1 Introdução
Mediante o crescimento das matrículas nas Instituições de Ensino Superior (IES) brasileiras torna-se necessário que as coordenações de cursos e os serviços de apoio estudantil deem especial atenção à adaptação acadêmica e à motivação do estudante (BRASIL, 2019). Ambos os construtos foram investigados no presente estudo, tendo como objetivo principal analisar as relações existentes entre a adaptação acadêmica e a motivação para a aprendizagem, sob a perspectiva das metas de realização. Esta pesquisa partiu do pressuposto de que a adaptação acadêmica pode refletir na motivação para a aprendizagem e as repercussões disso tendem a acompanhar o estudante ao longo da sua trajetória acadêmica (ALMEIDA, 2019; SANTOS; FERRAZ; INÁCIO, 2019; SOARES; POUBEL; MELLO, 2009).
A adaptação acadêmica refere-se à adequação do estudante às demandas provenientes do ensino superior em um processo que envolve os componentes pessoais, emocionais, sociais e institucionais, o planejamento de carreira e o estudo (ARAÚJO et al., 2014). Nessa perspectiva, os aspectos pessoais e emocionais referem-se à autoestima e ao bem-estar físico e psicológico ligados à inserção do aluno no ambiente universitário. As questões sociais remetem à qualidade das relações interpessoais estabelecidas pelo estudante com seus colegas de curso, bem como com os seus professores e demais funcionários da IES (ARAÚJO et al., 2014; SOARES et al., 2019; TOMÁS, 2014).
O papel institucional na adaptação acadêmica se dá nas condições oferecidas pela IES ao estudante, relativas à sua infraestrutura (p. ex., bibliotecas, salas de estudo, entre outros), à qualidade do ensino (p. ex., grade curricular) e às informações sobre o acesso do estudante aos serviços ofertados (p. ex., núcleos de apoio aos estudantes com dificuldades de aprendizagem) (FAGUNDES, 2012). Por sua vez, o planejamento de carreira alude aos planos e à exploração de carreira, os quais advêm de uma análise contextual feita pelo aluno acerca das relações existentes entre os aspectos socioeconômicos, as profissões que estão em alta no mercado de trabalho e as políticas educativas da IES (ARAÚJO et al., 2014; FAGUNDES, 2012). O componente estudo está ligado a alguns comportamentos adotados pelo estudante durante a sua formação acadêmica que podem ou não favorecer a qualidade daquilo que é aprendido (p. ex., estudante que organiza de forma eficaz as anotações depois das aulas para ajudá-lo a estudar) (ARAÚJO et al., 2014).
Aferir esses componentes auxilia na verificação do quanto o estudante está ou não adaptado ao ambiente acadêmico. O aluno bem adaptado costuma empreender maiores esforços nas atividades acadêmicas e apresenta maior facilidade para desenvolver as habilidades requeridas em cada área do conhecimento (TOMÁS et al., 2014). Esses ganhos se relacionam com a sua permanência no curso e com a apresentação de um bom rendimento acadêmico (ALMEIDA, 2019; ARAÚJO et al., 2014; PORTO; SOARES, 2017; SOARES et al., 2014). Referente aos aspectos interpessoais, o incentivo ao estabelecimento de relações entre os estudantes ingressantes e concluintes fomenta o engajamento e a integração acadêmica, o que favorece a transição dos estudantes que estão iniciando no contexto universitário (CORNELIUS; WOOD; LAI, 2016). A respeito dos componentes pessoais, o perfeccionismo, desde que não apresentado de forma exacerbada, contribui para que o aluno se adapte às demandas do curso, no sentido de se engajar nas tarefas, ao passo que o uso abusivo de álcool e o estresse, por exemplo, demonstram ser desfavoráveis à adaptação acadêmica (MONTGMOMERY et al., 2017).
Aliada à adaptação acadêmica, é igualmente importante considerar a motivação para a aprendizagem, uma vez que estudantes mais motivados tendem a se esforçar mais, a persistir diante das dificuldades e apresentar um senso maior de responsabilidade quanto ao desempenho e à qualidade do aprendizado (BZUNECK; BORUCHOVITCH, 2016, 2019; MEGA; RONCONI; DE BENI, 2014). Dessa maneira, a motivação favorece o rendimento acadêmico, bem como está ligada à autopercepção do aluno acerca do seu desenvolvimento no curso (DALBOSCO; FERRAZ; SANTOS, 2018; MEGA et al., 2014).
A motivação para a aprendizagem é um construto psicológico de natureza multidimensional, sendo que, neste estudo, buscou-se investigá-la por meio das metas de realização. Essas metas referem-se ao modo como o estudante percebe e lida com as diferentes situações presentes no processo de ensino e aprendizagem, o que se reflete no seu comportamento em sala de aula (AMES, 1992; BZUNECK; BORUCHOVITCH, 2016, 2019). As metas de realização se constituem de crenças constituídas por aspectos cognitivos e afetivos, expressas por meio de três diferentes tipos de perfis (orientações) motivacionais, a saber: a meta aprender, a meta performance-aproximação e a meta performance-evitação (BZUNECK; BORUCHOVITCH, 2019; DUFFY; AZEVEDO, 2015; ZENORINI; SANTOS, 2010a).
A meta aprender pode ser identificada no estudante que se dedica às atividades acadêmicas com o objetivo principal de aumentar o seu conhecimento. Esse perfil motivacional está associado à curiosidade, à criatividade, à proatividade e à autonomia. Essas características contribuem para que o aluno se mantenha motivado até mesmo em tarefas que exigem maior esforço pessoal, em decorrência da sua predileção por atividades desafiadoras e que o enriqueçam intelectualmente (AMES, 1992; BZUNECK; BORUCHOVITCH, 2019; HULLEMAN et al., 2010).
As metas performance-aproximação e performance-evitação evidenciam a preocupação do estudante acerca dos seus méritos acadêmicos (BZUNECK; BORUCHOVITCH, 2019; HULLEMAN et al., 2010). A orientação pela meta performance-aproximação se expressa no estudante motivado ao tornar evidente o seu sucesso acadêmico. Por conta disso, identifica-se a necessidade de se sair melhor que os colegas de sala, seja por meio de notas mais altas ou pela liderança dos grupos (AMES, 1992; BZUNECK; BORUCHOVITCH, 2019). Por sua vez, o perfil da meta performance-evitação é marcado pela sensação de inferioridade do aluno ao se comparar com os demais colegas de curso, no sentido de se perceber pouco inteligente e incapaz. Esse perfil motivacional é fortemente marcado pelo esforço do estudante em evitar o fracasso acadêmico (ANDERMAN et al., 2010).
É importante ponderar que, apesar de as metas de realização apresentarem características que as diferem entre si, o estudante pode ser orientado por mais de uma meta, o que ocorre de forma alternada ou conjunta (BZUNECK; BORUCHOVITCH, 2019). A prevalência de uma meta de realização em detrimento de outra se deve majoritariamente à associação dos aspectos pessoais do estudante com o ambiente acadêmico, relativo, por exemplo, à configuração da sala de aula – a relação estabelecida com os professores e colegas e, também, o modo como as práticas avaliativas e o sistema de notas são expostos ao aluno (AMES, 1990; ANDERMAN et al., 2010; BZUNECK; BORUCHOVITCH, 2019).
Nas pesquisas envolvendo as metas de realização, é verificado que a meta aprender está associada à sensação de pertencimento do estudante à universidade, com a habilidade de refletir sobre a própria aprendizagem, o gerenciamento do tempo e a realização das atividades acadêmicas (DALBOSCO et al., 2018; WON; WOLTERS; MUELLER, 2017). Alunos que apresentam alta autopercepção de desempenho acadêmico tendem a ser orientados pela meta aprender, ao passo que aqueles com baixa autopercepção apresentam características da meta performance-evitação (DALBOSCO et al., 2018). Em um estudo longitudinal com duração de dois anos, Duchesne e Larose (2018) constataram que a competência acadêmica autopercebida aumentava a adesão dos estudantes às metas aprender e performance-aproximação e, consequentemente, reduzia as características da meta performance-evitação.
No que diz respeito à existência de associações entre a adaptação acadêmica e as metas de realização, Santos et al. (2011) verificaram a relação entre a meta aprender e as habilidades acadêmicas, enquanto que as metas performance-aproximação e performance-evitação associaram-se às condições de estudo e ao desempenho acadêmico, e, ainda, a meta performance-evitação esteve ligada ao compromisso com o curso (SANTOS et al., 2011). Ao tratar da motivação de maneira geral, os estudantes que percebiam o apoio ao desenvolvimento da sua autonomia demonstraram-se mais engajados em aulas que exigiam maior exposição (p. ex., falar em público) em comparação com aqueles que eram sujeitos ao controle dos professores (ESPEJO, 2018).
Conforme indicado inicialmente, o presente estudo teve por objetivo analisar as correlações e o potencial preditivo da adaptação acadêmica para as metas de realização. Adicionalmente, foram examinadas as possíveis diferenças na adaptação acadêmica e na orientação pelas metas de realização em razão das variáveis sexo, tipo de IES (pública ou privada) e momento do curso. Nesta última variável, foram considerados os estudantes ingressantes, do meio do curso (intermediários) e concluintes.
2 Método
2.1 Participantes
Participaram deste estudo 236 estudantes brasileiros de IES, de diversos estados brasileiros, públicas (n = 166) e privadas (n = 70). As idades dos participantes variaram de 18 a 50 anos (M = 23,61; DP = 5,50), sendo a maioria do sexo feminino (n = 176; 75,2%). Os estudantes estavam matriculados em diversos cursos (Administração, Análise e Desenvolvimento de Sistemas, Arquitetura e Urbanismo, Arquivologia, Bacharelado Interdisciplinar em Artes, Bacharelado Interdisciplinar em Ciência e Tecnologia, Bacharelado Interdisciplinar em Humanidades, Bacharelado Interdisciplinar em Saúde, Biomedicina, Biotecnologia, Ciência da Computação, Ciências Biológicas, Ciências Contábeis, Ciências Sociais, Design, Direito, Enfermagem, Engenharias, Farmácia, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Gênero e Diversidade, Geografia, Geologia, Gestão de Recursos Humanos, Jornalismo, Lazer e Turismo, Letras, Medicina, Nutrição, Odontologia, Pedagogia, Psicologia, Publicidade e Propaganda, Secretariado Executivo, Serviço Social), nos períodos matutino (n = 141), vespertino (n = 39) e noturno (n = 56). Desses estudantes, n = 21 eram ingressantes, n = 89 estavam no meio do curso e n = 87, concluintes (n = 39 não disponibilizaram esta informação).
2.2 Instrumentos
Questionário de Adaptação Acadêmica ao Ensino Superior (QAES) (ARAÚJO et al., 2014). Esse instrumento, que avalia a adaptação acadêmica de estudantes do ensino superior, é composto por 40 itens distribuídos em cinco fatores que representam os componentes da adaptação acadêmica: o Planejamento de Carreira, a Adaptação Social, a Adaptação Pessoal-Emocional, a Adaptação ao Estudo e a Adaptação Institucional. O instrumento é respondido por meio de uma escala Likert, em que 1 representa discordo totalmente e 5, concordo totalmente. Pontuações mais elevadas no QAES indicam maior adaptação acadêmica e vice-versa. O QAES possui evidência de validade baseada na estrutura interna e nos valores de consistência interna (coeficiente alfa) acima de 0,70 para os cinco fatores que o compõem, verificado em uma amostra de estudantes de uma IES privada (DALBOSCO, 2018). Para a amostra do presente estudo, os coeficientes alfa variaram de 0,82 a 0,93.
Escala de Motivação para Aprendizagem de Universitários (EMAPRE-U) (ZENORINI; SANTOS, 2010b). Essa escala, que avalia a motivação para a aprendizagem de estudantes do ensino superior por meio das metas de realização, é composta por 28 itens divididos em três fatores que representam os perfis motivacionais Meta Aprender, Meta Performance-Aproximação e Meta Performance-Evitação. A EMAPRE-U é respondida em uma escala tipo Likert de três pontos em que 1 significa concordo; 2, não sei; e 3, discordo. Para os três fatores, pontuações mais altas sugerem maior orientação por essas metas de realização e vice-versa. A EMAPRE-U possui evidência de validade baseada na estrutura interna e estimativas de fidedignidade conferida em amostras de estudantes de IES privadas (SANTOS; ALCARÁ; ZENORINI, 2013; SANTOS; MOGNON, 2016). Na amostra investigada neste estudo, os coeficientes alfa variaram de 0,84 a 0,91.
2.3 Procedimento de coleta de dados
Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em pesquisa ao qual está vinculada e seguiu todos os procedimentos previstos pela Resolução CNS 510/2016 (Brasil, 2016). A coleta de dados foi realizada de forma on-line por meio do Formulários Google. O link da pesquisa foi divulgado via redes sociais (Facebook e WhatsApp) pelo sistema snowball sampling. Responderam aos instrumentos somente os estudantes que aceitaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O tempo médio de resposta foi de 25 minutos. Os dados foram coletados no segundo semestre de 2017.
2.4 Procedimento de análise de dados
Os dados foram analisados por meio dos softwares MPlus (versão 7.11) (MUTHÉN; MUTHÉN, 2012) e Statistical Package for Social Sciences (SPSS; versão 22.0). Realizaram-se análises descritivas em vias de caracterizar a amostra e verificar as médias e desvios padrão do QAES e da EMAPRE-U. As análises inferenciais utilizadas foram a análise de correlação produto-momento de Pearson, a modelagem por equações estruturais (SEM), o teste t de Student, o d de Cohen, a análise de variância ANOVA e a prova post hoc de Tukey. As magnitudes das correlações basearam-se em Dancey e Ready (2013) – de 0,1 a 0,3 (fraco); de 0,4 a 0,6 (moderado); de 0,7 a 0,9 (forte); e 1 (perfeito). O tamanho do efeito da significância estatística do d de Cohen baseou-se no referencial de Cohen (1988) – a partir de 0,2 (fraco); de 0,3 a 0,5 (moderado); de 0,6 a 0,80 (grande). A adequação dos índices de ajuste da SEM fundamentaram-se nos valores indicados por Marôco (2014) – Confirmatory Fit Index (CFI) e Tucker-Lewis Index (TLI) valores até 0,95 (bom ajuste); Root Mean Square Error of Approximation (RMSEA), valores até 0,05.
3 Resultados
Primeiramente verificou-se a correlação entre os fatores do QAES e da EMAPRE-U, bem como as médias e os desvios padrão obtidos pelos estudantes nesses instrumentos. Este resultado é apresentado na Tabela 1 e comentado a seguir.
Fatores QAES/EMAPRE-U |
1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | 7 | 8 | M | DP |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
1. Projeto de Carreira | - | 0,24* | -0,19* | 0,38* | 0,44* | 0,18* | 0,05 | -0,15*** | 3,76 | 1,01 |
2. Adaptação Social | - | - | -0,18* | 0,24* | 0,27* | 0,10 | -0,05 | -0,10 | 3,69 | 0,96 |
3. Adaptação Pessoal-Emocional | - | - | - | -0,25* | -0,23* | -0,04 | -0,04 | 0,26* | 3,39 | 1,08 |
Adaptação ao Estudo | - | - | - | - | 0,36* | 0,34* | 0,16** | -0,12 | 3,18 | 0,84 |
Adaptação Institucional | - | - | - | - | - | 0,17** | 0,12 | -0,09 | 3,18 | 0,82 |
Meta Aprender | - | - | - | - | - | - | -0,02 | -0,37* | 2,45 | 0,40 |
Meta Performance-Aproximação | - | - | - | - | - | - | - | 0,29* | 1,63 | 0,59 |
Meta Performance-Evitação | - | - | - | - | - | - | - | - | 1,99 | 0,68 |
*p < 0,001;
**p < 0,01;
***p < 0,05.
Em negrito, as correlações estatisticamente significativas entre os fatores do QAES e da EMAPRE-U.
Fonte: Autoria própria
As análises descritivas (Tabela 1) mostram que os estudantes tenderam a apresentar maior média para o Projeto de Carreira como fator ligado à adaptação acadêmica. A Adaptação ao Estudo obteve a menor média. Quanto às metas de realização, houve maior média para a meta aprender e menor média para a meta performance-aproximação.
As correlações dos fatores do QAES e da EMAPRE-U que foram estatisticamente significativas apresentaram magnitude que variaram de fraca a moderada. O fator do QAES Projeto de Carreira correlacionou-se positivamente com a Meta Aprender, resultado que indica que apresentar adaptação nesse fator está ligado ao interesse do estudante em dedicar-se à graduação para estar bem preparado para exercer uma futura profissão. O sentido negativo do Projeto de Carreira e a Meta Performance-Evitação sugerem que a inadaptação nesse fator pode fazer que o estudante subestime a sua capacidade para desempenhar a profissão escolhida.
Por sua vez, o sentido positivo da correlação entre a Adaptação Pessoal-Emocional e a Meta Performance-Evitação indica que o desconforto com a rotina acadêmica, expresso por ansiedade e irritabilidade, pode estar associado a esse tipo de orientação motivacional. A relação positiva entre a Adaptação ao Estudo e a Meta Aprender aponta para o empenho nas atividades acadêmicas dos estudantes que se encontram adaptados nesse fator. No caso da orientação pela Meta Performance-Aproximação, o sentido positivo da correlação indica que estar adaptado ao estudo também se associa ao esforço do estudante para tirar notas altas nas disciplinas do curso.
As demais correlações para os fatores do QAES e da EMAPRE-U não apresentaram significância estatística. Esse resultado sugere que, para a amostra avaliada, principalmente a Adaptação Social e a Adaptação Institucional não estavam relacionadas com a motivação para a aprendizagem. Com o objetivo de explorar as relações existentes entre a adaptação acadêmica e as metas de realização, a Figura 1 traz os coeficientes de predição dos fatores do QAES para os fatores da EMAPRE-U, bem como os valores da variância explicada obtidos por meio da modelagem por equações estruturais.
O modelo apresentado na Figura 1 obteve χ2/gl = 6,01 e os seguintes índices de ajuste: CFI = 0,91; TLI = 0,92; RMSEA = 0,04 (intervalo de confiança de 95% [IC 95%] 0,041-0,045). Os fatores do QAES Pessoal-Emocional e Estudo explicaram 22% da variância explicada da Meta Aprender (p < 0,001), 8% da Meta Performance-Aproximação (p = 0,04) e 11% da Meta Performance-Evitação (p = 0,02). O fator Adaptação Pessoal-Emocional do QAES predisse as orientações motivacionais da Meta Performance-Evitação (β = -0,17) e da Meta Aprender (β = 0,30). O sinal positivo do coeficiente de predição indica que a falta de adaptação pessoal e emocional pode levar o estudante a aderir a um perfil motivacional pela meta performance-evitação, enquanto o sinal negativo sugere que a adaptação nessa dimensão tende a levar o estudante a motivar-se pela meta aprender. Ademais, a Adaptação ao Estudo predisse a motivação do estudante nos fatores da EMAPRE-U Meta Aprender (β = 0,38) e Meta Performance-Aproximação (γ = 0,25).
Na comparação das médias dos fatores do QAES e a variável sexo, o teste t de Student não indicou diferenças estatisticamente significativas (p > 0,05). O tamanho do efeito da significância estatística indicado pelo teste d de Cohen para os fatores desse instrumento foi nulo (d < 0,2). Em relação à orientação pelas metas de realização, as mulheres apresentaram maior média na Meta Performance-Evitação (M = 2,07; DP = 0,67) quando em comparação com os homens (M = 1,72; DP = 0,65), valor t = 3,277; p = 0,001; d = 0,5, indicativo de tamanho moderado do efeito estatístico. Não se identificaram diferenças estatisticamente significativas nas médias das mulheres e dos homens para os fatores Metas Aprender e Meta Performance Aproximação. O tamanho do efeito estatístico para os fatores da EMAPRE-U variou de fraco (d = 0,2; Meta Performance-Aproximação) a moderado (d = 0,3; Meta Aprender).
A comparação das diferenças no QAES entre os tipos de IES indicou que os estudantes das instituições privadas estavam mais adaptados ao estudo (M = 3,37; DP = 0,84) quando em comparação com os estudantes das instituições públicas (M = 3,09; DP = 0,82); valor t = -2,307; p = 0,02; d = 0,3 (moderado). Os demais fatores do QAES não apresentaram diferenças estatisticamente significativas (p > 0,05) e o tamanho do efeito foi nulo (d < 0,2). Na EMAPRE-U, os estudantes de IES públicas apresentaram maior média na meta performance-evitação (M = 2,05; DP = 0,69) do que os estudantes das instituições privadas (M = 1,84; DP = 0,65); valor t = 2,155; p = 0,03; d = 0,3 (moderado). As demais metas de realização não se diferenciaram em termos de significância estatística e o tamanho do efeito estatístico foi fraco (d = 0,1; Meta Performance-Aproximação e d = 0,2; Meta Aprender).
Quanto ao momento do curso, o resultado da análise de variância ANOVA indicou uma diferença estatisticamente significativa apenas para o fator do QAES Adaptação ao Estudo. A prova post hoc de Tukey diferenciou as médias em dois subconjuntos, em que os estudantes ingressantes pontuaram maior média (M = 3,41) do que aqueles que estavam no meio do curso (M = 3,08), F (2, 234) = 3,207, p = 0,04. Na EMAPRE-U, os estudantes intermediários tiveram maior média no fator Meta Performance-Aproximação (M = 1,81) quando em comparação com os concluintes (M = 1,48); F (2, 234) = 6,177, p = 0,002. Para os demais fatores do QAES e da EMAPRE-U não houve diferenciação estatisticamente significativa (p > 0,5).
4 Discussão
Os resultados do presente estudo indicaram a existência de relações entre alguns componentes da adaptação acadêmica e a orientação motivacional pelas metas de realização. Essas relações foram averiguadas tanto em nível correlacional como preditivo. As correlações entre o componente da adaptação acadêmica projeto de carreira e as metas aprender e performance-evitação são indicativos das expectativas que os estudantes possuem em relação ao curso, uma vez que frequentar o ensino superior configura-se um meio para a obtenção da realização profissional (ALMEIDA, 2019; ARAÚJO et al., 2014).
À vista disso, torna-se necessário que as IES atualizem os seus currículos em consonância com as exigências do mercado de trabalho, principalmente à luz das novas tecnologias e da transmissão de novos conhecimentos. Essa atualização deve ser transmitida aos estudantes de modo que eles percebam que estão recebendo uma formação adequada e de qualidade (ALMEIDA, 2019). Como reflexo, a promoção da adaptação acadêmica voltada ao planejamento da carreira pode favorecer a orientação motivacional pela meta aprender, o que confere maiores chances de o estudante se envolver nas atividades ligadas ao curso. Por consequência, a adaptação ao projeto de carreira pode diminuir a adesão do estudante à meta performance-evitação, o que é visto como benéfico para a sua saúde mental, uma vez que a orientação por essa meta está associada a altos índices de ansiedade e também, pela ausência de protagonismo do estudante em relação à sua aprendizagem (ANDERMAN et al., 2010; BZUNECK; BORUCHOVITCH, 2019).
Neste estudo também se averiguou que a adaptação pessoal e emocional é preditora da meta aprender. Investir nesse componente da adaptação acadêmica pressupõe que o estudante desenvolva um controle maior das situações e também da ansiedade, sendo que esses aspectos contribuem para que o aluno se torne mais ativo no ambiente acadêmico (BZUNECK; BORUCHOVITCH, 2019; DALBOSCO et al., 2018). A adaptação pessoal-emocional também foi preditora da meta performance-evitação. achado que denota que as dificuldades de adaptação nesse componente resultam em baixos níveis de bem-estar físico e psicológico, tendendo a causar um desconforto considerável no estudante durante a realização das atividades acadêmicas e, principalmente, quando ele está prestes a receber as notas das avaliações (BZUNECK; BORUCHOVITCH, 2019).
A adaptação ao estudo foi preditora tanto da meta aprender como da meta performance-aproximação. A literatura indica que o domínio de habilidades que favorecem o estudo, como o gerenciamento do tempo, a organização do espaço físico para estudar e a utilização de estratégias de aprendizagem condizentes com as especificidades das tarefas acadêmicas, está associado aos perfis motivacionais das metas aprender e performance-aproximação (BZUNECK; BORUCHOVITCH, 2019; DALBOSCO et al., 2018; DUCHESNE; LAROSE, 2018; WON et al., 2017). Diante desse resultado, aponta-se para os efeitos positivos de trabalhar a adaptação ao estudo visando à articulação dessas duas metas de realização. Ações dessa natureza pressupõem um envolvimento mais saudável do estudante com a rotina de estudos, pois tirar boas notas e apresentar interesse em aprender coisas novas para aumentar o seu conhecimento têm grande potencial para elevar a motivação (BZUNECK; BORUCHOVITCH, 2019; DALBOSCO et al., 2018).
Vale mencionar que, apesar de os coeficientes de correlação e de predição não apresentarem significância estatística para a adaptação institucional e social e as metas de realização, esses componentes devem ser considerados nas ações das IES para promover a adaptação dos estudantes ao contexto acadêmico, principalmente no momento de entrada no ensino superior (ALMEIDA, 2019). Isso porque conhecer os espaços e os serviços ofertados pela IES, bem como receber o apoio dos colegas de turma e professores ao longo do curso, contribui para que o aluno se sinta integrado ao ambiente acadêmico (ALMEIDA, 2019; SOARES et al., 2019).
Neste estudo não houve diferenciação nos componentes da adaptação acadêmica entre estudantes homens e mulheres, em consonância com outros estudos que também não verificaram essa distinção (MOGNON; SANTOS, 2013; TOMÁS et al., 2014). Sugere-se, todavia, a elaboração de novas pesquisas com a proposta de explorar possíveis diferenças nessa variável, uma vez que existem indícios de distinções na percepção de homens e mulheres em relação ao compromisso com o curso, com o desenvolvimento de habilidades para o estudo (SANTOS et al., 2011) e com a qualidade das relações interpessoais (SANTOS et al., 2019).
Quanto à orientação pelas metas de realização, verificou-se que as mulheres eram mais orientadas pela meta performance-evitação do que os homens. Resultado diferente foi identificado em outros estudos, em que as mulheres eram mais orientadas pela meta performance-aproximação quando em comparação com os homens (SANTOS et al., 2013; SANTOS et al., 2011). Os resultados obtidos neste estudo e nas pesquisas de Santos et al. (2013) e Santos et al. (2011) se convergem devido à presença da preocupação das estudantes em relação ao desempenho acadêmico. Para além disso, é pertinente ponderar que a orientação pelas metas de realização está fortemente associada à interdependência do estudante com o meio acadêmico (aspecto contextual) (AMES, 1992; BZUNECK; BORUCHOVITCH, 2019). Sendo assim, recomenda-se que, em estudos futuros, a interferência da adaptação acadêmica para a motivação considerando a variável sexo seja mais bem explorada.
Os estudantes das IES privadas demonstraram maior adaptação ao estudo e eram menos orientados pela meta performance-evitação do que aqueles que cursavam as IES públicas. Esse resultado diverge do estudo de Soares et al. (2009), pois, apesar de essas autoras não identificarem diferenças entre os tipos de IES e os métodos de estudo utilizados pelos estudantes, verificaram que, nas IES públicas, havia uma percepção maior, por parte do estudante, de suas competências cognitivas e um nível menor de ansiedade na realização de atividades avaliativas. Sugere-se que, em investigações futuras, sejam verificadas as possíveis diferenças na adaptação ao estudo e na orientação pelas metas de realização dos estudantes em vias de aprofundar-se nas especificidades existentes entre o funcionamento das IES públicas e privadas, com destaque para o perfil dos estudantes (p. ex., trabalhadores, estudantes mais velhos) (ALMEIDA, 2019), as cobranças dos familiares por um bom desempenho acadêmico e os custos com a graduação (p. ex., moradia, mensalidade) (SOARES et al., 2009).
Ainda na adaptação ao estudo, os estudantes ingressantes estavam mais bem adaptados nesse componente do que aqueles que cursavam o meio da graduação. Esse resultado diverge de outras pesquisas que identificaram que os estudantes concluintes eram mais adaptados ao estudo (IGUE; BARIANI; MILANESI, 2008; SANTOS et al., 2019). É pertinente, no entanto, destacar que o ideal seria que as IES identificassem, logo no início do curso, os aspectos ligados às dificuldades de aprendizagem dos estudantes decorrentes, por exemplo, do uso inadequado de estratégias de estudo (BZUNECK; BORUCHOVITCH, 2019). Ao se considerar a motivação, observou-se que os estudantes que estavam no meio do curso eram mais orientados à meta performance-aproximação do que aqueles que estavam concluindo o curso. Conjectura-se que a menor adaptação acadêmica dos estudantes do meio do curso possa estar associada à preocupação demasiada com o seu desempenho acadêmico, uma vez que essa é uma das características que mais se destacam no perfil motivacional da meta performance-evitação (BZUNECK; BORUCHOVITCH, 2019; HULLEMAN et al., 2010).
5 Considerações Finais
Com este estudo foi possível ampliar o conhecimento sobre a interferência dos componentes da adaptação acadêmica para a qualidade motivacional dos estudantes sob a perspectiva das metas de realização. Como limitação aponta-se para os procedimentos adotados na coleta de dados no presente estudo. Por conta da adaptação acadêmica e de as metas de realização estarem atreladas às especificidades de cada IES, o fato de a amostra deste estudo ter sido composta de estudantes de diversas instituições pode ter interferido nos resultados, principalmente na comparação por grupos ao se considerar, por exemplo, as variáveis sexo e momento do curso. Por conta disso, recomenda-se que, em estudos futuros, sejam avaliadas turmas completas de estudantes de IES públicas e privadas para assegurar maior controle sobre as particularidades de cada ambiente acadêmico.
O delineamento transversal é outro ponto que restringe a verificação das diferenças de ambos os construtos investigados, principalmente na comparação dos diferentes momentos do curso. Estudos longitudinais permitiriam acompanhar os estudantes ao longo de sua formação e, possivelmente, trariam resultados mais precisos sobre os efeitos da adaptação acadêmica e a sua relação com a motivação para a aprendizagem. É preciso salientar que ambas as limitações podem ser superadas com investimentos em pesquisas com essa temática e na maior abertura das coordenações de cursos das IES para a realização desses estudos.
Espera-se que esses resultados auxiliem os profissionais da Psicologia e da Educação que atuam em IES públicas e privadas a fundamentarem as ações voltadas à promoção da adaptação acadêmica. Para tanto adverte-se que a organização de intervenções dessa natureza requer um diagnóstico prévio acerca de quais aspectos os estudantes apresentam maior dificuldade para se adaptarem à universidade, bem como o tipo de orientação motivacional que eles apresentam na sua rotina de estudos. Nesse sentido, recomenda-se a utilização de instrumentos psicológicos para avaliar a adaptação acadêmica e as metas de realização dos estudantes, uma vez que os resultados desta avaliação se destinam tanto à elaboração das ações como indicam a sua efetividade.
Tanto o nível de adaptação acadêmica como a orientação pelas metas de realização estão ligados ao modo como o estudante lida com as particularidades do ambiente acadêmico. À vista disso, ambos os construtos devem ser continuamente investigados para a obtenção de um panorama atual sobre o seu funcionamento. Os esforços das IES devem ser condizentes com a sua constante necessidade de atualização sobre as exigências do mercado de trabalho, mas sem perder de vista o compromisso da universidade de formar indivíduos autônomos e detentores de um pensamento crítico para aplicar o conhecimento e continuar a aprender após a conclusão do curso.