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Revista Brasileira de Educação Médica
Print version ISSN 0100-5502On-line version ISSN 1981-5271
Rev. Bras. Educ. Med. vol.46 no.2 Rio de Janeiro 2022 Epub May 10, 2022
https://doi.org/10.1590/1981-5271v46.2-20200491.ing
Artigo Original
Síndrome do impostor e sua associação com depressão e burnout entre estudantes de medicina
1Centro Universitário Christus. Fortaleza - Brasil.
2Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Ceará. Fortaleza - Brasil.
Introdução:
A síndrome do impostor (SI) é caracterizada como a incapacidade de internalizar o sucesso e a tendência de atribuir o sucesso a causas externas, como sorte, erro ou ignorância de outras pessoas. Apesar do recente aumento no número de publicações sobre SI, estudos sobre essa condição em estudantes de graduação em Medicina e o impacto sobre a saúde mental são escassos.
Objetivo:
Este estudo teve como objetivo avaliar a prevalência de SI e sua associação com a síndrome de burnout (SB) e depressão.
Método:
Foi realizado um estudo transversal, descritivo e quantitativo com alunos de graduação em Medicina de um centro universitário do Nordeste do Brasil. Utilizaram-se um questionário sociodemográfico, a Clance Impostor Phenomenon Scale (CIPS), a Maslach Burnout Inventory - Student Survey (MBI-SS) e o Patient Health Questionnaire-9 (PHQ-9).
Resultado:
Entre os 425 alunos avaliados, 47 (11,06%) apresentaram sintomas leves; 151 (35,53%), moderados; 163 (38,35%) graves; e 64 (15,06%), muito graves. Fatores como não ser casado, ter baixo nível de atividade física e não contribuir para a renda familiar foram associados a sintomas graves ou muito graves de SI (p < 0,001, p = 0,032 e p = 0,025, respectivamente). O diagnóstico médico prévio de depressão e ansiedade e o uso de antidepressivos também foram associados a sintomas graves ou muito graves de SI (p = 0,019, p = 0,006 e p = 0,011, respectivamente). Além disso, houve uma correlação positiva entre os escores da CIPS e do PHQ-9 (p = 0,459, p < 0,001), e uma associação entre SB (dimensões de exaustão emocional e descrença) e SI (p < 0,001).
Conclusão:
Este estudo identificou associação entre SI e SB e depressão em estudantes de graduação em Medicina. Outros estudos com intervenção na SI podem demonstrar um impacto positivo na saúde mental.
Palavras-chave: Síndrome do Impostor; Esgotamento Profissional; Depressão; Educação Médica
Introduction:
The Impostor Syndrome (IS) is characterized as inability to internalize success and tendency to attribute success to external causes such as luck, error or ignorance of other people. Despite the recent increase in the number of IS publications, studies on this condition in undergraduate medical students and the impact on mental health are scarce.
Objective:
The aim of this study was to assess the prevalence of IS and its association with Burnout Syndrome (BS) and depression.
Methods:
A cross-sectional, descriptive and quantitative study was carried out with undergraduate medical students at a university center in Northeast Brazil. A sociodemographic questionnaire, the Clance Impostor Phenomenon Scale (CIPS), the Maslach Burnout Inventory - Student Survey (MBI-SS) and the Patient Health Questionnaire-9 (PHQ-9) were used.
Results:
Of the 425 students assessed, 47 (11.06%), 151 (35.53%), 163 (38.35%) and 64 (15.06%) had mild, moderate, severe and very severe IS symptoms, respectively. Not being married, having a low level of physical activity and not contributing to family income were associated with severe or very severe IS symptoms (p < .001, p = .032 and p = .025, respectively). Previous medical diagnosis of depression, anxiety and use of antidepressants are also associated with severe or very severe IS symptoms (p = .019, p = .006 and p = .011, respectively). In addition, there was a positive correlation between the CIPS and PHQ-9 scale scores (p = .459, p < .001), and an association between BS (Emotional Exhaustion and Cynicism dimensions) and IS (p < .001).
Conclusion:
This study identified an association between IS and BS and depression among undergraduate medical students. Further studies with interventions against IS may show a positive impact on mental health.
Keywords: Impostor Syndrome; Burnout, Professional; Depression; Education, Medical
INTRODUÇÃO
A Síndrome do Impostor (SI) foi descrita em mulheres com sucesso profissional e acadêmico que têm a sensação de estar enganando os outros quanto ao seu nível de inteligência, duvidando da própria capacidade intelectual e se sentindo impostoras em suas realizações1.
As características dessa síndrome têm sido descritas como (1) a sensação de ter enganado os outros para superestimar sua capacidade, (2) a atribuição do sucesso a algo que não seja inteligência ou habilidade e (3) o medo de ser exposto como uma fraude2.
Alguns autores identificaram uma prevalência de SI de 30% entre estudantes de medicina, odontologia, enfermagem e farmácia. Esse fator foi considerado o mais forte preditor de sofrimento psicológico em estudantes3. Até o momento, apenas um estudo investigou a associação entre a Síndrome de Burnout (SB) e SI em estudantes de graduação em medicina4.
Além disso, a fim de identificar as consequências dessa condição, outros autores mostraram que os sentimentos relacionados à SI estavam associados ao aumento das taxas de ansiedade, depressão e burnout5. Ser do gênero feminino4),(6, a baixa autoestima7, o perfeccionismo3 e a frequente hierarquia nos cursos de graduação e pós-graduação em medicina8 têm sido apontados como fatores de risco para SI em estudantes de medicina. Enquanto isso, apoio social, validação do sucesso, afirmação positiva e apoio institucional têm sido associados à proteção contra SI9.
Apesar do recente aumento no número de publicações sobre SI10, a escassez de dados na literatura sobre essa condição em estudantes de graduação em medicina limita o conhecimento sobre a prevalência e o impacto na saúde mental7),(11. Este estudo tem como objetivo avaliar a prevalência de SI em estudantes de graduação em medicina no Brasil e a associação com a Síndrome de Burnout e depressão.
MÉTODOS
Desenho e participantes do estudo
Foi realizado um estudo transversal, descritivo e quantitativo com estudantes de graduação em medicina de um centro universitário do nordeste brasileiro. Com estimativa de 95% de confiabilidade e 5% de margem de erro, o tamanho da amostra foi de 247 participantes. No entanto, a amostra obtida tinha 425 participantes, o que permitiu aumentar a confiabilidade do estudo com margem de erro de 2,93%. Os estudantes que não deram seu consentimento informado foram excluídos do estudo. Para o cálculo do tamanho amostral, considerou-se como referência um valor de prevalência de 30%, de acordo com um estudo anterior3. O tamanho da amostra foi calculado utilizando a calculadora de amostra gratuita da Solvis (disponível em https://solvis.com.br/calculos-de-amostragem/).
Os participantes foram recrutados no próprio centro universitário, abrangendo todos os semestres pré-internato do curso, e proporcional ao número de alunos em cada semestre. O curso de medicina é dividido em quatro anos de conteúdo pré-clínico e clínico e dois anos de internato. O curso tem um total de 918 alunos do 1º ao 4º ano e 388 alunos no período do internato. A escola utiliza a metodologia de ensino híbrida com palestras tradicionais e modelo ativo centrado no aluno chamado Aprendizagem Baseada em Problemas (Problem- -Based Learning - PBL) com 8 horas semanais ou Aprendizagem baseada em equipes (Team-Based Learning - TBL) em 1 sessão por semestre. As atividades práticas envolvem simulação com atores como pacientes padronizados durante 4 horas semanais destinadas a estimular e integrar o raciocínio e atividades em ambientes clínicos com pacientes reais e assistidos por preceptores.
Medidas
Questionário sociodemográfico
O questionário utilizado para avaliar os dados sociodemográficos dos participantes do estudo foi formulado pelos autores. Ele inclui questões sobre idade, gênero, semestre de estudo, estado civil, se exerce atividade remunerada, se são provedores de renda, se têm tempo de lazer e se praticam algum tipo de atividade física.
Clance Impostor Phenomenon Scale (CIPS)
O questionário da Clance Impostor Phenomenon Scale (CIPS), adaptado para uso no Brasil12, foi utilizado para detectar indicadores de SI1. O questionário é composto por 20 questões que visam identificar os seguintes fatores: (1) medo de avaliação, (2) medo de não conseguir repetir o sucesso e (3) medo de ser menos capaz que os outros. As questões foram respondidas através de uma escala Likert de cinco pontos, variando entre 1 (Não me descreve) e 5 (Descreve-me totalmente), e o resultado identificou o nível de sintomas relacionados à SI. Os sintomas de SI foram classificados em leves (≤ 40 pontos), moderados (41-60 pontos), graves (61-80 pontos) e muito graves (> 80 pontos).
Maslach Burnout Inventory - Student Survey (MBI-SS)
Para avaliar a autopercepção de Burnout dos alunos, foi utilizado o MBI-SS (Maslach Burnout Inventory - Student Survey), que foi adaptado para o português brasileiro13 e os autores pagaram os direitos autorais do instrumento. O MBI-SS é composto por 15 questões subdivididas em três subescalas: Exaustão Emocional (5 itens), Descrença (4 itens) e Eficácia Profissional (6 itens). Todos os itens foram avaliados por frequência, utilizando a seguinte escala Likert (0-6): 0 (nunca), 1 (uma vez por ano ou menos), 2 (uma vez por mês ou menos), 3 (algumas vezes por mês), 4 (uma vez por semana), 5 (algumas vezes por semana) e 6 (todos os dias). Os pontos de corte para identificar a presença de SB foram Exaustão Emocional ≥ 21, Descrença ≥ 16 e Eficácia Profissional ≤ 18. A SB foi considerada em alunos com presença de dois (Exaustão Emocional e Descrença) ou três (Exaustão Emocional, Descrença e Eficácia Profissional) critérios, como descrito anteriormente na literatura14.
Patient Health Questionnaire-9 (PHQ-9)
O PHQ-9 é composto por nove questões que avaliam a presença de cada um dos sintomas para o episódio de depressão maior15. Os nove sintomas consistem em depressão do humor, anedonia (perda de interesse ou prazer em fazer as coisas), problemas de sono, cansaço ou falta de energia, mudança de apetite ou peso, sentimento de culpa ou inutilidade, problemas de concentração, sensação de lentidão ou inquietação e pensamentos suicidas. A frequência de cada sintoma nas últimas duas semanas é avaliada em uma escala Likert de 0 a 3, correspondendo às respostas “nunca”, “vários dias”, “mais da metade dos dias” e “quase todos os dias”, respectivamente. O questionário também inclui uma décima questão avaliando a interferência desses sintomas no desempenho das atividades diárias, como trabalhar e estudar. A interpretação da escala depende da soma dos pontos das questões 1 a 9, sendo classificada da seguinte forma: 0-4: Depressão mínima; 5-9: Depressão leve; 10-14: Depressão moderada; 15-19: Depressão moderada a grave; 20-27: Depressão grave. O PHQ-9 foi utilizado anteriormente na população brasileira16.
Aprovação ética e consentimento para participar
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição, CAAE: 10294519.4.0000.5049, em conformidade com a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde e a Declaração de Helsinque. Os sujeitos da pesquisa participaram voluntariamente, após assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, e não foram identificados, para garantir a confidencialidade das respostas.
Análise
Os dados foram analisados com o software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS, Chicago, IL), versão 20. Eles foram sumarizados através de estatística descritiva como proporção, frequência e média. O teste qui-quadrado de Pearson foi utilizado para explorar associações e relações entre as variáveis. A relação entre SI, gravidade dos sintomas de depressão e os componentes de Burnout foi analisada pelo coeficiente de correlação de Spearman. Um valor de p ≤ 0,05 foi considerado estatisticamente significante.
RESULTADOS
O estudo incluiu 425 alunos com média de idade de 23,03 ± 5,0 anos, o que representa 62,1% do total de alunos pré-internato de graduação em Medicina do centro universitário. Nesta amostra, 47 (11,06%), 151 (35,53%), 163 (38,35%) e 64 (15,06%) apresentavam sintomas de SI leves, moderados, graves e muito graves.
Não houve diferenças estatísticas em relação à idade, gênero, semestre atual do curso, realização de atividade remunerada ou tempo dedicado a atividades de lazer ou hobbies entre os indivíduos com os quatro níveis de sintomas de SI (Tabela 1).
Clance Impostor Phenomenon Scale (score) | |||||
---|---|---|---|---|---|
<40 | 41-60 | 61-80 | >80 | p | |
Idade | |||||
≤ 21 | 18 (38.3%) | 70 (46.4%) | 80 (49.1%) | 35 (54.7%) | .369 |
22 ou mais | 29 (61.7%) | 81 (53.6%) | 83 (50.9%) | 29 (45.3%) | |
Gênero | |||||
Feminino | 21 (44.7%) | 53 (35.1%) | 55 (33.7%) | 25 (39.1%) | .533 |
Masculino | 26 (55.3%) | 98 (64.9%) | 108 (66.3%) | 39 (60.9%) | |
Semestre atual do curso | |||||
1o | 10 (21.3%) | 22 (14.6%) | 26 (16.0%) | 9 (14.1%) | .661 |
2o | 1 (2.1%) | 14 (9.3%) | 20 (12.3%) | 10 (15.6%) | |
3o | 6 (12.8%) | 21 (13.9%) | 18 (11.0%) | 10 (15.6%) | |
4o | 8 (17.0%) | 19 (12.6%) | 18 (11.0%) | 8 (12.5%) | |
5o | 5 (10.6%) | 26 (17.2%) | 17 (10.4%) | 11 (17.2%) | |
6o | 2 (4.3%) | 9 (6.0%) | 13 (8.0%) | 3 (4.7%) | |
7o | 5 (10.6%) | 16 (10.6%) | 19 (11.7%) | 2 (3.1%) | |
8o | 10 (21.3%) | 24 (15.9%) | 32 (19.6%) | 11 (17.2%) | |
Casado(a) | |||||
Não | 36 (76.6%) | 131 (86.8%) | 154 (94.5%)* | 63 (98.4%)* | < .001 |
Sim | 11 (23.4%)* | 20 (13.2%)* | 9 (5.5%) | 1 (1.6%) | |
Atividade remunerada | |||||
Não | 43 (91.5%) | 132 (87.4%) | 151 (92.6%) | 57 (89.1%) | .461 |
Uma vez por semana | 4 (8.5%) | 19 (12.6%) | 12 (7.4%) | 7 (10.9%) | |
Provedor de renda | |||||
Não | 44 (93.6%) | 134 (88.7%) | 156 (95.7%)* | 63 (98.4%)* | .025 |
Uma vez por semana | 3 (6.4%)* | 17 (11.3%)* | 7 (4.3%) | 1 (1.6%) | |
Atividades de lazer ou hobbies (tempo) | |||||
Menos de meia hora | 4 (8.5%) | 30 (19.9%) | 34 (20.9%) | 13 (20.3%) | .559 |
Entre meia hora e 1 hora | 18 (38.3%) | 40 (26.5%) | 57 (35.0%) | 21 (32.8%) | |
Entre 1 e 2 horas | 20 (42.6%) | 63 (41.7%) | 57 (35.0%) | 22 (34.4%) | |
Mais de 2 horas | 5 (10.6%) | 18 (11.9%) | 15 (9.2%) | 8 (12.5%) | |
Prática de atividade física | |||||
Não | 10 (21.3%) | 55 (36.4%) | 55 (33.7%) | 29 (45.3%)* | .032 |
Uma vez por semana | 7 (14.9%) | 9 (6.0%) | 16 (9.8%) | 10 (15.6%) | |
2 a 3 vezes por semana | 12 (25.5%) | 37 (24.5%) | 51 (31.3%)* | 11 (17.2%) | |
Mais de 3 vezes por semana | 18 (38.3%)* | 50 (33.1%)* | 41 (25.2%) | 14 (21.9%) | |
Diagnóstico de ansiedade | |||||
Não | 42 (89.4%)* | 126 (83.4%)* | 114 (69.9%) | 51 (79.7%) | .006 |
Sim | 5 (10.6%) | 25 (16.6%) | 49 (30.1%)* | 13 (20.3%)* | |
Diagnóstico de depressão | |||||
Não | 46 (97.9%)* | 140 (92.7%)* | 152 (93.3%)* | 53 (82.8%) | .019 |
Sim | 1 (2.1%) | 11 (7.3%) | 11 (6.7%) | 11 (17.2%)* | |
Diagnóstico de transtorno do pânico | |||||
Não | 47 (100.0%) | 149 (98.7%) | 159 (97.5%) | 64 (100.0%) | .412 |
Sim | 0 (0.0%) | 2 (1.3%) | 4 (2.5%) | 0 (0.0%) | |
Acompanhamento psicológico | |||||
Não | 40 (85.1%)* | 121 (80.1%)* | 119 (73.0%) | 42 (65.6%) | .045 |
Sim | 7 (14.9%) | 30 (19.9%) | 44 (27.0%)* | 22 (34.4%)* | |
Acompanhamento psiquiátrico | |||||
Não | 44 (93.6%) | 130 (86.1%) | 135 (82.8%) | 51 (79.7%) | .187 |
Sim | 3 (6.4%) | 21 (13.9%) | 28 (17.2%) | 13 (20.3%) | |
Uso de antidepressivos | |||||
Não | 47 (100.0%)* | 139 (92.1%) | 141 (86.5%) | 53 (82.8%) | .011 |
Sim | 0 (0.0%) | 12 (7.9%)* | 22 (13.5%)* | 11 (17.2%)* | |
Uso de ansiolíticos | |||||
Não | 45 (95.7%) | 139 (92.1%) | 142 (87.1%) | 55 (85.9%) | .179 |
Sim | 2 (4.3%) | 12 (7.9%) | 21 (12.9%) | 9 (14.1%) |
Obs: Teste qui-quadrado de Pearson. Fonte: Elaborado pelos autores.
Não ser casado, ter baixo nível de atividade física e não contribuir para a renda familiar foram associados a sintomas de SI grave ou muito grave. Um diagnóstico médico anterior de depressão, ansiedade e uso de antidepressivos também foram associados a sintomas de SI graves ou muito graves. Essa associação não foi observada com transtorno do pânico ou uso de ansiolíticos (Tabela 1).
Os alunos com sintomas de SI graves ou muito graves eram mais frequentemente acompanhados por um profissional de Psicologia, mas isso não foi observado em relação ao atendimento de um psiquiatra (Tabela 1).
Houve associação entre o nível de SI grave e muito grave e um escore da escala PHQ-9 que indicou transtorno depressivo moderado, moderado-alto e alto (Figura 1).
Uma correlação positiva foi identificada entre SI e a gravidade dos sintomas de depressão (ρ = 0,459, p < 0,001).
Também foi identificada uma associação significante entre os níveis de SI grave e muito grave e os níveis elevados dos componentes Exaustão Emocional e Descrença identificados através da escala da Síndrome de Burnout. Houve associação entre nível de SI grave e muito grave e a percepção de alta Eficácia Profissional pela escala da Síndrome de Burnout (Figura 2).Foi identificada uma correlação positiva entre SI e os componentes Exaustão Emocional (ρ = 0,384, p < 0,001), Descrença (ρ = 0,384, p < 0,001) e Eficácia Profissional (ρ = 0,302, p < 0,001). A SB pela presença dos três critérios não foi associada à SI (p = 0,088); porém, com o uso de uma avaliação bidimensional (Exaustão Emocional e Descrença), houve associação entre SB e SI (p < 0,001).
DISCUSSION
Neste estudo, foi identificada alta prevalência de SI em estudantes de medicina, independente do período do pré-internato. Os fatos de não ser casado(a), não contribuir com a renda familiar e não praticar atividade física foram associados à SI. Além disso, houve associação significante com os diagnósticos de depressão, ansiedade e uso de antidepressivos. Quanto aos componentes de Burnout, houve associação positiva de Exaustão Emocional e Descrença com SI. Escores mais altos para SI foram associados a escores mais altos para Eficácia Profissional, identificados por análises de correlação linear. Esse achado sugere que, apesar da percepção de eficácia nas tarefas acadêmicas, deve haver ceticismo quanto à capacidade pessoal de alcançar essa eficácia.
Embora a maioria dos estudos sobre SI tenha sido realizada nos EUA e Canadá, vinte e um estudos avaliaram populações de outros países, incluindo cinco na Áustria, cinco na Austrália/Nova Zelândia, quatro na Alemanha, três no Irã, dois no Reino Unido, dois no Paquistão e um na Bélgica, Coreia e Malásia cada10. Oito estudos avaliaram estudantes de medicina5.
Um estudo semelhante com estudantes de graduação em medicina da Malásia também identificou alta prevalência de SI, caracterizada por um escore de 62 como valor de corte (48% dos homens e 44% das mulheres). Neste estudo, realizado em um país subdesenvolvido/em desenvolvimento como o Brasil, os autores também identificaram uma correlação positiva entre SI e depressão e ansiedade. Além disso, a SI foi associada à sensação de não ser capaz de lidar com os desafios durante o internato17.
Um estudo realizado com 189 estudantes de medicina no Paquistão encontrou 59,25% de SI, de acordo com o escore na Clance Impostor Phenomenon Scale18, com taxas de SI grave ou muito grave, ainda mais altas do que nossos achados. Em outro estudo transversal, realizado em uma faculdade particular de medicina de Lahore, Paquistão, com 143 alunos do último ano de medicina, a prevalência de SI de acordo com a Young Impostor Scale foi de 47,5%6. Nos EUA, um estudo com 169 estudantes de medicina do primeiro ano na Saint Louis University identificou 31,9% de escores “alto” ou “intenso” de fenômeno do impostor19.
Em um estudo realizado com uma amostra de 59% dos estudantes de graduação em medicina da University of Kansas Medical School, que tinha um programa tradicional de pré-internato de 4 anos, 41% relataram sentimentos moderados de impostor (escore de 40-60), 38% de sentimentos de impostor frequentes (escore de 60-80) e 13% de sentimentos de impostor intensos (escore > 80)20.
Os valores de prevalência de SI em países desenvolvidos ou subdesenvolvidos/em desenvolvimento foram semelhantes aos identificados no presente estudo com estudantes de graduação em medicina no Brasil. A associação do gênero feminino ou masculino com SI não foi identificada neste estudo e ainda é controversa na literatura. Alguns estudos mostraram diferença estatisticamente significante nas taxas de SI entre estudantes de medicina do gênero masculino e feminino3)-(4),(6),(20, enquanto outros não encontraram diferença7),(11),(16),(21)-(22. Admitiu-se inicialmente que o fenômeno do Impostor era predominante em mulheres de alto desempenho. No entanto, estudos posteriores mostraram que esse fenômeno também é bastante frequente no gênero masculino. Alguns pesquisadores acharam a variável gênero não-significante em relação à prevalência e gravidade do fenômeno do Impostor20.
A educação médica é exigente e a transição para a clínica médica pode ser uma fase de treinamento particularmente desafiadora. Os primeiros anos de formação parecem estar associados a maior sofrimento psicológico3. De acordo com Maqsood et al. (2018)18, os alunos do terceiro ano apresentaram alta prevalência e grau de gravidade da SI. O presente estudo encontrou alta prevalência de SI independente do semestre durante o período pré-internato. Outros autores afirmaram que a progressão para classes superiores ou anos de formação superior não exerce qualquer efeito sobre o fenômeno do Impostor; portanto, se um aluno sofre com isso, ele continuará sofrendo desse fenômeno a despeito de qualquer avanço em seu nível de escolaridade6),(18.
Infelizmente, não há muitos dados sobre as influências de gênero, etnia, renda ou atividade física no desenvolvimento de SI, e é importante entender melhor essas populações se esperamos reduzir os efeitos da SI entre os profissionais de saúde. Ser casado, por exemplo, pode agir como um fator de proteção contra o sofrimento psicológico durante a formação profissional.
Associação da Síndrome do Impostor com a depressão
Segundo alguns autores, a depressão e a ansiedade eram características particularmente importantes daqueles com sentimento de impostor, bem como aqueles com baixa autodisciplina e competência percebida23. Este estudo não apenas identificou uma associação entre SI e os diagnósticos médicos estabelecidos de ansiedade e depressão, mas também mostrou uma relação entre SI e maior gravidade de sintomas depressivos em estudantes de medicina.
Em um estudo com 256 estudantes de medicina da Malásia, foram encontradas correlações positivas entre SI e depressão (ρ = 0,42) e ansiedade (ρ = 0,41)17. No entanto, há escassez de dados com estudantes de medicina avaliando essa associação. Em um estudo realizado com 255 residentes de Medicina de Família em Wisconsin, 41% das mulheres apresentaram escores de impostoras, contra 24% dos homens (p = 0,02). Os escores de impostor também foram correlacionados com sintomas depressivos (r2 = 0,45, p < 0,0001), bem como com o traço de ansiedade (r2 = 0,65, p < 0,0001) e o estado de ansiedade (r2 = 0,39, p < . 0001)24.
Associação entre a Síndrome do Impostor e Burnout
Alguns estudos identificaram que a SI também se correlacionou com níveis aumentados dos componentes de Burnout de Exaustão Emocional e Descrença, bem como com diminuição das taxas de satisfação no trabalho25)-(26. Até o momento, apenas um estudo investigou a associação entre SI e Burnout em estudantes de graduação em medicina. Cento e trinta e oito estudantes de medicina do Jefferson Medical College, EUA, participaram do estudo e a SI foi significantemente associada aos componentes de Burnout de Exaustão Emocional (χ2 = 8,0, p = 0,018) e Despersonalização (χ2 = 10,3, p = 0.006)4.
Até mesmo estudos com médicos residentes encontraram essa associação. Um estudo realizado com cirurgiões gerais e residentes de cirurgia geral na cidade de Minneapolis mostraram uma associação de Burnout com sintomas clínicos de SI (OR 3,95, p = 0,017)22. Em outro estudo com 200 residentes de Dermatologia, 89% dos entrevistados (n = 108) apresentavam SI, com tendências de impostor de moderadas a intensas. A probabilidade de Burnout para aqueles com SI foi de 19,61 (p < 0,005). A SI apresentou correlação positiva moderada com Exaustão Emocional e Despersonalização (r = 0,4100, p < 0,001; r = 0,3126, p = 0,0005, respectivamente), e uma correlação negativa moderada com Eficácia Profissional (r = -0,3355, p = 0,0002)27.
O presente estudo também identificou uma associação entre Burnout e SI, e pode contribuir para uma melhor compreensão da relação entre essas condições. A identificação dessa associação em estudantes de graduação em medicina pode impactar positivamente nossa capacidade de prevenir o Burnout entre os profissionais médicos.
Limitações
Existem limitações para este estudo, a saber: a não inclusão de estudantes no período do internato médico, que são mais propensos a sofrer maiores demandas mentais e físicas, e o desenho transversal do estudo, que não permite determinar as relações de causa e efeito entre SI e Burnout, depressão ou ansiedade. A natureza transversal, quantitativa e descritiva do estudo não permitiu realizar a análise qualitativa desse fenômeno quanto às suas possíveis origens, o autoconhecimento dos alunos em relação aos sentimentos que levam a ele, a influência de fatores intrínsecos aos indivíduos, como gênero ou cor da pele, e a influência de fatores extrínsecos, como pressão dos professores. Além disso, a generalização dos achados deve ser feita com cautela, pois o estudo foi realizado em um único Centro Universitário.
Implicações
Apesar dessas limitações, este estudo foi importante porque mostrou uma associação relevante entre SI e Burnout, depressão e ansiedade em estudantes de graduação em medicina. Além disso, atualmente há falta de dados na literatura sobre essa condição em estudantes de graduação, o que limita o conhecimento sobre a prevalência e o impacto na saúde mental. O desenvolvimento de SI entre estudantes de medicina pode ter efeitos a longo prazo, dada sua associação com sintomas de ansiedade, depressão, exaustão emocional e descrença.
A identificação de sintomas de SI em estudantes de medicina em estágios pré-clínicos pode prever aqueles em risco de enfrentar dificuldades em sua vida e prática profissionais e pode ajudar a prevenir o Burnout. Esse valor preditivo transformou o assunto da “SI” em alunos de pré-internato em foco de pesquisa recentemente. Uma das razões pode ser sua forte associação com o “fenômeno de Burnout” e, assim, o aumento do número de desistências do curso e suicídios entre os alunos.
Os sujeitos da presente pesquisa não foram identificados. Os resultados foram relatados ao Núcleo de Apoio Pedagógico da instituição para subsidiar ações de conscientização e prevenção sobre Burnout e SI.
Outros estudos são necessários para orientar intervenções e estratégias institucionais contra a SI. Muitos programas de instituições para tratar a SI fazem parte de suas atividades de orientação. Esses programas ajudam os alunos a descobrir se têm ou não a tendência e, se tiverem, os encorajam a ingressar nesses programas. Os alunos podem ser treinados para entender o perfeccionismo e como definir expectativas para eles mesmos que sejam mais razoáveis e atingíveis. Da mesma forma, programas similares devem ser desenvolvidos para o corpo docente, os funcionários e a administração. Eles devem ser treinados para identificar as necessidades desses alunos e fornecer ajuda para lidar com o problema e melhorar seu bem-estar.
CONCLUSÃO
Este estudo identificou alta prevalência de SI entre estudantes de medicina, independentemente do semestre do pré-internato e do gênero. Houve uma associação entre SI, Burnout, depressão e ansiedade. Mais estudos são necessários para identificar oportunidades de intervenções contra SI e seu impacto na saúde mental em estudantes de graduação.
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Recebido: 04 de Fevereiro de 2022; Aceito: 29 de Março de 2022