INTRODUÇÃO
Empatia deriva do grego empatheia (em = dentro e pathos = sofrimento ou sentimento) e é definida como uma disposição genuína de ser capaz de ouvir e compreender o outro1, tornando-se, assim, um componente essencial da comunicação interpessoal. Estudos propõem que a empatia engloba atributos cognitivos e emocionais, o que a torna multidimensional em um contexto permeado por aspectos culturais, afetivos, comportamentais e morais2.
Na prática médica, o desenvolvimento da empatia está relacionado à competência clínica e à diminuição de erros médicos3. Uma vez inserida como componente da interação médico-paciente4, a empatia mostrou-se benéfica para o aumento da adesão do tratamento pelo paciente, para a diminuição das queixas de negligência médica e para o aumento de desfechos favoráveis acerca do processo de adoecimento. Além disso, verificou-se que a relação empática entre médico e paciente tem impacto positivo na saúde, no bem-estar e na satisfação dos profissionais da saúde, por promover vivências mais construtivas, solidificadas e íntegras entre as partes. Entretanto, o panorama atual nas faculdades de Medicina sugere que, ao longo da graduação, os estudantes referem um declínio na própria empatia, fato alarmante para o futuro da prática médica5.
Em meados do século XX, houve abertura de espaço, em nível global, para o desenvolvimento de uma visão cientificista, resultando em um novo modelo para o conceito de saúde e de doença. Tal efeito contribuiu significativamente para afastar a prática médica do cuidado clínico, dificultando ao médico enxergar a doença como um conjunto de fatores6. As faculdades de Medicina podem ter contribuído para a desumanização médica, tendo em vista que a aplicação de atitudes e comportamentos vinculados à humanização era atribuída apenas a experiências pessoais e à educação familiar vivenciadas pelo estudante, sem que houvesse abordagem durante o curso7.
Sob essa óptica, atualmente há uma preocupação geral com a diminuição dos níveis de empatia nos discentes de Medicina. Em países como Irã, Nova Zelândia e Estados Unidos, o declínio da empatia é um problema comum nos cursos de graduação médica4. A visão crítica sobre os níveis de empatia nos cursos de Medicina também demonstrou que, em países ocidentais, os escores de empatia se apresentaram maiores quando comparados aos escores de empatia orientais. Um dos motivos para o declínio global e para a diferença de escores de empatia entre diversos países é a baixa integração de habilidades comunicativas e humanistas nos currículos de Medicina8. A fim de reverter o quadro atual, conselhos e associações, como o Conselho Médico Geral do Reino Unido e a Associação de Faculdades Médicas Americanas, passaram a incorporar o desenvolvimento da empatia para diretrizes e para recomendações dos cursos de Medicina e da prática médica9.
No Brasil, a preocupação e a adoção de medidas de enfrentamento perante a diminuição da empatia nos estudantes não foram diferentes. Sendo assim, desde 2001, com a criação das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) do curso de graduação em Medicina e sua atualização em 2014, há a tentativa de priorizar uma formação médica generalista, humanista, crítica e reflexiva, demandando do aluno habilidades que possibilitem uma maior compreensão e uma maior abrangência da relação médico-paciente, tal como empatia6. Entretanto, a iniciativa enfrenta desafios que se relacionam intimamente à formação da identidade profissional médica e, consequentemente, à empatia dos estudantes: a logística dos planejamentos do currículo acadêmico, a relação dos discentes com os docentes e com os pacientes ao longo da graduação, e fatores sociodemográficos pessoais de cada graduando3.
Para aferir a empatia em estudantes de Medicina, vem sendo utilizada a Escala Jefferson de Empatia para Estudantes de Medicina (Jefferson Scale of Empathy - JSE). Esse instrumento de medida psicométrica é validado, sendo composto por 20 perguntas, as quais analisam três principais fatores da empatia cognitiva: “tomada de perspectiva”, “cuidado compassivo” e “estar no lugar dos pacientes” (9. Amplamente difundida em pesquisas científicas, a ferramenta em questão se tornou uma grande aliada na avaliação da empatia na interação médico-paciente. Contudo, sabe-se que, por avaliar apenas o aspecto cognitivo da empatia, uma pesquisa para além da JSE é necessária para abarcar os diversos âmbitos envolvidos na construção da empatia10.
Nesse contexto, a exposição precoce e frequente dos estudantes de Medicina aos conhecimentos e às habilidades relacionados a competências imprescindíveis a um profissional da saúde é essencial para que haja um melhor entendimento e um melhor desempenho no que tange à interação com os pacientes10. Dessa forma, oportunizar o contato com o paciente logo no início do curso desperta a consciência da importância da empatia nas relações, dando a possibilidade aos futuros médicos de desenvolver ainda mais suas habilidades empáticas, de modo a compor uma identidade profissional mais ampla e completa1.
O objetivo desta pesquisa é avaliar a influência do contato com o paciente sobre a empatia do estudante de Medicina, em uma faculdade privada em Vitória, no Espírito Santo, no terceiro semestre da graduação.
MÉTODO
Trata-se de um estudo observacional e prospectivo realizado por meio da aplicação de um questionário a estudantes de Medicina de uma faculdade privada em Vitória, matriculados regularmente na disciplina Semiologia I, nos semestres letivos de 2019/2 e 2020/1.
A disciplina é semestral e inclui aulas teóricas e teórico-práticas, nas quais os estudantes aprendem a executar exames físicos e construir anamneses. As aulas práticas envolvem a participação de pacientes internados nas enfermarias do hospital-escola. Na grade curricular do curso, a disciplina Semiologia I proporciona o primeiro contato efetivo dos estudantes com pacientes.
A população-alvo foi de 60 estudantes no semestre 2019/2 e de 88 estudantes no semestre 2020/1, totalizando 148 estudantes. Incluíram-se os alunos que concordaram em participar da pesquisa, e excluíram-se aqueles que apresentaram erro ou omissão no preenchimento dos formulários de pesquisa. Ao final do processo de seleção, 98 estudantes constituíram a população de estudo.
O questionário com variáveis sociodemográficas (idade, sexo, renda média familiar mensal, estado civil, religião, escolaridade do aluno, escolaridade do pai, escolaridade da mãe, trabalho remunerado, participação em atividade extracurricular, moradia com os pais, familiar próximo profissional da saúde, incentivador para cursar Medicina, experiência prévia significativa com doença na família e especialidade pretendida) e a versão para estudantes da JSE foram aplicados no início de cada semestre letivo.
A referida escala avalia o nível de empatia em estudantes de Medicina e é composta por três eixos de análise: cuidado compassivo, capacidade de se colocar no lugar do paciente e tomada de perspectiva. Os eixos são divididos em 20 perguntas, que são respondidas por meio de uma escala Likert. Essa escala é composta por sete itens graduados de 1 a 7. Existem perguntas afirmativas, em que 1 significa “discordo fortemente”, e 7, “concordo fortemente”; e há perguntas negativas, em que essa lógica é a oposta. As alternativas 2, 3, 5 e 6 correspondem a níveis de concordância crescentes, no caso das perguntas afirmativas, e a níveis de concordância decrescentes, no caso das perguntas negativas. O número 4 refere-se à indiferença ao que é perguntado. Os três eixos citados, em sequência, podem ter pontuações mínimas e máximas entre 11 e 77, entre 2 e 14 e entre 7 e 49. Isso totaliza um escore global entre 20 e 140 pontos. A escala não compreende ponto de corte, e uma maior pontuação se refere a uma maior empatia.
No final do semestre letivo 2019/2, aplicou-se novamente a JSE. No entanto, devido à pandemia do severe acute respiratory syndrome coronavirus 2 (Sars-CoV-2), a aplicação da escala no final do semestre letivo 2020/1 ficou comprometida com a suspensão de todas as aulas teórico-práticas da instituição.
Descrição da amostra no segundo semestre letivo foi efetuada por meio de distribuição de frequências para variáveis qualitativas e da média e do desvio padrão para idade e escore no início do semestre. Diferenças entres os semestres letivos foram avaliadas ao nível de significância de 95% utilizando o qui-quadrado de Pearson ou o teste exato de Fisher para as variáveis qualitativas, e o teste U de Mann-Whitney para amostras independentes para as quantitativas.
A normalidade das variáveis idade e escore de empatia foi avaliada pelo teste de Kolmogorov-Smirnov, com 95% de significância.
Para definir o perfil de empatia dos estudantes, categorizaram-se, de acordo com os dados sociodemográficos, a média e o desvio padrão dos escores de empatia observados em todos os participantes da pesquisa que preencheram o questionário no início dos dois semestres letivos. Na análise de associações, adotou-se o teste de Mann-Whitney de amostras independentes para variáveis qualitativas dicotômicas. Utilizou-se o teste de Kruskal-Wallis para variáveis qualitativas ordinais, com significância de 95%.
A influência do contato com o paciente na empatia dos estudantes foi estudada apenas com aqueles que participaram no início e no final do semestre letivo 2019/2, avaliada pelo teste de Wilcoxon Signed Rank para amostras pareadas, com 95% de significância.
O projeto desta pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) sob Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) nº 09706919.7.0000.5065.
RESULTADOS
No semestre letivo 2019/2, foram aplicados 60 questionários no começo e término do semestre. Dos possíveis participantes, 15 não preencheram um dos questionários, um não respondeu às perguntas da JSE, e seis não preencheram nenhum dos questionários. Por fim, participaram efetivamente da pesquisa 38 discentes. No semestre letivo de 2020/1, aplicaram-se 88 questionários, dos quais 60 foram corretamente preenchidos. No total, 98 discentes foram incluídos na pesquisa.
Os estudantes dos semestres letivos 2019/2 e 2020/1 mostraram-se semelhantes quanto às características sociodemográficas e ao escore inicial na JSE (Tabela 1). No conjunto dos semestres, observaram-se escore inicial com mínimo e máximo de 83 e 138, respectivamente, e média e desvio padrão de 119,84 e 10,73, respectivamente. A mediana, o primeiro e terceiro quartis foram, respectivamente, de 122, 114 e 127.
Variáveis | 2019/2 | 2020/1 | Total | p | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
No | % | No | % | No | % | valor | ||
Sexo | Feminino | 26 | 68,42 | 35 | 58,33 | 61 | 62,24 | 0,316a |
Masculino | 12 | 31,58 | 25 | 41,67 | 37 | 37,76 | ||
Idade b | 20,00 | 2,19 | 20,03 | 2,75 | 20,02 | 2,54 | 0,898c | |
Estado civil | Em relacionamento | 11 | 28,95 | 15 | 25,00 | 26 | 26,53 | 0,666a |
Solteiro(a) | 27 | 71,05 | 45 | 75,00 | 72 | 73,47 | ||
Renda média familiar | 1 |-- 5 mil | 8 | 21,05 | 5 | 10,00 | 13 | 14,28 | 0,333a |
5 |-- 10 mil | 6 | 15,79 | 7 | 11,67 | 13 | 13,27 | ||
10 |-- 20 mil | 9 | 23,68 | 13 | 21,67 | 22 | 22,45 | ||
20 |-- 50 mil | 11 | 28,95 | 21 | 35,00 | 32 | 32,65 | ||
|-- 50 mil | 4 | 10,53 | 13 | 21,67 | 17 | 17,35 | ||
Religião | Não | 7 | 18,42 | 16 | 26,67 | 23 | 23,47 | 0,348a |
Sim | 31 | 81,58 | 44 | 73,33 | 75 | 76,53 | ||
Escolaridade superior prévia | Não | 35 | 92,11 | 51 | 85,00 | 86 | 87,76 | 0,359d |
Sim | 3 | 7,89 | 9 | 15,00 | 12 | 12,24 | ||
Trabalho remunerado | Não | 38 | 100,00 | 60 | 100,00 | 98 | 100,00 | - |
Sim | 0 | 0,00 | 0 | 0,00 | 0 | 0,00 | ||
Atividade Faculdade extra | Não | 20 | 52,63 | 40 | 66,67 | 60 | 61,22 | 0,165a |
Sim | 18 | 47,37 | 20 | 33,33 | 38 | 38,78 | ||
Pai com escolaridade superior | Não | 10 | 26,32 | 13 | 21,67 | 23 | 23,47 | 0,597a |
Sim | 28 | 73,68 | 47 | 78,33 | 75 | 76,53 | ||
Mãe com escolaridade superior | Não | 7 | 18,42 | 10 | 16,67 | 17 | 17,35 | 0,823a |
Sim | 31 | 81,58 | 50 | 83,33 | 81 | 82,65 | ||
Mora com os pais | Não | 7 | 18,42 | 19 | 31,67 | 26 | 26,53 | 0,148a |
Sim | 31 | 81,58 | 41 | 68,33 | 72 | 73,47 | ||
Familiar na área de saúde | Não | 17 | 44,74 | 17 | 28,33 | 34 | 34,69 | 0,096a |
Sim | 21 | 55,26 | 43 | 71,67 | 64 | 65,31 | ||
Incentivador para Medicina | Não | 12 | 31,58 | 16 | 26,67 | 28 | 28,57 | 0,600a |
Sim | 26 | 68,42 | 44 | 73,33 | 70 | 71,43 | ||
Experiência de doença | Não | 10 | 26,32 | 19 | 31,67 | 29 | 29,59 | 0,572a |
Sim | 28 | 73,68 | 41 | 68,33 | 69 | 70,41 | ||
Especialidade | Não | 23 | 60,53 | 29 | 48,33 | 52 | 53,06 | 0,239a |
Sim | 15 | 39,47 | 31 | 51,67 | 46 | 46,94 | ||
Escore inicial b | 121,68 (8,61) | 118,67 (11,80) | 119,84 (10,73) | 0,300c |
a Qui-quadrado de Pearson;b média (desvio padrão); c teste U de Mann-Whitney para amostras independentes; d teste exato de Fisher.
Fonte: Elaborada pelos autores.
De acordo com a Tabela 1, a amostra foi composta predominantemente por estudantes de 20 anos ± 2,54, por mulheres e por discentes que declararam ter religião, estar solteiros, não ter cursado o ensino superior e não participar de atividades extracurriculares. Esses estudantes, em sua maioria, moram com os pais, e pelo menos um dos progenitores possui ensino superior com-pleto ou incompleto, com renda maior que R$ 10.000,00 e menor que R$ 40.000,00. Os discentes também têm familiares profissionais na área da saúde, foram incentivados por alguém a cursar Medicina, passaram por alguma experiência significativa pessoal ou na família com doença e ainda não possuem especialidade médica pretendida após o término do curso.
A Tabela 2 apresenta os resultados do escore inicial na JSE segundo as variáveis estuda-das. Houve diferença estatisticamente significativa do escore entre os sexos (p = 0,000), com os homens apresentando média e desvio padrão de 115,2 e 11,2, respectivamente. As mulheres obti-veram média e desvio padrão de 122,6 e 9,5, respectivamente.
Variáveis | Média | Desvio padrão | p valor | |
---|---|---|---|---|
Sexo | Feminino | 122,6 | 9,5 | 0,000a |
Masculino | 115,3 | 11,2 | ||
Estado civil | Em relacionamento | 119,3 | 11,5 | 0,888a |
Solteiro(a) | 120,0 | 10,5 | ||
Renda média familiar | 0 |-- 5 mil | 123,8 | 10,3 | 0,249b |
5 |-- 10 mil | 121,2 | 11,0 | ||
10 |-- 20 mil | 116,0 | 13,3 | ||
20 |-- 50 mil | 119,8 | 9,2 | ||
|-- 50 mil | 120,5 | 9,4 | ||
Religião | Não | 118,4 | 9,3 | 0,222a |
Sim | 120,3 | 11,2 | ||
Escolaridade superior prévia | Não | 120,0 | 10,8 | 0,519a |
Sim | 118,4 | 10,3 | ||
Trabalho remunerado | Não | - | - | - |
Sim | 119,8 | 10,7 | ||
Atividade Faculdade extra | Não | 120,3 | 10,4 | 0,545a |
Sim | 119,1 | 11,3 | ||
Pai com escolaridade superior | Não | 121,0 | 12,2 | 0,298a |
Sim | 119,5 | 10,3 | ||
Mãe com escolaridade superior | Não | 123,4 | 9,8 | 0,116a |
Sim | 119,1 | 10,8 | ||
Mora com os pais | Não | 118,7 | 13,4 | 0,949a |
Sim | 120,2 | 9,7 | ||
Familiar na área de saúde | Não | 120,5 | 11,5 | 0,528a |
Sim | 119,5 | 10,4 | ||
Incentivador para Medicina | Não | 118,6 | 9,8 | 0,306a |
Sim | 120,3 | 11,1 | ||
Experiência de doença | Não | 117,3 | 11,7 | 0,128a |
Sim | 120,9 | 10,2 | ||
Especialidade | Não | 120,9 | 10,3 | 0,293a |
Sim | 118,7 | 11,2 |
Não houve correlação entre idade e escore inicial (correlação de Spearman: p valor = 0,066). a Teste de Mann-Whitney; b teste de Kruskal-Wallis.
Fonte: Elaborada pelos autores.A despeito da significância estatística, quando se observam as variáveis sociodemográficas da Tabela 2, constata-se que os estudantes que afirmaram possuir uma religião, morar com os pais, ter sido incentivados por alguém a cursar Medicina e ter tido experiência relevante com doen-ça na família tiveram maior média do escore. Os estudantes solteiros apresentaram maior média do escore. O envolvimento em atividades extracurriculares, a definição de uma especialidade ao término do curso e a escolaridade do aluno e de ambos os pais, aqui abordada como tendo ensino superior completo ou incompleto, não tiveram médias de escore de empatia maiores.
Não foi possível observar relação aparente entre os níveis médios alcançados na JSE e os estratos de renda média familiar, sendo a menor média de escore observado para a faixa de renda entre R$ 10.000,00 e R$ 19.999,00 e o maior escore para a faixa de renda menor que R$ 5.000,00. A associação entre idade e escore de empatia também não foi estatisticamente significativa (p = 0,066). Em relação à idade, como apresentado na Figura 1, também não foi possível observar re-lação aparente entre as médias de escore de empatia e as diferentes idades.
Também foi observada associação entre contato com o paciente nas enfermarias e escore de empatia (p = 0,008) quando se estudou a evolução dessa variável entre o início e o final do se-mestre letivo 2019/2. Os resultados descritivos das aplicações inicial e final da JSE no referido se-mestre letivo estão na Tabela 3.
Estatísticas | Escore inicial | Escore final |
---|---|---|
Mínimo | 104,00 | 82,00 |
Máximo | 135,00 | 138,00 |
Média | 121,68 | 123,66 |
Desvio padrão | 8,61 | 11,52 |
Mediana | 122,50 | 128,00 |
Percentil 25 | 115,00 | 119,00 |
Percentil 75 | 129,00 | 131,00 |
A mediana das diferenças entre os escores apresentou diferença estatisticamente significativa (testes dos postos sinalizados de Wilcoxon para amostras relacionadas: p valor = 0,008).
Fonte: Elaborada pelos autores.
DISCUSSÃO
Após análise dos resultados, percebeu-se que o estímulo do contato com o paciente no módulo Semiologia I foi significativamente efetivo para aumentar o escore de empatia dos estudantes de 2019/2. Apesar de trabalhos anteriores não explorarem o primeiro contato dos discentes com pacientes em um contexto hospitalar, os resultados desta pesquisa corroboram os estudos sobre a temática, os quais indicam que a experiência prática e o exercício da comunicação são fatores cruciais para o desenvolvimento da empatia. Tais fatores proporcionam condições de aprendizado sem a cobrança e sem a pressão inerentes à profissão, e, concomitantemente, permitem o aperfeiçoamento do aluno no manejo dos pacientes e na reflexão sobre experiências vivenciadas11. Dessa forma, a exposição contínua e precoce dos estudantes de Medicina aos ambientes de atividades práticas solidifica não apenas a vivência acadêmica, mas também o entendimento discente sobre os próprios comportamentos e sobre o impacto das ações nas relações entre médicos e pacientes10.
Entretanto, sabe-se que o desenvolvimento da empatia compreende uma complexa interlocução5 entre aspectos individuais, ambientais e acadêmicos11, não podendo ser resumida somente ao contexto de atividades práticas realizadas durante a graduação. Pesquisas sugerem que o nível de empatia em estudantes de Medicina está intimamente relacionado ao aspecto cultural e às características sociodemográficas que permeiam toda a vivência do aluno12.
Sob essa óptica, no que tange ao aspecto cultural, ressaltam-se estudos que compararam os níveis de empatia entre os países13 e até mesmo entre os hemisférios ocidental e oriental8, revelando, a partir da diferença de resultados em cada região, que há influência cultural na construção da concepção de empatia nos indivíduos.
Já em relação às características sociodemográficas, nosso estudo se propôs a analisá-las, revelando apenas a variável sexo como fator de influência no escore de empatia. A respeito de tal variável, os resultados ratificam a informação científica difundida mundialmente de que as mulheres detêm níveis significativamente mais altos de empatia, pela JSE, quando comparadas aos homens14. Acredita-se que os altos níveis de empatia entre as mulheres se devem à maior sensibilidade perante os estados emocionais, conforme apontam as pesquisas3.
Especialmente, a hipótese inicial deste estudo acerca das variáveis sociodemográficas apontava, além do sexo, a religião, a experiência prévia de doença pessoal e/ou na família, a idade e a especialização como variáveis potenciais de influência no desenvolvimento da empatia em estudantes de Medicina. Porém, as quatro últimas não se revelaram significantes estatisticamente.
Nosso achado difere de outros estudos, os quais concluíram que as variáveis religião (ter religião), idade (estudantes com idade superior à média) e escolha da especialização (discentes que cogitam clínica médica em detrimento de cirurgia) também possuem influência positiva significativa sobre a empatia12. A diferença em questão pode ser levantada tanto pelos aspectos culturais, amplamente explorados como influenciadores na empatia, como pela diferença entre as amostras das pesquisas, seja pelo número de participantes, seja pelo contexto em que estavam inseridos na graduação, como a diferença entre períodos.
A variável experiência prévia de doença, por sua vez, não foi explorada em pesquisas anteriores, não permitindo, pois, a comparação. Todavia, acreditamos que deva ser explorada em estudos posteriores, tendo em vista sua possível relevância na construção da empatia subjetiva, face da empatia que não é explorada pela JSE (explora somente a empatia denominada cognitiva).
Ao longo do nosso estudo, a empatia se mostrou um tema de extrema relevância e abrangência em todo o mundo. Sendo assim, mesmo com muitas frentes de pesquisas sendo realizadas, diversas searas ainda não foram exploradas. Um desafio é relacionar uma complexa virtude que se relaciona tanto ao âmbito cognitivo, podendo este ser quantificado pela JSE14, quanto ao âmbito subjetivo, podendo, portanto, variar de acordo com diversos pontos e contextos a serem avaliados9. No contexto subjetivo, pesquisas vêm revelando, por exemplo, que a pressão, a falta de apoio e o esgotamento gerados pela graduação em Medicina desempenham um papel importante na diminuição da empatia entre os estudantes5, fato que justifica os resultados científicos de seu declínio ao longo do curso de Medicina.
As DCN balizam os cursos de graduação e, na Medicina, também preconizam a empatia como característica inerente a um profissional médico15. Portanto, elas direcionam as instituições de ensino a considerar a sua abordagem durante a graduação. Neste estudo, foi possível constatar que essa competência é tratada academicamente de forma indireta na disciplina abordada, permeando as condutas dos alunos durante a execução do exame físico e elaboração da anamnese por meio da entrevista com o paciente.
Dessa forma, há a necessidade de se evidenciar a empatia nos programas das disciplinas, observando a prerrogativa das DCN, a fim de potencializar as competências dos profissionais em formação.
Estudos que se propõem a inovar o entendimento sobre a empatia e promover mudanças acadêmicas, que elevem o conhecimento humanístico até a real relevância na formação da identidade profissional médica de um estudante2, são e serão importantes ferramentas de suporte, tanto para os discentes quanto para as instituições de ensino, na tentativa de implantar e potencializar habilidades empáticas no meio médico e, consequentemente, otimizar a prática médica.
Durante a aplicação dos questionários sociodemográficos e da JSE, houve deficiência no preenchimento por parte dos discentes, o que culminou na exclusão de participantes em 2019/2. Além disso, durante o semestre letivo 2020/1, iniciou-se no mundo a pandemia da coronavirus disease 2019 (Covid-19). No início do semestre letivo, ainda havia aulas presenciais no Brasil, dado que o vírus não estava em circulação, porém, no dia 16 de março, a instituição participante da pesquisa, de acordo com a orientação do Ministério da Educação, decidiu adiar as aulas presenciais até posteriores informações. Com o avanço da pandemia, foi instituído o modelo de aulas a distância. Isso impossibilitou a avaliação do efeito do contato com os pacientes sobre a empatia dos estudantes da turma desse período, uma vez que as idas às enfermarias estavam suspensas. Além disso, os escores de empatia obtidos refletem apenas um semestre (terceiro período) da graduação em Medicina de uma faculdade privada no Brasil e não o perfil global dos estudantes de Medicina, independentemente do período cursado.
CONCLUSÃO
Os resultados obtidos corroboram a literatura em relação à maior empatia entre as mulheres e no sentido de que uma experiência prática, no caso a disciplina de Semiologia I, é capaz de afetar positivamente a empatia dos estudantes de Medicina, construindo o profissional cada vez mais em consonância com as DCN. A empatia ainda não é abordada de forma objetiva nessa disciplina, e fazê-lo pode potencializar o aprendizado dessa competência.
Espera-se que novos estudos consigam abranger comparações dos escores entre turmas distintas ou acompanhar o decorrer de determinada turma, em diferentes instituições, a fim de inferir o real efeito do contato com o paciente sobre o desenvolvimento da empatia dos estudantes, ao longo do curso de Medicina e nos vários contextos pedagógicos, bem como quais seriam as possíveis variáveis que influenciam positiva ou negativamente o nível de empatia.