COMO A GENTE SE TORNA O QUE A GENTE É?
A pergunta formulada por Nietzsche (2017) em Ecce Homo oferece possibilidades na problematização no cenário cibercultural contemporâneo: como a gente se torna o que a gente é? Não é nosso intuito aqui e tampouco seria razoável tentar responder a tal questão. Ela se apresenta apenas como uma interrogação sobre a margem de liberdade que temos para pensar sobre como nos tornamos o que somos - o que dizemos ser.
O que está acontecendo? - Twitter e No que você está pensando? - Facebook são algumas das interpelações produzidas por essas redes em nossas timeline (feeds de notícias), convidando a nós, xs usuárixs, não apenas a partilharmos algo, mas a dizer algo nos termos de uma posição face a um determinado código moral e/ou mesmo solicitando uma confissão. Não se trata apenas de um meio para saber o que xs usuárixs estão fazendo, seus gostos, suas localizações, suas redes de amizade. Há a intenção franca a que se confesse uma verdade sobre si. Ao partilharmos essas informações, alimentamos redes e estas reverberam, por exemplo, em indicações de solicitações de amizade, curtidas em páginas, participação em determinados grupos, propaganda de produtos/serviços etc.
A partir dessa ambiência em rede, podemos dizer que um novo regramento moral e normativo se apresenta com apenas um clique: somos o que curtimos, somos o que digitamos, somos aquilo a que nos interpelam(?). Essa prática é também uma forma de localizar xs usuárixs, através de seus gostos, desejos e interações. É ainda um meio de envolvê-lxs, controlá-lxs e incitá-lxs a agir, interpelando os sujeitos a determinadas condutas, nem sempre alinhadas a uma reflexão sobre a margem de liberdade (ética) que se estabelece a partir dessas formas de localização do sujeito no discurso.
As redes sociais digitais têm como características a dinamicidade e a emergência mediada por combinações algorítmicas, são descentralizadas e auto-organizadas e também propulsoras da volatilidade subjetiva (SANTAELLA, 2010). Mediadxs por essas redes, nos colocamos em estado de (in)tensão a um modo de agir, partilhamos experiências, nos mobilizamos, interagimos com pessoas em diversos espaços-tempos, produzimos conteúdos, (des)aprendemos novos modos de estar, habitar e viver, criamos e normatizamos nossas condutas, da mesma forma em que passamos a desejar controlar a conduta dxs outrxs.
As formas de governo dxs outrxs assumem no dispositivo das redes sociais digitais uma capacidade de controle e presença sem precedentes em nossa história. Isto deve-se ao fato da abertura comunicacional das redes possibilitar o incremento de práticas confessionais ou extimidade (SIBILIA, 2016), em que qualquer um/a pode expor um relato público e cotidiano de quem se é, desdobrando-se na exibição de sua intimidade, na exteriorização do seu eu, tornando público o que antes era privado.
Milhões de usuários - gente considera comum, como eu e você - têm se apropriado das diversas ferramentas disponíveis on-line, que não cessam de se expandirem, e as utilizam para expor publicamente aquilo que algum tempo atrás teria sido protegido por fazer parte da intimidade [....] As confissões diárias de você, eu e todos nós estão aí, em palavras e imagens, à disposição de quem quiser bisbilhotá-las (SIBILIA, 20016, p. 52).
Nessas práticas confessionais online, xs sujeitos são interpeladxs a expor ainda fragmentos de suas escolhas, experiências, identificações, reflexões, lugares onde circulam, pessoas com as quais interagem, faz-se recomendações variadas, somos todxs, enfim, convocadxs a responder a estímulos condutores de enunciados. Também produzimos informações sobre nós mesmxs e somos produzidxs por elas, em um fluxo contínuo, hipertextual e rizomático. Através dessas práticas, damos visibilidade ao nosso pensar e sentir, expressamos nossas alegrias e tristezas: ‘Partilho, logo existo’. Mas não apenas isso. É preciso ainda dar um rosto, oferecer uma fotografia do seu estado de espírito, uma raio-x da subjetividade: uma selfie.
Selfie foi eleita, em 2013, a palavra do ano pelo dicionário Oxford (G1 Notícias, 2013). Essa prática corresponde a uma foto feita por uma pessoa com a lente da câmera voltada para si, como um autorretrato, podendo ser individual ou em grupo. Independentemente da popularidade do termo, o fenômeno pode ser tratado como parte de uma série de outros que se encarregam de dar o tom de como as pessoas determinam quem são no mundo cibercontemporâneo (GALINDO, 2017).
Para além da exposição do eu em cenários mais amplos, a visibilidade de uma selfie pode vir associada a causas, mobilizações, constituindo-se no que se vem convencionando chamar nas próprias redes de ciberativismo ou net ativismos. Essas práticas de militância digital vêm ocorrendo com certa frequência no Facebook, onde xs usuárixs têm tematizado suas selfies no perfil de suas páginas pessoais, através de um ‘adesivo’ digital, uma ‘moldura’.
As selfies tematizadas são formas como xs usuárixs expõem algo de si, como se manifestam e de como mobilizam-se com o seu próprio autorretrato no mundo em que atuam, assumindo e evidenciando (dando a ver) aqui a posição de um sujeito engajado politicamente. Esse exemplo de mobilização em rede por ser compreendido, em parte, através daquilo que Castells (2013) denomina redes horizontais de solidariedade, esperança e companheirismo, e pode ser visto também como uma prática ciberativista ou net ativista, de acordo com Lemos (2003) e Di Felice, Pereira e Roza (2017).
Lemos (2003) aposta que os ciberativismos são práticas sociais associativas de utilização da internet por movimento politicamente motivados, com o intuito de alcançar suas novas e tradicionais metas. Di Felice, Pereira e Roza (2017, p. 9) designam de net-ativismo as diversas formas de ativismos emergente nas redes digitais. Para Santaella (2013), os movimentos sociais em rede são múltiplos, se mobilizam em prol de justiça social com o coletivo e atuam em diferentes formas de ativismos.
Articuladxs a essas perspectivas, buscamos neste texto acompanhar fluxos que mobilizam essas movimentações, no sentido de ampliar o entendimento de como a gente se torna o que a gente. Para tal, lançamos mão da cartografia (ROLNIK, 2016; CARVALHO e POCAHY, 2019), princípio ético-epistemológico e metodológico a ser discutido na Seção a seguir.
CARTOGRAFIAS CIBERCULTURAIS: PENSAR-FAZER A PESQUISA EM REDE
As tecnologias digitais em rede vêm (re)configurando os modos de governar o presente. A polissemia que (in)define a cibercultura (SANTAELLA, 2010) ultrapassa seus termos. Se para certxs autorxs trata-se de pensar em razão de cultura digital (LUCENA, 2014), sociedade em rede (CASTELL, 2013), sociedade do controle (DELEUZE, 1992) ou sociedade das telas (LIPOVETSKY; SERROY, 2011), todas essas apostas sugerem que estamos vivendo intensa e disputada produção de sentidos e espaços-tempos por onde nos movimentamos e desde onde nos subjetivamos.
Muitas tecnologias digitais em rede operam initerruptamente. A lógica 24/7 (CRARY, 2016) mina paulatinamente as distinções entre dia e noite, ação e repouso, produzindo um tempo sem tempo demarcado. Celebra-se a alucinação da presença - presença alucinada. Os modos de operação ciberculturais podem, na esteira dessa configuração, refletir o que Deleuze (1992) denominava de sociedade do controle, dada sua forma difusa e imagética na mediação das relações de força/poder que se abrem/instituem na ciberatualidade.
Buscamos com esta pesquisa na cibercultura problematizar as mobilizações politizadas de selfies nos perfis de usuárixs do Facebook. Nos interessa, aqui, acompanhar algumas dentre as múltiplas participações ciberativistas ou net ativistas na cibercontemporaneidade que se constituem em movimentos de dobra ética. Ademais, partimos da aposta de que as mobilizações politizadas de selfies, em certo sentido, contribuem para a construção de si - em uma fabricação ética-estética-política cotidiana, micropolítica.
Para fazer essa problematização, lançamos mão das movimentações da pesquisa-cartográfica (ROLNIK, 2016; CARVALHO e POCAHY, 2019), tomadas aqui como possibilidades de tencionar os modos de re-existir, principalmente quando esses modos são convocados a agir e se constituem numa produção desejante e pulsante na direção de compromissos ético-políticos e estéticos com a liberdade coletiva. Para isso, traçamos duas linhas de abertura, a primeira é a linha longitudinal: as relações, movimentações, atrações, distanciamentos e emergências relacionadas ao fenômeno investigado. Já a segunda, a linha latitudinal, refere-se aos afetos partilhados - no sentido de afetar-se e de deixar ser afetadx -. Essas linhas tomam como lócus de análise a mobilização ciberativista UERJResiste, um movimento de funcionárixs concursadxs, contratadxs e terceirizadxs, estudantes e membros da sociedade civil em defesa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
A mobilização UERJResiste emerge da grave crise financeira, má gestão do dinheiro público e corrupção que assola o Estado do Rio de Janeiro há muitos anos e que colapsou nos últimos anos. Com isso, acionando uma tentativa explícita de extermínio da UERJ e suas coirmãs estaduais UEZO e UENF. Desse cenário, não podemos deixar de mencionar que funcionárixs e estudantes ficaram sem receber salários e bolsas diversas vezes e por meses consecutivos (chegando a 4 meses de soldos atrasados) e que o funcionamento da universidade operava em condições precárias (pelo não pagamento às empresas terceirizadas, responsáveis pela conservação, limpeza, segurança e restaurante universitário).
Nesta cartografia cibercultural, tomamos como ferramenta conceitual de análise as conversas no/com o cotidiano, principalmente para acompanharmos em problematizações os rastros de alguns interlocutorxs que participaram da mobilização #UERJResiste - estudantes, professorxs e pesquisadorxs visitantes na UERJ. Utilizamos essa ferramenta conceitual pois entendemos que “[...] conversar é um jogo de idas e de vindas entre negociações e buscas por significados e sentidos. Sendo, portanto, um jogo de tensões e de problematizações” (SANTOS; CARVALHO; MADDALENA, 2017, p. 204 - 205).
Destacamos ainda que cartografar é intervir e criar territórios com as práticas ciberculturais, ao mesmo tempo em que significa sentir essas práticas e deixar-se tocar por elas. É produzir significados, desfazer e refazer outros no ato de pesquisar. É mais do que acompanhar e capturar fragmentos da fluidez da vida online, olhar e descrever um fenômeno em sua instauração; requer imersão e implicação dx cartógrafx, abertura ao novo e tomadas de posição.
Apostamos em dizer, também, que cartografar é caminhar numa arquitetura labiríntica, de idas e vindas, de múltiplas (des)conexões entre afetos, memórias, experimentações, frustações e desejos que (trans)formam x cartógrafx. Com isso, assumimos o posicionamento em pesquisa in(ter)venção (PERES; POCAHY; CARNEIRO; TEIXEIRA-FILHO, 2014), no sentido da experimentação de novos caminhos capazes de produzir outros entendimentos do cotidiano em que habitamos.
Na seção a seguir, discutimos algumas das experimentações de nossxs interlocutorxs de pesquisa a partir da mobilização #UERJResiste e com isso refletimos o modo como somos constituídos na cibercontemporaneidade via redes sociais digitais.
POLITIZANDO A IMAGEM DE SI PELO FACEBOOK
Conforme supracitado na seção anterior, a mobilização #UERJResiste é uma mobilização de funcionárixs concursadxs, contratadxs e terceirizadxs, alunxs e membros da sociedade civil em defesa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), frente à grave crise financeira, má gestão do dinheiro público e corrupção causadas por nossxs governantes, em franco projeto de desmonte da universidade pública.
Para dar visibilidade a essa mobilização, selfies tematizadas com o slogan #UerjResiste foram confeccionados e propagados entre alunxs e funcionárixs, conforme exposto na Figura 4. Ao conversamos com alguns de nossxs interlocutorxs de pesquisa em relação ao slogan #UERJResiste em seus perfis, o porquê do uso desse marcador político e o que imaginam que isso repercute na sua vida e nas suas redes, elxs relataram que:
Nessas conversas com xs interlocutorxs da pesquisa, notamos que elxs fazem esse movimento de tematização de suas selfies como uma maneira de tomar uma posição política, de resistir, de tencionar problemas sociais e como possibilidade de criar vínculos afetivos online. Através dessas conversas, identificamos que para elxs as selfies tematizadas - além de serem modos de existir, habitar e agir no cotidiano e de demarcação de territórios -, são fontes de visibilidades, conectando outras partilhas que estão alinhadas com uma determinada preocupação ética-política-estética, sendo um convite ao mesmo tempo a outrxs usuárixs a aderirem ao mesmo movimento.
Destacamos ainda que o uso dessa tematização por nossxs interlocutorxs é também um meio encontrado para localizar aliadxs, afinidades e identificações políticas. Suas participações revelam, por meio da foto de perfil e relatos, a complexidade e abrangência que a mobilização tomou, onde múltiplos cotidianos foram acionados. Isso se deve ao fato de as redes sociais digitais criarem nódulos estratégicos de interesses partilhados (SANTAELLA, 2010), articulando e conectando usuárixs que partilham das mesmas ideias.
Ainda nessas conversas com xs interlocutrxs da pesquisa, entendemos que a selfie pode ser vista como uma imagem que carrega, desde o processo da sua criação, essa expectativa do olhar do outro, pois é através do reconhecimento desse olhar alheio expresso em comentários e likes que se alimenta essa subjetividade construída segundo a lógica da visibilidade (GALINDO, 2017). As apostas de nossxs interlocutorxs aqui são que suas selfies tematizadas são uma partilha de si preocupada com questões político-educacionais, sobretudo em tempos de ataques (ultra)conversadores à educação, privatização e de controle 24/7. É também uma tomada de posição contra as políticas do desmonte da universidade pública.
As práticas reverberadas pelo movimento #UERJResiste dialogam com as ideias de Castells (2013), sobretudo quando este propõe que a internet cria as condições para uma forma de prática que possibilita um movimento sem liderança sobreviver, deliberar, coordenar e se expandir. Ainda nos argumentos desse autor (2013, p. 166), a comunicação na formação e na prática dos movimentos é essencial, pois as pessoas só podem desafiar a dominação conectando-se entre si, compartilhando sua indignação, sentindo o companheirismo e construindo projetos alternativos para si próprios e para a sociedade como um todo.
A mobilização da #UERJResiste vai ao encontro dos argumentos de Lemos (2003) quando problematiza o ciberativismo, se articulando a três grandes categorias: conscientização e informação (expor o que está acontecendo com UERJ para a sociedade e seus desdobramentos na vida cotidiana de todxs); organização para uma determinada ação (manifestações nas ruas, nas Universidades, na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, nas redes por exemplo); e por iniciativas mais conhecidas por hacktivismo que são ações na rede (politização da selfie com o Slogan UERJResiste).
A mobilização aqui relatada, além de ser uma luta pela UERJ, é uma luta a favor da universidade pública de qualidade e inclusiva, opondo-se marcadamente à privatização e à política elitista (ultra)neoliberal de ensino. Essa mobilização pode ser acompanhada mais de perto através do site da própria UerjResiste e na página da UerjResiste pelo Facebook. Percebemos ainda que essa mobilização da #UERJResiste atua a partir de uma “[...] ecologia plural, isto é, a composição comum de uma espacialidade complexa que, das redes digitais, alcança as ruas e os espaços públicos, ao manter sua conectividade no decorrer dos protestos e das manifestações” (DI FELICE; PEREIRA; ROZA, 2017, p. 8).
Por outro lado, é preciso ver essas mobilizações como práticas ciberculturais de nosso tempo e que se tornaram um terreno propício para experimentar outras formas de se relacionar com x outrx. Ampliam-se assim as redes de produção de novas subjetividades. Os jogos de (des/re)construção de extimidades (SIBILIA, 2016) e produção de modos outros de ser, estar e atuar no mundo se colocam como espaço de decisão balizada por interpelações éticas e morais.
Mobilização como essa, especialmente no momento de golpe civil-jurídico-fascista em que nos encontramos, ajudam a fortalecer os laços democráticos, voltados para práticas participativas-representativas, pois são meios importantes para que seja garantida a condição mínima de funcionamento das instituições e da vida cotidiana, como também a liberdade de livre manifestação. A viralização dessa mobilização é decorrente também da comunicação interativa digital, na qual a comunicação se dá na relação todxs-todxs, principalmente por ser uma self-media (LIPOVETSKY; SERROY, 2011), que opera na lógica de trocas interpessoais, comunitárias e descentralizadas; e é contraria à mass-media que é voltada para comunicação massiva e centralizada.
EU, VOCÊ E NÓS EM MOVIMENTO: TECENDO REFLEXÕES DA CONSTRUÇÃO DE SI EM REDE
O estudo em tela buscou elementos que nos permitiram analisar de que modo as mobilizações politizadas de selfies nos perfis de usuárixs do Facebook contribuem para a construção de si, na justa medida em que os sujeitos ocupam-se de marcar sua posição política diante de determinadas questões sociais, tornando a experiência de si (e de dizer de si através de uma autorepresentação) um gesto ético.
A partir dessa experimentação, destacamos que as longitudes cartográficas desta pesquisa - relações, movimentações e emergências - nos possibilitam entender a colaboração e solidariedade coletiva em múltiplos cotidianos, o compromisso ético com x outro, com si e com as instituições democráticas e podem ser entendidas a partir das ideias de Castells (2013) e Di Felice, Pereira e Roza (2017). Ideias as quais se conectam e nos possibilitam aprofundar as problematizações de pesquisa:
▪ A primeira delas deve-se ao fato dos movimentos sociais surgirem da contradição e dos conflitos de sociedades específicas (CASTELLS, 2013), expressam as revoltas e os projetos das pessoas resultantes de sua experiência multidimensional, e têm várias características em comuns: são conectados de múltiplas formas; tendem a ocupar os espaços urbanos; eles são simultaneamente locais e globais; são amplamente espontâneos em sua origem, geralmente desencadeados por uma centelha de indignação; são virais; e profundamente autorreflexivos.
▪ Atrelados a essa ideia, destacamos que os movimentos net-ativistas e as práticas de participação em rede expressam a experimentação de uma nova de participação e ativismo que, superando as formas ideológicas modernas, fundam-se nos diálogos contínuos com os dados, os dispositivos e as redes de informação, assumindo, consequentemente, uma forma emergente e temporária (DI FELICE; PEREIRA; e ROZA, 2017, p. 8).
As latitudes desta cartografia cibercultural nos ajudam a repensar nossas próprias práticas (micro)cotidianas como pesquisadorxs, nas quais salientamos a importância dessas mobilizações, principalmente por também nos sentirmos afetados e fraturados pela política ultraconversadora e neoliberal, voltada para o desmonte da educação e antidemocrática. São latitudes que estão articuladas por afetos solidários e por lutas diárias para o bem comum, nos possibilitando tecer aberturas para outras saídas - de viés não fascista - que reverberam em nossa carne, no nosso sentir, viver e reexistir.
Ainda nesta cartografia, arriscamos dizer que esse processo de (des)construção de si é constante, volátil, fluido, instantâneo e (pluri)situado; é acionado por movimentos, mobilizações, partilhas e práticas que vêm marcando o nosso dia a dia; e é agenciado por tramas de redes complexas que nos (trans)formam, ao passo que nos levam a agir e a habitar a cidade numa dinâmica interativa que reverbera num jogo de posicionamentos do eu com o próprio eu, do eu com x outrx, do eu em relação com outrxs, do eu em rede, um si enredado em redes de uma agonística (ciber)cultural - isto é, nos termos de uma disputa.
Nossas apostas com este estudo da/na cibercultura nos aproxima da ideia de que, através das posições de resistências, como o avesso de uma norma ou de uma moralidade, podemos compreender os reais efeitos de uma episteme neoliberal, alimentada por práticas de operação de modo individualizante (quando a selfie, por exemplo, assume apenas o lugar de uma representação narcísica ou de um hedonismo desplugado das urgências de seu tempo) e de ódio que atacam tudo que significa desafiar seus privilégios.
Além disso, tudo o que pode dirigir-se ao sentido de público como esfera de participação social, liberdade no ato de ensinar e desejo de liberdade é terrivelmente marcado como abjeto - tornado desprezível e eliminável. Lógica essa operacionalizada em rede, 24/7 (CRARY, 2016), que penetra os mais diversos cotidianos e é contra todxs aquelxs que ousam desafiar os processos de marcação e letalização da diferença.
Por fim, compreendemos neste estudo com a/na cibercultura que o exercício de produção da selfie nos termos de uma adesão (‘adesivasão’) a uma causa ou a uma disputa política, configuram-se como práticas de narrar a si mesmo na direção de um dizer parresíastico - dizer a verdade sobre si, como uma experiência ética, estética e política cibercontemporânea.