INTRODUÇÃO
A escolha da carreira médica representa uma importante decisão do profissional, cuja motivação pode ser determinada por fatores internos ou externos ao indivíduo1. Os fatores internos compreendem os estímulos do próprio indivíduo, como as necessidades, os objetivos e as habilidades, enquanto os fatores externos relacionam-se aos estímulos da situação ou do ambiente2.
Estudos apontam diversos fatores contribuintes na escolha da especialidade médica. Entre os fatores internos, destacam-se as preferências individuais, a afinidade, a personalidade, as características sociodemográficas e os atributos pessoais. Os fatores externos mais descritos referem-se ao mercado de trabalho, à renda, ao prestígio social, ao tempo de especialização, às circunstâncias familiares, à flexibilidade, ao ambiente da prática e à qualidade de vida1)-(5.
Quando se analisam os estudos que tratam sobre as especialidades médicas, verifica-se que as mais escolhidas fazem parte das grandes áreas da medicina, como clínica médica, cirurgia, pediatria, ginecologia e obstetrícia6)-(8. Apesar de a pediatria ser uma das especialidades de maior preferência, as pesquisas sobre os fatores motivacionais para sua escolha são escassas2)-(7.
Ressalta-se que a escolha da especialidade repercute não somente na vida do profissional, como também na sociedade, visto que o quantitativo de especialistas influencia na força de trabalho e na distribuição de médicos nas diferentes regiões de um país9. Nesse sentido, considerando que a saúde infantil é prioritária dentro da saúde pública10, torna-se relevante a análise dos fatores contribuintes para a escolha da pediatria como especialidade médica.
Dessa forma, o objetivo deste estudo foi compreender os fatores que contribuíram para a escolha da pediatria entre os pediatras de um hospital universitário.
MÉTODO
Trata-se de um estudo descritivo, exploratório, de abordagem qualitativa, realizado no Hospital Universitário de Lagarto, na cidade de Lagarto, no Brasil. Os critérios de inclusão foram médicos com título de especialista em pediatria e com atuação profissional no serviço de urgência e emergência pediátrico. Os critérios de exclusão foram médicos licenciados há mais de seis meses do trabalho ou que não puderam participar por motivos de saúde ou indisponibilidade.
A coleta de dados foi realizada entre fevereiro e abril de 2021 por meio de entrevistas virtuais com cada pediatra. Utilizou-se um roteiro para a entrevista semiestruturada, elaborado pelos pesquisadores, a partir da vivência profissional, com informações sobre as características demográficas e a escolha da pediatria. Realizou-se a gravação de áudios e vídeos dos entrevistados, após o consentimento, para posterior transcrição e análise dos dados.
Os dados foram analisados com base no método de análise de conteúdo, proposto por Bardin11, que compreende um conjunto de técnicas de análise das comunicações aplicadas a discursos diversificados, por meio de procedimentos sistemáticos.
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de Sergipe (UFS), sob Parecer nº 4.530.759, e seguiu as recomendações da Resolução nº 466/2012, que trata de pesquisas envolvendo seres humanos. Para preservar a identidade dos participantes da pesquisa, utilizaram-se nomes dos personagens das obras do escritor Jorge Amado.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A população do estudo foi constituída por 14 pediatras, sendo três do gênero masculino e 11 do gênero feminino, com idade variando de 29 a 53 anos. A maior parte declarou-se como raça negra e estado civil casado. Com relação à maternidade/paternidade, metade dos entrevistados afirmaram não possuir filhos. Sobre a naturalidade, sete informaram ser natural do estado de Sergipe, cinco da Bahia, um do Rio de Janeiro e um de Minas Gerais.
No que diz respeito à formação médica, o tempo de formado variou de seis a 26 anos, ao passo que o tempo de formação em pediatria variou de quatro a 23 anos. Todos os participantes possuem especialização em pediatria por meio da modalidade residência médica. Para a maior parte dos participantes, a atuação profissional em pediatria começou a partir do ingresso na residência médica, e outros relataram que isso ocorreu quando trabalhavam como médicos generalistas na atenção primária, no ambulatório ou nos serviços de urgência.
Após a identificação dos participantes, realizaram-se as seguintes perguntas: “Por que escolheu a pediatria?”, “Que elementos contribuíram para a escolha da especialidade?” e “Como o seu percurso acadêmico influenciou a escolha da especialidade?”. Com base nos depoimentos, emergiram duas categorias sobre os motivos da escolha da pediatria: fatores internos e fatores externos.
Fatores internos
Em relação aos fatores internos, destacaram-se a identificação com crianças, a satisfação profissional, o perfil clínico e a maternidade. A identificação com crianças repercutiu como o fator principal na escolha da pediatria:
Um [fator] é que eu gosto de criança, gosto muito de trabalhar com criança, conversar com criança (Eugênia).
[...] sempre gostei de estar mais com os pequenos, isso é verdade, acho que nunca tinha parado para pensar nisso (Dona Flor).
Eu nunca fechei minha mente para as outras áreas, mas era uma especialidade que eu sempre gostei, e eu gosto muito de lidar com criança [...] é um público que me identifico (Tieta).
Eu sempre gostei de criança. Antes eu achava que ia ser professora, então sempre foi relacionado com criança (Gabriela).
[...] a pediatria é uma coisa que a gente não tem muita escolha, assim, a gente se identifica (Dora).
A identificação, representada por uma afinidade com a especialidade, é um processo fundamental da experiência do sujeito e é de extrema importância no que se refere às suas escolhas profissionais12. Em estudo sobre os fatores determinantes para escolha da especialidade médica no Brasil, a afinidade com a especialidade foi um fator avaliado como importante ou muito importante entre 99,3% dos entrevistados4.
A identificação também pode ser reflexo da personalidade, abordada em um dos relatos como o “jeito de ser”:
Eu costumo dizer para os alunos que não é você que escolhe a especialidade, é a especialidade que escolhe você, que você já tem um jeito de ser, e o seu jeito de ser ele vai se adequar melhor a uma determinada especialidade, entendeu? Então, por mais que você possa desenvolver qualquer uma, em geral, o seu jeito de ser demonstra para quais você teria mais sucesso (Eugênia).
Percebe-se, a partir da fala de Eugênia, que, na trajetória profissional, devem-se levar em conta a individualidade e a personalidade do sujeito. A individualidade refere-se a características naturais que constituem o indivíduo, ao passo que a personalidade é um processo resultante das condições do indivíduo que, ao se inserir na sociedade, torna-se um ser único13. Assim, para Eugênia, a pessoa tem a própria individualidade e, quando inserida no contexto social, desenvolve a personalidade que vai se adequar a determinada área da medicina para, enfim, obter mais sucesso.
Com base nesses conceitos, tais características podem influenciar as escolhas profissionais. A personalidade esteve associada às escolhas da carreira médica. Entre os residentes em pediatria, o perfil mais identificado foi de profissionais confiáveis, perseverantes, controladores, cooperativos e encorajadores. Como os pediatras possuem um papel fundamental no processo de lidar com a criança e com os pais, e deparam-se com situações emocionalmente difíceis, esses traços de personalidade refletem na escolha da pediatria14. No estudo de Mullola et al.15, observou-se, no grupo de médicos que escolheram a pediatria, uma característica de maior extroversão.
As diferenças entre as personalidades dos sujeitos estão relacionadas aos diferentes interesses vocacionais16, com consequente diversidade nas escolhas. Assim, a identificação com a pediatria pode ser traduzida também por questões de crenças como “vocação”, “tendência” e “intuição”:
Vocação mesmo, gostava mesmo de atender as crianças (Pedro).
Eu já tinha a intuição de fazer pediatria e, na faculdade, eu fui direcionando, direcionando para pediatria, costumava mesmo antes, assim, antes mesmo do estágio, eu já procurava acompanhar médicos pediatras, quando estava de férias. Então, assim, já tinha aquela tendência à pediatria (Guma).
A vocação é um conjunto de caracteres distribuídos de forma particular no indivíduo, tornando-o mais habilitado para realizar determinado papel17. Nota-se, entretanto, que os termos mencionados podem evocar uma ideia de predestinação para a escolha profissional ligada a uma convicção que defende os aspectos imutáveis do sujeito.
Essa crença sobre a vocação circula fortemente nos corredores das escolas médicas e dos hospitais. Castellanos18, em seu estudo de análise do discurso médico-pediátrico, discorreu: “A solução apontada por alguns dos entrevistados para a tensão presente no momento da opção pela carreira profissional passa pela constatação de um acaso providencial em que encontram uma vocação predestinada” (p. 77).
Cada área da medicina tem características próprias e necessita de habilidades e aptidões diferentes, de forma que possuir essas qualificações pode condicionar a escolha da especialidade19),(20. Na pediatria, a habilidade na interação com a criança favoreceu a identificação:
É um público que eu me relaciono mais fácil, e que eu gosto, tenho um prazer de fazer (Tieta).
A interação com a criança para mim é melhor, eu gosto mais dessa interação, de lidar com criança (Dona Flor).
Eu percebi que eu tinha um desenvolvimento melhor também no lidar com as crianças, enquanto médica no atendimento (Tereza).
A escolha da especialidade pediátrica devido à identificação com crianças denota um caráter humanístico por parte dos médicos21. Este estudo demonstrou que a identificação com a pediatria foi reflexo da afinidade com crianças, da personalidade do sujeito, da crença vocacional e das habilidades com o público infantil. Percebe-se, portanto, que a pediatria demanda um perfil profissional particular que sustenta uma ideia de um talento especial para desempenhar a profissão, criando uma identidade de fundamento amoroso e humanista.
A satisfação também é considerada como um motivador nas escolhas profissionais. Mara afirmou: “me perguntaram qual que eu chegaria em casa mais feliz, qual especialidade quando eu estava em dúvida, e aí pensei na pediatria”. Em concordância com isso, Anand et al.7 identificaram que, entre profissionais que tiveram maior preferência pela pediatria, a satisfação pessoal foi um fator determinante.
Como a pediatria é uma especialidade essecialmente clínica, a preferência dos profissionais por um perfil clínico também foi elencada:
Eu me interessei por várias coisas, mais clínicas do que cirúrgicas. Aí depois de passar pelo de pediatria, enfermaria principalmente, [...] foi a parte que eu mais gostei pelo contato mesmo. Eu achei mais... não sei, eu consegui ter mais... não é empatia, mas ter aquela facilidade mais com criança sabe? (Dona Flor).
Eu sempre quis fazer clínica médica, pensava em clínica médica, geriatria. Cheguei a fazer parte da liga de endocrinologia, gostava muito de endocrinologia, e algumas coisas da clínica médica me chamavam mais atenção, e eu fiz minha monografia de conclusão em geriatria, o que também era uma área que me interessava, geriatria. Quando eu fiz um internato de pediatria, que foi dos meus últimos, já não sei se, no final do quinto ano, entrando no sexto, foram os meus últimos, aí dali eu não conseguia mais pensar em outra coisa, só queria pediatria (Lívia).
Eu pensava em ser médica de criança, mas depois eu fui por algumas eliminações. Eu eliminei as especialidades cirúrgicas e depois, entre a clínica médica e a pediatra, eu achei que eu me dava melhor na pediatria, tive mais afinidade (Maria de Lourdes).
Compreender essa tendência de escolher especialidades clínicas ou cirúrgicas tem sido objeto de algumas pesquisas. Um estudo multicêntrico realizado em 17 escolas médicas no Japão verificou que os alunos que escolheram cirurgia e medicina de emergência deram maior prioridade a dominar procedimentos avançados e aos cuidados agudos em decorrência de cuidados crônicos, enquanto aqueles que escolheram clínica geral e pediatria valorizavam a comunicação com o paciente22.
O perfil clínico dos pediatras segue afirmando uma imagem carregada da figura médica como prática gentil de cuidado, que pressupõe a interação com o paciente. Historicamente, essa perspectiva pode ter atraído mulheres pela associação histórico-cultural do cuidado com a maternidade.
O fato de ser ou desejar ser mãe foi caracterizado como um fator contribuinte na escolha da pediatria por dois motivos. O primeiro pelo gostar de criança: “sempre quis ser mãe, sempre gostei muito de criança, eu acho que facilitou muito a minha escolha” (Lívia). O segundo pela empatia ao compreender emocionalmente a situação da mãe da criança: “Pediatria você tem que ter paciência com a mãe, não é? [...] Se eu já tinha paciência com as mães, depois que eu me tornei mãe, a paciência acho que aumentou mais ainda” (Gabriela). Portanto, verifica-se que a maternidade pode desenvolver sentimentos ou habilidades propícios para a pediatria, o que pode repercutir em um maior número de mulheres nessa área.
Apesar de os fatores sociodemográficos não serem mencionados nas motivações internas, alguns estudos mostraram que eles possuem significativa influência na determinação da especialidade. Em relação ao gênero, os homens têm maior preferência pelas áreas da cirurgia geral e ortopedia, enquanto as mulheres preferem pediatria, obstetrícia e ginecologia7),(23),(24. Ressalta-se que, no presente estudo, a amostra foi representada em sua maioria por mulheres.
A valorização dos fatores psicossociais e a realização de uma assistência com foco no paciente apresentam maior predomínio em mulheres. Os homens, no entanto, exibem uma prática centrada no profissional e no paradigma biomédico25. Um dos motivos de estudantes de Medicina escolherem a pediatria é o maior fortalecimento da relação médico-paciente, caracterizada pela possibilidade de desenvolver relações mais prolongadas e assistir os pacientes e sua família26. É provável que a questão do gênero não foi mencionada no presente estudo por estar implícita nesses comportamentos predominantes nas mulheres.
Fatores externos
Em relação aos fatores externos, os pediatras citaram aqueles relacionados ao ambiente da pediatria, aos profissionais da prática, às circunstâncias familiares e aos aspectos da criança. No que se refere ao ambiente, os pediatras elucidaram:
Eu acho que uma enfermaria de pediatria, um consultório de pediatria, por mais que a gente esteja tratando muitas vezes em alguns casos de doenças, são ambientes mais leves (Tieta).
E aí eu achei que seria muito... um local muito mais tranquilo de se trabalhar do que com o adulto, por isso que eu escolhi a pediatria (Don’Ana).
Vivência, o ambiente e os preceptores também, tem um perfil que eu adapto melhor (Dona Flor).
[...] e essa coisa mais da calmaria, sem tanto trauma, claro que tem traumas às vezes, mas na pediatria basicamente patologias clínicas mesmo (Lívia).
Apesar de se tratar de profissionais que atuam em urgência pediátrica, marcada por maior agitação, o ambiente da pediatria foi caracterizado como “leve”, “tranquilo” e “calmo”. Esses relatos podem ser reflexos da interação com a criança, cuja representação confere um símbolo de carinho, afeto e espontaneidade, promovendo uma sensação nos profissionais de leveza ao se trabalhar na pediatria. Além disso, essas elucidações podem se referir aos outros ambientes da pediatria, como as unidades ambulatoriais.
Uma fala interessante, entre os fatores externos, foi referente aos aspectos da criança: “a criança responde muito mais rápido ao tratamento do que o adulto, nosso índice de mortalidade é muito menor em criança” (Don’Ana). Esse interesse pelo tipo de paciente também foi descrito em outro estudo como importante na escolha da pediatria, visto ser uma especialidade com características particulares8.
A família é um importante fator a se considerar quando se trata de influências nas escolhas profissionais. Os alunos que não possuem pais médicos tendem a se apoiar nas experiências durante a graduação. Na entrevista, Antônio ressalta:
[...] como eu tinha nenhuma referência médica na família, então eu entrei no curso de Medicina bem aberto, assim, sem saber o que queria fazer, porque tem gente que já entra muito decidida: “Eu vou fazer tal coisa, porque meu pai é isso, porque fulano é isso”. E eu não tinha nenhuma referência médica. Então, assim, eu entrei na medicina pela medicina. E aí, eu creio que as disciplinas que eu mais gostei, que eu mais me adaptei, que os professores eram bons e incentivavam a gente, aí eu acabei pendendo para esse lado. Então, por isso que [...] no estágio de pediatria, gostei de pediatria.
Os encontros com a prática profissional e com os professores foram mencionados como influenciadores na escolha da especialidade. Ressalta-se que esses depoimentos emergiram de forma espontânea nas narrativas, antes da pergunta a respeito da influência da trajetória acadêmica na decisão:
[...] o que me fez ir para pediatria foi a maneira que eu vejo os pediatras lidando com os pacientes que é realmente, mais atencioso. A pediatria a gente tem uma atenção maior, a gente consegue dar uma assistência maior (Don’Ana).
Teve, assim, bons profissionais que me orientaram, né? [...] Era um hospital ainda que estava... ainda um pouco sem recurso e tal, naquele sofrimento do SUS de ter recurso, mas que funcionava tudo muito bem e que tinha excelente profissionais, tanto da enfermagem quanto na medicina (Lívia).
[...] eu acho que também tive um grande diferencial, que foi a equipe de pediatria, era uma equipe muito unida, tinha um serviço aqui bem organizado, então isso realmente fez mudar, assim, completamente a minha decisão (Maria Clara).
[...] e eu tinha bons professores de pediatria, eu acho que isso me ajudou (Eugênia).
Na faculdade eu tive ótimos professores de pediatria, o que me fez desejar aprender mais da especialidade (Tereza).
O meu ponto um, sempre rodava mais no hospital [...], e lá tive eu tive ótimos preceptores, não vou lembrar o nome, mas eu tive muitos bons preceptores (Lívia).
Na sequência, os entrevistados foram questionados especificamente sobre a influência da trajetória acadêmica na escolha da pediatria. A maior parte expressou que a graduação contribuiu significativamente, com destaque especial à relação com os docentes e preceptores apontados como referência:
Sim, reforçou. Na minha faculdade, como eu te disse, eu não fechei os olhos para as outras especialidades, fiz muitos estágios em outras áreas, obstetrícia, reumato... porque eu pensava se eu quisesse pediatria também seria minha última oportunidade de conhecer essas outras especialidades. Mas eu tive uma equipe de professores de pediatria que me incentivaram, que acabaram se tornando referências para mim e aí ficou mais fácil de definir mesmo (Tieta).
[...] me sentir melhor, me adaptei melhor nessa parte da pediatria, bem mais, tanto com os preceptores quanto com os pacientes também, que contam muito, mas também com os preceptores em si, os staffs em si, quem já era residente também, eles ajudaram muito também nessa escolha, as crianças ajudaram, os preceptores ajudaram, a parte teórica também da pediatria em si ajudou, entendeu? [...] A partir do internato (Dona Flor).
Realmente, foi mais o internato mesmo. Quando logo na primeira vez que eu rodei pela pediatria, eu já mudei completamente a minha escolha (Maria Clara).
Eu tive alguns professores que influenciaram, professores que eu tive mais afinidade na faculdade eram pediatras, e, inclusive, o TCC da faculdade também foi em pediatria (Maria de Lourdes).
Influenciou muito, assim, pelas experiências na faculdade foram determinantes para escolher a pediatria. Questão de professor, relação com o paciente (Mara).
Contudo, Pedro afirmou que a faculdade não teve influência na escolha: “Não. Foi na vida profissional mesmo. [...] pelo dia a dia profissional, acabei gostando”. Don’Ana, inclusive, expressou uma experiência negativa com a faculdade, referida a partir da relação professor-aluno:
Não. Porque o meu contato com a pediatria na faculdade não foi muito bom, a minha experiência na faculdade foi péssima, na verdade, com pediatria. Se eu tivesse ido pela faculdade, eu nem teria feito, porque no meu estágio eu não tive boas experiências, meus professores eu não gostei muito, e não era tão rico o estágio como eu tive contato na residência, por exemplo.
Chama a atenção o fato de a exposição às especialidades interferir na escolha da carreira27. O currículo vivenciado durante a graduação, a influência dos docentes/preceptores e as atividades práticas foram determinantes na escolha da medicina da família e comunidade como especialidade28. Em um grupo de médicos que escolheram a pediatria, o estágio extracurricular foi a experiência acadêmica mais relevante para a decisão29.
Observa-se que a exposição a campo de práticas, especialmente no internato, favoreceu a decisão a favor da pediatria. Na medicina, os alunos que decidem atuar em uma área clínica tendem a escolher a especialidade a partir do internato, diferentemente dos que optam pela área cirúrgica que, em geral, decidem mais precocemente30. Em pesquisa transversal com 1.223 estudantes de Medicina e médicos no Brasil, a maior parte escolheu a especialidade no internato, enquanto o período de rejeição predominou entre o terceiro e quarto ano da graduação29.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As escolhas profissionais têm importância fundamental para o indivíduo e a sociedade como um todo. Na escolha da pediatria, verificou-se que fatores internos e externos contribuíram para decisão dos profissionais.
A identificação, a satisfação profissional, o interesse pela clínica e a maternidade foram fatores internos que motivaram a escolha dos pediatras. Dos fatores externos, o ambiente, os aspectos da criança, a família e os profissionais foram fundamentais para a decisão da carreira.
A afinidade no trato com as crianças, a exposição ao campo de prática e a relação com os professores se apresentaram como elementos de forte influência na tomada de decisão pela especialidade.
Curiosamente, no presente estudo, não foram encontrados nos depoimentos os fatores externos mais descritos na literatura, como as oportunidades de carreira, renda, status social, tempo de residência e estilo de vida. Essa perspectiva é afirmada também pelo senso comum, em que se escuta que quem quer ficar rico não escolhe a pediatria. Contudo, os participantes da pesquisa trazem na sua narrativa uma ambição de estabilidade, qualidade de vida e cotidiano profissional atravessado por afetos positivos e satisfação no cotidiano do trabalho.
Uma pesquisa que utiliza a metodologia qualitativa ambiciona a análise profunda de questões subjetivas que envolvem o fenômeno em estudo. Embora a medicina e sua prática venham sendo profundamente afetadas pela dimensão mercantil e econômica, a vivência da pediatria - identificada entre os pediatras que atuam num contexto docente-assistencial - emerge alicerçada em valores mais humanísticos, busca de qualidade de vida e de satisfação pessoal no vínculo com os pacientes.