INTRODUÇÃO
Transtornos mentais, como ansiedade e depressão, são responsáveis por incapacidades funcionais, diminuição na qualidade de vida, incremento nos gastos com saúde e prejuízos nos relacionamentos interpessoais1. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), no Brasil, em 2017, a prevalência de depressão foi de 5,8% da população geral e de 9,3% no que concerne aos transtornos de ansiedade2.
A depressão pode ser definida como um estado de desânimo e pessimismo, o qual afeta a autoestima, diminui o interesse pelo mundo externo e pela atividade sexual, e causa insônia, falta de apetite, sentimentos autopunitivos e descrença em capacidades individuais3. Por sua vez, a ansiedade é um estado emocional angustiante, caracterizado por uma sensação de perigo iminente. Sua intensidade e duração podem variar e manifestar-se de forma fisiológica e/ou psicológica. Os sintomas fisiológicos são os mesmos da depressão, e os psicológicos são experimentados com apreensão, como um sentimento de se sentir impotente ante um perigo repentino e desconhecido4.
Estudos prévios apontam que os estudantes universitários estão mais suscetíveis à manifestação de transtornos mentais que a população geral, e sua presença interfere no bem-estar psicossocial, nas relações interpessoais e no desempenho acadêmico, além de envolver sentimentos de inadequação pessoal, baixa autoestima e autoconfiança reduzida5. A depressão vem se manifestando entre os estudantes como um dos transtornos mentais mais prevalentes, o que traz prejuízos à formação profissional deles5.
O curso de Medicina é conhecido por ser um curso de alta complexidade e por exigir muito do estudante, o que pode causar maior prevalência de transtornos mentais e baixa qualidade de vida6. Os processos formativos na educação médica possuem diversos fatores considerados estressores e possíveis desencadeadores de transtornos mentais, como a longa jornada de estudo e dedicação, a dificuldade em conciliar a vida acadêmica e a pessoal, e a exposição a situações de dor e sofrimento. Essas características inerentes ao estudante universitário e à formação médica podem deixá-lo mais vulnerável à manifestação de sofrimento psíquico e/ou transtornos mentais, especialmente ansiedade e depressão7.
Atualmente, com a pandemia da coronavirus disease 2019 (Covid-19), medidas gerais foram adotadas para prevenir a propagação do vírus, como o distanciamento social, o qual influenciou a saúde mental8, tornando-se um forte preditor para os transtornos mentais9),(10. O retraimento social possui efeitos negativos para saúde devido à ativação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HPA) e ao aumento de sintomas depressivos11. Além do distanciamento, outro fator que pode contribuir para o aumento da incidência de transtornos mentais durante a pandemia é o medo da incerteza trazido pela nova doença.
O aumento na incidência de transtornos psicológicos durante a pandemia pode também afetar os estudantes de Medicina, e, por isso, é imprescindível que seja feita uma análise acerca desse impacto para essa população, por tratar-se de um grupo de maior vulnerabilidade. Assim, nosso estudo teve como objetivo estimar a prevalência e os fatores associados aos sinais e sintomas de ansiedade e depressão nos estudantes de Medicina do estado de Pernambuco, no Brasil, durante o período de distanciamento social em virtude da pandemia da Covid-19.
MATERIAL E MÉTODOS
Desenho do estudo e características dos participantes
Trata-se de um estudo de corte transversal e prospectivo realizado pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e pelo Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (Imip) em junho de 2020. Incluíram-se estudantes de Medicina de todas as instituições de ensino superior (IES) do estado de Pernambuco, e excluíram-se aqueles que responderam inadequadamente ao formulário.
Variáveis e procedimentos
Elaborou-se um questionário on-line por meio da plataforma Google Forms contendo características sociodemográficas e clínicas, e a Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão (EHAD), a qual foi validada no Brasil12.
No desenvolvimento do questionário, elaboraram-se perguntas de fácil entendimento com o intuito de obter respostas objetivas. Inicialmente, realizou-se um estudo-piloto com uma amostra selecionada por conveniência com indivíduos, a fim de testar as inconsistências e divergências de entendimento das questões e possibilitar a uniformização da linguagem e do entendimento. As respostas desse estudo-piloto não foram incluídas na presente análise.
Após construção da versão final do questionário, ele foi encaminhado, inicialmente, por Instagram, Facebook, WhatsApp, e-mail e Twitter a todos os contatos dos pesquisadores. Solicitou-se que cada um repassasse o questionário e o divulgasse com seus contatos em suas redes sociais, conforme técnica snow ball13.
As variáveis de análise dependente foram os sinais e sintomas de ansiedade e depressão determinados pela EHAD, enquanto as independentes foram divididas em: características sociodemográficas, características relacionadas ao distanciamento social e características relacionadas aos aspectos acadêmicos.
As características sociodemográficas foram: idade (em anos); sexo (feminino ou masculino); religião (católica, evangélica, outra ou sem religião); estado civil (solteiro, casado ou outro); cor de pele (branca, negra, parda ou outra); com quem reside (outras pessoas ou sozinho); e região de Pernambuco em que reside (agreste/sertão, metropolitana ou Recife, capital). As características relacionadas ao distanciamento social foram: renda familiar mensal (diminuiu ou não diminuiu); distanciamento social/isolamento social e/ou quarentena (sim ou não); consumo de cigarro, álcool, drogas e medicamentos, e práticas de lazer e de exercício físico (diminuiu, aumentou, permaneceu igual ou não faz uso/não pratica); e teste da Covid-19 (positivo, negativo, não realizou ou aguardando resultado). As características relacionadas aos aspectos acadêmicos foram: universidade (pública, não se encontrava em funcionamento, ou privada, encontrava-se com ensino a distância - EAD); período/semestre (do primeiro ao 12º); impressão sobre o EAD, se considera que a universidade está preparada para o EAD, se na universidade existia alguma forma de EAD antes do período de distanciamento social, se teve contato com plataformas digitais para encontros a distância disponibilizados pela universidade antes do período de distanciamento social e se teve alguma qualificação, disponibilizada pela universidade, para uso do ambiente virtual sugerido (sim ou não); e comparação do rendimento de aprendizagem aos períodos anteriores, excetuando o primeiro período/semestre (aumentou, diminuiu ou primeiro período).
Na EHAD, os participantes indicam o grau em que experimentaram cada um dos sintomas descritos durante a semana anterior. Há quatro pontuações do tipo Likert: 0 (não se aplicou nada a mim), 1 (aplicou-se a mim algumas vezes), 2 (aplicou-se a mim muitas vezes) e 3 (aplicou-se muito a mim a maior parte das vezes)12. A escala é composta por 14 questões: 1, 3, 5, 7, 9, 11 e 13 correspondem à subescala de ansiedade; e 2, 4, 6, 8, 10, 12 e 14, à de depressão. Dessa forma, cada subescala registra no máximo 21 pontos, e os sintomas são assim classificados: assintomáticos quando o escore total estiver entre 1 e 7, leve entre 8 e 10, moderado entre 11 e14 e grave entre 15 e 2114),(15.
Análise de dados
No cálculo da amostra, utilizou-se o programa Epi Info versão 7.2.3.1 (Centers for Disease Control and Prevention - CDC, Atlanta, DC). Considerando uma prevalência de 40,3% de ansiedade nos estudantes de Medicina (estudo-piloto não publicado), uma margem de erro de 3% e um nível de confiança de 95%, seriam necessários 1.026 participantes.
Todas as análises foram realizadas no Stata versão 12.1 (StataCorp, College Station, EUA). Inicialmente, obtiveram-se as frequências para as variáveis categóricas e calcularam-se as medidas de tendência central e dispersão para as variáveis numéricas. Em seguida, a análise univariada foi conduzida para descrever a distribuição das variáveis dependentes e independentes na população de estudo. A razão de risco (RR) não ajustada e ajustada e seus respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%) foram calculados por meio da regressão de Poisson com variância robusta. A significância de cada variável explicativa presente no modelo foi avaliada por meio do teste de Wald. Na análise multivariada, o modelo inicial foi composto pelas variáveis explicativas com p < 0,20 na análise univariada, sendo as variáveis com nível de significância < 0,05 que permaneceram no modelo final.
Considerações éticas
O estudo teve início apenas após aprovação no Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) em seres humanos da Unicap, sob Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) nº 31779820.8.0000.5206 e Parecer nº 4.077.533, de 9 de junho de 2020, e do Imip, sob CAAE nº 31779820.8.3001.5201 e Parecer nº 4.090.560, de 16 de junho de 2020.
Todos os participantes incluídos no estudo concordaram em participar do estudo assinando virtualmente o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
RESULTADOS
Obtiveram-se 1.372 respostas do formulário, das quais se excluíram 14 por apresentarem respostas inadequadas, restando 1.358 estudantes de Medicina para análise.
Após a interpretação da EHAD, observou-se que, em relação à ansiedade, 46,0% (n = 625) dos discentes possuíam sintomatologia, sendo 22,1% (IC95% 19,9-24,4) (n = 300) de intensidade leve. Quanto à depressão, 35,4% (n = 481) dos estudantes possuíam sintomas, sendo 20,1% (IC95% 18,0-22,4) (n = 273) leve (Tabela 1).
Leve | Moderada | Grave | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
N | % (IC95%) | N | % (IC95%) | N | % (IC95%) | |
Ansiedade | 300 | 22,1 (19,9-24,4) | 229 | 16,9 (14,9-19,0) | 96 | 7,1 (5,8-8,6) |
Depressão | 273 | 20,0 (18,0-22,4) | 182 | 13,4 (11,7-15,4) | 26 | 1,9 (1,3-2,8) |
Fonte: Elaborada pelos autores.
No modelo final, análise multivariada, os seguintes fatores foram associados ao maior risco de sinais e sintomas ansiosos: sexo feminino (RR 1,40; IC95% 1,10-1,77; p = 0,006); diminuir o hábito de fumar (RR 1,87; IC95% 1,23-2,85; p = 0,003); aumentar o hábito de fumar (RR 1,68; IC95% 1,02-2,77; p = 0,041); aumentar o consumo de medicamentos (RR 2,72; IC95% 2,19-3,38; p < 0,001); não alterar o consumo de medicamentos (RR 1,58; IC95% 1,15-2,18; p = 0,005); não praticar lazer (RR 2,33; IC95% 1,34-4,07; p = 0,003); diminuir a prática de lazer (RR 1,90; IC95% 1,45-2,49; p < 0,001); universidade não ter se preparado para o EAD (RR 1,30; IC95% 1,04-1,61; p = 0,019); ter EAD antes da pandemia (RR 1,25; IC95% 1,02-1,53; p = 0,032); e diminuir o rendimento comparado aos períodos anteriores (RR 1,49; IC95% 1,04-2,14; p = 0,031) (tabelas 2 e 3).
Variáveis | Amostra | Ansiedade | ||
---|---|---|---|---|
N | N (%) | RR (IC95%) | p | |
Sexo (N = 1.358) | < 0,001 | |||
Masculino | 516 | 91 (17,6) | 1,0 | |
Feminino | 842 | 234 (27,8) | 1,58(1,27-1,96) | |
Religião (N = 1.358) | 0,079 | |||
Católica | 690 | 153 (22,2) | 0,80 (0,65-1,00) | 0,050 |
Evangélica | 171 | 34 (19,9) | 0,72 (0,51-1,02) | 0,063 |
Outra | 138 | 39 (28,3) | 1,02 (0,75-1,40) | 0,879 |
Sem religião | 359 | 99 (27,6) | 1,0 | |
Estado civil (N = 1.358) | 0,246 | |||
Solteiro(a) | 1.265 | 309 (24,4) | 1,0 | |
Casado(a) | 51 | 7 (13,7) | 0,56 (0,28-1,13) | 0,104 |
Outro | 42 | 9 (21,4) | 0,88 (0,49-1,58) | 0,662 |
Cor de pele (N = 1.358) | 0,898 | |||
Branca | 955 | 231 (24,2) | 1,0 | |
Parda | 347 | 83 (23,9) | 0,99 (0,79-1,23) | 0,920 |
Negra | 42 | 8 (19,0) | 0,79 (0,42-1,48) | 0,460 |
Outra | 14 | 3 (21,4) | 0,89 (0,32-2,43) | 0,814 |
Com quem mora (N = 1.358) | 0,990 | |||
Outras pessoas | 1.212 | 290 (23,9) | 1,0 | |
Sozinho(a) | 146 | 35 (24,0) | 1,00 (0,74-1,36) | |
Renda familiar mensal (N = 1.358) | 0,005 | |||
Diminuiu | 846 | 224 (26,5) | 1,34 (1,09-1,65) | |
Não diminuiu | 512 | 101 (19,7) | 1,0 | |
Hábito de fumar (N = 1.358) | 0,004 | |||
Não sou fumante | 1.310 | 306 (23,4) | 1,0 | |
Diminuiu | 22 | 10 (45,5) | 1,95 (1,22-3,11) | 0,005 |
Permaneci da mesma forma | 8 | 1 (12,5) | 0,54 (0,09-3,36) | 0,505 |
Aumentei | 18 | 8 (44,4) | 1,90 (1,12-3,22) | 0,017 |
Consumo de álcool (N = 1.358) | 0,930 | |||
Aumentou | 170 | 41 (24,1) | 1,00 (0,73-1,38) | 0,994 |
Sem alteração | 289 | 65 (22,5) | 0,93 (0,71-1,23) | 0,624 |
Diminuiu | 488 | 120 (24,6) | 1,02 (0,81-1,29) | 0,861 |
Não consumo | 411 | 99 (24,1) | 1,0 | |
Uso de drogas ilícitas (N = 1.358) | 0,345 | |||
Aumentou | 9 | 2 (22,2) | 0,95 (0,28-3,23) | 0,932 |
Sem alteração | 20 | 7 (35,0) | 1,49 (0,81-2,74) | 0,194 |
Diminuiu | 66 | 20 (30,3) | 1,29 (0,88-1,89) | 0,184 |
Não consumo | 1.263 | 296 (23,4) | 1,0 | |
Uso de medicamentos (N = 1.358) | < 0,001 | |||
Aumentou | 213 | 117 (54,9) | 3,32 (2,75-3,99) | < 0,001 |
Sem alteração | 130 | 40 (30,8) | 1,86 (1,38-2,49) | < 0,001 |
Diminuiu | 31 | 5 (16,1) | 0,97 (0,43-2,20) | 0,949 |
Não faço uso | 984 | 163 (16,6) | 1,0 | |
Prática de lazer (N = 1.358) | < 0,001 | |||
Aumentou | 1.108 | 237 (21,4) | 1,0 | |
Sem alteração | 139 | 38 (27,3) | 1,28 (0,95-1,71) | 0,102 |
Diminuiu | 103 | 45 (43,7) | 2,04 (1,60-2,61) | < 0,001 |
Não pratico | 8 | 5 (62,5) | 2,92 (1,69-5,06) | < 0,001 |
Prática de exercício físico (N = 1.358) | 0,014 | |||
Aumentei | 374 | 71 (19,0) | 1,0 | |
Sem alteração | 233 | 52 (22,3) | 1,18 (0,86-1,62) | 0,319 |
Diminuiu | 610 | 158 (25,9) | 1,36 (1,06-1,75) | 0,014 |
Não prático | 141 | 44 (31,2) | 1,64 (1,19-2,27) | 0,003 |
Realizou teste para Covid-19 (N = 1.358) | 0,837 | |||
Não realizei | 1.232 | 296 (24,0) | 1,0 | |
Realizei e deu negativo | 91 | 20 (22,0) | 0,91 (0,61-1,36) | 0,662 |
Realizei e deu positivo | 28 | 8 (28,6) | 1,19 (0,66-2,15) | 0,568 |
Realizei e estou aguardando resultado | 7 | 1 (14,3) | 0,59 (0,10-3,66) | 0,575 |
Região de Pernambuco, Brasil (N = 1.358) | 0,396 | |||
Agreste/sertão | 119 | 23 (19,3) | 0,79 (0,54-1,15) | 0,214 |
Metropolitana | 97 | 21 (21,6) | 0,88 (0,59-1,30) | 0,522 |
Recife | 1.142 | 281 (24,6) | 1,0 | |
Universidade pública-privada (N = 1.358) | 0,111 | |||
Privada | 950 | 239 (25,2) | 1,0 | |
Pública | 408 | 86 (21,1) | 0,84 (0,67-1,04) | |
Está com EAD (N = 1.358) | 0,115 | |||
Não | 429 | 91 (21,2) | 0,84 (0,68-1,04) | |
Sim | 929 | 234 (25,2) | 1,0 | |
Universidade se preparou para EAD (N = 1.358) | 0,047 | |||
Sim | 541 | 114 (21,1) | 1,0 | |
Não | 817 | 211 (25,8) | 1,23 (1,00-1,50) | |
Existia EAD na universidade (N = 1.358) | 0,008 | |||
Sim | 791 | 210 (26,5) | 1,31 (1,07-1,60) | |
Não | 567 | 115 (20,3) | 1,0 | |
Usava plataformas digitais antes (N = 1.358) | 0,824 | |||
Sim | 248 | 58 (23,4) | 1,0 | |
Não | 1.110 | 267 (24,1) | 1,03 (0,80-1,32) | |
Qualificação disponibilizada (N = 1.358) | 0,825 | |||
Sim | 391 | 92 (23,5) | 1,0 | |
Não | 967 | 233 (24,1) | 1,02 (0,83-1,26) | |
Comparação da aprendizagem (N = 1.167) | 0,024 | |||
Aumentou | 150 | 24 (16,0) | 1,0 | |
Diminuiu | 1.017 | 253 (24,9) | 1,55 (1,06-2,28) |
EAD: ensino a distância.
Fonte: Elaborada pelos autores.
Variáveis | Modelo inicial | Modelo final | ||
---|---|---|---|---|
RR (IC95%) | pa | RR (IC95%) | pa | |
Sexo | 0.002 | 0.006 | ||
Masculino | 1.0 | 1.0 | ||
Feminino | 1.47 (1.15 - 1.87) | 0.002 | 1.40 (1.10 - 1.77) | 0.006 |
Religião | 0.182 | |||
Católica | 0.80 (0.64 - 1.01) | 0.066 | ||
Evangélica | 0.73 (0.50 - 1.06) | 0.098 | ||
Outra | 0.94 (0.66 - 1.33) | 0.724 | ||
Sem religião | 1.0 | |||
Renda familiar mensal | 0.264 | |||
Diminuiu | 1.13 (0.91 - 1.41) | 0.264 | ||
Não diminuiu | 1.0 | |||
Hábito de fumar | 0.026 | 0.007 | ||
Não sou fumante | 1.0 | 1.0 | ||
Diminui | 1.74 (1.15 - 2.63) | 0.008 | 1.87 (1.23 - 2.85) | 0.003 |
Permaneci da mesma forma | 1.02 (0.16 - 6.45) | 0.983 | 1.03 (0.16 - 6.78) | 0.974 |
Aumentei | 1.55 (0.94 - 2.56) | 0.089 | 1.68 (1.02 - 2.77) | 0.041 |
Uso de medicamentos | < 0.001 | < 0.001 | ||
Aumentou | 2.59 (2.08 - 3.22) | < 0.001 | 2.72 (2.19 - 3.38) | < 0.001 |
Sem alteração | 1.53 (1.11 - 2.10) | 0.009 | 1.58 (1.15 - 2.18) | 0.005 |
Diminuiu | 1.07 (0.49 - 2.36) | 0.861 | 1.18 (0.54 - 2.57) | 0.678 |
Não faço uso | 1.0 | 1.0 | ||
Prática de lazer | < 0.001 | < 0.001 | ||
Aumentou | 1.0 | 1.0 | ||
Sem alteração | 1.13 (0.84 - 1.53) | 0.413 | 1.16 (0.87 - 1.56) | 0.319 |
Diminuiu | 1.81 (1.37 - 2.39) | < 0.001 | 1.90 (1.45 - 2.49) | < 0.001 |
Não pratico | 1.98 (1.14 - 3.43) | 0.015 | 2.33 (1.34 - 4.07) | 0.003 |
Prática de exercício físico | 0.393 | |||
Aumentei | 1.0 | |||
Sem alteração | 1.14 (0.81 - 1.60) | 0.454 | ||
Diminuiu | 1.21 (0.91 - 1.60) | 0.181 | ||
Não prático | 1.36 (0.94 - 1.94) | 0.099 | ||
Universidade Pública-Privada | 0.803 | |||
Privada | 1.0 | |||
Publica | 0.93 (0.51 - 1.70) | 0.803 | ||
Está com ensino à distância (EAD) | 0.768 | |||
Não | 1.09 (0.61 - 1.97) | |||
Sim | 1.0 | |||
Universidade se preparou para EAD | 0.050 | 0.019 | ||
Sim | 1.0 | 1.0 | ||
Não | 1.26 (1.00 - 1.58) | 1.30 (1.04 - 1.61) | ||
Existia EAD na universidade | 0.019 | 0.032 | ||
Sim | 1.28 (1.04 - 1.58) | 1.25 (1.02 - 1.53) | 0.032 | |
Não | 1.0 | 0.019 | 1.0 | |
Comparação da aprendizagem | 0.060 | 0.031 | ||
Aumentou | 1.0 | 1.0 | ||
Diminuiu | 1.42 (0.99 - 2.05) | 0.060 | 1.49 (1.04 - 2.14) |
EAD: ensino a distância.
a Modelos ajustados pela regressão de Poisson.
Fonte: Elaborada pelos autores.
Em relação à depressão, após análise multivariada, identificaram-se os seguintes fatores de risco: aumentar o uso de medicamentos (RR 3,28; IC95% 2,46-4,37; p < 0,001); não alterar o consumo de medicamentos (RR 1,90; IC95% 1,25-2,88; p = 0,003); diminuir a prática de lazer (RR 2,33; IC95% 1,71-3,16; p < 0,001); universidade não ter se preparado para o EAD (RR 1,41; IC95% 1,06-1,87; p = 0,019); diminuir o rendimento comparado aos períodos anteriores (RR 2,97; IC95% 1,53-5,78; p = 0,001); e possuir a cor de pele parda (RR 1,32; IC95% 1,00-1,74; p = 0,049) (Tabelas 4 e 5).
Variáveis | Amostra | Depressão | ||
---|---|---|---|---|
N | N (%) | RR (IC95%) | p | |
Sexo (N = 1.358) | 0,064 | |||
Masculino | 516 | 67 (13,0) | 1,0 | |
Feminino | 842 | 141 (16,7) | 1,29 (0,99-1,69) | 0,064 |
Religião (N = 1.358) | 0,013 | |||
Católica | 690 | 91 (13,2) | 0,68 (0,51-0,90) | 0,007 |
Evangélica | 171 | 20 (11,7) | 0,60 (0,38-0,95) | 0,030 |
Outra | 138 | 27 (19,6) | 1,00 (0,67-1,49) | 0,987 |
Sem religião | 359 | 70 (19,5) | 1,0 | |
Estado civil (N = 1.358) | 0,410 | |||
Solteiro(a) | 1.265 | 190 (15,0) | 1,0 | |
Casado(a) | 51 | 11 (21,6) | 1,44 (0,84-2,46) | 0,189 |
Outro | 42 | 7 (16,7) | 1,11 (0,56-2,21) | 0,767 |
Cor de pele (N = 1.358) | 0,290 | |||
Branca | 955 | 141 (14,8) | 1,0 | |
Parda | 347 | 61 (17,6) | 1,19 (0,91-1,57) | 0,212 |
Negra/outras | 56 | 6 (10,7) | 0,73 (0,34-1,57) | 0,415 |
Com quem mora (N = 1.358) | 0,253 | |||
Outras pessoas | 1.212 | 181 (14,9) | 1,0 | |
Sozinho(a) | 146 | 27 (18,5) | 1,24 (0,86-1,79) | 0,253 |
Renda familiar mensal (N = 1.358) | 0,193 | |||
Diminuiu | 846 | 138 (16,3) | 1,19 (0,91-1,56) | 0,193 |
Não diminuiu | 512 | 70 (13,7) | 1,0 | |
Hábito de fumar (N = 1.358) | 0,040 | |||
Não sou fumante | 1.310 | 195 (14,9) | 1,0 | |
Diminuiu | 22 | 6 (27,3) | 1,83 (0,91-3,67) | 0,088 |
Permaneci da mesma forma | 8 | 1 (12,5) | 0,84 (0,13-5,28) | 0,852 |
Aumentei | 18 | 6 (33,3) | 2,24 (1,15-4,36) | 0,018 |
Consumo de álcool (N = 1.358) | 0,125 | |||
Aumentou | 170 | 33 (19,4) | 1,27 (0,86-1,85) | 0,225 |
Sem alteração | 289 | 33 (11,4) | 0,74 (0,50-1,10) | 0,142 |
Diminuiu | 488 | 79 (16,2) | 1,06 (0,78-1,43) | 0,725 |
Não consumo | 411 | 63 (15,3) | 1,0 | |
Uso de drogas ilícitas (N = 1.358) | 0,604 | |||
Aumentou | 9 | 2 (22,2) | 1,49 (0,43-5,08) | 0,529 |
Sem alteração | 20 | 4 (20,0) | 1,34 (0,55-3,24) | 0,521 |
Diminuiu | 66 | 13 (19,7) | 1,32 (0,79-2,18) | 0,286 |
Não consumo | 1.263 | 189 (15,0) | 1,0 | |
Uso de medicamentos (N = 1.358) | < 0,001 | |||
Aumentou | 213 | 74 (34,7) | 3,32 (2,56-4,30) | < 0,001 |
Sem alteração | 130 | 27 (20,8) | 1,98 (1,35-2,91) | < 0,001 |
Diminuiu | 31 | 4 (12,9) | 1,23 (0,48-3,13) | 0,660 |
Não faço uso | 984 | 103 (10,5) | 1,0 | |
Prática de lazer (N = 1.358) | < 0,001 | |||
Aumentou | 1.108 | 145 (13,1) | 1,0 | |
Sem alteração | 139 | 20 (14,4) | 1,10 (0,71-1,70) | 0,668 |
Diminuiu | 103 | 40 (38,8) | 2,97 (2,23-3,95) | < 0,001 |
Não pratico | 8 | 3 (37,5) | 2,87 (1,16-7,10) | 0,023 |
Prática de exercício físico (N = 1.358) | 0,005 | |||
Aumentei | 374 | 37 (9,9) | 1,0 | |
Sem alteração | 233 | 34 (14,6) | 1,48 (0,95-2,28) | 0,081 |
Diminuiu | 610 | 111 (18,2) | 1,84 (1,30-2,61) | < 0,001 |
Não pratico | 141 | 26 (18,4) | 1,86 (1,17-2,96) | 0,008 |
Realizou teste para Covid-19 (N = 1.358) | 0,800 | |||
Não realizei | 1.232 | 186 (15,1) | 1,0 | |
Realizei e deu negativo | 91 | 15 (16,5) | 1,09 (0,67-1,77) | 0,721 |
Realizei e deu positivo | 28 | 6 (21,4) | 1,42 (0,69-2,92) | 0,342 |
Realizei e estou aguardando resultado | 7 | 1 (14,3) | 0,95 (0,15-5,84) | 0,953 |
Região de Pernambuco, Brasil (N = 1.358) | 0,064 | |||
Agreste/sertão | 119 | 14 (11,8) | 0,78 (0,47-1,30) | 0,344 |
Região metropolitana | 97 | 22 (22,7) | 1,51 (1,02-2,23) | 0,041 |
Recife | 1.142 | 172 (15,1) | 1,0 | |
Universidade pública-privada (N = 1.358) | 0,370 | |||
Privada | 950 | 151 (15,9) | 1,0 | |
Pública | 408 | 57 (14,0) | 0,88 (0,66-1,17) | 0,370 |
Está com EAD (N = 1.358) | 0,280 | |||
Não | 429 | 59 (13,8) | 0,86 (0,65-1,13) | 0,280 |
Sim | 929 | 149 (16,0) | 1,0 | |
Universidade se preparou para EAD (N = 1.358) | 0,002 | |||
Sim | 541 | 62 (11,5) | 1,0 | |
Não | 817 | 146 (17,9) | 1,56 (1,18-2,06) | |
Existia EAD na universidade (N = 1.358) | 0,742 | |||
Sim | 791 | 119 (15,0) | 0,96 (0,74-1,23) | |
Não | 567 | 89 (15,7) | 1,0 | |
Usava plataformas digitais antes (N = 1.358) | 0,250 | |||
Sim | 248 | 32 (12,9) | 1,0 | |
Não | 1.110 | 176 (15,9) | 1,23 (0,87-1,75) | |
Qualificação disponibilizada (N = 1.358) | 0,256 | |||
Sim | 391 | 53 (13,6) | 1,0 | |
Não | 967 | 155 (16,0) | 1,18 (0,89-1,58) | 0,256 |
Comparação da aprendizagem (N = 1.167) | 0,001 | |||
Aumentou | 150 | 8 (5,3) | 1,0 | |
Diminuiu | 1.017 | 167 (16,4) | 3,08 (1,55-6,13) | 0,001 |
EAD: ensino a distância.
Fonte: elaborada pelos autores.
Variáveis | Modelo inicial | Modelo inicial | ||
---|---|---|---|---|
RR (IC95%) | pa | RR (IC95%) | pa | |
Sexo | 0.704 | |||
Masculino | 1.0 | |||
Feminino | 1.06 (0.78 - 1.43) | 0.704 | ||
Religião | 0.107 | |||
Católica | 0.71 (0.52 - 0.99) | 0.040 | ||
Evangélica | 0.74 (0.46 - 1.18) | 0.207 | ||
Outra | 1.05 (0.67 - 1.64) | 0.840 | ||
Sem religião | 1.0 | |||
Renda familiar mensal | 0.537 | |||
Diminuiu | 0.91 (0.68 - 1.22) | 0.537 | ||
Não diminuiu | 1.0 | |||
Hábito de fumar | 0.649 | |||
Não sou fumante | 1.0 | |||
Diminui | 1.41 (0.66 - 3.01) | 0.372 | ||
Permaneci da mesma forma | 1.71 (0.27 - 10.62) | 0.566 | ||
Aumentei | 1.37 (0.60 - 3.10) | 0.452 | ||
Consumo de álcool | 0.307 | |||
Aumentou | 0.97 (0.65 - 1.45) | 0.881 | ||
Sem alteração | 0.70 (0.48 - 1.03) | 0.072 | ||
Diminuiu | 0.90 (0.63 - 1.28) | 0.552 | ||
Não consumo | 1.0 | |||
Uso de medicamentos | < 0.001 | < 0.001 | ||
Aumentou | 3.10 (2.29 - 4.19) | < 0.001 | 3.28 (2.46 - 4.37) | < 0.001 |
Sem alteração | 1.85 (1.21 - 2.83) | 0.005 | 1.90 (1.25 - 2.88) | 0.003 |
Diminuiu | 1.51 (0.62 - 3.65) | 0.365 | 1.53 (0.66 - 3.53) | 0.316 |
Não faço uso | 1.0 | 1.0 | ||
Prática de lazer | < 0.001 | < 0.001 | ||
Aumentou | 1.0 | 1.0 | ||
Sem alteração | 1.02 (0.65 - 1.59) | 0.930 | 1.09 (0.71 - 1.69) | 0.692 |
Diminuiu | 2.10 (1.50 - 2.94) | < 0.001 | 2.33 (1.71 - 3.16) | < 0.001 |
Não pratico | 2.15 (0.70 - 6.55) | 0.180 | 2.17 (0.71 - 6.61) | 0.171 |
Prática de exercício físico | 0.334 | |||
Aumentei | 1.0 | |||
Sem alteração | 1.50 (0.94 - 2.38) | 0.090 | ||
Diminuiu | 1.34 (0.89 - 2.01) | 0.160 | ||
Não prático | 1.13 (0.66 - 1.92) | 0.653 | ||
Região de Pernambuco | 0.071 | |||
Agreste/Sertão | 0.64 (0.33 - 1.21) | 0.169 | ||
Metropolitana | 1.45 (0.96 - 2.18) | 0.079 | ||
Recife | 1.0 | |||
Universidade se preparou para EAD | 0.010 | 0.019 | ||
Sim | 1.0 | 1.0 | ||
Não | 1.46 (1.09 - 1.95) | 0.010 | 1.41 (1.06 - 1.87) | 0.019 |
Comparação da aprendizagem | 0.001 | 0.001 | ||
Aumentou | 1.0 | 1.0 | ||
Diminuiu | 3.00 (1.54 - 5.87) | 0.001 | 2.97 (1.53 - 5.78) | 0.001 |
Etnia | 0.050 | |||
Branca | 1.0 | |||
Parda | 1.32 (1.00 - 1.74) | 0.049 | ||
Negra/Outras | 0.57 (0.24 - 1.38) | 0.214 |
EAD: ensino a distância.
a Modelos ajustados pela regressão de Poisson.
Fonte: elaborada pelos autores.
DISCUSSÃO
A preservação da saúde mental é essencial para os estudantes universitários, independentemente do curso escolhido, porém estudos sugerem que transtornos mentais ocorram com maior frequência no curso de Medicina16)-(18. O nosso estudo, que foi realizado durante a pandemia da Covid-19, observou uma alta prevalência de sinais e sintomas de ansiedade (46,1%) e depressão (35,4%) em estudantes de Medicina, independentemente da gravidade. Essas taxas são semelhantes aos resultados obtidos por estudos realizados no mesmo período, porém maiores quando comparados com pesquisas feitas antes da pandemia19. Um estudo realizado no Irã, em abril de 2020, observou uma taxa de sinais e sintomas de ansiedade e depressão de 38% e 27,6%, respectivamente20. Tal estudo concluiu que as prevalências não se alteraram significativamente no contexto da pandemia, apesar de um aumento de sintomas somáticos da depressão.
Essas maiores prevalências em estudantes de Medicina são provavelmente decorrentes da elevada carga horária, do grande volume de disciplinas, da cobrança da sociedade e da instituição de ensino, da relação saúde/doença/morte, além da autocobrança21. Todos esses fatores podem influenciar significativamente o grau de vulnerabilidade do indivíduo no âmbito psicossocial. Entretanto, durante a pandemia, o medo intensificou os níveis de estresse e ansiedade em pessoas saudáveis, e aumentou os sintomas daquelas com transtornos mentais preexistentes22.
Os resultados apontam uma percepção de pior rendimento escolar dos estudantes de Medicina, concomitantemente ao aumento significativo dos sinais e sintomas de ansiedade e depressão entre os universitários no período pandêmico. Além disso, observa-se uma maior prevalência desses transtornos em estudantes que tinham alguma forma de EAD antes da pandemia e que não tiveram uma preparação para o EAD durante a pandemia. Isso pode ser explicado pela mudança repentina da metodologia de ensino, do presencial para o EAD, e pelas preocupações com a progressão acadêmica e com o medo da pandemia, o que pode ter influenciado a qualidade do sono. Pesquisadores mostram que o rendimento acadêmico dos estudantes de graduação está diretamente relacionado a uma boa qualidade do sono23.
Destaca-se que não houve diferença significativa na taxa de sinais e sintomas de ansiedade e depressão entre os estudantes que estavam ou não em EAD durante a pandemia. Dessa maneira, é válido ressaltar que, apesar de o EAD trazer consigo algumas barreiras para os educadores médicos e acadêmicos, como tempo insuficiente e inadequado para se dedicar às ferramentas e familiarizar-se e se engajar com elas - para muitos foi o primeiro contato com aulas remotas -, além de questões de infraestrutura, como conectividade de internet e acesso limitado a tecnologias24, isso não contribuiu para o aumento de sinais e sintomas para ansiedade e depressão. Assim, é provável que estar ou não em EAD foi menos preocupante nesse momento de pandemia que as condições que a universidade oferecia para desempenhá-lo.
Notou-se uma maior prevalência de ansiedade nos estudantes de Medicina do sexo feminino. Esse dado também foi observado em estudo realizado com participantes de 21 a 30 anos, em cidades da China, no qual o sexo feminino e o status de estudante foram significativamente associados a um maior impacto psicológico do surto com níveis mais elevados de estresse, ansiedade e depressão25. Além disso, estudos anteriores à pandemia comprovam que já existia a vulnerabilidade das mulheres ao desenvolvimento de distúrbios psicológicos, visto que elas assumem vários papéis, de trabalhadora e cuidadora da família. Esses fatores, associados a oscilações hormonais, aspectos genéticos e estressores, aumentam sua vulnerabilidade26. Entretanto, nosso estudo só constatou maior suscetibilidade do sexo feminino ao desenvolvimento de sinais e sintomas de ansiedade, não mostrando significância para depressão.
No que se refere à etnia, é importante salientar que não há um fator biológico que predisponha ao desenvolvimento de transtornos mentais27, logo se sugere que os fatores ambientais e socioeconômicos sejam os responsáveis. Uma revisão sistemática constatou a prevalência dos transtornos mentais na população negra em relação à população branca28, dado semelhante ao nosso estudo, em que a população parda no grupo da depressão foi significativamente maior quando comparada com as demais. Entretanto, a mesma revisão evidencia limitações metodológicas nos estudos avaliados, os quais não seguiam uma normatização na definição das categorias de etnia, sugerindo a realização de novos estudos28.
Apesar de bem estabelecida a relação favorável da prática de atividades físicas com a profilaxia do surgimento da depressão29, nosso estudo não demonstrou aumento de sinais e sintomas de ansiedade e depressão devido à diminuição de atividades físicas. Esse resultado diverge de um estudo realizado no Canadá, o qual evidenciou uma associação significativa do desenvolvimento desses transtornos com a redução do exercício físico30.
No que se refere ao tabagismo, constatou-se que tanto o aumento como a diminuição do hábito de fumar estão relacionados a um maior risco para o desenvolvimento de sinais e sintomas da ansiedade. Essa dualidade pode ser encontrada nos estudos transversais, como foi o caso. O aumento de sintomas ansiosos pode ser explicado pela abstinência do tabaco31, enquanto o aumento do consumo do tabagismo pode estar associado aos transtornos de ansiedade32.
Estudos sugerem que possuir religião diminui a chance de desenvolver transtornos mentais, pois acredita-se que a religiosidade tem função psicológica primária por dar significado aos sofrimentos físicos e psicológicos por meio do conforto e amparo aos seus filiados, principalmente em momentos de dificuldade33. Além disso, a ideia de pertencimento a um grupo fornece um suporte psicossocial. Contudo, nosso estudo não obteve significância entre ter ou não ter religião e desenvolvimento de sinais e sintomas de ansiedade e depressão.
Em nosso estudo, diminuir a prática de lazer ou mesmo não praticar foi fator de risco para ansiedade e depressão. Semelhantemente, um estudo concluiu que indivíduos que praticam atividade regular de lazer de qualquer intensidade têm menor probabilidade de apresentar sintomas de depressão, entretanto, em relação à ansiedade, houve prevalência ligeiramente menor nos indivíduos que praticam atividades de lazer leve34.
Durante a pandemia da Covid-19, surgiram muitos estudos sobre ansiedade e depressão na população geral, porém pouco foram desenhados especificamente para os estudantes de Medicina, e não se encontrou na literatura pesquisada nenhum que tenha incluído variáveis relacionadas ao EAD. Isso foi possível porque no Brasil o EAD para a graduação de Medicina não era permitido até a pandemia da Covid-19, e, com a liberação parcial dessa metodologia, houve uma dicotomização entre as universidades, particularmente no estado de Pernambuco: as públicas, que não funcionaram e liberaram os alunos; e as privadas, que continuaram a funcionar com o método a distância. É importante destacar que foram incluídos alunos de todas as universidades públicas e privadas do estado. Entre as principais limitações do nosso estudo, pode-se destacar o fato de que ele foi realizado on-line, o que possibilita a inclusão de uma população diversa, porém, por ter partido dos contatos dos pesquisadores, a amostra foi limitada, mesmo solicitando a divulgação por todos, na tentativa de abranger o máximo de participantes. Destaca-se que o tamanho amostral calculado foi atingido. Houve ainda a dificuldade do entendimento de algumas questões do formulário on-line, o que levou a dúvidas, porém esse aspecto foi minimizado com a divulgação dos contatos telefônicos dos pesquisadores. Assim, sugere-se a realização de novos estudos com maior número amostral, abrangendo uma população mais diversa.
CONCLUSÕES
Evidenciou-se que fatores sociais, culturais e relacionados ao desempenho acadêmico, bem como as mudanças metodológicas de ensino, estão entre as variáveis significativas para o acometimento psicológico dos estudantes de Medicina durante a pandemia da Covid-19. Além disso, a identificação desses fatores permite a elaboração de estratégias que objetivem atenuar os distúrbios psiquiátricos, bem como contribuir para a reformulação dos métodos de ensino na área médica.