NOTAS INICIAIS
A formação inicial dos professores, processo que marca a entrada na profissão docente, e a partir da qual os formandos constroem conhecimentos e desenvolvem competências inerentes à docência, tem sido, muitas vezes, deficitária na formação de profissionais capazes de responder aos desafios postos à educação na contemporaneidade. Entre os questionamentos presentes na literatura, destacam-se as críticas em torno da dicotomia teoria-prática, o hiato entre o que os estudantes aprendem na universidade e o currículo da educação básica, de modo geral, bem como o tempo destinado às práticas de ensino, aos estágios supervisionados 1 e uma ausente articulação entre a formação inicial dos professores e o desenvolvimento organizacional das escolas (CANÁRIO, 2008; MORGADO, 2011; D'ÁVILA, 2015).
Novos desafios são postos à docência no contexto político-social contemporâneo no Brasil. Como afirma Canário (2008), os professores deparam-se, cada vez mais, com públicos crescentemente heterogêneos e "difíceis", além da exigência de novas competências e do exercício de novos papéis. Com isso em mente, o foco deste estudo recaiu sobre a problematização do estágio supervisionado como espaço de referência, essencialmente para a profissionalização docente.
Compreendo o estágio em uma perspectiva crítica, reflexiva, investigativa, articulado diretamente à profissionalização docente dos futuros professores e, por isso, visando a superar o entendimento de que o estágio é somente o momento do exercício da prática. O estágio, por isso, precisa ser entendido como uma atividade, consubstanciada no conhecimento teórico, na reflexão, por meio do diálogo coletivo, de investigação e intervenção política na realidade experienciada.
Interessa-me, portanto, refletir acerca do papel do estágio supervisionado no processo de profissionalização dos futuros professores. Por isso, questiono: como se constrói a profissionalização docente? Que condições, no estágio supervisionado, podem favorecer a construção da profissionalização dos futuros professores? Qual o papel do estágio no processo de profissionalização docente? Qual a especificidade da relação escola básica, universidade e comunidade, no estágio supervisionado, visando à profissionalização dos futuros professores? O que a pesquisa-ação, no contexto do estágio supervisionado, pode oferecer, em seus fundamentos teóricos e metodológicos, à profissionalização dos futuros professores?
A profissionalização configura-se como um processo de transformação de uma determinada pessoa em um profissional, ou seja, é um processo de formação que permite ao indivíduo assumir-se como de uma determinada profissão. A profissionalização, nesta perspectiva, corresponde à formação inicial docente e culmina com a certificação do formando2, bem como com o reconhecimento de sua competência para exercer a profissão docente (ROLDÃO, 2008; MORGADO, 2011). Logo, a profissionalização docente exige necessariamente o desenvolvimento de competências profissionais,3 a apropriação da cultura profissional e a construção da identidade profissional docente.
No que diz respeito ao desenvolvimento da profissionalidade docente, trata-se de um processo contínuo de formação, apreensão da profissão e transformação (autoformação)4 ao longo da carreira docente. Segundo Figel (2007), a formação inicial dos professores nunca será suficiente para subsidiar a carreira docente. A prática da aprendizagem, por isso, é uma necessidade absoluta ao longo da vida dos professores.
Conforme D'Ávila (2015), a profissionalidade docente está relacionada diretamente à formação inicial, à experiência que emerge da prática e à formação contínua. Ainda segundo a autora, ao identificar-se com a profissão, o formando desenvolve um perfil, um modo de ser e, como desdobramento, desenvolve a sua profissionalidade. É nesse sentido que vislumbro o estágio supervisionado como espaço de compreensão, apreensão e construção, em uma perspectiva crítico-reflexiva-política e interventiva, da docência em suas diferentes nuances.
Outro ponto do meu argumento diz respeito à perspectiva do formando como um sujeito reflexivo e capaz5 de construir e vivenciar o estágio como "uma práxis crítica e transformadora, por integrar teoria e prática, em contexto situado" (THERRIEN, 2015, p. 118). Entendo o formando, portanto, como um sujeito capaz de construir sua práxis, desenvolver competências inerentes à profissão, apropriar-se da cultura profissional e, sobretudo, construir experiências no campo da docência.
A partir da pesquisa de natureza teórica, pauto-me, neste texto, sobre o princípio de que o estágio supervisionado, em regime de colaboração entre escola básica, universidade e comunidade, é subsídio para a profissionalização docente dos futuros professores, por meio de atividades que fomentem a construção da identidade profissional e o desenvolvimento de competências inerentes à docência, em uma perspectiva crítico-reflexiva e transformadora (práxis).
A partir dessa constatação, trabalho com a hipótese de que a possibilidade de o estágio supervisionado se (re)afirmar como um espaço da construção da profissionalização docente exige, necessariamente, que este seja construído como práxis e contexto de referência para um movimento de construção de competências profissionais inerentes à docência, bem como da identidade profissional docente. Logo, formulo também a hipótese de que o estágio supervisionado, como espaço de profissionalização docente, depende de um novimento coletivo, escola básica, universidade e comunidade, associado à autonomia, condições de apreensão e socialização da profissão.
Como propositiva, argumento a favor da pesquisa-ação, no contexto do estágio supervisionado, para a construção de uma prática reflexiva; formação de um profissional investigador e agente de transformação a partir da construção de um saber (saber-fazer; saber estar) em contexto.
No texto, além desta introdução e das considerações finais, inicio por situar a relação entre o estágio supervisionado, a profissionalização e a profissionalidade docente. Em seguida, apresento considerações sobre a indissociabilidade entre a escola básica, universidade e comunidade no estágio supervisionado, quando se trata da profissionalização e do desenvolvimento profissional docente. Depois, como propositiva, enfoco a dimensão emancipatória da pesquisa-ação no contexto do estágio supervisionado.
ALGUNS PONTOS DE VISTA: ESTÁGIO SUPERVISIONADO, PROFISSIONALIZAÇÃO E PROFISSIONALIDADE DOCENTE
O foco desta seção é a compreensão teórica do conceito de profissionalização e profissionalidade docente, assim como a necessidade da existência de condições teórico-metodológicas do estágio supervisionado para a profissionalização dos futuros professores.
Articular o estágio, a profissionalização e a profissionalidade docente exige, necessariamente, compreendê-lo como espaço de construção de ações inovadoras com potencial transformador nos diferentes espaços educativos. Para tanto, o estágio deve abarcar atividades voltadas para a construção e análises crítico-reflexivas de situações cotidianas vivenciadas em espaços educativos. Qualquer discussão sobre a profissionalização e a profissionalidade docente deve levar em consideração que o estágio superviosionado assume papel importante nesse processo, visto que o estágio deve ser sempre compreendido como uma prática social-política-pedagógica construída por um protagonismo interventivo, prático-reflexivo dos formandos, visando à aprendizagem dos alunos com quem trabalham.
Fica clara a importância do estágio supervisionado na profissionalização e profissionalidade docente, já que somente a prática, de modo indissociável da teoria, dará consistência ao repertório pedagógico que os formandos foram assimilando ao longo de sua formação (LÜDKE; BOING, 2004). Segundo os autores, "não se pode falar de profissionalização docente sem se referir ao estabelecimento de ensino. Existe uma íntima relação entre o estabelecimento de ensino e a profissionalização docente" (LÜDKE; BOING, 2004, p. 1174).
Como já anunciado neste debate, optei pelo conceito de profissionalização como a etapa de inserção dos formandos na profissão docente. Logo, a formação inicial, entendida como a etapa da profissionalização, tem um papel importante, insubstituível e precisa ser construída como um processo dinâmico e dialético, articulando o pensar, o sentir, o agir e o apreender à profissão docente. Entretanto, concordando com Figel (2007), Lüdke e Boing (2004) afirmam que a formação inicial não basta para revelar todo o resto da profissão. Assim, a socialização profissional continuará no estabelecimento de ensino em que os futuros professores vierem a trabalhar.
Profissionalização e profissionalidade docente são, portanto, campos imbricados ao processo de sentir, apreender e (re)construir a profissão pelos futuros professores. Porém, segundo Morgado (2011) e Roldão (2008), enquanto a profissionalização marca o inserir-se na profissão, a profissionalidade inicia-se na formação inicial, prolonga-se durante a carreira docente e é, assim, um processo progressivo de construção profissional.6
Considero, portanto, que a profissionalização docente ocorre também no terreno do estágio, e a profissionalidade inicia-se nesse mesmo espaço. O estágio é, por isso, uma experiência formativa verdadeiramente plena de sentido para os formandos à medida que o contexto escolar começa a fazer parte do seu sentir e viver a profissão docente. Sendo assim, a profissionalização dos formandos deve ser entendida como o elemento norteador do estágio supervisionado.
Considerando o exposto, podemos começar a dar possíveis respostas à pergunta: como se constrói a profissionalização docente? Esta pergunta leva-me a advogar o estágio como uma ação profissional carregada de um sentido de totalidade - teoria-prática - e que visa a subsidiar os estudantes na aprendizagem da profissão, bem como para uma atuação docente (presente - futura) crítica, inovadora e transformadora da prática educativa. As atividades desenvolvidas no estágio devem, por isso, abarcar a problematização, a dialogicidade e a reflexão da prática na prática. Assim sendo, que condições, no estágio, podem favorecer a construção da profissionalização dos futuros professores?
Qualquer discussão sobre a profissionalização dos futuros professores deve levar em consideração o estágio como espaço de reflexão e apreensão da profissão docente (profissionalização) em uma perspectiva de práxis (RIBEIRO; ARAÚJO, 2017). O estágio, assim, dever ser entendido como um trabalho prático de produtividade docente, crítico-reflexivo, e, sobretudo, como espaço de problematização da realidade social-política contemporânea. Entretanto, embora a questão do estágio como práxis, instrumento de intervenção político-pedagógica e ação reflexiva emancipatória, seja de fundamental importância, ainda não teve uma clara definição nos currículos dos cursos de licenciatura. Como aponta Marcelo (2009), continuamos a assistir, na formação inicial dos professores, uma organização burocratizada, um divórcio entre a teoria e a prática, uma excessiva fragmentação do conhecimento ensinado, assim como uma relação tímida com as escolas.
Logo, o estágio como práxis, a intrínseca relação teoria e prática na formação inicial dos professores, continua a representar uma questão que precisa ser trabalhada de forma a tornar o estágio mais preciso, contar com uma participação mais ativa dos sujeitos envolvidos e implantar mudanças no contexto político-social existente.
É inútil apelar para reflexões se o estágio como práxis não impulsionar o indivíduo a criar e a recriar, construir e a reconstruir os processos de ensino e aprendizagem. Alguns atributos, no entanto, como participação ativa e colaborativa no processo de construção do conhecimento, são inerentes ao estágio, quando se materializa como práxis. Participação é aqui entendida como uma prática singular ou coletiva que implica em modificar, transformar, ou seja, interferir nas diferentes realidades.
Concordando com Ferreira (2017), entendo práxis como um agir pedagógico autêntico, transformador e que, a partir do seu efetivo compromisso político, procura (cor)responder aos desafios dos tempos atuais e transformar a sociedade de modo a abrir possibilidades para a existência de vida plena para todos. O estágio, assim, é (ou deveria ser) práxis, posto que a docência se constitui com e a partir da condição humana e visa, acima de tudo, à emancipação do homem e à transformação do meio social (ARAÚJO; RODRIGUES, 2018; ARAÚJO, 2018).
Nesta perspectiva, qual é o papel do estágio supervisionado no processo de profissionalização docente? Diria que o papel do estágio é formar sujeitos conscientes de seu lugar no mundo que, no processo educativo, aprendem a dar nome e sentido ao mundo e, por isso, jamais são sujeitos despersonalizados e objetos à mercê de um processo que lhe é estranho (FRANCO, 2017). Embora o estágio seja, hoje, um dos alvos das atuais reformas e programas do Governo Federal, por meio do Programa de Residência Pedagógica7, o estágio precisa assumir o papel inalienável de ser um espaço de reflexão sobre a profissão e a prática profissional docente. Isso exige, necessariamente, a promoção de análises crítico-formativas, por meio da inserção e participação dos formandos no contexto da educação básica, como campo de pesquisa.
Trata-se, como já enfatizado, da necessidade de construção do estágio supervisionado como um espaço de construção da profissionalização docente e, por isso, como práxis e contexto de referência para a construção de competências profissionais inerentes à docência, bem como da identidade profissional docente.
ESCOLA BÁSICA, UNIVERSIDADE E COMUNIDADE NO ESTÁGIO SUPERVISIONADO: CAMINHANDO RUMO À PROFISSIONALIZAÇÃO E AO DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DOCENTE
Aprofundar a reflexão e a análise crítica acerca do estágio no seio de uma relação colaborativa entre escola básica, universidade e comunidade, de modo a expressar a especificidade dessa relação no movimento de profissionalização dos futuros professores e no desenvolvimento profissional dos professores da educação básica, é o foco desta seção.
Temos argumentado ser incumbência do estágio supervisionado, entre outras atribuições, contribuir para a formação de profissionais em sua totalidade, sujeitos culturais e sociais, ajudando-os a ser, a pensar criticamente, a construir e a intervir, com ética e responsabilidade, no contexto político-social (ARAÚJO; MARTINS, 2019). Igualmente, o estágio precisa ser incisivo na formação de profissionais capazes de exercer a docência, criar vínculos sociais de reciprocidade a serviço da construção do bem comum.8 Trata-se da necessidade de um processo de profissionalização docente que forme professores para a instauração de uma educação "mais humanizada, mais ambiciosa e, sobretudo, [...] uma humanidade mais 'humana', por que mais generosa e mais responsavelmente solidária" (SÁ-CHAVES, 2018, p. 36).
Pensar o estágio em docência, a partir da relação e do diálogo entre escola básica, universidade e comunidade, é buscar, entre outros elementos, "solução do 'velho' e sempre renascido problema da articulação entre a teoria e a prática e da 'transferência' dos resultados da formação para o campo do desempenho profissional" (CANÁRIO, 2008, p. 141). Logo, uma questão se impõe: qual a especificidade dessa relação, no estágio supervisionado, visando à profissionalização dos futuros professores?
Essa pergunta leva, basicamente, à necessidade de que coloquemos o estágio como um movimento formativo, colaborativo, crítico e que, por um lado, provoque movimentos transformadores na realidade escolar e, por outro, fomente a profissionalização dos futuros professores e o desenvolvimento profissional dos professores da educação básica. Entretanto, como afirma Morgado (2011, p. 806), "é imprescindível que os decisores políticos compreendam que as mudanças na educação não podem ser decididas à margem dos sentimentos, emoções e horizontes profissionais dos professores". E como diz Nóvoa (2008), nada será feito de concreto entre escolas e instituições universitárias se ditames constitucionais persistirem em dificultar esta aproximação.
No Brasil, por exemplo, o Programa de Residência pedagógica, proposto pelo Governo Federal, no meu entendimento, põe em risco a necessária articulação entre o processo pedagógico da escola básica, o cenário social-político e histórico brasileiro e a formação inicial dos professores. Em síntese, para o Ministério da Educação, quando se trata da qualidade da educação pública, tudo se concentra, tão somente, na formação dos professores. Diferentemente de outros países, como a Finlândia, que reconhece que "a formação de professores, por si só, não consegue resolver todos os desafios colocados, na sociedade, à educação" (CANÁRIO, 2008, p. 145).
E, ainda, sobre o Programa de Residência pedagógica, no Brasil, parece-me que o referido programa negligencia a práxis - ação-reflexão-ação - como um dos pilares que, via de regra, deve sustentar a formação inicial (leia-se: a profissionalização) dos professores. Ao contrário, retoma o estágio como mera receita, como diversos passos lineares que o estudante deverá seguir para que a aprendizagem da profissão ocorra. Assim, compreendo que as possibilidades da construção do estágio como práxis, e, portanto, como uma atividade crítica e dialética, acabam fragilizadas no programa em questão. Desse modo, precisamos problematizar até que ponto o Programa de Residência pedagógica, no Brasil, fomenta a construção da identidade docente, do estágio como contexto verdadeiramente voltado para a problematização e ressignificação da relação teoria e prática na formação dos professores, assim como para a apreensão dos elementos teórico-metodológicos, contextuais e históricos da prática docente em suas múltiplas nuances.
Como já sinalizado, as práticas de ensino e o estágio supervisionado - as conhecidas 400 horas de estágio nos cursos de licenciatura no Brasil -, a partir da metade do curso, não parecem ainda suficientes para o processo de profissionalização dos futuros professores (D'AVILA, 2015). Entretanto, não será com programas, cujo foco não é a formação crítico-reflexiva, a formação de um profissional, acima de tudo, político, que construiremos uma residência pedagógica que possibilite aos estudantes inserirem-se nas escolas básicas, construírem a práxis, a ação-reflexão-ação, e desenvolverem um pensamento crítico-reflexivo.
Isso significa que precisamos pensar o estágio não somente como instrumento de ruptura da distância física entre universidade e escola básica, mas, acima de tudo, como um processo que mobiliza os estudantes para "(1) desempenhar adequadamente a acção de ensinar, (2) ser capaz de pensar e teorizar essa acção, de modo a (3) dominar os instrumentos da sua efectiva e permanente melhoria" (ROLDÃO, 2008, p. 42).
Precisamos, por isso, pensar sobre o papel do estágio na formação de profissionais reflexivos. Entretanto, como nos lembra Roldão (2008), a prática reflexiva exige, pois: a construção de conhecimento teórico e prático prévios; a teorização problematizadora da situação prática em apreço e a produção de conhecimento susceptível de ser comunicado a outros, e mobilizado noutras situações. Isso implica, necessariamente, preparar os alunos para construírem uma reflexão sobre como se dá a aprendizagem da profissão docente e, paralelamente, envolvê-los com a profissão de modo global.
Em síntese, o objetivo deve ser, como diz Gassner (2008), em relação à prática docente e o Mentoring9 nos Institutos Superiores de Pedagogia na Áustria, e aqui aplico ao estágio no Brasil, levar os estudantes a pensar sobre o seu próprio ensino e o dos seus colegas, proporcionar-lhes várias abordagens para o fazerem, além de apoiá-los no seu esforço para se tornarem profissionais independentes, autônomos e reflexivos.
Desse modo, a ideia é também propiciar registros reflexivos que levem a uma descrição das práticas de formação e do contexto em que se materializam, bem como a problematização dessa realidade e o delineamento de projetos de intervenção.10 Assim, sustento que o estágio, como espaço de profissionalização docente, depende, necessariamente, de um novimento coletivo, escola básica, universidade e comunidade, associado a um movimento formativo, colaborativo, crítico, que fomente a profissionalização e o desenvolvimento profissional docente como um processo, antes de tudo, que é práxis.
DIMENSÃO EMANCIPATÓRIA DA PESQUISA-AÇÃO NO CONTEXTO DO ESTÁGIO SUPERVISIONADO: POSSÍVEL ALTERNANATIVA
Nesta seção, me propus a discutir as contribuições teóricas e metodológicas da pesquisa-ação no contexto do estágio supervisionado à profissionalização dos futuros professores. Logo, apresento como pergunta de partida: o que a pesquisa-ação, no contexto do estágio supervisionado, pode oferecer, em seus fundamentos teóricos e metodológicos, à profissionalização dos futuros professores?
O estágio, assim como a docência, sem a reflexão crítica da prática na prática, quando compreendido e construído sem os mecanismos da pesquisa e da criticidade inerente à Pedagogia, se fragmenta, se dilui em práticas vazias, opacas de sentido e significado e, sobretudo, não se constrói uma história e identidade docente de compromisso e emancipação humana. Por isso, a pesquisa-ação poderá ser um instrumento de profissionalização, profissionalidade docente e, portanto, um elemento de promoção da emancipação profissional dos formandos e professores.11
Segundo André (2015), a pesquisa tem um importante papel na formação de sujeitos (leia-se: professores) críticos e autônomos, haja vista as possibilidades que passam a existir para o desenvolvimento de ideias próprias, a reflexão sobre a própria prática profissional e a identificação do que pode e precisa ser aperfeiçoado, visando a contribuir com o processo de emancipação das pessoas. Logo, concordo com Tripp (2005, p. 445) ao enfatizar a pesquisa-ação, no campo educacional, como uma:
[...] estratégia para o desenvolvimento de professores e pesquisadores de modo que eles possam utilizar suas pesquisas para aprimorar seu ensino e, em decorrência, o aprendizado de seus alunos, mas mesmo no interior da pesquisa-ação educacional surgiram variedades distintas.
Entendo, nesta perspectiva, que a pesquisa-ação, atrelada à Pedagogia Crítica, desdobra-se como um processo de investigação, de intervenção, de emancipação-libertação do indivíduo, processo de humanização, formação de um sujeito pensante e que busca descobrir respostas para os vários problemas do contexto social. Por isso, advogo que a pesquisa-ação, mais do que nunca, é um processo investigativo-formativo e colaborativo necessário para a existência do estágio como práxis e comprometido, de fato, com a construção de uma educação crítica.
É, neste sentido, partilhando do argumento de D'Àvila (2015), que aposto no caminho da pesquisa-ação que, atrelada às várias disciplinas dos cursos de licenciatura, em especial às práticas de ensino e ao estágio supervisionado, poderá mobilizar os alunos para a experimentação, a construção dos saberes inerentes à docência, e aplicação de tais saberes por meio de intervenções na escola. Nesta perspectiva, quero enfatizar o estágio como práticas pedagógicas crítico-colaborativas que transformam os modos de agir - docente-discente - em sala de aula.
Compreendo, inclusive, que a dimensão emancipatória da pesquisa-ação, no contexto do estágio supervisionado, reside, sobretudo, na possibilidade da construção de uma prática reflexiva; na formação de um profissional investigador e agente de transformação a partir da construção de um saber (saber-fazer; saber-estar) em contexto. Ou seja, quero enfatizar a pesquisa-ação, no contexto do estágio supervisionado, como Formação-Ação que fomenta a construção de um saber, atrelado ao processo de identificação e construção da identidade profissional docente, a partir da imersão no exercício da profissão.
Penso, ainda, que a transformação das práticas-formação docente e a pesquisa-ação estão ligadas entre si e, assim, repensar os caminhos da construção-reconstrução do trabalho docente é uma tarefa que exige, entre outras práticas, investigação (ação) crítico-colaborativa (transformação). Por isso, "[...] trabalhar com pesquisa-ação, por certo tem [se] a convicção de que pesquisa e ação podem e devem caminhar juntas quando se pretende a transformação da prática" (FRANCO, 2005, p. 485). A pesquisa-ação, na formação dos professores, os conduz por caminhos para que possam entender, trabalhar e, colaborativamente, transformar as mais distintas realidades que o ofício docente apresenta. É, nesta perspectiva, que argumento ser a pesquisa-ação, no contexto do estágio supervisionado, um instrumento para a formação de um profissional investigador, reflexivo e, sobretudo, um elemento de profissionalização dos futuros professores.
EM VEZ DE CONSIDERAÇÕES FINAIS: PERSPECTIVAS EXPOSTAS NO DEBATE
Para concluir, optei por sintetizar as principais perspectivas expostas no debate, visando, acima de tudo, a provocar novas problematizações, investigações e, por consequência, rupturas no estágio supervisionado de modo a ser sempre práxis, experiência concreta do diálogo, de formação para todos e subsídio para a profissionalização e profissionalidade docente.
Retomo, assim, alguns dos apontamentos mais expressivos sobre o estágio como práxis, profissionalização e a profissionalidade docente.
Como afirmado na problemática deste artigo, entre os problemas em torno da formação inicial dos professores, sublinho o distanciamento que, ainda, persiste entre os fundamentos teóricos e as questões da prática escolar, bem como com a forma de condução do estágio supervisionado.12 Esse quadro, no meu entendimento, afeta diretamente o processo de profissionalização dos futuros professores.
Como já antecipava no meu argumento inicial, o estágio supervisionado, em regime de colaboração entre escola básica, universidade e comunidade, é subsídio para a profissionalização docente dos futuros professores. Essa perspectiva exige, necessariamente, atividades que instiguem os formados a construírem conhecimentos, saberes, e a desenvolverem competências que os permitam, individual e coletivamente, a responder aos desafios sociais, políticos e culturais postos à docência na contemporaneidade, em uma perspectiva crítico-reflexiva e transformadora (práxis).
Recordo, também, que o estágio, como espaço de profissionalização docente, depende, em especial, de um movimento coletivo, escola básica, universidade e comunidade, associado a um processo que proporcione aos futuros professores e aos docentes da educação básica (leia-se: aos preceptores), os mais elevados níveis de qualificação e, como desdobramento, o seu desenvolvimento profissional. Ou seja, as possibilidades de aprendizagem ao longo da vida (leia-se: desenvolvimento profissional docente).
O estágio, nesta perspectiva, impõe, por um lado, a necessidade da reorganização dos tempos e espaços da formação docente para um pensar, sentir, agir e apreender a profissão de modo digno. Por outro lado, leva-nos a compreender que o estágio precisa possibilitar-fomentar o encontro dos estudantes com a profissão docente e que esse encontro seja o começo de um longo processo de profissionalização, construção histórica, exercício e concretude da profissão. É inevitável, por isso, pensarmos a relação das IES13 e as redes de ensino básico quando se trata da formação dos professores e, em especial, para a construção do estágio como práxis e subsídio para a profissionalização e profissionalidade docente.
No que diz respeito à pesquisa-ação, no contexto do estágio supervisionado, reitero que o estágio, subsidiado pela pesquisa-ação, permite novas possibilidades para se construir um olhar multidisciplinar sobre a docência; para a existência de novas possibilidades de investigação e intervenção no contexto educacional brasileiro.
Creio ter respondido à indagação presente no título deste trabalho, pois, em tudo, procurei argumentar a favor de uma formação docente que se concretize de dentro (da profissão) para fora, visto compreender que a formação dos professores deve pautar-se, sobretudo, nas múltiplas relações dialeticamente situadas no contexto escolar, assim como deve considerar os dilemas e desafios postos à profissão docente no cenário social-político contemporâneo. Precisamos, por isso, pensar sobre o estágio como um processo que se materializa dentro da profissão. Ou seja, como um percurso que tem origem na historicidade (realidade) da docência e, assim, forma/transforma os estudantes a partir, acima de tudo, da realidade das escolas básicas, das condições concretas, dificuldades, potencialidades e expectativas da docência.