1 Introdução
O presente texto traz os resultados de uma pesquisa de mestrado que analisou como a História da Matemática (HM) foi abordada em alguns planos de aula para a Matemática dos anos finais do ensino fundamental. Os planos foram produzidos por professores da educação básica e publicados no Portal do Professor entre 2009 e 2013.
O Portal do Professor é uma plataforma criada e mantida pelo Ministério da Educação (MEC) e alocada no portal deste Ministério. O objetivo geral desse estudo foi o de realizar uma análise discursiva em planos de aula, a partir do referencial metodológico da Hermenêutica de Profundidade.
Este artigo apresenta uma descrição geral dos encaminhamentos da pesquisa, as principais reflexões discutidas no referencial teórico acerca das potencialidades e dificuldades de abordar a HM no ensino da Matemática e uma síntese dos resultados da análise empreendida. As análises revelaram que os recursos à HM indicados nos planos convergem para as possibilidades pedagógicas apontadas no referencial teórico da pesquisa. Além disso, observou-se que o Portal do Professor é um espaço formativo e de autoria, para o acesso e criação de aulas com recursos pedagógicos diversos, dentre os quais se destaca a HM, por professores de todo o país.
2 Potencialidades da História da Matemática para o ensino da Matemática
D’Ambrósio (1999) afirma que é um equívoco separar a Matemática das outras atividades humanas, pois em todas as civilizações a Matemática se faz presente, as suas ideias são percebidas na evolução da humanidade, na busca de soluções para atender as necessidades de diversos grupos. Para D’Ambrósio (1999), o conhecimento global do passado possibilita compreender o presente e mobilizar a criatividade. A pesquisa alinha-se ao pensamento de Garnica e Souza (2012) quanto à HM:
[...] a História da Matemática exercita um diálogo entre História e Matemática, visando a compreender as alterações e permanências nas práticas relativas à produção de matemática; a construir versões sobre como os conceitos matemáticos se desenvolveram e como a comunidade que trabalha (produz) Matemática se organiza/organizava com respeito à necessidade de produzir, usar e compartilhar conhecimentos matemáticos.
(GARNICA & SOUZA, 2012, p. 33).
Segundo Miguel (2014), é possível observar diferentes campos de investigação na História da Matemática, em que se destacam três vertentes:
História da Matemática: que toma a Matemática como objeto de investigação historiográfica;
História da Educação Matemática: toma como objeto de investigação historiográfica todas as práticas educativas mobilizadoras de cultura matemática nos diferentes contextos da atividade humana;
História na Educação Matemática: não visa produzir estudos historiográficos da Matemática e da Educação Matemática, mas propostas de ações didático-pedagógicas em contextos educativos variados.
A vertente que interessa a esta pesquisa é a História na Educação Matemática e, mais particularmente, no ensino desta disciplina: seus argumentos, potencialidades pedagógicas e dificuldades.
As discussões sobre a importância da HM na Educação Matemática são de longa data e foram abordadas de diversas formas no decorrer do tempo. Provavelmente a introdução de elementos históricos na Matemática escolar tenha ocorrido na legislação brasileira já na década de 1930, na Reforma Francisco Campos, por meio do Decreto nº 19.890, de 18 de abril de 1931 e do Decreto nº 21.241 de 4 de abril de 1932, com a inserção das ideias do Movimento da Escola Nova na discussão sobre o ensino básico. “Nesses decretos orienta-se a introdução de problemas curiosos, fatos da história e biografias de nomes relevantes da Matemática” (SILVA, 2015, p. 45).
Nas últimas décadas do século XX, o desenvolvimento da Educação Matemática como campo científico impulsiona, internacionalmente, a busca por abordagens para o ensino que fossem alternativas ao Movimento da Matemática Moderna (MMM)1. Esse foi um dos fatores pelos quais se reascende o interesse pela HM no ensino, dentre outras abordagens pedagógicas, por exemplo, a Resolução de Problemas. Nesse contexto, houve a criação do International Study Group on the Relations between the History and Pedagogy of Mathematics (HPM), na década de 1980. No Brasil, as discussões sobre a HM foram ampliadas, e diversos grupos de pesquisas sobre essa temática foram observados culminando, em 1999, com a criação da Sociedade Brasileira de História da Matemática (SBHMat), no III Seminário Nacional da História da Matemática (Vitória, ES).
Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998), os conceitos matemáticos são apresentados aos alunos sem qualquer referência à sua história, sem demonstrar a Matemática como criação humana, a partir das necessidades de diferentes culturas, em contextos históricos diversos. Muitas vezes, as práticas são focadas nos procedimentos de cálculo e técnicas manipulativas, sem a reflexão.
O que também se observa em termos escolares é que muitas vezes os conteúdos matemáticos são tratados isoladamente e são apresentados e exauridos num único momento.
Quando acontece de serem retomados (geralmente num mesmo nível de aprofundamento, apoiando-se nos mesmos recursos), é apenas com a perspectiva de utilizá-los como ferramentas para a aprendizagem de novas noções. De modo geral, parece não se levar em conta que, para o aluno consolidar e ampliar um conceito, é fundamental que ele o veja em novas extensões, representações ou conexões com outros conceitos.
(BRASIL, 1998, p. 22-23).
Os Parâmetros justificam a HM no ensino da Matemática, da seguinte forma:
Pela análise da história da produção do conhecimento matemático os alunos verificarão também as contribuições significativas de culturas que não tiveram hegemonia política. [...]
Desse modo, é possível visualizar melhor a dimensão da História da Matemática no currículo da escola fundamental como um campo de problemas para construção e evolução dos conceitos e como um elemento de integração da Matemática com o tema Pluralidade Cultural. Conhecer os obstáculos enfrentados pelo homem na produção e sistematização desse conhecimento também pode levar o professor a uma melhor compreensão e aceitação das dificuldades enfrentadas pelos alunos e pensar em estratégias mais adequadas para favorecer a aprendizagem de conceitos e procedimentos matemáticos.
(BRASIL, 1998, p. 33).
As potencialidades da História no ensino da Matemática também são defendidas por Miguel (1993), Tzanakis e Arcavi (2000), Nobre (1996) e Fauvel e Van Maanen (2000), que argumentam que a HM humaniza a Matemática, tornando-a mais interessante e compreensível. Para Miguel (1997), argumentos favoráveis à HM no ensino podem ser divididos em duas categorias: os de natureza epistemológica, relacionados aos condicionantes da aprendizagem, e os de natureza ética, relacionados a atitudes e valores.
Argumentos de natureza epistemológica (foco no conhecimento matemático), nos quais a HM pode ser vista como uma fonte de: motivação para a aprendizagem; seleção de métodos para o ensino; seleção de objetivos de ensino; seleção de tópicos, problemas ou episódios motivadores
Argumentos de natureza ética, nos quais a HM é compreendida como promotora de: formalização de conceitos; tomada de consciência da unidade da Matemática; atitudes e valores; aprendizagem significativa; desmistificação e desalienação do ensino; conhecimento crítico; avaliação dos diferentes usos sociais da Matemática; inclusão social e resgate cultural de grupos sociais excluídos.
O mesmo autor apresenta possíveis dificuldades para a abordagem da HM no ensino:
a falta de literatura sobre o tema. Observa-se que o autor escreveu em 1997, época em que havia pouca literatura sobre a HM. Hoje existem numerosas fontes de pesquisa para a HM no ensino, disponíveis, principalmente, na Internet. Porém ainda há poucas propostas pedagógicas que poderiam subsidiar professores em suas práticas pedagógicas com a HM. Desta forma, o argumento continua válido, mesmo que parcialmente;
a HM, que nem sempre revela a forma como o conhecimento foi construído;
o elemento histórico, que poderia ser um obstáculo, pois ao entrar em contato com problemas históricos originais o aluno poderia sentir dificuldades na reconstituição de um contexto que lhe é desconhecido.
Uma vez que nosso referencial teórico indica potencialidades da HM no ensino e também dificuldades, entende-se que os materiais que podem subsidiar a prática docente nessa abordagem são objeto de interesse tanto para professores como para pesquisadores deste tema. Nesse sentido, os planos de aula publicados no Portal do Professor mostram-se uma fonte de pesquisa para analisar como a HM pode ser abordada como um recurso pedagógico.
3 A Hermenêutica de Profundidade (HP)
A pesquisa desenvolvida é qualitativa e documental, na qual as fontes são os planos de aula elaborados e publicados no Portal do Professor. Inicialmente foram encontrados 741 planos de aula de Matemática para os anos finais do ensino fundamental. Constatou-se alguma abordagem da HM em 71 desses planos. Dos 71, foram selecionados dez planos para as análises, de acordo com os critérios que serão explicitados no item cinco (5) deste artigo.
Para as análises dos planos, apoiou-se no referencial metodológico da Hermenêutica de Profundidade (HP) de Thompson (2011). Este autor propõe uma metodologia para analisar formas simbólicas, isto é, as ações, falas, imagens e textos que são produzidos e reconhecidos por sujeitos como construtos significativos dentro de contextos específicos. Na HP, as formas simbólicas são caracterizadas sob cinco aspectos:
Intencional: entende-se que as formas simbólicas são expressões de um sujeito e para um sujeito ou sujeitos;
Convencional: a elaboração e utilização das formas simbólicas necessitam da utilização de regras, códigos e de convenções variadas;
Estrutural: as formas simbólicas são construções que revelam uma estrutura articulada que podem ser reconhecidas;
Referencial: são construções que representam algo, referem-se a algo sobre alguma coisa;
Contextual: as formas simbólicas estão sempre inseridas em processos e em contextos sócio- históricos específicos;
No trabalho desenvolvido, os planos de aula elaborados e publicados no Portal do Professor foram compreendidos como formas simbólicas, pois:
foram produzidos intencionalmente: o Portal tem um objetivo claro, e tanto os professores que elaboram os planos, como os que os acessam, têm intenções relativas ao objetivo do Portal;
atendem a convenções de regras e códigos: a elaboração das aulas cumpre uma formatação pré-definida. Além disso, a linguagem usada é pertinente ao contexto educacional;
apresentam uma estrutura que pode ser identificada por aqueles que o acessarem;
referem-se a algo: no caso, a conhecimentos matemáticos abordados com a HM;
estão inseridos em um contexto histórico: há uma necessidade pedagógica atual de subsidiar práticas docentes, que motivou a sua produção.
Dessa forma, o referencial metodológico da HP foi considerado adequado para a realização da pesquisa.
A HP estrutura-se em três dimensões, não necessariamente sequenciais, denominadas de análise sócio histórica, análise formal ou discursiva e interpretação/reinterpretação. Em uma primeira dimensão – a análise sócio histórica –, entende-se que as formas simbólicas são produzidas, transmitidas e recebidas em condições sociais e históricas específicas. Tal análise tem como objetivo “reconstruir as condições históricas de produção, circulação e recepção das formas simbólicas” (CARDOSO, 2009, p.29). Na pesquisa, focou-se apenas no contexto da produção das formas simbólicas, considerando-se o contexto educacional da HM no ensino da Matemática e o contexto histórico do Portal do Professor. Tal dimensão compreende a constituição do referencial teórico acerca da HM na Educação Matemática, verificando as formas de abordagem da HM no ensino indicadas pelos pesquisadores da área, suas potencialidades e dificuldades.
As formas simbólicas resultam de ações baseadas em regras e recursos disponíveis ao produtor e também são construções que têm por objetivo expressar algo, de acordo com as suas características e padrões. Assim, Thompson (2011) indica uma segunda dimensão de análise, distinguindo algumas modalidades de realizar a análise formal ou discursiva, dentre as quais se optou pela Análise Discursiva:
é a análise das características estruturais e das relações do discurso, dessa forma, as características estruturais das expressões linguísticas também podem ser analisadas como: comunicações do dia a dia, conversa entre amigos, interações em ambientes diversos, um programa de televisão, etc.
(SILVA, 2015, p. 25).
A partir da análise do contexto (a 1ª dimensão) e do texto (a 2ª dimensão), Thompson (2011) indica a dimensão da síntese, denominada Interpretação/ Reinterpretação. “Trata-se de construir ou reconstruir os significados do discurso. É entender o que foi dito através das formas simbólicas” (CARDOSO, 2009, p. 30). Neste artigo, serão apresentadas as interpretações/ reinterpretações dos planos analisados em conjunto.
4 O Portal do Professor e o Espaço de Aula
De acordo com Bielschowsky (2009), o Portal do Professor é um ambiente que oferece apoio à prática docente para vários níveis e modalidades de ensino, com a disponibilidade de materiais para aulas e recursos educacionais de forma gratuita. Além disso, propicia a troca de experiências entre professores da Educação Básica de todo o país. Nesse ambiente são apresentadas sugestões de aulas do conteúdo programático de cada disciplina e/ou componente curricular, com recursos metodológicos variados, com o objetivo de disseminar experiências educacionais nas e das diferentes regiões do Brasil.
O Portal, lançado em 2008 em parceria com o Ministério da Ciência e Tecnologia, tem como objetivo apoiar os processos de formação dos professores brasileiros e enriquecer a sua prática pedagógica. Este é um espaço público e pode ser acessado por todos os interessados
(BRASIL, 2008).
O histórico de sua criação mostra que ações do MEC em implementar recursos de informática nas escolas públicas brasileiras precede a elaboração do Portal do Professor. O MEC, em parceria com os governos estaduais e municipais brasileiros, promoveu a utilização das tecnologias digitais nas escolas por meio do Programa Nacional de Tecnologia Educacional (ProInfo Integrado)2, criado em 1997, inicialmente com o nome de Programa Nacional de Informática na Educação.
Segundo Bielschowsky (2009), as ações do ProInfo foram divididas em três grandes áreas: a primeira está relacionada à infraestrutura das escolas, em especial à implantação dos laboratórios de informática. A segunda refere-se ao Programa de Capacitação de Professores no uso das tecnologias digitais na educação, com a oferta de cursos de especialização e de atualização. A terceira área refere-se ao oferecimento de conteúdos educacionais e de ferramentas de interação e comunicação aos professores e alunos, em um ambiente de convergência de mídias, como o Canal TV Escola, o Portal do Professor e do Aluno, o Banco Internacional de Objetos Educacionais e programas para a produção de conteúdos.
O Portal do Professor é um ambiente que reúne vários recursos didáticos para as práticas escolares da Educação Básica. O site comporta as páginas Espaço de Aula, Jornal, Multimídia, Cursos e Materiais, Colaborações, Links e Visite Também. Apesar de manter aberto o acesso a qualquer pessoa, tem como público-alvo o professor da Educação Básica. O Portal foi criado em 2008 e recebeu inúmeras postagens de docentes brasileiros, mas, no momento, encontra-se bastante desatualizado. As últimas postagens datam de 2016.
Na página Espaço de Aula é possível ao professor elaborar um plano de aula, de acordo com uma formatação já definida pelo Portal, e disponibilizá-lo para consulta. O próprio Portal define que criar uma aula é descrever uma metodologia usada pelo professor para o desenvolvimento de um tema/conteúdo do currículo. Qualquer professor pode criar e colaborar, desenvolver aulas individualmente, ou em equipe; pesquisar e explorar o conteúdo das aulas e coleções de aulas, porém, a responsabilidade pelo conteúdo delas será do autor . Uma vez postada, a aula fica disponível para livre consulta de qualquer pessoa.
Para Libâneo (1994), uma aula é uma situação didática específica, em que objetivos e conteúdos são desenvolvidos com métodos e modos de realização do ensino, de forma a proporcionar aos alunos conhecimentos e habilidades relacionados a um tema estudado. Ao se criar uma aula no Portal, o professor deve seguir um roteiro com itens que devem ser garantidos em todas: Título, Autoria, Objetivos, Duração da Aula, Palavras-chave, Conhecimentos Prévios Esperados do Aluno, Estratégias e Recursos, Recursos Complementares, Avaliação, Referências. No item Estratégias e Recursos, o professor apresenta a descrição do passo a passo da aula de forma objetiva, destacando a importância de colocar o aluno como autor, através de atividades em que ele – aluno – possa debater, construir, colaborar com outros alunos, registrar e divulgar novos conhecimentos e relacionar o conteúdo ensinado ao dia a dia do estudante, sendo o professor um orientador das atividades propostas.
O Espaço de Aula é um repositório de planos de aula, aberto para consulta. De acordo com as informações disponíveis no site:
Esta área constitui uma comunidade de aprendizagem onde os professores de todo o País podem compartilhar suas ideias, propostas, sugestões metodológicas para o desenvolvimento dos temas curriculares e para o uso dos recursos multimídia e das ferramentas digitais. Espera-se com este espaço criar um intercâmbio de experiências para o desenvolvimento criativo de novas estratégias de ensino e aprendizagem. As atividades disponíveis nesta área são sugestões de professores, em uma proposta colaborativa. Qualquer pessoa pode acessar as sugestões, deixar comentários, classificá-las ou baixá-las para a sua máquina pessoal.
Quem pode criar uma aula? Todos os profissionais de educação, desde que inscritos e logados no ambiente do Portal; caso contrário, as aulas poderão ser somente lidas, classificadas, comentadas ou baixadas. Uma vez logado, o professor terá a possibilidade de criar sua própria aula, inserindo recursos disponíveis no menu Recursos Educacionais. Ele poderá deixá-la em seu espaço pessoal para acesso e edição posteriores ou publicá-la para que outros professores a visualizem e deixem seus comentários
(BRASIL, 2008).
Os planos de aula são categorizados no Espaço de Aula quanto:
ao nível de ensino: Educação Infantil, Educação Profissional, Ensino Fundamental – anos Finais, Ensino Fundamental – Anos iniciais, Ensino Médio;
à modalidade: Educação de Jovens e Adultos – 1º ciclo, Educação de Jovens e Adultos – 2º ciclo, Educação Escolar Indígena;
ao componente curricular: não correspondem apenas às disciplinas escolares, mas também a temas de interesse em cada nível de ensino. No Portal, a Matemática é um componente curricular presente em todos os níveis e modalidades de ensino, menos na Educação Escolar Indígena;
ao tema: dependendo do componente curricular, nível de ensino e modalidade, são diferentes os temas abordados;
unidade federativa;
Ao buscar-se uma sugestão de aula, indica-se ao menos uma das categorias acima, e o Portal oferece sugestões de aulas na busca selecionada. Um mesmo plano pode atender a diferentes categorias, por exemplo, apresentar uma aula disponível para os anos finais do ensino fundamental e também para o ensino médio. Ou, então, ser um plano para Matemática e para a Geografia ao mesmo tempo, por tratar de um assunto em um viés interdisciplinar. Atualmente o Espaço de Aula conta com 752 planos de aula de Matemática para os anos finais do ensino fundamental, sendo que as últimas postagens datam de 2016. Quanto aos temas relacionados à Matemática, nesse nível de ensino, o Portal apresenta 11 opções: Álgebra, Aritmética, Cálculo, Equações, Espaço e Forma, Grandezas e Medidas, Números e Operações, Operações, Radiciação, Sistema de Numeração e Tratamento da Informação.
5 Os planos selecionados no Espaço da Aula
No escopo da pesquisa, na época estavam disponíveis 741 planos de aula de Matemática para os anos finais do ensino fundamental, elaborados e postados no Portal entre 2009 e 2013. A opção por analisar os planos desse nível de ensino deveu-se ao fato de que nesses anos de escolaridade há um conteúdo específico de Matemática a ser trabalhado e, ao mesmo tempo, há um interesse por abordagens didáticas variadas, por parte do professor. Desse total (741), foram encontrados 71 planos de aula que abordam os conteúdos matemáticos por meio da HM. Estes planos estão distribuídos nos temas relatados acima, com exceção do tema Radiciação, para o qual não foi encontrado nenhum plano de aula que abordasse a HM. O número de planos encontrados que abordam da HM por tema está listado no Quadro 1:
TEMA | TOTAL DE AULAS | ABORDAGEM DA HM |
---|---|---|
Álgebra | 94 | 9 |
Aritmética | 34 | 5 |
Cálculo | 46 | 4 |
Equações | 36 | 2 |
Espaço e Forma | 328 | 12 |
Grandezas e Medidas | 165 | 9 |
Números e Operações | 179 | 12 |
Operações | 40 | 3 |
Radiciação | 5 | 0 |
Sistema de Numeração Decimal | 22 | 8 |
Tratamento da Informação | 83 | 7 |
Total | 741 | 71 |
Fonte:SILVA, 2015, p. 34.
Foi realizada a catalogação dos 71 planos encontrados por temas. Entretanto, analisar todos os planos encontrados não era factível em uma pesquisa qualitativa, dentro do tempo disponível para a sua realização.
Assim, foi selecionado, para a análise, um plano de cada um dos dez temas pertinentes à Matemática nos anos finais do ensino fundamental, que abordasse a HM. Os critérios adotados para selecionar os planos foram: ser um de cada tema e de apresentarem abordagens das HM diferentes entre si, o que proporcionou observar diferentes perspectivas sobre a HM em uma proposta pedagógica para todos os temas apresentados no Portal.
Foi realizada uma leitura minuciosa de cada plano, e percebeu-se que, apesar da estrutura das aulas ser a mesma em todos os planos, os autores mobilizaram os itens com diferentes estratégias, de acordo com as finalidades de suas aulas. Buscou-se verificar o significado de cada item para a composição da aula, focando na presença da HM em cada um deles, na escrita dos professores e nas ilustrações presentes nos planos. Procurou-se ver de que forma a HM foi abordada, confrontando o referencial teórico, buscando convergências ou até mesmo formas diferentes de se abordar a HM.
No Quadro 2 estão as primeiras informações decorrentes da análise das aulas selecionadas. Nas colunas do Quadro 2, podem ser observados:
Aula | Título | Tema | Autores e Ano de criação | Forma de abordagem da HM | Itens com presença de HM | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
A | B | C | D | E | F | |||||
1 | Quanto vale o x? | Álgebra | AMARAL, M. A. et al. 2012 | História da Álgebra nos objetivos | ||||||
2 | Será que isso tem base? | Aritmética | GUIMARÃES, R. S. et al. 2010 | Vídeo sobre o surgimento do zero. | ||||||
3 | De onde vem o dinheiro? | Cálculo | MACHADO, S. 2009 | História do dinheiro Vídeo: salário | ||||||
4 | Desafios com sistemas de equações do 1º grau | Equações | BATISTA, H. J. et al. 2009a | História da equação Álgebra Quiz em sites | ||||||
5 | Gincana Matemática | Espaço e Forma | PAULA, E. F 2009 | Perguntas sobre a HM | ||||||
6 | Jogando e conhecendo o Plano Cartesiano | Grandezas e Medidas | BATISTA, H. J. 2009b | História do Matemático René Descartes e sua relação com o estudo do Plano Cartesiano | ||||||
7 | Iniciação à alfabetização cartográfica: utilizando a história dos números para a motivação dos alunos | Números e Operações | PASSOS, E. O. 2013 | Histórico da construção do sistema numérico | ||||||
8 | Soroban: o que é e como se utiliza? | Operações | MATTIAZZO, B. P. et al. 2010 | História e uso do Soroban | ||||||
9 | Números primos e compostos | Sistema de Numeração Decimal | GUIMARÃES, R. S. et al. 2009 | História como estratégia e conteúdo no dia a dia. Sugestão de leitura sobre a história de matemático no recurso complementar | ||||||
10 | A estatística do cotidiano | Tratamen-to da Informação | BATISTA, H. J et al. 2009c | História da Estatística |
Fonte: Adaptado de SILVA, 2015, p. 37.
dados iniciais do plano: título, ano de criação, autoria;
uma primeira informação resultante da análise discursiva, com a forma de abordagem da HM na aula proposta;
os itens da aula que apresentam identificação da presença da HM, sendo: A = Objetivos da aula; B = Conhecimentos prévios requeridos do aluno; C = Estratégias e recursos; D = Recursos complementares; E = Avaliação da aula; F = Referências.
6 As Interpretações e Reinterpretações
Na HP as interpretações são construídas ao longo do processo de cada uma das análises – a sócio histórica e a formal ou discursiva –, e na síntese serão relacionadas e reinterpretadas. Nesta terceira dimensão da HP, reflete-se sobre os dados obtidos anteriormente, relacionando contextos e elementos de forma a construir um significado.
Todas as aulas apresentam os itens sugeridos no roteiro do Espaço da Aula, mas ao preencher cada um desses itens, o autor mobiliza os seus saberes de formas diferentes, de acordo com o tema e suas intenções. De forma geral, pode-se destacar que, nas dez aulas selecionadas, a HM é abordada no item Estratégias e Recursos, em que o autor do plano descreve os métodos e atividades de sua proposta. Isso indica que os autores consideram a HM como um importante recurso para a aprendizagem. O próprio Portal sugere aos autores que utilizem estratégias e recursos criativos e motivadores (vídeos, animações, objetos educacionais de aprendizagens, pesquisa). Dessa forma, infere-se que o autor do plano, ao utilizar a HM nesse item, considera-a motivadora aos alunos, tomando-a como um recurso criativo.
Nas aulas um (1), três (3) e oito (8), a HM é abordada no item Objetivos, que se refere ao que se espera que o aluno aprenda. Nesses planos a HM foi abordada como um conteúdo a ser aprendido. Também na aula sete (7), embora não seja no item Objetivos, a HM é apresentada dessa forma, pois o autor propõe que a história do conceito seja revisada e, no campo Avaliação, busca verificar se o aluno compreendeu a história do conceito matemático proposto. Considera-se importante que a HM seja abordada como um conteúdo a ser aprendido, porém, deve-se tomar o cuidado para que não seja apresentada como mera informação e, sim, com o propósito de proporcionar a problematização e a relação com os outros conhecimentos.
Nas aulas um (1), seis (6), sete (7), oito (8) e nove (9), a HM é abordada nos Recursos Complementares, que trazem sugestões de fontes e atividades extras como textos, vídeos, portais, blogs, áudios, relacionados com o tema da aula e que não foram utilizados nas Estratégias. Esse campo serve como uma fonte para o aprofundamento no tema, tanto para professores, como para os alunos.
Somente na aula sete (7), a HM aparece no item Referências. Esse campo se assemelha às referências bibliográficas presentes nos trabalhos acadêmicos. Na aula sete (7), os materiais sugeridos foram fontes para a sua elaboração, apresentando livros e links para acesso a materiais sobre a história do conceito proposto para essa aula. Considera-se que é importante que o professor conheça a história do conceito que ensinará, pois ele poderá usar esse conhecimento de forma direta ou indireta em suas aulas, de acordo com as suas intenções. Na aula sete (7), a HM estava presente em quase todos os itens estruturais do plano, o que denota a relevância da HM para esse autor.
Nas aulas analisadas, percebeu-se a abordagem marcante da HM como introdução de conteúdos e a apresentação de biografias de matemáticos. Corroborando o referencial teórico constituído, que considera essa abordagem superficial, considera-se que a mera introdução da HM ou de biografias na aula não garante a aprendizagem de conceitos. Pois dependerá da forma e das finalidades do professor com esse tipo de abordagem: se ocorrerá apenas a apresentação, ou se haverá problematizações e construção de relações com o conceito a ser aprendido, buscando significado aos conceitos.
O referencial teórico constituído na pesquisa apontou a existência de uma variedade de possibilidades para abordar a HM no ensino, dentre as quais se destacam: conteúdo a ser ensinado; e motivação para a aprendizagem; para pensar a Matemática como uma construção humana e coletiva, contextualizadora de problemas ou como recurso para vincular a Matemática a outras disciplinas. Tais possibilidades convergem às formas de abordagem sugeridas nos planos analisados:
a compreensão de como os conceitos matemáticos se desenvolveram ao longo do tempo;
o material didático para apoio das aulas;
a motivação para a aprendizagem;
a introdução de conceitos;
a abordagem histórica como revisão de conceitos já ensinados;
a história de teorias matemáticas e biografias de matemáticos;
o enriquecimento do conhecimento do professor;
a apresentação da Matemática como construção humana: um produto de diferentes culturas;
o conteúdo, para compreensão da trajetória de conceitos e métodos da Matemática;
a compreensão do avanço tecnológico, a partir da herança cultural de gerações passadas.
Além disso, o referencial teórico também aponta dificuldades para a abordagem pedagógica da HM, e, em alguns dos planos analisados, pode ser constatada uma delas: a HM abordada como mera apresentação de fatos e biografias, sem ser problematizada e relacionada com o conceito proposto, sendo usada superficialmente.
7 Considerações Finais
O referencial da Hermenêutica de Profundidade vem sendo aplicado em algumas pesquisas da Educação Matemática, mas ainda em um número pequeno delas, de modo que é um referencial em processo de consolidação. Entretanto, já se mostrou bastante adequado às análises de materiais didáticos, como livros e planos de aula, pois podem ser considerados formas simbólicas, no sentido de Thompson (2011).
Por seu turno, o Portal do Professor do MEC é um site pouco conhecido e desatualizado. Apesar disso, é uma fonte interessante para pesquisas em Educação Matemática, bem como para materiais para a prática docente. Nesse conjunto de aulas é possível encontrar várias possibilidades de recursos pedagógicos, dentre os quais, a História da Matemática (HM).
Considera-se que, de alguma forma, os autores dos planos de aula selecionados tiveram acesso às possibilidades de abordagem da HM referenciadas na pesquisa. Mobilizaram esses saberes nas diferentes partes estruturais de seus planos, porém, de forma marcante, no item Estratégias e Recursos, revelando a HM como um recurso metodológico importante.
Apesar do Portal do Professor ser um ambiente de consulta e de pouca interação entre os professores, pode-se considerá-lo um espaço formativo, pois possibilita ao professor compartilhar e acessar saberes experienciais que, de acordo com Tardif (2011), tratam-se da mobilização de variados conhecimentos e formas de saber-fazer diferentes, sendo o saber experiencial um saber heterogêneo, que poderá ser acessado "a partir de fontes diversas, em lugares variados, em momentos diferentes: história de vida, carreira, experiência de trabalho" (TARDIF, 2011, p. 109).
Finalizando, a pesquisa mostrou a HM como um conhecimento que pode ser aprendido e ser abordado para o ensino de conceitos e como um recurso para apoiar o professor nas suas práticas docentes. A HM é uma possibilidade relevante, dentre outras, a ser considerada pelo professor, de acordo com os seus objetivos, apresentando a Matemática como criação humana de diferentes culturas.