Introdução
As verdadeiras relações, portanto, não são criadas entre “a” tecnologia (que seria da ordem da causa) e “a” cultura (que sofreria os efeitos), mas sim entre um grande número de atores humanos que inventam, produzem, utilizam e interpretam de diferentes formas as técnicas (LEVY, 1999, p. 4).
Mudanças significativas vêm se estabelecendo em nossa sociedade, afetando os modos de existir e estar no mundo. Segundo Moran (2001), essas mudanças ocorrem em suas mais diversas dimensões, em suas formas de se organizar, de produzir bens e comercializá-los, de se divertir e ensinar. Roque (2010) corrobora com essa ideia ao citar o pensamento de Sanson (2007), afirmando que a passagem da sociedade industrial para a sociedade informacional, não referencia, somente, aos modos de produção, mas, principalmente, ao modo de viver, de pensar e de se relacionar com os outros. Acrescenta, ainda, que uma de suas características primordiais é seu caráter inovador no tratamento da informação e do conhecimento.
Diante de tais inovações, criou-se uma “expectativa de que as tecnologias nos trariam soluções rápidas para o ensino”, mas adverte Moran (2001) que as novas tecnologias, por si só, não efetivam a solução de todas as questões que envolvem a educação, uma vez que:
Educar é colaborar para que professores e alunos - nas escolas e organizações - transformem suas vidas em processos permanentes de aprendizagem. É ajudar os alunos na construção da sua identidade, do seu caminho pessoal e profissional - do seu projeto de vida, no desenvolvimento das habilidades de compreensão, emoção e comunicação que lhes permitam encontrar seus espaços pessoais, sociais e profissionais e tornar-se cidadãos realizados e produtivos (MORAN, 2001, p. 13).
Mas, evidentemente, segundo esse autor, as tecnologias trouxeram mudanças no campo da educação, tais como: “ampliação do conceito de aula, de espaço e tempo, de comunicação audiovisual, e estabelecimento de pontes novas entre o presencial e o virtual, entre o estar juntos e o estarmos conectados a distância” (MORAN, 2001, p. 12). Pois, o mundo passou a exigir que as pessoas estivessem em constante formação e capacitados a buscarem informações atualizadas, além de transformá-las em conhecimento (ROQUE, 2010). Sucede, portanto, que “na sociedade da informação, todos estamos reaprendendo a conhecer, a comunicar-nos, a ensinar; reaprendendo a integrar o humano e o tecnológico; a integrar o individual, o grupal e o social” (MORAN, 2001, p. 61).
O advento da internet proporcionou novas formas de comunicação, promovendo o encurtamento das distâncias, a redução dos espaços e a acumulação de dados (ALMEIDA, 2008). Portanto, esses avanços além de trazerem novos horizontes e possibilidades para a Educação a Distância (EAD), também trouxeram novos desafios.
A internet, dentre outras mudanças, favoreceu a realização de cursos virtuais. Mas, se sugere que não se deve perder de vista, mesmo com toda essa tecnologia à disposição da educação, a necessidade de se estabelecer metas para desenvolver tanto as potencialidades individuais cognitivas, quanto as afetivas, dos alunos que optam pela EAD, como modalidade de ensino e que tem como suporte os ambientes virtuais de aprendizagem (AVA).
Vale salientar que nos cursos virtuais, que surgiram em decorrência da entrada das tecnologias digitais, não só o suporte tecnológico e a qualidade estética são importantes, como também as relações neles estabelecidas, porém as questões existenciais não podem ser deixadas de lado nesse processo.
Dentro dessa perspectiva, e por considerar o aluno participante ativo no processo de aprendizagem, considera-se que o mesmo deve interagir com o professor, trabalhando em um processo de coautoria, criando um ambiente de troca e de construção coletiva do conhecimento, como destaca Roque (2010). Neste caminho de possibilidades é significativo considerar que a assimilação do saber contribui para o processo de crescimento na vida do sujeito, pois está articulada com os fatores culturais de cada um (SANTOS, JUNQUEIRA & SILVA, 2016). Portanto os relacionamentos, a interatividade e a afetividade não podem ser desconsideradas nesses cursos.
Ocorre que em conformidade como destacam afirmam Cunha e Silva (2009), nesses ambientes de ensino dá-se muita ênfase aos aspectos cognitivos em detrimento de outros aspectos importantes, dentre eles as emoções. Para efeito desse trabalho, tomamos por base o entendimento da afetividade:
Como qualidade de ser afetivo; aquele que tem afeto por algo ou alguém. Afeto do latin affectus: designa o conjunto de atos ou de atitudes como a bondade, a benevolência, a inclinação, a devoção, a proteção, o apego, a gratidão, a ternura etc, que no seu todo podem ser caracterizados como a situação em que a pessoa “preocupa-se com” ou “cuida de” outra pessoa em que esta responde, positivamente, aos cuidados ou à preocupação de que foi objeto. (ABBAGNANO, 2000, p. 21).
Nestas condições, o presente artigo tem por objetivo descrever, na percepção de tutores e alunos, as relações de afetividade na Educação a Distância de um curso de Pós-Graduação Lato Sensu. Nessa perspectiva, o trabalho apresenta a revisão de literatura que consta apontamentos necessários acerca do tema exposto, a metodologia utilizada, análise e interpretações dos resultados, bem como as considerações finais.
Revisão de literatura
A revisão destaca os avanços tecnológicos e a possibilidade da educação à distância, trazendo a afetividade como condição importante para o processo ensino-aprendizagem.
A EAD e os avanços tecnológicos
Segundo o Decreto nº 5.622, de 19/12/2005, a Educação a Distância caracteriza-se como sendo uma “modalidade educacional na qual a mediação didático-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorre com a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação, com estudantes e professores desenvolvendo atividades educativas em lugares ou tempos diversos”.
Almeida (2008) discorre como características da EAD, a rapidez e a educação para muitos e não mais para quem está longínquo, fora do alcance de qualquer sistema educacional. Tem-se outro conceito de tempo e de espaço, porque, o aluno está mais próximo dos seus parceiros de estudo por causa das tecnologias de comunicação, além do mais pode levar a aula consigo para onde for. Ele aponta ainda, como diferencial da EAD, a criação de um novo tempo e de uma presença: a presença virtual.
Percebem-se os novos desafios que a EAD apresentará na construção de um campo sólido de práticas que possam aproximar a relação tutor-aluno, ou seja, na esfera da virtualidade.
Sucede que, como afirmam Coutinho e Padilha (2008), se a Educação a Distância um dia evocou a imagem de um aluno isolado e solitário, hoje, com o avanço das tecnologias de informação e de comunicação, tem-se maior facilidade de interconexões entre pessoas e diversos contextos. Com isso, o aluno de cursos a distância está disponível para possíveis comunicações como ocorre na educação presencial.
Nesse propósito, para que essa comunicação se estabeleça de forma eficaz, a educação a distância deve propiciar aos participantes o equilíbrio, as necessidades e aptidões pessoais no contexto da coletividade, seja presencial e/ou virtual com o objetivo da existência das trocas de experiências, dúvidas e resultados (MORAN, 2001). Para Castro (2015), as relações educativas, para desenvolverem pessoas que sejam criativas, inovadoras e autônomas devem vivenciar espaço da controvérsia, o que quer dizer que deve existir negociação cooperativa para que a mudança se concretize no aluno. O tutor, nesse contexto, tem papel primordial.
Urge, portanto, a necessidade de se dar especial atenção ao papel do professor (tutor) como mediador desse processo.
Sendo a tutoria um ponto crucial da Educação à Distância, exigem-se do profissional tutor habilidades, sensibilidade, motivação, atributos técnicos e relacionais (MATTOS, 2008). Essa motivação precisa ser reconhecida como dois polos intrínseco e extrínseco que conduz o sujeito à efetivação de suas capacidades (BACETE; BETORET, 2000). Desse modo, segundo Niskier (1999) o tutor é o componente estimulante e orientador para o autodesenvolvimento do discente. Em decorrência disso, o autor traz uma lista de atributos que o tutor deve desempenhar, ou seja:
Comentar os trabalhos realizados pelos alunos;
Corrigir as avaliações escritas dos alunos;
Ajudar os alunos através de discussões e explicações acerca dos materiais;
Responder as questões sobre a instituição;
Ajudar aos alunos para que planejem seu trabalho;
Organizar círculos de estudo;
Fornecer informações por telefone, fax, e-mail;
Supervisionar trabalhos práticos e projetos;
Apresentar-se em encontros periódicos;
Atualizar informações sobre o progresso dos alunos;
Fornecer feedback aos coordenadores sobre os materiais dos cursos e as dificuldades dos alunos;
Servir de intermediário entre a instituição e os alunos.
De acordo com Azevedo (2015), o ato de ensino aprendizagem é centralizado no sujeito e para que se institua a aprendizagem, faz-se necessário a empatia durante o ensinar e aprender. Moran (2001) revela que mais que a tecnologia, o que facilita o processo de ensino-aprendizagem é a possibilidade da relação autêntica de confiança que se desenvolve no cenário da educação pelo equilíbrio, pela competência e pela simpatia com que atua, pois, a interação bem sucedida aumenta a aprendizagem. De acordo com Sousa, Santos e Valverde (2016) para o processo de ensino aprendizagem, a afetividade complementa o desenvolvimento do ser humano atrelado às relações mundanas.
A educação, presencial ou virtual, não pode deixar de lado aspectos tão sublimes da existência humana, como bem destacado pela literatura no corpo do texto. Nessa perspectiva, a afetividade implicada pela empatia é condição de reconhecimento na arte do aprender.
Dessa forma, toda relação se estabelece em mão dupla. Daí, a importância de se compreender a importância, também, das características do aluno de educação à distância. Seu perfil é distinto do aluno de cursos presenciais, uma vez que, em EAD, o mesmo precisa ter mais autonomia, ser organizado, ser disciplinado em seus horários, além de ter conhecimento dos meios tecnológicos (ROQUE, 2010, p. 39).
Destacamos, ainda, a importância do saber usar a tecnologia em favor do aprendizado do aluno EAD, pois segundo (MORAN, 2001 p. 63):
Faremos com as tecnologias mais avançadas o mesmo que fazemos conosco, com os outros, com a vida. Se somos pessoas abertas, iremos utilizá-las para nos comunicarmos mais, para interagirmos melhor. Se somos pessoas fechadas, desconfiadas, utilizaremos as tecnologias de forma defensiva, superficial. Se somos pessoas autoritárias, utilizaremos as tecnologias para controlar, para aumentar o nosso poder. Portanto, o poder da interação está em nossas mãos.
Neste sentindo, somos chamados a investir mais no entendimento do ser humano na sua forma mais ampla, contemplando as suas diferenças e semelhanças e, sobretudo, compreendendo a sua afetividade.
EAD com afetividade
Uma breve varredura na literatura que trata da EAD possibilita-nos observar o quanto, ao longo dos anos, vem se discutindo sobre os avanços tecnológicos de informação e comunicação, entretanto, dando maior ênfase nas técnicas que nas relações afetivas envolvidas no processo de aprendizagem.
A ideia é reforçada por Bonatto et al. (2008, p. 3) ao afirmar que “geralmente as instituições se preocupam e investem muito mais nas tecnologias de comunicação e na qualidade estética dos produtos e serviços oferecidos”. Entretanto, isso não é suficiente, por exemplo, para que os alunos se sintam motivados a dar continuidade aos seus cursos a distância. Pois, segundo Netto e Perpétuo (2010), são as relações afetivas estabelecidas entre alunos que possibilitam a busca pelo conhecimento e a redução da evasão em cursos de EAD.
E, o que vem ser afetividade? Segundo caracterização no Dicionário Aurélio (1994), afetividade no verbete 2 expressa:
Psicol. Conjunto de fenômenos psíquicos que se manifestam sob a forma de emoções, sentimentos e paixões, acompanhados sempre da impressão de dor ou prazer, de satisfação ou insatisfação, de agrado ou desagrado, de alegria ou tristeza.
Desse modo, expressa a manifestação das vivências humanas. A afetividade, de acordo com Porto, Santos e Cruz (2016) tem um papel significativo na vida do sujeito em processo de aprendizagem, pois educar é colaborar com o aluno para tomar consciência de si mesmo, dos demais e da própria sociedade em que vive. A afetividade age como função psicológica do ser humano, sendo essencial, também, nos processos educativos juntamente com o desenvolvimento cognitivo (SARNOSKI, 2014).
Portanto, a afetividade é característica essencial da alma humana e dito isto não pode ser desconsiderado. O aspecto afetivo é um elemento importante a ser considerado no processo de aprendizagem, visto que pode fazer com que os alunos sintam-se motivados e tenham maior facilidade de aprendizagem (SOBRAL, 2007). Desse modo, a afetividade não pode ser vista desvinculada desse contexto, pois ela pode contribuir para a obtenção do conhecimento de forma prazerosa e segura (SANTOS, JUNQUEIRA E SILVA, 2016).
Faz-se necessário, ainda, levar em conta que “o aluno, assim como o professor1, como todo ser humano precisa de afeto para se sentir valorizado” (CHALITA, 2004, p.152).
Pesquisas mais recentes, realizadas por Cunha, Silva e Bercht (2008), buscando identificar e discutir as qualidades essenciais para um tutor elencaram seis atributos afetivos, como sendo os principais a serem desenvolvidos pelos profissionais de EAD no ambiente virtual de aprendizagem, com fins de melhor orientar e compreender os alunos. Tais atributos são:
Comunicabilidade: a qualidade, a precisão e a oportunidade na comunicação entre os participantes através de texto produzido em respostas às perguntas num fórum de discussão, feedback de um exercício do aluno que seja eficaz e não desperte dúvidas interpretativas a quem receba suas mensagens;
Pontualidade: pronto atendimento do professor às interações do aluno. A demora numa resposta pode desmotivar e/ou aborrecer o aluno;
Comprometimento: está relacionado à pontualidade e à capacidade do professor em cumprir e responder pelos critérios e acordos estabelecidos;
Meticulosidade: capacidade, do professor, em manter a percepção e a resolutividade das interações dos alunos no ambiente virtual;
Iniciativa: capacidade do professor em apoiar o aluno em suas novas ações no ambiente virtual quer seja responder a um questionário, ou se comunicar com os colegas.
Em outra pesquisa, Serra (2005) analisou a afetividade como elemento importante na educação praticada em ambientes virtuais, envolvendo professores e alunos. As relações afetivas têm valor significativo para que o processo ensino aprendizagem se estabeleça satisfatoriamente, independente da modalidade de ensino (à distância ou presencial). Para Piaget (2014), a afetividade é fundamental na socialização. Entretanto, mesmo reconhecendo que as relações pedagógicas permeadas de afetividade em ambientes virtuais sejam mais difíceis de serem estabelecidas, afirma que elas são possíveis e desejadas. E, ainda, conclui que aqueles docentes que reconhecem a importância da afetividade para o processo, mesmo diante das adversidades que porventura surjam, conseguem estabelecer relações pedagógicas mais proveitosas.
Nesse sentido, por mais que os desafios ainda estejam presentes na contemporaneidade diante das expressões afetivas no cenário educativo, os estudos mostram a relevância de abarcar essa condição humana para uma aprendizagem com sentido.
Interatividade/interação na EAD
A mediação do ensino por meio das tecnologias de comunicação e informação propicia, aos professores e alunos, oportunidades e desafios, assim como afirma Harasim et al. (2005, p. 221), “as redes de computador estimulam a interação de alta qualidade, permitem ainda o contato próximo entre os alunos e entre estes e os professores, independentemente, de sua aparência, do local onde estão ou de sua assertividade”.
É fundamental levar-se em conta o “sentimento de pertencimento a um grupo, a uma comunidade, que pode ser despertado nas pessoas reunidas eletronicamente pela combinação de habilidades de facilitação, atividades de construção de equipes” para a realização de qualquer atividade (HARASIM et al, 2005, p.182). Essa autora destaca ainda que outro fator de contribuição para a melhoria da qualidade da interação “é a possibilidade dos estudantes passarem um bom tempo refletindo antes de fazer uma contribuição” (HARASIM et al, 2005, p. 221). Nesse sentido, no Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA), é possível a criação de ambientes interativos de aprendizagem, através da utilização de vários recursos/ferramentas de comunicação, como sala de bate-papo, fóruns de discussão, diário de bordo e e-mails (GHEDINE, 2008).
Os avanços tecnológicos permitem a aproximação pelo ambiente AVA do tutor e seus alunos de modo a contemplar as demandas suscitadas das práticas de conhecimento.
Metodologia
Para esse trabalho que tem por objetivo descrever na percepção de tutores e alunos as relações de afetividade na Educação a Distância de um curso de Pós-Graduação Lato Sensu, adotamos uma abordagem metodológica de natureza qualitativa, de inspiração fenomenológica, com a utilização de entrevista semi estruturada para coleta de dados e apreciação dos dados a análise do conteúdo.
Conforme afirma González Rey (2002), a pesquisa qualitativa se debruça sobre um objeto complexo, a subjetividade, que se encontra implicada em diferentes constitutivos do todo, marcando a singularidade do sujeito, buscando a elucidação do que está oculto à evidência.
Na pesquisa qualitativa de inspiração fenomenológica, dá-se real importância ao vivido2, por se acreditar que o pensamento e ação humanos são, em grande parte, influenciados pelas vivências, mais do que por “concepções ou ideias construídas mais ou menos artificialmente” (AMATUZZI, 2010, p. 53), que marcam a singularidade dos sujeitos. Este autor afirma que o valor de se retornar ao vivido, ao sentimento primeiro, colocando em parênteses todas as elaborações resultantes dele para sua posterior apreciação, está na possibilidade de corrigir as “possíveis distorções, clareando a relatividade das elaborações” (AMATUZZI, 2010, p. 55).
Portanto, para que seja possível aproximar-se desse sentido, tem-se que tentar compreender como é o modo de ver o mundo do sujeito pesquisado, como o organiza e seu modo de estar nele, através da escuta e da relação que se estabelece entre pesquisado e pesquisador. Essa perspectiva demonstra a inexistência da imparcialidade e o potencial transformador para o próprio pesquisador. Como afirma González Rey, (2002):
O pesquisador e suas relações com o sujeito pesquisado são os principais protagonistas da pesquisa, e os instrumentos deixam o lugar de protagonistas. De sua parte, o pesquisado, adquire um papel essencial, no entanto não representa uma entidade objetiva, homogeneizada pelo tipo de resposta que deve dar, mas é reconhecido em sua singularidade como responsável pela qualidade de sua expressão, relacionada com a qualidade de seu vínculo com o pesquisador (GONZÁLEZ REY, 2002, p. 57).
Implicando dizer, conforme afirma Günther (2006), que suas crenças e valores pessoais, além de seu envolvimento emocional com o tema, são fontes de influência permanente na pesquisa. Nesse caminho de postura metodológica, busca-se o encontro com o humano, um encontro intersubjetivo, uma parceria entre pesquisador e pesquisado, ambos, produtores dos dizeres e saberes que se influenciam mutuamente.
Outro aspecto, ressaltado por Amatuzzi (2010), em relação ao pesquisador, é que ao falar do objeto de sua pesquisa, ele fala de si próprio revelando sua condição implicada existencialmente com o outro, isto é, o que deseja pesquisar no outro é algo que também diz respeito a ele próprio por percebê-lo como problemático. Esse objeto pesquisado aparece, aos olhos do pesquisador não em si, mas “tal como ele o interessa, tal como ele se faz presente em um dinamismo de conhecimento, de curiosidade, de desafio, de espanto, que é dele, do grupo humano do qual ele é porta-voz” (AMATUZZI, 2010, p. 227).
Diante dessa realidade de caminho de pesquisa, percebe-se a implicação do pesquisador em todo o processo de construção do conhecimento. É no encontro com o outro que se dá as revelações necessárias da pesquisa instituída.
Caracterização do objeto de estudo
O campo de pesquisa foi o SERVIÇO NACIONAL DE APRENDIZAGEM COMERCIAL - SENAC-RN, na Unidade de EAD de Rio Grande do Norte - Natal, pólo integrante da Rede EAD Senac, do Centro Nacional de Educação a Distância, credenciado pelas Portarias MEC nº 554, de 12 de março de 2004, nº 838, de 03 de abril de 2006 e pelo Parecer CNE/CES 0024/2004, para a oferta de cursos de pós-graduação lato sensu a distância, em rede pelo Senac3.
Os colaboradores da pesquisa foram sete pessoas, sendo dois tutores e cinco alunos da primeira turma concluinte do curso de Pós-Graduação, ministrado no pólo Natal/RN.
As entrevistas foram realizadas no período de 09 a 10 de fevereiro de 2012, individualmente e registradas através de gravações conforme autorização dos participantes para posterior transcrição e análise das narrativas que se reportaram ao tema afetividade.
A faixa etária dos entrevistados varia de 26 a 52 anos. Dos setes, três são do sexo masculino e cinco são do sexo feminino. Todos os entrevistados são Pós-Graduados, têm vínculo empregatício e atuam na área de Artes Visuais.
Com a finalidade de manter a integridade e anonimato dos colaboradores da pesquisa, foram nomeados, sob os nomes aluno1, aluno 2, aluno 3, aluno 4 e aluno 5. Tutor A e tutor B.
Análise e interpretação dos dados
Para consolidação dos dados, as entrevistas foram divididas em tópicos conforme a prevalência dos relatos desvelados: Afetividade na percepção de tutores e alunos; as relações afetivas e o processo ensino aprendizagem; relações estabelecidas, emoções sentidas e aspectos positivos e negativos na experiência do curso online.
Afetividade na percepção de tutores e alunos
A conceituação da afetividade foi o primeiro aspecto solicitado aos colaboradores. Os dois tutores e os cinco alunos entrevistados destacaram a disponibilidade do professor/tutor, o respeito mútuo, a confiança, a simpatia, a empatia, a relação harmoniosa sem pressão, a cordialidade, a ajuda dos alunos aos outros colegas, o interesse do professor pelo aluno, como ideias fundamentais para o conceito de afetividade. O aluno 1 afirmou que: “a interação entre as partes forma a coesão do grupo e proporciona que o trabalho renda”; para o aluno 2 “é a interação em que todos podem desfrutar do aprendizado”. Na percepção do tutor A “é a permissão que o professor concede para que o aluno possa se aproximar sem medo”; e para o tutor B “é colocar o aluno no ambiente acolhedor e afetivo”.
Nessa perspectiva, o estabelecimento das relações afetivas depende tanto do tutor, quanto do aluno. Para alguns alunos “a iniciativa deve partir do professor”, para outros, “a iniciativa precisa ser do aluno” e essa relação se dá virtualmente através de telefonemas, chats, recados e, principalmente, por e-mails. E, por se tratar de um curso à distância, para compensar a ausência física faz-se necessário “o uso de afetividade no jeito de escrever”.
As relações afetivas e o processo ensino aprendizagem
As relações afetivas são apontadas como fundamentais no processo de ensino aprendizagem, tanto para os tutores, quanto para os alunos. Neste sentido, os tutores apresentam pontos de vista convergentes. O tutor A destaca que “a afetividade se potencializa conforme o desenvolvimento do aluno”, enquanto o tutor B aponta que “existe o desestímulo no percurso e a afetividade vem adicionar uma energia extra para você seguir em frente”. Por outro lado os alunos percebem a importância do outro, da opinião do outro na interação. Para o aluno 1 “ o tutor trabalhou a minha autoestima, que no momento em que eu achava que era a pior aluna do curso, que não sabia nada de arte ela começou a valorizar as mínimas coisas que eu fazia [...] precisamos criar uma relação de troca”. O aluno 2 destaca que “para o processo de ensino aprendizagem a afetividade vem colaborar na perspectiva do professor reconhecer o potencial de cada aluno e estimular no sentido de que ele possa exercer esse potencial em sua plenitude”. O aluno 3 disse: “todo processo de aprendizagem tem pessoas com sentimentos e os mesmos precisam ser compreendidos, precisam ser em alguns casos trabalhados”. E, para o aluno 4 “é fazer com que o aluno se relacione com o professor e com o seu colega de maneira mais solta, sem medo, sem pressão”.
Como destaca Moran (2001) mais que a tecnologia, o que promove o processo de ensino-aprendizagem é a capacidade de comunicação autêntica do professor de estabelecer relações de confiança com os seus alunos através do equilíbrio, da competência e empatia.
Relações estabelecidas, emoções sentidas
Constatou-se, também, que houve o estabelecimento das relações afetivas durante a execução do curso e de modo especial no período de elaboração do Trabalho de Conclusão de Curso - TCC, o que pode ser constatado através da fala dos entrevistados. O exposto pelo aluno 2 sintetiza as falas dos demais alunos: “com o incentivo a cada aluno, valorizando seu potencial e isto foi fundamental para que o trabalho pudesse chegar ao final com bons resultados”. Para o tutor A, “a afetividade se consolidou bastante na época do TCC. Também, no período de realização dos outros módulos, a partir do interesse dos alunos em participar dos fóruns, na entrega dos trabalhos em dia ou do contrário nas justificavas da não entrega, e da predisposição, da vontade dos alunos em colaborar, em ir além”. Para o tutor B “a motivação através da afetividade dá responsabilidade ao aluno, ele se sente parte da construção daquilo que está sendo proposto a ele”.
Porém, como em toda relação humana, houve momentos durante o curso, em que a relação afetiva foi abalada. Por exemplo, o aluno 3 afirmou que se “sentiu incompreendido em virtude de cobranças por trabalhos que já haviam sido postados no ambiente virtual de aprendizagem”. O aluno 4 viu-se tolhido por “problemas de ordem técnica, desamparado pelos próprios alunos, por questão de tempo e hora”. Com fala emocionada, o tutor B disse: “desamparada não, vulnerável pela quase desistência de um aluno do curso”.
Nesse sentido compreende-se que toda a gama de emoções expressadas fazem parte da condição humana e devem ser valorizadas. Na percepção do tutor A, “a angústia pessoal independe de certas atitudes [...] existem situações que estão fora do nosso controle e por mais que a gente tente resolver aquilo que está dentro do aluno, é ele que tem que ter a iniciativa particular para resolver isso”.
Partindo dessas informações, nota-se que questões particulares no âmbito afetivo precisam ser acompanhadas por profissionais habilitados que possam ofertar suporte na construção da qualidade da saúde mental. O docente nesse contexto pode ser parceiro na percepção e encaminhamento, bem como refletir as carências e dificuldades que esses alunos possam apresentar no processo de aprendizagem.
Aspectos positivos e negativos na experiência do curso online
Quanto aos aspectos positivos na experiência do curso online, tanto os tutores quanto os alunos foram unânimes no ponto de vista da liberdade de fazer os seus horários de estudos e da qualidade dos materiais do curso. Para o tutor A “é a liberdade de discussão, de você está em qualquer lugar e no mundo ao mesmo tempo”. Segundo o tutor B e o aluno 2, é a “liberdade de atuação junto aos alunos e ao ambiente virtual, como também das condições do profissional/aluno ser competitivo, sem perder posições e ao mesmo tempo está se capacitando e se colocando melhor no mercado de trabalho”. Para o aluno 3 permite “desenvolver essa capacidade de ler e interpretar o texto, é a aplicabilidade dos conhecimentos do ponto de vista prático e no final das contas você se depara com você mesmo”. E para o aluno 4 “eu tive um tempo para ler com calma, duas, três quatro vezes antes de responder a questão”. Essa ideia é evidenciada por (HARASIM, 2005) de que os alunos passam um bom tempo refletindo antes de fazerem uma contribuição.
É uma modalidade de estudo, que requer muita responsabilidade e disciplina. A disciplina pode ser vista, também, como negativa, porém os entrevistados destacaram o positivo. A aluna 4 disse: “é claro que o aluno tem que se disciplinar com sua hora e o local de estudo”. A aluna 5 enfatizou bem essa questão, quando disse: “inclusive eu aprendi a ser disciplinada para estudar, porque mesmo sendo professora eu não sou disciplinada”. As percepções, aqui elencadas, são reforçadas por (ROQUE, 2010) que destaca para o perfil do aluno EAD a autonomia, a organização, a disciplina em seus horários e também o conhecimento dos meios tecnológicos.
Outro aspecto destacado como positivo, na percepção dos alunos, é o momento presencial. Para a aluna 1 “no primeiro momento presencial a gente começa a ver como as pessoas são diferentes daquilo que nós projetamos no ambiente virtual. São encontros que rendem, porque podemos interagir, trocar visões, conhecimentos que um soma com o outro, isso também passa pela afetividade, de você ver, entender, compreender o trabalho do outro, que muitas vezes parece com o seu, mas dentro de um contexto diferente. Serve para que eu cresça, aprenda e que me abre novos horizontes”. O aluno 3 propõe um outro momento que seja voltado mais para o social, para as relações humanas, porém, sem perder o foco do curso”.
No curso pesquisado, são quatro os momentos presenciais assim distribuídos: 1º encontro presencial - aula inaugural que dá início ao curso. Nesse momento, acontece o encontro com tutores, coordenadores e demais participantes, apresentação e esclarecimento dos objetivos, princípios e recursos do ambiente virtual de aprendizagem e do CD-ROM; 2º encontro presencial - ao final do primeiro módulo acontece a apresentação e debate das atividades práticas realizadas; 3º encontro presencial - ao final do segundo módulo é aplicada a prova escrita, apresentação e debate das atividades práticas; 4º encontro presencial - ao final do terceiro módulo encerra-se o curso. Após todos esses procedimentos, é feita a Apresentação Individual do TCC à banca examinadora.
A avaliação final presencial e a apresentação do TCC atendem às exigências da Legislação Educacional Brasileira em vigor: "Os cursos de pós-graduação lato sensu oferecidos a distância deverão incluir, necessariamente, provas presenciais e defesa presencial de monografia ou trabalho de conclusão de curso" (artigo 6º, parágrafo único, resolução CNE/CES nº 1, de 2007).
Quanto aos aspectos negativos na experiência do curso online, tanto os tutores quanto os alunos apontaram a falta de disciplina, o pouco tempo destinado ao TCC, problemas técnicos no ambiente virtual, problemas no computador, o acúmulo de atividades e, em alguns momentos, não ter com quem se comunicar. O tutor B expôs que ficou “uma interrogação muito grande nesse processo todo, que é como se colocar em relação ao aluno quando ele não dá retorno. Qual a hora de parar com o possível resgate desse aluno?”
Com base no que foi exposto, percebe-se que a afetividade, no sentido de se preocupar ou cuidar-se permeia todo o curso na relação professor/aluno/professor, no processo ensino aprendizagem. Sabe-se que durante o percurso surgem diversas situações que podem desviar os alunos do caminho proposto, porém o papel do tutor em ajudar, auxiliar, respeitar, compreender o aluno, permitirá que a proposta da efetivação do processo de aprendizagem no reconhecimento das questões subjetivas possam ser contornadas. O aluno, também, necessita cumprir as propostas almejadas para uma consolidação parceira nesse cenário.
Considerações finais
Percebe-se que as mudanças ocorridas na sociedade nos afetam nas mais diversas formas, e principalmente no modo de viver, de pensar e de se relacionar com os outros. Mudanças essas que se refletem, também, nas formas de relacionamentos nos processos de ensino aprendizagem, como no caso da EAD.
Para a educação a distância, especificamente, as perspectivas sinalizam na direção de um novo tempo e uma presença virtual. Nesse intuito, com o avanço das tecnologias da informação e comunicação tem-se maior facilidade de interconexões entre pessoas e diversos contextos e, consequentemente, precisamos entender o ser humano na sua forma mais ampla, considerando-se as suas diferenças e semelhanças e, sobretudo, tentando compreender a sua afetividade nos modos de ser e estar no mundo.
São muitas as considerações advindas deste estudo, que vêm confirmar a importância de se estabelecer relações pedagógicas permeadas de afetividade, como considerou Serra (2005) os docentes que reconhecem a importância dos laços afetivos estabelecem relações pedagógicas mais satisfatórias.
Não se deve, no entanto, perder de vista que a relação tutor/aluno/tutor é uma via de mão dupla, e requer de ambas as partes o envolvimento, o acolhimento, o cuidado, o respeito e até mesmo as opiniões contrárias. Portanto, foi curioso perceber o quanto, no presente estudo, essa responsabilidade foi atribuída ao tutor, muito mais que aos alunos, por ambas as partes. Contudo, a participação efetiva dos alunos nesta relação não deixou de ser considerada, mesmo que tenham sido oferecidos indícios de que a iniciativa teria de partir, primeiramente do tutor.
Na pesquisa, observou-se, ainda, que mesmo tendo cada colaborador (aluno ou tutor) seus próprios objetivos a serem alcançados, todos esperam o apoio um do outro. O potencial de cada um, tutor e aluno, ao ser considerado dentro de um ambiente afetivo, mesmo entre interações adversas, possibilita a motivação necessária para que os resultados do processo ensino aprendizagem sejam profícuos.
Dessa forma, a partir da pesquisa realizada, foi possível refletir a viabilidade de se fazer educação à distância em um ambiente virtual de aprendizagem com afetividade, porque são gestos, palavras e ações que movem o mundo, a vida, porque é da simplicidade que nasce as grandes conquistas. É no cenário dos sentidos que as relações acontecem, os diálogos são, de fato, refletidos.
Essas considerações suscitam a algumas reflexões, tais como: até que ponto existe a consciência existencial do nosso papel enquanto tutor, enquanto aluno? Será que a modalidade educação à distância ressalta a carência das pessoas na compreensão do mundo subjetivo?
O estudo realizado aponta a necessidade de novas pesquisas que possam vislumbrar cenários de práticas educativas levando em consideração os aspectos subjetivos. Nesse caminho, poder ofertar o diálogo, a escuta, dar voz aos envolvidos nesse processo é de suma importância para a educação na contemporaneidade. Portanto, desvelar novas possibilidades, no âmbito da EAD, promoverá, sempre, novos modos de atenção e acolhimento para a educação nos campos da virtualidade.