abordaram-se as principais pesquisas que demonstram os benefícios da meditação e respiração diafragmática no sistema nervoso central e seus efeitos sobre o estresse diário vivenciado por estudantes de Medicina e profissionais da área da saúde em geral. A parte teórica também incluiu a importância da neurobiologia interpessoal, da neurofisiologia da empatia e da empatia na prática médica27. Na parte prática, realizaram-se práticas de meditação, de respiração diafragmática, de relaxamento profundo e posturas de ioga. Também se conduziram exercícios para o desenvolvimento da empatia com utilização de ferramentas como o psicodrama, nas quais os próprios alunos representaram cenas do cotidiano nos contextos clínico ou de hospitais, dinâmicas em grupo e em duplas para o exercício da escuta, fala e posturas empáticas e produção de ilustrações e preenchimento de questionários de autoavaliação de comportamento. O curso semanal de duas horas foi dividido em 30 minutos de teoria, 60 minutos de práticas interpessoais e 30 minutos de ioga e meditação. O grupo controle não realizou nenhuma dessas atividades.

Os dois grupos preencheram a ficha do perfil (nome, idade, sexo, ano do curso, hábitos alimentares, atividade física, experiência com a meditação, participação em grupos em que se sente acolhido ou com ideais similares) elaborada para este estudo e responderam ao questionário da Escala Jefferson de Empatia Médica - versão para estudantes (Jefferson Scale of Physician Empathy - student version - JSPE-S) na Upeclin antes e depois do programa Redemed©. A JSPE-S é composta por 20 perguntas que são respondidas pelo estudante, pelo médico ou por outro profissional de saúde seguindo a escala de Likert, cujos valores variam de 1 a 7: 1 = “discordo totalmente” e 7 = “concordo totalmente”. Ao término, somam-se os valores obtidos para cada pergunta. Dessa forma, as pontuações mínima e máxima possíveis são, respectivamente, 20 e 140 pontos. Não há definição de um ponto de corte a partir do qual se considere ter ou não empatia desejável ou suficiente. O resultado obtido se baseia em uma gradação, ou seja, quanto maior for a pontuação, mais empático será o indivíduo28.

Após a palestra, 73 alunos se inscreveram no programa Redemed©, sendo incluídos no grupo intervenção, e 59 estudantes de Medicina, indicados pelos estudantes do grupo intervenção, formaram o grupo controle. No grupo intervenção, houve um abandono de 25% dos alunos durante o curso, e o número de participantes diminuiu de 73 para 55 alunos. A principal razão apontada pelos alunos que abandonaram o programa foi a incompatibilidade de tempo e a sobrecarga de atividades da graduação.

No grupo controle, houve uma perda de cinco estudantes que não retornaram para a segunda avaliação. Assim, a amostra incluiu 109 indivíduos, sendo 55 no grupo intervenção e 54 no grupo controle. Na análise dos dados, após serem excluídos os questionários que foram preenchidos incorretamente, o estudo totalizou 47 estudantes no grupo intervenção e 40 no grupo controle. Os alunos preencheram os questionários sozinhos antes da coleta de sangue na Upeclin.

Para a análise estatística, utilizou-se o software Statistical Package for the Social Science for Windows (SPSS), versão 21.0. A comparação entre os grupos em relação aos potenciais confundidores foi feita pelos testes qui-quadrado e exato de Fisher e Mann-Whitney, seguidos da comparação entre grupos em relação às evoluções por Mann-Whitney. Em seguida, ajustou-se um modelo de regressão linear normal múltipla para estimar o efeito da intervenção sobre a evolução da pontuação da empatia, e corrigiu-se o efeito confundidor do sexo. As diferenças foram consideradas estatisticamente significativas se p < 0,05.

RESULTADOS

O curso de Medicina da universidade, do primeiro ao sexto ano da graduação, possui em torno de 540 alunos (90 alunos por ano). A pesquisa foi composta por 132 estudantes (24%) que manifestaram interesse em participar como grupo intervenção ou controle. No entanto, após algumas perdas, a amostra final foi composta por 87 alunos (16%), sendo 47 no grupo intervenção e 40 no grupo controle. Houve predominância do sexo feminino (64% do grupo intervenção e 42,5% do controle), o que mostrou diferença estatisticamente significante (p = 0,046).

Tabela 1 Perfil dos grupos controle e intervenção. 

Variáveis Controle (n = 40) Intervenção (n = 47) p
Idade (anos) 22 (18-28) 21 (18-32) 0,979
Sexo masculino (%) 23 (57,5%) 17 (36,2%) 0,046
Ano da graduação 2 (1-6) 3 (1-6) 0,446
Nº de alunos que meditavam no momento 1 (2,5%) 3 (6,38%) 0,621
Nº de alunos que já haviam meditado em algum momento antes do estudo 9 (22,5%) 17 (36,17%) 0,165
Sensação de acolhimento inicial 17 (42,5%) 19 (40,43%) 0,845
Sensação de acolhimento final 17 (42,5%) 29 (61,7%) 0,074
Nº de alunos que fumavam no momento 3 (7,5%) 4 (8,5%) 1,000
Nº de alunos que bebiam no momento 25 (62,5%) 30 (63,8%) 0,898

Fonte: Elaborada pelos autores.

Um modelo de regressão linear normal múltipla para estimar o efeito da intervenção sobre a evolução da pontuação da empatia foi realizado para corrigir o fator confundidor do sexo. Observou-se diferença significativa entre os grupos controle e intervenção em relação à variação da pontuação da empatia. A evolução da empatia no grupo intervenção foi positiva, enquanto a evolução dela no grupo controle foi negativa. Isso resultou em uma diferença média entre os grupos em relação à variação da empatia de 5,8 em média (Tabela 2).

Tabela 2 Regressão linear para estimar o impacto da intervenção sobre a evolução da empatia depois de corrigido o efeito do sexo. 

Variável Β IC95% P
Constante -3,07 -5,81 -0,33 0,029
Intervenção 5,85 2,87 8,84 < 0,001
Sexo masculino 2,77 -0,22 5,76 0,069

Fonte: Elaborada pelos autores.

As idades dos grupos intervenção e controle foram, respectivamente, 21 (18-32) e 22 (18-28), e, assim como a distribuição por ano da graduação (p = 0,446), não apresentaram diferença estatística (p = 0,979).

A maioria dos estudantes, tanto do grupo intervenção (93,6%) quanto do grupo controle (97,5%), não realizava técnicas de meditação na época em que o programa Redemed© foi sugerido. Alguns graduandos dos grupos intervenção (36,17%) e controle (22,50%) relataram que já haviam meditado em algum momento, antes do estudo. Nenhum desses parâmetros apresentou diferenças estatisticamente significativas entre os dois grupos.

Os estudantes foram questionados sobre sua autopercepção em relação a sentirem-se acolhidos ou não por algum grupo. Os três grupos de acolhimentos mais citados entre os alunos dos grupos intervenção e controle antes do programa foram amigos/família, centro acadêmico e equipe de esporte que praticavam. Após as oito semanas do programa, o grupo controle permaneceu com as mesmas indicações. No entanto, no grupo intervenção foram citados: amigos/família, Redemed© e centro acadêmico.

Conforme apresentado na Tabela 3, os resultados basais dos questionários da JSPE-S foram semelhantes nos grupos intervenção e controle (p = 0,268). No entanto, após as oito semanas, o grupo intervenção apresentou escore de empatia maior do que o valor inicial (de 121 para 126), enquanto o grupo controle decresceu (de 119 para 115), ou seja, a variação intragrupal foi negativa no grupo controle (-1,25) e positiva no grupo intervenção (4,24), resultando em um escore da variação entre os grupos estatisticamente significativo (p = 0,00).

Tabela 3 Médias e níveis de significância (p < 0,05) quando se compararam os resultados dos questionários da Escala Jefferson de Empatia Médica (JSPE) nos grupos controle e intervenção antes e depois do curso, Redemed©, 2016. 

Variável Controle (n = 40) Média (mín./máx.) Redemed© (n = 47) Média (mín./máx.) p
Pontuação inicial da empatia 119,5 (58/134) 121(101/33) 0,268
Pontuação final da empatia 115 (70/133) 126(104/138) 0,000
Variação da empatia -1,25 (-14,17/20,69) 4,24(-11,11/18,26) 0,000

Fonte: Elaborada pelos autores.

Essa variação ocorreu devido ao aumento na soma da pontuação das questões relacionadas a uma avaliação mais positiva dos níveis de empatia na JSPE-S, ao mesmo tempo que houve diminuição da pontuação no grupo controle.

DISCUSSÃO

Os participantes do programa Redemed© apresentaram melhoras significativas nos níveis de empatia após as oito semanas de intervenção em relação ao grupo controle. Os resultados da presente pesquisa são consistentes com estudos anteriores que demonstraram efeitos positivos de intervenções para a melhora de empatia em estudantes de Medicina17.

Em ambos os grupos, a frase da JSPE que obteve aumento importante da pontuação após a intervenção, demonstrando que houve uma maior identificação com a afirmação, foi: “O senso de humor de um médico contribui para resultados clínicos melhores”. No entanto, somente os estudantes do grupo intervenção apresentaram variação positiva nas frases: “Os pacientes valorizam a compreensão que o médico tem dos seus sentimentos, o que é terapêutico por si próprio” e “A empatia é uma habilidade terapêutica sem a qual o sucesso do médico é limitado”, demonstrando que o programa sensibilizou os alunos do grupo intervenção em relação ao conceito da empatia.

É importante destacar que médicos com melhores taxas de bem-estar e satisfação pessoal também expressam maiores níveis de empatia29, sendo possível otimizar esses sentimentos por meio de programas de relaxamento e mentalização30, o que demonstra o potencial da aplicabilidade dessa linha de intervenção. Nesse sentido, a questão do autocuidado de estudantes de Medicina e médicos20),(31 também vem sendo bastante discutida, e sugere-se que práticas de meditação podem diminuir os efeitos do estresse25 e melhorar os níveis de empatia21.

Essa relação entre a melhora do estresse e o aumento da empatia também pode ser observada nas seguintes frases do questionário: “A compreensão dos médicos acerca do estado emocional dos seus pacientes e das famílias dos seus pacientes é um componente importante da relação médico-paciente” e “Eu acredito que a empatia é um fator terapêutico importante no tratamento médico”. Isso ocorreu não somente porque essas frases, após as oito semanas do programa, obtiveram uma pontuação mais alta no grupo intervenção, mas também porque no grupo controle receberam notas mais baixas, indicando que os estudantes deste grupo apresentavam maior discordância dessas afirmações após esse período. Essas frases corroboram os resultados de estudos atuais da literatura5),(6.

A estrutura do programa Redemed©, como já descrito, é constituída por múltiplos componentes que trabalham de forma sinérgica para o desenvolvimento da empatia. Os resultados de muitas dessas ferramentas utilizadas individualmente já foram bem documentados e apresentados em revisões sistemáticas32),(33, contudo poucos estudos trabalharam com a combinação de várias técnicas que atuam de maneira sinérgica na promoção do estímulo de diferentes sentidos, reflexões e práticas para o desenvolvimento da empatia em estudantes como foi o programa aplicado neste estudo.

Contudo, sabe-se que a meditação, para gerar resultados, requer motivação, persistência e disciplina34. Nesse sentido, uma limitação do estudo foi a impossibilidade de garantir que os participantes praticassem o conteúdo proposto fora do horário dos encontros, reduzindo os efeitos do programa.

Isso poderia explicar a pontuação baixa recebida, por ambos os grupos, nas frases: “Prestar atenção às emoções dos pacientes não é importante ao se obter a história clínica” e “A atenção às experiências pessoais dos pacientes não influencia o resultado dos tratamentos”. No entanto, apesar de ambos os grupos atribuírem notas baixas a essas afirmações, no início do programa e depois dele, demonstrando discordância com as frases, a redução da pontuação nessas frase foi maior no grupo controle.

Um dado importante do estudo foi a predominância da procura pelo curso Redemed© por indivíduos do sexo feminino, o que pode estar relacionado ao maior interesse das mulheres em se cuidar mais e buscar medicinas complementares. Um grande estudo populacional realizado com 12.982 indivíduos investigou as diferenças de gênero para uso de medicina complementar e alternativa e constatou maior uso entre mulheres (42%) quando comparadas aos homens (24%)35. Outros estudos com intervenções utilizando a meditação para melhora da empatia também apresentaram um número maior de participantes do sexo feminino36),(37.

Uma limitação do presente estudo é que os grupos não foram divididos de forma aleatória. A escolha por realizar um trabalho quase experimental teve como objetivo atender todos os alunos que apresentaram interesse em fazer o programa Redemed© após a palestra explicativa sobre a proposta. Esses alunos possivelmente já apresentavam interesse por práticas integrativas de saúde.

Outra limitação importante é que a avaliação dos níveis de empatia foi realizada apenas no momento logo após intervenção (curso), entretanto não se sabe se esses resultados se sustentaram por um período mais longo, uma vez que o ensino da empatia requer mudança comportamental e, portanto, necessita de repetição. São necessários estudos adicionais a fim de oportunizar a reflexão e implementação de intervenções que promovam mudanças significativas e mais permanentes na relação médico-paciente.

Os processos de distribuição do sujeito que os estudos quase experimentos incluem são processos de seleção pessoal que existiriam naturalmente. Esses processos de classificação não aleatórios tornam difícil desvencilhar os efeitos do tratamento de outros efeitos não controláveis, particularmente a seleção ou escolhas, mas eles também fornecem aos estudos quase experimentais um componente de validade externa de que os experimentos carecem. Eles possibilitam estudar os efeitos que tratamentos têm sobre determinado segmento da população que é mais provável de ser escolhido para o tratamento38.

CONCLUSÕES

A participação de estudantes do curso médico no programa Redemed© se mostrou eficaz no aumento da empatia desse grupo quando comparado ao controle. Este estudo sugere que a empatia clínica é uma competência que pode ser apreendida ou aprimorada por meio de treino específico.

No entanto, este trabalho analisou o resultado da intervenção por meio de uma escala de empatia validada no Brasil, mas autorrespondida pelos estudantes sobre a satisfação e as mudanças de atitudes empáticas. Seria interessante fomentar mais estudos que promovam a avaliação sobre a empatia e que, se possível, os grupos sejam randomizados, o que não foi possível neste estudo.

Dada a natureza complexa da intervenção, neste estudo foram utilizadas PIC dentro do programa Redemed©, não considerando os componentes afetivos e cognitivos da empatia como objetivos de aprendizagem. É necessário desenvolver pesquisas que invistam no estudo de diferentes programas para o desenvolvimento da empatia, identificando as intervenções que norteiam esses componentes na atuação dos profissionais envolvidos.

As escolas médicas, muito mais que formadoras de profissionais tecnicamente competentes, necessitam trabalhar habilidades e competências, em especial a empatia, desde a graduação, entre os colegas, equipe e na relação médico-paciente, em busca da integralidade do cuidado.

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2Avaliado pelo processo de double blind review.

FINANCIAMENTO Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) - Processo nº 2015/10854-2.

Recebido: 09 de Setembro de 2021; Aceito: 06 de Janeiro de 2022

fernandacatarucci@gmail.com thays.herbst@gmail.com susan@visaofuturo.org.br burdmann@usp.br pavao@fmb.unesp.br

Editora-chefe: Rosiane Viana Zuza Diniz. Editora associada: Izabel Cristina Meister Martins Coelho.

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES

Susan Andrews, Emmanuel A. Burdmann e Karina Pavão Patrício fizeram contribuições substanciais para a concepção e o desenho do estudo. A coleta, análise e interpretação dos dados foram etapas que tiveram a participação de Fernanda Martin Catarucci e Karina Pavão Patrício, que elaboraram o artigo. Por fim, uma importante revisão crítica do conteúdo intelectual foi realizada por Susan Andrews, Emmanuel A. Burdmann e Karina Pavão Patrício.

CONFLITO DE INTERESSES

Declaramos não haver conflito de interesses.

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