INTRODUÇÃO
Já havia um consenso entre as pessoas envolvidas com a educação no Brasil que o ensino médio (EM) deveria ser reformulado, pois este já não atendia as demandas dos jovens estudantes, bem como as do mundo do trabalho. Silva e Krawzyc (2016) comprovam esta tese ao mencionarem que desde 2013 tramitava um projeto de Lei n. 6.840, de autoria do deputado Reginaldo Lopes (PT-MG) com a contribuição de alguns segmentos sociais, principalmente agentes ligados ao setor privado, como representantes do Instituto Alfa e Beto, do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade e do Movimento Todos pela Educação, que endossavam a necessidade de um currículo diversificado e atrativo, uma formação mais técnica do que teórica com a ampliação da carga horária diária.
As diretrizes curriculares nacionais (Brasil, 2013) demonstravam o entendimento de que o EM deve ser único, buscando proporcionar educação integral que contemple o trabalho, a ciência, a tecnologia e a cultura como dimensões da formação humana e que prepare simultaneamente para o aprofundamento dos estudos, para o exercício da cidadania e para o trabalho.
É nesse contexto que o EM tem ocupado, nos últimos anos, um papel de destaque nas discussões da educação brasileira, pois sua estrutura, seus conteúdos, bem como suas condições atuais, estão longe de atender necessidades dos estudantes, tanto nos aspectos da formação para a cidadania como para o mundo do trabalho. Como consequência dessas discussões, sua organização e funcionamento têm sido objeto de mudanças.
Neste ínterim, vivemos recentemente o processo de modificação do currículo, denominado Novo Ensino Médio (NEM), que surgiu com muita polêmica, com nova formatação de carga horária de conteúdos básicos a serem trabalhados, por meio da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), estimulando o desenvolvimento de competências e habilidades dos estudantes, e relegando a segundo plano a formação humana.
Inserida neste processo, encontra-se a educação física (EF) na tarefa de se consolidar diante da implementação de um novo currículo nas escolas pernambucanas. Com esses elementos, assinalamos que o objetivo da pesquisa foi analisar a consolidação da educação física diante da implementação do NEM nas escolas de referência da rede estadual de Pernambuco1.
O interesse em investigar essa temática surge a partir da observação da prática pedagógica de professores/as de EF da rede estadual de Pernambuco que, frente aos documentos curriculares (nacionais e estaduais) que orientam e/ou muitas vezes desorientam a prática pedagógica, permite reconhecer que há distanciamento entre o que está prescrito e o que efetivamente é praticado (Sacristán, 2000).
Neste artigo, delimitamos, como recorte, a análise do entendimento dos/as professores/as em relação ao ensino de EF nas escolas e suas percepções sobre o novo ensino médio na prática pedagógica.
ENTENDENDO O NOVO ENSINO MÉDIO E SEU IMPACTO NA EDUCAÇÃO FÍSICA
Em 2016, o debate sobre o currículo do ensino médio ganhou proporções midiáticas a partir da divulgação da Medida Provisória (MP) n. 746 (Brasil, 2016), que propunha uma reforma do ensino médio que, entre outros problemas, estabelecia a não obrigatoriedade de componentes curriculares de relevância sociocultural como a educação física, a arte, a sociologia e a filosofia. Os/as professores/as, a mídia, as entidades representativas acadêmicas e profissionais e sociedade civil de modo geral, intensificaram suas críticas em torno da mudança do currículo de uma etapa da educação básica vir por meio de uma MP. Além disso, segundo Góis Junior et al. (2017) outros dilemas também podiam ser levantados, destacando o aumento da carga horária sem um projeto pedagógico consolidado, a necessidade de formação específica dos professores/as mediante a noção de notório saber2, a flexibilidade do currículo, a excessiva ênfase em componentes curriculares de interesse do mundo do trabalho.
Mesmo com uma série de problemas esta MP foi para a apreciação do poder legislativo brasileiro que retirou alguns itens que deram repercussão negativa na mídia e na sociedade, tais como: a não obrigatoriedade das disciplinas de arte, educação física, sociologia e filosofia; mas manteve itens como a possibilidade de educadores de notório saber lecionarem nas escolas do país.
Desta maneira, a Lei n. 13.415/2017 instaura uma reforma que muda radicalmente o ensino médio brasileiro: modifica o tempo escolar, a organização e conteúdo curricular, o oferecimento do serviço educativo (através de parcerias), a profissão docente e as responsabilidades da União e dos Estados (Brasil, 2017). Segundo Krawczyk (2017) flexibilizar e desregulamentar são as principais ênfases dessa reforma.
Simões et al. (2017) afirma que essa nova legislação aprofundará as desigualdades entre as escolas, porque se hoje já se tem escolas de primeira e segunda categoria, a partir da implementação dessa nova política, teremos escolas de primeira, segunda, terceira, quarta e quinta categorias, aprofundando ainda mais as desigualdades regionais.
Para Krawczyk (2017) esta nova Lei flexibiliza o tempo escolar, a organização e conteúdo curricular, o oferecimento do serviço educativo (parcerias), a profissão docente e a responsabilidade da União e dos Estados. Fazendo uma leitura cuidadosa, nos permite compreender que ela não é propriamente uma reforma educacional, mas parte de um processo de desregulamentação, precarização e desagregação do ensino médio e de outros espaços públicos.
Outro elemento que muda com essa nova legislação é a carga horária que sai das atuais 800 horas anuais mínimas para 1.400 horas3. O aumento da carga horária não significará, todavia, melhoria da qualidade do ensino. Para Simões et al. (2017), a reforma pode aumentar ainda mais as desigualdades regionais, pois os estados que não tiverem condições de implantar a infraestrutura necessária para aplicação desse novo formato de escola de ensino médio, provavelmente alegarão falta de recursos para implementação da legislação.
Ferretti (2018) aponta que não basta ampliar a jornada de estudo e sim garantir também que problemas historicamente construídos na educação básica sejam solucionados como: infraestrutura inadequada das escolas (laboratórios, bibliotecas, espaços para EF e atividades culturais) carreira dos/as professores/as, incluindo salários e formas de contratação.
Um item que chama atenção neste NEM é referente à contratação de professores/as com notório saber, porém na referida Lei não fica claro o critério para seleção desses professores/as e de que área de conhecimento eles viriam. Como mencionado no Art. 6º, o Art. 61 da Lei n. 9.394/96 passa a vigorar dessa forma na nova lei:
IV - Profissionais com notório saber reconhecido pelos respectivos sistemas de ensino, para ministrar conteúdos de áreas afins à sua formação ou experiência profissional, atestados por titulação específica ou prática de ensino em unidades educacionais da rede pública ou privada ou das corporações privadas em que tenham atuado, exclusivamente para atender ao inciso V do caput do art. 36;
V - Profissionais graduados que tenham feito complementação pedagógica, conforme disposto pelo Conselho Nacional de Educação (Brasil, 2017).
Entidades como o Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte (CBCE) e a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), entre outras, criticaram bastante este item na legislação, porque demonstra a precarização do trabalho docente, a desvalorização dos cursos de licenciatura no Brasil, a desqualificação dos saberes adquiridos nos cursos de formação de professores/as o que culminará em uma forma ilegítima de contratação desses docentes com notório saber.
Diante desse contexto de implementação de um novo currículo nas escolas brasileiras está a EF e seus desafios de consolidação e legitimação enquanto componente curricular que quase deixou de ser obrigatório no ensino médio. Este é o cenário do qual partiram nossas análises.
Alguns autores da área mostraram-se preocupados sobre como a EF se estabelecerá nas escolas com a implementação do NEM. Bastos, Santos Junior e Ferreira (2017) mencionam hipóteses de implicações da Lei em três áreas para o EF: no ensino, na formação do professor e no trabalho docente.
No ensino, deve ficar em segundo plano na escola, perante outros componentes curriculares. Se o estudante optar pela educação profissional, provavelmente a EF não será ofertada, já que esta se encontra na área de linguagens. Na formação de professores, a diminuição significativa de cursos de licenciatura em EF e o consequente aumento de cursos de bacharelado deve-se dar pela redução da demanda de profissionais para atuar na educação física escolar do ensino público. Ainda - e, também -, pela possibilidade de, agora, o bacharel, o ex-atleta ou o provisionado em EF, considerados profissionais com notório saber pela Lei n. 13.415/17, poderem atuar no campo escolar. Quanto ao trabalho docente, a não obrigatoriedade do ensino da EF nos 3os. anos do ensino médio, consequentemente, poderá ocasionar redução significativa da carga horária e da remuneração dos/as professores/as. Aliado a isso, a contratação de profissionais com notório saber para atuarem no ensino da EF colaborará para a redução de vagas docentes no ensino público e de novos professores/as graduados, como podemos ver na fala de Neto et al. (2017, p. 99).
No caso específico da EF, a possibilidade de em alguma série no Ensino Médio ela ser facultativa, representa um atraso incalculável, pois reduz as oportunidades de acesso do estudante aos conteúdos da cultura corporal do movimento. Conspira contra a desejada autonomia dos estudantes para eleger, organizar e programar suas experiências corporais para além da vida escolar, sua educação para a saúde na vida adulta com qualidade e para o exercício do lazer consciente das condições e da conjuntura social, política, econômica e cultural que envolve o tempo livre e sua ocupação. Temos aí um extraordinário ataque à formação integral do cidadão com efeitos desmedidos nos valores éticos, estéticos e morais da juventude brasileira.
Percebemos que o NEM apresenta incoerências, pois sugere a busca de uma formação integral para os estudantes, mas ao mesmo tempo os faculta à possibilidade de cursar componentes curriculares durante a sua trajetória no EM.
A consequência disso, para EF, segundo Souza e Ramos (2017), é a sua própria exclusão, uma vez que não construiu a sua autonomia pedagógica ao longo dos anos no EM, tornando-se refém também dos ditames do mercado de trabalho. Poucos anos se passaram da construção das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) e continuamos problematizando, justificando e lutando para que a EF caiba dentro da escola.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A pesquisa foi norteada a partir da abordagem qualitativa que segundo Minayo (2009) busca compreender nos sujeitos investigados significados, crenças, valores, aspirações e atitudes.
Neste sentido, fomos a campo investigar como esta temática vem se estabelecendo nas escolas de referência em ensino médio de Pernambuco (EREM), mais especificamente com os/as professores/as de EF destas instituições de ensino. Este movimento se apoia em Minayo (2009) ao dizer que pesquisa de campo se estabelece a partir de um confronto entre as hipóteses e problematizações levantadas durante o desenvolvimento da pesquisa com o contexto da realidade empírica investigada.
Desta maneira, delimitamos como campo investigado as escolas de referência da rede pública estadual de Pernambuco localizadas geograficamente na Gerência Regional (GRE) Recife Sul4. Fizemos um mapeamento com informações obtidas na GRE Recife Sul, e identificamos que em 2018 havia 24 EREMs sob sua jurisdição, porém como um dos pesquisadores trabalha em uma delas, excluímos, totalizando 23 EREMs. A ida ao campo teve como finalidade compreender o entendimento dos professores/as em relação ao ensino da EF nas escolas e suas percepções sobre o novo ensino médio na prática pedagógica.
Utilizamos como instrumentos para coleta de dados, inicialmente o questionário exploratório, que sondou dentre os/as professores/as, seus conhecimentos sobre o NEM, bem como questões relativas à sua formação profissional.
A delimitação dos professores/as que contemplaram esta etapa se deu por meio de alguns critérios de inclusão preestabelecidos: estar em exercício em sala de aula, seu cargo de professor ser efetivo na rede estadual, não ocupar cargo administrativo na escola. Assim, conseguimos mapear na referida GRE, 26 professores/as de EF, trabalhando em 23 EREMs. As Tabelas 1 e 2 apresentam como ficou delimitada a coleta de informações com os/as professores/as nas escolas, a partir dos critérios de inclusão.
Total de escolas (EREMs) | Número de professores/as de EF | Número de professores/as efetivos |
Número de professores/as contratados |
---|---|---|---|
23 | 26 | 21 | 05 |
Fonte: Dados do estudo.
Total de professores/as aptos/as a responder o questionário | Total de recusas para a pesquisa | Total de questionários respondidos |
---|---|---|
21 | 03 | 18 |
Fonte: Dados do estudo.
Após as análises de 18 questionários foram elegíveis para a segunda etapa da coleta de dados aqueles que apresentaram entendimento sobre a mudança curricular do ensino médio e suas implicações na escola e na educação física. Desta forma, foram selecionados 6 professores/as para a etapa das entrevistas.
Esta segunda etapa teve como instrumento de coleta uma entrevista semiestruturada que, segundo Triviños (1987), tem como característica questionamentos básicos que são apoiados em teorias e hipóteses que se relacionam ao tema da pesquisa.
Assim, foi elaborado um roteiro para as entrevistas com 16 perguntas com a intenção de entender como os/as professores/as compreendem a reforma do ensino médio e seus impactos para o ensino da EF nas escolas de referência no estado de Pernambuco.
Foram realizadas 5 entrevistas, previamente agendadas, de acordo com a disponibilidade do professor/a na sua própria escola, no início do ano letivo de 2019, apenas 1 entrevista não pode ser realizada, pois a professora teve seu pedido de remoção de lotação deferido pela Secretaria de Educação, indo trabalhar em uma escola de outro município de Garanhuns. Todo esse processo atendeu a exigências da ética em pesquisa contidas na Resolução n. 510/2016.
Para análise dos dados, optou-se pela análise de conteúdo categorial por temática, que segundo Bardin (2011, p. 30), “[...] é um conjunto de técnicas de análise das comunicações, que utiliza procedimentos sistemáticos”. Ainda segundo a autora, fazer uma análise temática “[...] consiste em descobrir os núcleos do sentido que compõe a comunicação cuja presença ou frequência de aparição pode significar alguma coisa para o objetivo analítico” (Bardin, 2011, p. 104).
Souza Junior, Santiago e Tavares (2010, p. 47) destacam que o tratamento dos dados, através da análise de conteúdo, pode contribuir “[...] com a operacionalização e rigorosidade científica na pesquisa qualitativa em educação física”.
Este movimento de categorizar as informações obtidas no campo encontra suporte em Cheptulin (1982) ao nos dizer que as categorias são conclusões retiradas da história do desenvolvimento da ciência e da atividade prática, logo representam o processo histórico do conhecimento no qual o homem se insere, cada vez mais profundamente, no mundo dos fenômenos, podendo apresentar-se como uma forma particular de conceito.
Minayo (1998) amplia a informação ao nos dizer que no âmbito mais instrumental das teorias do conhecimento estas categorias podem ser divididas em: analíticas e empíricas.
As primeiras são aquelas que retêm historicamente as relações sociais fundamentais e podem ser consideradas balizas para o conhecimento do objeto nos seus aspectos gerais. Elas mesmas comportam vários graus de abstração, generalização e de aproximação. As segundas são aquelas construídas com finalidade operacional, visando ao trabalho de campo (a fase empírica) ou a partir do trabalho de campo. Elas têm a propriedade de conseguir apreender as determinações e as especificidades que se expressam na realidade empírica (Minayo, 1998, p. 94).
As categorias analíticas e as categorias empíricas, então, servem de pedra angular para a organização dos dados derivados da pesquisa. Nesse contexto, as categorias que nortearam esta pesquisa estão expressas na Tabela 3.
Elemento central | A consolidação da educação física diante do novo ensino médio |
---|---|
Categorias analíticas | Novo ensino médio e educação física Educação física no novo ensino médio |
Operacionalização | Identificação dos limites e possibilidades para a consolidação da educação física no novo ensino médio. |
Categorias empíricas | Novo ensino médio e educação física Educação física no novo ensino médio |
Pontos de orientação para investigação | Dificuldades e possibilidades de consolidação para educação física no novo ensino médio |
Fonte: Dados do estudo.
Contudo, Minayo (1998) menciona que as categorias empíricas só surgem do trabalho de campo. Sendo esta categoria que nos detivemos neste artigo, no exercício do tratamento do material e suas codificações em que acontece os recortes da categorização das unidades, que, segundo Bardin (2011), são chamadas unidades de contexto e unidades de registro. Ainda de acordo com autora, a unidade de contexto:
Serve de unidade de compreensão para codificar as unidades de registro e corresponde ao segmento da mensagem, cujas dimensões (superiores à unidade de registro) são ótimas para que se possa compreender a significação exata da unidade de registro (Bardin, 2011, p. 137).
Já as unidades de registro são:
A unidade de significação codificada corresponde ao segmento do conteúdo considerado unidade de base visando à categorização e à contagem frequencial. A unidade de registro pode ser de natureza ou de dimensões muito variáveis (Bardin, 2011, p. 134).
Neste contexto, obtivemos duas categorias empíricas que emergiram do campo pesquisado como podemos observar na Tabela 4.
Pesquisa de campo | |
---|---|
Categorias empíricas | O novo ensino médio na prática pedagógica. A educação física nas escolas de referência. |
Fonte: Dados do estudo.
Com base nestas categorias empíricas, apresentamos nossas análises a partir dos dados obtidos no campo.
O NOVO ENSINO MÉDIO NA PRÁTICA PEDAGÓGICA
Reconhecemos a heterogeneidade dos/as professores/as em relação à sua formação, titulação, tempo de atuação profissional e mais ainda no tempo de imersão com o ensino da EF e nas EREMs, tendo uma amplitude de atuação que vão de 7 meses até 9 anos de atuação nesse formato de escolas. O reflexo destas diferenças foi perceptível em suas falas nas questões relativas ao NEM, as EREMs, ao Currículo e a como a EF se insere neste contexto, ora havia convergências e, em outras vezes, percebíamos distanciamentos nas respostas. A diversidade de formas que os/as professores/as conhecem e obtiveram as informações sobre o NEM demonstra que não houve uniformidade na formação continuada para tratar do assunto, mesmo sendo de uma mesma GRE como podemos ver nas respostas destacadas.
[...] eu sei muito do que foi informado pela imprensa né. É[...] é... as questões de educação física, sempre acompanhando os boletins do CREF. (P4)
[...] tive informações em cursos privados com colegas. (P2) [...] estudamos nas reuniões da escola do ano passado. (P5)
[...] bom, essa Lei eu tive acesso em uma daquelas mensagens revoltantes por mídias sociais, dizendo que foi votada da noite para o dia. (P3)5
Essa falta de uniformidade do conhecimento, acesso e formações continuadas convergem com as falas de Gariglio, Almeida Junior e Oliveira (2017), quando nos dizem que a maneira como a reforma do EM foi imposta por medida provisória, e depois por uma Lei que, da noite para o dia modificava radicalmente esta etapa de ensino, provocou novas intencionalidades para o EM e que estas eram de total desconhecimento por parte dos/as professores/as do país.
Mesmo sem aprofundamento sobre NEM, os/as professores/as relataram que a proposta do novo currículo é diferente daquilo que eles trabalham e até certo ponto mais pobre em relação às formas de ensino e aos conteúdos sugeridos. Neste contexto, resgatamos os Parâmetros Curriculares de Pernambuco (PCPE) que sugerem, para a EF, o trabalho com os conteúdos da cultura corporal, apoiando-se na perspectiva crítico superadora, relacionando os temas: ginástica, dança, lutas, jogo e esporte com a realidade dos estudantes (Pernambuco, 2013).
Baseado nesta referência historicamente construídas no estado de Pernambuco que sustentam a prática pedagógica dos/as professores/as é que reside esta comparação com o novo currículo. Dessa forma, corroboramos a mesma opinião, devido à forma como este foi construído, como foi implementado e quanto aos conteúdos sugeridos, dando a sensação de falta de pertencimento a este processo, o que nos leva a pensar que teremos um empobrecimento para a nossa área, com o NEM.
Outro ponto que nos chamou atenção está relacionado à dificuldade de os/as professores/as entenderem, mesmo com conhecimentos ainda superficiais sobre o NEM, de qual teoria de conhecimento a BNCC se aproxima, na área da EF, como podemos observar nesta fala:
[....] eu estou começando a olhar, estou começando a procurar entender a BNCC agora né. Quais são suas origens, de onde é que saiu essa abordagem e que linha eles estão acompanhando. Eu ainda não consegui fechar, não consegui perceber ainda né, quais são os melindres desse novo currículo, mas assim que eu estou começando a formar uma opinião a respeito dele sabe, eu estou muito confuso ainda, mas eu estou começando a formar uma opinião. (P4)
Reconhecemos o esforço do/a professor/a em entender em que a BNCC se apoia, porém em suas leituras não pareceu claro qual teoria do conhecimento lhe dá suporte. Este contexto se aproxima de Neira (2018) ao mencionar que por ser um currículo de abrangência nacional, ele não deixou claro qual base teórica se baseava para não correr o risco de não atender as especificidades próprias das regionalidades.
Assim, constatamos que além do conhecimento superficial da reforma do EM, os/as professores/as também não se aprofundaram na BNCC ainda, mesmo assim, conseguem visualizar certas incoerências e fragilidades nesse currículo que podem repercutir na formação dos estudantes e/ou na prática pedagógica.
Contudo, como este estudo teve o desafio de pesquisar este tema durante seu processo de implementação, devemos reconhecer que a própria Lei n. 13.415/2017 determina que estados e municípios tenham o prazo de cinco anos para ajustarem suas redes para consolidação do NEM (Brasil, 2017).
Assim, é plenamente justificável que a rede estadual pernambucana e seus professores/as ainda estejam se apropriando do novo currículo e buscando os entendimentos e as formas de implementá-lo nas escolas.
A EDUCAÇÃO FÍSICA NAS ESCOLAS DE REFERÊNCIA EM ENSINO MÉDIO
Na caracterização dos/as professores/as pesquisados, apenas um tinha menos de um ano trabalhando neste tipo de escola e este com apenas dois anos de formado. Então, partimos do pressuposto para as nossas análises que a maioria dos/as professores/as tem bastante tempo de formação e de inserção em EREMs, tendo compreensão estabelecida de sua prática pedagógica e da realidade escolar.
Em relação à base teórica em que os/as professores/as mais se apoiavam para nortear sua prática pedagógica, encontramos a maioria das respostas nas aproximações com os documentos curriculares estaduais ou com bases epistemológicas historicamente construídas pela EF como podemos observar nestas falas.
[...] no Estado, a gente segue a base curricular mesmo do estado de Pernambuco. É, nós o usamos, seguimos direitinho, agora a gente usa temas itinerantes. Aí fica livre para você escolher. Além disso, eu pesquiso, eu vou nos livros dos autores né! Vou nos livros didáticos, eu procuro, trabalho também o Paulo Freire, uso também Metodologia. Paulo Freire. Eu não fico só presa nos parâmetros. Eu sigo o plano como eles querem, mas a aula eu trabalho da maneira mais adequada e melhor para o meu aluno. (P2)
[...] coletivo de Autores. (P5)
[...] eu costumo trazer o que eu tenho da base teórica que achei mais coerente na realidade, com relação à aprendizagem, na Faculdade, e a crítico superadora, mas eu também aprendi que eu preciso buscar outros meios e em outras... na construtivista, por vezes eu preciso ver algumas relações do que já se foi tradicional. (P3)
[...] olha! São as que colocam como, como propositivas né! Acho que o Castellani Filho coloca como propositivas. As que a gente tem pelo menos uma referência que a gente pode avaliar, pode fazer uma avaliação no final né. Eu uso também a saúde renovada, né, faço um trabalho com saúde. (P4)
Constatamos nestas falas o esforço dos/as professores/as em buscar referências para direcionar suas práticas pedagógicas, mesmo não havendo homogeneidade nas escolhas. Verificamos alguns direcionamentos que ora se aproximavam do PCPE (Pernambuco, 2013) e na abordagem crítico-superadora, percebemos também aproximações didático metodológicas com a teoria de aprendizagem construtivista. Para além disso, vimos um professor se apoiando nas abordagens propositivas6, como também, se utilizando da abordagem da saúde renovada7.
Percebemos com isso uma heterogeneidade nas bases que sustentam a prática pedagógica dos/as professores/as, o que sugere uma fragilidade nas EREMs, pois mesmo com documentos curriculares já estabelecidos a um certo tempo e referências epistemológicas também já consolidadas, os/as professores/as têm dificuldade de entendimento dessas bases e muitas vezes não a reconhecem e como consequência não as utilizam como norteadora da sua aula.
Com a implementação do NEM que se inicia nas escolas, utilizando a BNCC (Brasil, 2018) como referência pode ser possível que os/as professores/as também não a reconheçam como base teórica para suas aulas e a ideia de uniformização dos conteúdos trabalhados em âmbito nacional, defendido pela reforma, possa não ser atingido, ainda mais quando estes já anunciaram que mesmo não a conhecendo muito, não acham uma boa referência.
Quando questionados sobre se eles já viam algum impacto do NEM ou BNCC em sua prática pedagógica, todos foram unânimes ao dizer que não houve nenhuma mudança em suas rotinas de aula e muito menos os estudantes conhecem esta reforma curricular. Neste contexto, de falta de entendimento e sem mudança efetiva em que os/as professores/as das EREMs se encontram, trabalhando ainda com o currículo velho, tentando entender o novo, aguardando as formações continuadas para tratar do assunto, podemos dizer que o desafio é trocar o pneu com o carro andando e sem saber se o pneu novo vai-se encaixar bem no carro.
Garantir essas formações continuadas é fundamental neste processo de transição curricular. Pode ser também uma oportunidade de resgatar conhecimentos sobre as teorias que embasam a EF, compreender o novo currículo e ajudar a construir o currículo estadual. Todo este movimento pode contribuir positivamente para o ensino mais qualificado da EF nas EREMs, levando ao fortalecimento do componente curricular nas escolas diante deste cenário de implementação que está em curso.
CONCLUSÃO
Este estudo teve o desafio de investigar uma temática que ainda está em seu processo de implementação nas escolas. Desta forma, não encerramos aqui, apenas fechamos este ciclo das análises sobre a reforma do ensino médio no contexto da educação física nas escolas de referência do estado de Pernambuco.
Constatamos que esta reforma do EM está sancionada, porém não está implementada nas EREMs e ainda longe de estar compreendida pelos/as professores/as. As formações continuadas foram incipientes para discutir as alterações que a Lei n. 13.415/2017 propõe, já ouviram falar sobre BNCC, sabem que será o novo currículo, porém não se apropriaram com mais profundidade sobre ela.
Em relação aos impactos do NEM na escola, eles só conseguem perceber algo de novo com a inserção de disciplinas eletivas, fora isso, não percebem nenhuma mudança efetiva em suas rotinas nas escolas e nas suas práticas pedagógicas. Também, reconhecemos junto aos professores/as que os estudantes não sabem e nem percebem mudanças com o NEM.
Identificamos ainda, que os/as professores/as de EF não se aprofundaram nos conhecimentos sobre as especificidades da EF no novo currículo, em decorrência da falta de formações continuadas específicas sobre esta pauta. Vimos que existe uma heterogeneidade das suas escolhas nos referenciais teóricos que dão suporte às suas práticas pedagógicas. Este dado colhido no campo nos mostra uma contradição já existente, mesmo com currículos estaduais implementados, que os/as professores/as não os seguem em sua totalidade. Então, como eles vão seguir uma base nacional que tem por intenção a homogeneização dos conteúdos em todo o país? Isto sugere estudos posteriores que aprofundem esta discussão após o NEM estar implementado de fato nas escolas brasileiras.