INTRODUÇÃO
A depressão é uma condição complexa com elevado potencial incapacitante e impactos psicossociais1. Apesar do elevado número de casos, o estigma e o preconceito ainda repercutem na dificuldade de realizar o diagnóstico e na demora em buscar ajuda2. A falta de informação e de validação do sofrimento psíquico contribui para essa realidade, o que pode inviabilizar o acesso ao tratamento adequado3.
Atualmente, o assunto é objeto de muitas pesquisas no campo das ciências humanas e sociais em saúde, em razão da desvantagem social que o estigma da doença carrega4. Como o estigma impacta o comportamento dos indivíduos, muitas pessoas preferem manter sua condição em segredo, o que gera obstáculos à integração social e à vida plena em sociedade5.
No campo da educação médica, o tema da depressão tem ganhado ampla notoriedade, particularmente como resultado da sua alta prevalência entre os estudantes6. Estudos demonstram que os alunos estão suscetíveis a transtornos mentais, em razão das demandas do curso e das várias mudanças psicossociais importantes, como a aquisição de uma nova identidade, inclusive com uma maior autonomia sobre a própria vida e as escolhas deles7. No entanto, apesar de apresentarem sintomas, muitos estudantes relutam em buscar ajuda psicoterapêutica, privilegiando a automedicação, o que pode incrementar a sensação de isolamento e solidão8.
Cabe ressaltar que grande parte dos estudos sobre a depressão na formação acadêmica médica acaba por privilegiar resultados que exploram dados estatísticos sobre o problema, apontando informações sobre incidência e prevalência de sintomas. Entretanto, há uma escassez de pesquisas relacionadas à opinião dos alunos do curso acerca da depressão, incluindo os preconceitos e estigmas em relação ao tema, particularmente no que tange ao ambiente social do curso. Assim, o presente estudo tem como objetivo conhecer a opinião dos estudantes de Medicina sobre o tema, como uma tentativa de dar maior visibilidade a essa temática no contexto da educação médica.
MÉTODO
Trata-se de um estudo observacional, descritivo e quantitativo, tendo como público-alvo os acadêmicos do curso de Medicina da Universidade do Estado do Pará (Uepa), no Pará. A coleta de dados ocorreu nos meses de junho a setembro de 2021 e foi realizada com a participação de acadêmicos regularmente matriculados em todas as séries do curso. A coleta de dados somente teve início após aprovação de Comitê de Ética em Pesquisa, sob Parecer nº 4.691.083 (Certificado de Apresentação para Apreciação Ética - CAAE nº 45488021.0.0000.5174).
Do total de 600 alunos matriculados no curso de Medicina, participaram 131 pertencentes aos ciclos básico (primeiro e segundo anos), clínico (terceiro e quarto anos) e de internato (quinto e sexto anos). Nesse quantitativo, foram incluídos todos os alunos que aceitaram participar da pesquisa e que se enquadravam nos critérios de elegibilidade. Incluíram-se os alunos regularmente matriculados e que estivessem frequentando as atividades à época da coleta de dados. Excluíram-se os que estavam afastados das atividades e aqueles que não responderam ao convite para participar.
A participação foi formalizada mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), após aceite ao convite direcionado aos e-mails de cada aluno, em que foram prestadas as informações gerais sobre a pesquisa, incluindo objetivos, metodologia, riscos e benefícios, e outras informações previstas nas recomendações éticas vigentes.
Aqueles que concordaram em participar obtiveram acesso a um link da pesquisa, no qual constavam o TCLE e o protocolo de coleta de dados. O instrumento adotado foi um questionário dividido em três seções, contendo perguntas abertas e fechadas, as quais foram projetadas com a finalidade de responder aos objetivos da pesquisa. Elaborou-se o protocolo com base em perguntas de interesse dos pesquisadores e também em instrumentos utilizados em pesquisas semelhantes realizadas sobre a temática9),(10. Além disso, as perguntas foram testadas previamente antes de sua utilização, a fim de verificar sua clareza e coerência com os objetivos.
Na primeira seção, incluíram-se somente perguntas objetivas, as quais abordavam a opinião sobre o tema, o contato prévio com o assunto nos conteúdos curriculares, a importância da temática na formação de futuros médicos e a experiência pessoal com o tema. Na segunda seção, incluíram-se afirmativas sobre as percepções sociais acerca da depressão. Nessa seção, os participantes tinham que indicar o grau de concordância em relação a algumas afirmativas, por meio de uma escala do tipo Likert. Na última seção, composta por perguntas abertas e fechadas, os participantes eram solicitados a responder se o preconceito e a discriminação interferem na busca por ajuda profissional e no diagnóstico e tratamento da depressão. Por fim, era necessário responder se a depressão entre os estudantes de Medicina é uma condição negligenciada no ambiente acadêmico, ocasião em que foi solicitado que justificassem a resposta.
O instrumento foi disponibilizado na plataforma do Google Forms, que é uma ferramenta utilizada em pesquisas on-line. Priorizou-se essa opção metodológica em função da possibilidade imediata de acesso aos participantes e pelo fato de não exigir o contato físico, em atendimento às recomendações sanitárias vigentes.
Na análise estatística, utilizaram-se testes com os softwares GraphPad Prism versão 8.4.3 e Bioestat 5.3. As variáveis qualitativas foram descritas por frequência e percentagem. Testou-se a independência de duas variáveis categóricas ou a associação entre elas por meio do teste qui-quadrado, e as associações significativas foram detalhadas pela análise de resíduos padronizados, para identificar as categorias que mais contribuíram para o resultado. Os resultados com p ≤ 0,05 (bilateral) foram considerados estatisticamente significativos.
RESULTADOS
Dentre os participantes, 69 (52,7%) eram do sexo feminino, e 62 (47,3%), do sexo masculino, e a maioria se situava na faixa etária de 20 a 39 anos 105 (80,2%). No que se refere à religião, a maioria era católica 58 (44,3%), havendo um equilíbrio entre a raça branca 60 (45,8%) e a parda 59 (45%). Em relação ao período do curso, a maioria estava cursando o ciclo básico, seguido pelos ciclos clínico e de internato. A Tabela 1 apresenta a caracterização dos participantes.
Variável | Frequência | Percentagem |
---|---|---|
Idade | ||
De 18 a 19 anos | 25 | 19,1 |
De 20 a 39 anos | 105 | 80,2 |
De 40 a 59 anos | 1 | 0,8 |
Sexo | ||
Feminino | 69 | 52,7 |
Masculino | 62 | 47,3 |
Religião | ||
Ateu | 5 | 3,8 |
Católica | 58 | 44,3 |
Espírita | 10 | 7,6 |
Evangélica | 20 | 15,3 |
Não tem | 33 | 25,2 |
Outra | 5 | 3,8 |
Raça | ||
Amarela | 1 | 0,8 |
Branca | 60 | 45,8 |
Negra | 11 | 8,4 |
Parda | 59 | 45,0 |
Ciclo do curso | ||
Básico | 75 | 57,3 |
Clínico | 43 | 32,8 |
Internato | 13 | 9,9 |
As percentagens são relativas ao total de participantes (n = 131).
Quando foram perguntados se consideravam a depressão uma doença, 99,2% responderam afirmativamente, e apenas 0,8% discordaram. No que tange ao conhecimento acerca do tema, sete (5,3%) avaliaram como excelente; 53 (40,5%), como bom; 58 (44,3%), como regular; seis (4,6%), como ruim; e três (2,3%), como péssimo. Quatro (3%) não souberam responder (Gráfico 1).
No que concerne ao contato com o tema no decorrer da graduação, 98 (74,8%) afirmaram que tiveram contato, com maior ênfase no primeiro ano 61 (60,4%) e no terceiro ano 47 (46,5%), apresentando menor percentagem no internato 10(9,9%), ou seja, nos dois últimos anos do curso. Além disso, a maioria considerou o tema como muito importante (92,4%) e importante (10,6%) para a formação dos futuros médicos, o que demonstra uma atitude favorável à sua inclusão como conteúdo da formação acadêmica.
No que diz respeito à experiência pessoal com a temática, 83 (63,4%) afirmaram que já acompanharam pessoas próximas com depressão, e 16 (12,2%) já foram diagnosticados com depressão. Conforme ilustrado na Tabela 2, em todos os ciclos do curso, mais de 60% dos participantes declararam ter tido experiência prévia com a temática.
Variável | Básico (n = 75) | Clínico (n = 43) | Internato (n = 13) | p-valor |
---|---|---|---|---|
Considera que depressão é uma doença | 0,357 | |||
Não | 0 (0,0) | 1 (2,3) | 0 (0,0) | |
Sim | 75 (100,0) | 42 (97,7) | 13 (100,0) | |
Importância do tema na formação de futuros médicos | 0,435 | |||
Importante | 6 (8,0) | 2 (4,7) | 2 (15,4) | |
Muito Importante | 69 (92,0) | 41 (95,3) | 11 (84,6) | |
Recebeu/acompanhou alguém próximo já diagnosticado | 0,624 | |||
Nunca tive essa experiência | 11 (14,7) | 8 (18,6) | 1 (7,7) | |
Sim, eu e pessoa próxima tivemos essa experiência | 9 (12,0) | 3 (7,0) | 0 (0,0) | |
Sim, uma pessoa próxima teve essa experiência | 47 (62,7) | 27 (62,8) | 9 (69,2) | |
Sim, eu já tive a experiência | 8 (10,7) | 5 (11,6) | 3 (23,1) |
As variáveis categóricas são exibidas como n (%). As percentagens são relativas ao total de cada coluna. Em todos os casos, foi utilizado o qui-quadrado.
No que tange às percepções sociais acerca da depressão, foi observado um alto grau de concordância com algumas afirmativas relacionadas ao estigma, ao preconceito e à discriminação sofridos por pessoas acometidas por depressão. Além disso, 64 (48,9%) dos alunos concordaram totalmente com a afirmativa de que a depressão ainda é um “tabu” na educação médica, 43 (32,8%) concordaram parcialmente, 13 (9,9%) discordaram, dois (2%) discordaram completamente e nove (6,9%) não souberam dizer (Gráfico 2).
Na terceira seção do questionário, quando questionados se o preconceito e a discriminação são fatores que interferem na busca por ajuda profissional, bem como no diagnóstico e tratamento da depressão, 109 (83,2%) concordaram totalmente, 19 (14,5%) concordaram parcialmente, dois (2%) discordaram e um (1%) não soube responder. Quando se abordou a dificuldade para pedir ajuda, caso estivessem vivenciando uma depressão, 86 (65,6%) teriam dificuldades de conversar com professores da universidade; e 73 (55,7%), com colegas da universidade. Em ambos os casos, o percentual foi superior a 50% do total de respostas.
Em relação aos familiares, 55 (42%) teriam dificuldades em pedir ajuda, 47 (35,9%) não teriam, 28 (21,4%) talvez tivessem e um (1%) não soube responder. Em relação aos amigos, 42 (32,1%) teriam dificuldades, 52 (39,7%) não teriam, 33 (25,2%) talvez tivessem e quatro (3%) não souberam responder.
Com relação a sentir-se diminuído ou inferior diante de um diagnóstico de depressão, as repostas com maior ocorrência na categoria “sim” foram atribuídas aos colegas 45 (34,4%), aos profissionais do Gapem (Grupo de Apoio Psicológico ao Estudante de Medicina) 20 (15,3%) e aos professores da universidade 39 (29,8%), conforme demonstra o Gráfico 3.
Em relação à última pergunta do questionário, na qual os participantes tinham que indicar a opinião acerca da afirmação “A depressão entre os estudantes de Medicina é uma condição negligenciada no ambiente acadêmico”, 56 (42,7%) concordaram totalmente, 51 (39%) concordaram parcialmente, 16 (12,2%) não souberam responder e oito (6,1%) discordaram. As respostas demonstraram um elevado nível de concordância a favor da afirmativa de que a depressão é negligenciada no ambiente acadêmico.
Entre as justificativas para a opção “concordo totalmente”, destacaram-se a extensa carga horária do curso (dez = 17,8%), as cobranças por alto desempenho (15 = 26,8%), a competitividade no meio acadêmico (12 = 21,4%), a escassez de ações em saúde promovidas pela universidade (14 = 25%) e a falta de sensibilidade dos professores (dois = 3,6%) e dos estudantes (três = 5,4%). Na categoria “concordo parcialmente”, foram pontuadas as seguintes justificativas: tema pouco abordado na graduação (12 = 23,5%), cobrança por alto desempenho (oito = 15,7%), escasso suporte fornecido pela universidade (11 = 21,5%), avanço na discussão e no apoio prestado aos estudantes (12 = 23,5%), negligência em relação à depressão (cinco = 9,8%) e presença de estigma e de preconceito (três = 6%).
Sobre as justificativas apresentadas pelos participantes que responderam “não sei dizer “, foram incluídas as seguintes respostas: ausência de uma opinião definitiva (12 = 75%), falta de divulgação das ações de assistência (dois = 12,5%), incoerência entre as discussões e o que é exigido em relação às tarefas acadêmicas (um = 6,25%) e dificuldade de diálogo sobre o tema pelos acadêmicos (um = 6,25%). Entre os que discordaram da afirmação, destacaram-se a importância de conteúdos relacionados às humanidades médicas e à psiquiatria ao longo da graduação, por meio de discussões em sala e trabalhos realizados (seis = 75%), e a assistência psicopedagógica disponibilizada aos estudantes (dois = 25%).
DISCUSSÃO
Os achados do presente estudo revelaram que a maioria dos estudantes considera a depressão uma doença, e grande parte deles já viveu a experiência com pessoas próximas, e mais de 12% já foram diagnosticados. Os quadros depressivos constituem um tema de grande relevância na educação médica, em razão dos elevados registros entre os estudantes do curso; nacionalmente, a literatura registra prevalência agregada de 30,6% de sintomas depressivos nesses alunos11. Pesquisas apontam que a saúde mental dos estudantes de Medicina é abalada não apenas no início da faculdade, como também deteriora continuamente à medida que progridem no curso12.
Apesar de não ser possível precisar a relação dos sintomas com o ingresso no curso de Medicina, sabe-se que o cotidiano da vida universitária pode desencadear sintomas depressivos, como resultado das pressões inerentes ao ambiente acadêmico do curso e em decorrência da aproximação a situações de dor, sofrimento e morte13. Além disso, após o ingresso na graduação, são rotineiras atividades que potencialmente afetam o estado emocional, como as aulas de anatomia em cadáveres14.
Os resultados demonstraram que há um espaço favorável para ampliar o aprendizado no tema, mesmo para aqueles que já têm maior familiaridade com a temática. Além disso, mais de 90% consideraram o tema relevante para sua formação como futuros profissionais, pois a aquisição de conhecimentos favorece o diagnóstico e tratamento. Como resultado do adequado manejo terapêutico da depressão, há um aumento das possibilidades de prevenir agravos e desdobramentos irreparáveis, a exemplo do suicídio15.
O fato de conteúdos relacionados ao tema serem abordados no primeiro e terceiro ano do curso pode ser explicado pelo contato dos alunos com as humanidades médicas e também com a psiquiatria, as quais contemplam assuntos relacionados à saúde mental. Além disso, os achados corroboram os resultados de um estudo realizado no mesmo cenário, que apontou a importância desses dois módulos temáticos na aproximação dos alunos com o tema do suicídio, outro relevante conteúdo da educação médica16.
Ao serem questionados se já passaram por uma experiência envolvendo a depressão em sua vida pessoal, mais da metade dos acadêmicos respondeu positivamente. A elevada taxa de resposta afirmativa corrobora o estudo de Vasconcelos et al.17, que analisaram a prevalência de sintomas depressivos entre estudantes de Medicina e apontaram uma taxa de 24,9%, resultado semelhante ao do presente estudo, com 21,4%. Outros estudos realizados em cursos de Medicina obtiveram desfechos semelhantes, com uma variação de 24,47% a 25,9%18),(19.
Os resultados do presente estudo demonstraram que os períodos da graduação apresentaram uma margem semelhante de resposta no que diz respeito à experiência prévia com a temática. Nesse viés, estudos na literatura apresentam variações, já que alguns deles apontam os alunos do primeiro período do curso como mais propensos a desenvolver quadros depressivos. Os argumentos destacam que o início da graduação é marcado por fortes alterações na rotina dos acadêmicos, com uma redefinição das dinâmicas de ensino-aprendizado e com a construção de novos núcleos de interação social entre os colegas20),(21.
Estudos apontam que os alunos do curso de Medicina são suscetíveis a desenvolver transtornos mentais, por iniciarem seus estudos entre o fim da adolescência e o início da idade adulta, fase com inúmeras alterações psicossociais22. As condições do curso também contribuem para essa realidade, incluindo alta carga horária, competitividade entre os estudantes, privação de sono, interação com pacientes e medo de errar ou contrair doenças, que constituem potenciais estressores no cotidiano da vida acadêmica23. Assim, faz-se necessário que os professores saibam identificar, validar e acolher as demandas psicológicas dos alunos, especialmente quando elas emergem durante as atividades desenvolvidas na graduação.
Em se tratando de uma condição estigmatizada, a depressão pode suscitar sentimentos de vergonha, culpa e medo, aumentando o isolamento e a solidão. Isso ocorre também como resultado de uma compreensão equivocada de que ela expressa um sinal de fraqueza ou fragilidade24. Ademais, muitos alunos se sentem pressionados pela expectativa socialmente construída de que para que possam ser bons médicos precisam ser capazes de suportar as pressões e tensionamentos do curso.
Do total de participantes, mais da metade concordou que indivíduos com depressão são estigmatizados e discriminados, achado que denota a importância de considerar o contexto sociocultural25. Muitas concepções vigentes não legitimam o sofrimento psíquico das pessoas acometidas pela depressão, o que dificulta o diagnóstico e o tratamento, e gera comportamentos de fuga e isolamento26.
No que diz respeito ao presente estudo, cabe destacar que a grande maioria de acadêmicos concordou que a depressão ainda é um tabu na educação médica, e isso pode contribuir para que os alunos tenham dificuldade em buscar ajuda em serviços de saúde mental, não só por se sentirem constrangidos e envergonhados, mas também pelo estigma relacionado ao tema27),(28.
Quando indagados se o preconceito e a discriminação interferem na busca por ajuda profissional, diagnóstico e tratamento da depressão, mais de 80% dos entrevistados concordaram totalmente. Conforme já mencionado, o preconceito e o estigma, portanto, contribuem de forma significativa para que as pessoas não busquem ajuda ou desistam de seus tratamentos, o que pode ocasionar o prolongamento dos sintomas29),(30.
As respostas obtidas no presente estudo demonstraram que uma expressiva quantidade de alunos não sentiria à vontade para pedir ajuda a outros, com alta frequência aos professores e colegas de curso. Outrossim, uma expressiva parcela de respostas apontou que grande parte dos estudantes se sentiria diminuída ou inferior, caso fossem diagnosticados com depressão, e novamente professores e colegas de curso obtiveram a maior frequência de respostas.
Nesse panorama, além do viés da discriminação, as respostas indicam o autoestigma, que gera nos estudantes a sensação de não adequação a um padrão de normatividade esperado e legitimado socialmente, o que torna a depressão muito menos compreendida e, portanto, mais banalizada31),(32. Ademais, uma recente pesquisa realizada com estudantes de Medicina demonstrou que o estigma reside entre os próprios alunos e professores, associando a depressão a “frescura”, “drama” e “loucura”33.
Em relação à afirmativa de que a depressão entre os estudantes de Medicina é uma condição negligenciada no ambiente acadêmico, cerca de 80% das respostas tiveram algum tipo de concordância. Tal resultado é preocupante na medida em que aponta um ambiente pouco acolhedor para a legitimação do sofrimento psíquico, mesmo considerando a alta prevalência de depressão entre os alunos do ensino médico34)-(36.
CONCLUSÃO
Os achados do presente estudo demonstram que o estigma e preconceito em relação à depressão ainda estão presentes na sociedade, e essa realidade precisa ser considerada no contexto da educação médica. Embora os resultados retratem a importância do tema na formação profissional, é necessário criar um ambiente mais acolhedor aos alunos, de modo a legitimar as suas emoções e seus sentimentos, e encorajá-los a buscar ajuda para suas demandas em saúde mental.
Como foi constatado nas respostas, professores e colegas do curso precisam ser sensibilizados para compreender que a depressão não pode ser negligenciada, tampouco banalizada, como parte da trajetória acadêmica do futuro médico. Trata-se de romper com concepções estigmatizadas e discriminatórias enraizadas na formação médica, a fim de que os estudantes possam compartilhar e lidar melhor com os custos emocionais oriundos do cotidiano acadêmico.
A depressão é uma condição de alta prevalência entre os estudantes de Medicina, mas ainda é preciso dar visibilidade ao tema, de forma a ressignificá-la não mais como um sinal de fracasso e fraqueza, mas como uma oportunidade de crescimento e aprendizado pessoal do aluno. Nesse sentido, as contribuições das ciências humanas e sociais em saúde são de fundamental importância para refletir a complexidade e abrangência da temática, e para ampliar as possibilidades de mudança do cenário da educação médica, particularmente no que tange ao diagnóstico e tratamento da depressão.