Introdução
Este artigo apresenta uma experiência que vem sendo realizada na formação de professores, tensionando o modo como se trabalha o ensino de filosofia e a aprendizagem filosófica. É importante destacar a direção assumida ao compreender a filosofia como uma relação de convivência dialógica, a partir de agenciamentos criadores, portanto imprevisíveis, nos acontecimentos acêntricos e rizomático (GALEFFI, 2012). Um filosofar que permita o ato criador ser o que ele é: potência encarnada intercultural de escuta ao que se mostra pensando em língua de si.
A perspectiva de um Ateliê filosófico1 tem como objetivo possibilitar o desenvolvimento da aprendizagem filosófica do autoconhecimento, na formação de professores, a partir de oficinas didático-formativas de filosofia com práticas de meditação. O objetivo é promover uma compreensão filosófico-pedagógica a partir de uma questão central: Como oficinas experimentais de filosofia aliadas à prática de meditação podem contribuir para a construção e difusão do conhecimento tomando como base o aprendizado de Si?
O aprendizado de si compreende uma ênfase processual incessante, mesmo os aprendizados vividos gerando certa gradação de conhecimento, não se cristaliza em uma imagem de um referente exterior fixa, pois é sempre continuidade criadora de novos processos de Si. O educar é assumido como processo de autoconhecer-se inerente ao humano no mundo da arte de viver aprender, a libertar a mente da escravidão psicológica das próprias experiências condicionadas (SOARES, 2007). Nestes processos emergem elementos imprescindíveis, que necessitam de olhares atentos, visando ressignificar conhecimentos filosóficos/científicos/técnicos para a transformação de professores, bem como, a atitude filosófica como processo implicado. Nesta perspectiva não há centralidade no ensino - se entendido dentro da perspectiva já institucionalizada historicamente, na qual o professor ensina o que o estudante não sabe -, pois a atenção é voltada para os processos de aprendizagens cultural e social que constituem as experiências dos educadores no contexto de sua liberdade, autonomia e criatividade.
O trabalho em desenvolvimento, a partir do Ateliê Filosófico, leva em consideração algumas questões que nos foram motivadoras e nos serviram de força matriz, a saber: A filosofia se resumiria à leitura de obras clássicas e sistemas canônicos de metacognições excepcionais ou seu potencial faz emergir uma atitude dialógica com a existência humana, cotidianamente, independente de escolarização, gênero, classe social e cultura?
Estes processos nos levam à possibilidade de problematizar questões que não foram devidamente investigadas ou que ainda, segundo Galeffi (2012), não fazem parte dos mecanismos e dispositivos autorizados academicamente. Desse modo, o Ateliê Filosófico articula a possibilidade de um aprender-fazer docente articulado a uma aprendizagem filosófica, pautada no aprendizado de si, a partir de processos vivenciais de meditação com educadores em formação.
O Ateliê Filosófico encontra pressupostos teóricos na perspectiva poemático-pedagógica e polilógica (GALEFFI, 2001; 2017) e a pedagogia do autoconhecimento (SOARES, 2007), buscando tecer uma práxis filosófica implicada com a vida, a sensibilidade, os afetos e a inventividade, pois estes ainda são temas vistos na academia como não-filosóficos. Então, como nos constituirmos educadores agentes de transformações socio-existenciais emergentes e conscientes de suas práxis, sem que primeiro busquemos a nós mesmos em nossas derivas e encruzilhadas culturais? Segundo Boaventura de Sousa Santos (2011), é preciso superar o “desperdício da experiência” e construir um processo formativo em que o educador, a partir de um pensar situado e implicado possa dizer a sua palavra. Este é um movimento radical que intenta compreender a vida-formação de educadores, a partir da ampliação das percepções, em suas dimensões éticas, corporal, afetiva, espiritual e estética.
A relevância da proposta do Ateliê Filosófico articulada a tríade meditação-filosofia-autoconhecimento, está alicerçada na possibilidade de fazer-pensar uma formação implicada no aprendizado de modo próprio, apropriado e apropriador. Aproximar a meditação, compreendida como um estado de ser/viver, com o campo educativo, implica conectar-se aos paradigmas emergentes em educação. Assim, a meditação é assumida como um instrumento educativo “plenamente sintonizado com os novos desafios de construção de uma sociedade com consciência ecológica e planetária, de desenvolvimento de um ser multidimensional, integral, autônomo e reflexivo” (BARONTINI, 2009, p. 285).
O Ateliê Filosófico ao propor oficinas experimentais, articulando a meditação e a filosofia, busca superar a repetição de uma historiografia hegemônica segmentada a uma determinada técnica ou área do saber. As oficinas criam condições para o aprendizado da diferença ontológica de cada estudante, em ser o mais amplo de si, na emergência humana planetária, global e local, no mundo da vida, em suas múltiplas relações ecológicas.
Clareiras de inspirações paradigmáticas e teóricas
Os fundamentos do projeto Ateliê Filosófico encontram-se alicerçados nos pressupostos teóricos da Teoria da Complexidade, na abordagem Transdisciplinar (MORIN E DELGADO DÍAZ, 2016; NICOLESCU, 1999), na Polilógica (GALEFFI, 2001; 2012) e articulados à Pedagogia do Autoconhecimento ou à vivência da arte de aprender (SOARES, 2007).
A Teoria da Complexidade ressalta a importância de considerarmos o caráter subjetivo, qualitativo e criativo do processo da aprendizagem. Neste sentido, a aprendizagem torna-se uma busca do auto-referencial que emerge dos seres humanos em seu caminhar inconclusivo de si, para alcançar saltos qualitativos do seu entendimento da realidade. Faz-se necessário propiciar diálogos e compreensões no padrão organizacional da matéria-energia do universo, em articulação com as experiências dos sujeitos, em seus diversos níveis de complexidade.
É imprescindível legitimar e articular saberes onde a alteridade, a diferença e as singularidades possam constituir-se como elementos fundantes do processo educativo. Compartilho do pensamento de Freire (2010; 1996) e Brandão (2007) que a vida cultural e as experiências sociais são determinadas pelas relações de produção e reprodução, na apropriação que fazemos em nossa caminhada individual e coletiva. Consequentemente estes mecanismos influenciam em nossa forma de pensar, de sentir os desejos, o modo como fazemos nossas escolhas, interpretamos, transformamos e recriamos. Por isso, compreendo a educação e a filosofia intrinsicamente vinculada às visões de mundo, cultura e de transformação socio-existencial.
A sociedade de ordem capitalista na qual estamos inseridos trata o problema da nossa existência de forma alienada. A educação passa a atender aos anseios de uma pequena parte da sociedade, em detrimento da maioria, visando “a acumulação e a reprodução do valor, o que aliena o homem em relação a outros homens” (MESZÁROS, 2008, p. 20). Há um estranhamento da condição de ser humano passando a ser, a atividade vital de tal relação, a criação de mecanismos desumanizantes para garantia de sua existência. Paulo Freire, na Pedagogia do Oprimido, aponta a educação bancária como uma imposição alienante do professor sobre o educando em uma situação que impõe formas e conhecimentos sem relação com a vida e a historicidade dos educandos.
Contrário à toda forma de opressão e exclusão o educador Paulo Freire apresenta a Pedagogia da libertação como meta na qual todos possam realizar sua humanidade. Mas, para atingi-la é preciso superar a relação dicotômica existente na concepção bancária: um processo em que só o educador conhece e transmite seus achados. Ao contrário, a essência da pedagogia libertadora é o diálogo como elemento fundante do próprio processo de conhecimento. Há, portanto, a superação de antagonismos preeminentes e todos aprendem com todos em um processo de horizontalidade.
Emerge, neste cenário, a concepção de diálogo como inerente ao ser humano, na descoberta que ser humano - o ser cognoscente - faz de si como sujeito do processo histórico e ao conhecer sua realidade, apropria-se biografando-se, existenciando-se e tornando testemunha de sua história (FIORE, 2014).
Segundo Crema (2002), é necessário rompermos o adestramento racional de adquirir conhecimento sem levar em consideração uma visão global das emoções, dos sentimentos e da intuição. Nesta perspectiva, Galeffi (2011) nos abre horizontes frente ao autoconhecimento, como resultado originário inconcluso sobre o processo de aprendizagem, na convivência e na emergência do ente-espécie humano em conhecer a si mesmo (GALEFFI, 2011, p.21).
Estes caminhos nos levam a apropriação de novas estratégias de produção de conhecimento e de aprendizagem com a práxis filosófica. Romper tendências que privilegiam exclusivamente os conteúdos filosóficos ou pedagógicos, dependendo dos tipos de conhecimentos que foram internalizados ao longo da formação do professor, é buscar investigar, não o ensino como algo institucionalizado, mas a aprendizagem em seus sentidos e interações implicantes (GALLO, 2007; GALEFFI, 2001; MAZZOTTI & OLIVEIRA, 2000, MACEDO, 2015).
Segundo Galeffi (2001) a Filosofia sempre foi tratada no âmbito da educação básica brasileira como produto requintado, acessível à elite e fortemente impregnada de um discurso hegemônico da cultura eurocêntrica. Sua história é marcada pela exclusão, maltratada em sua prática educativa e ora exaltada nos discursos oficiais.
É importante destacar que as discussões acerca do ensino de filosofia, no Brasil, possuem vasta produção teórica, sejam elas refletindo sobre os aspectos referentes às questões que envolvam o ensino da filosofia no currículo da educação básica ou na tentativa de elucidar a filosofia da educação (no ensino superior), a partir de filósofos ou escolas teóricas específicas. Podemos observar estas discussões nas obras de Severino (2008); Gallo (1999); Tomazetti (2003).
Em 1994 tivemos a criação do Grupo de Trabalho (GT): Filosofia da Educação, cujo primeiro encontro ocorre na 17ª reunião da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd). No período compreendido entre meados dos anos 90 e o início dos anos 2000, houve um grande esforço em prol da organização e mapeamento da produção teórica, bem como, delimitação temática e demais estudos sobre a identidade e especificidade da filosofia da educação (TOMAZETTI, 2003).
Na educação básica, encontramos em 2008, amparada na lei nº 11.684, a obrigatoriedade do ensino de filosofia e sociologia nas séries finais do Ensino Médio como necessária à formação cidadã e democrática dos estudantes. Segue uma crescente produção acadêmica, na área da educação, referindo-se às experiências com o ensino-didática-formação em filosofia, no trabalho de profissionais que atuam com adolescentes e jovens do Ensino Médio, na educação formal. Porém, diante dos diferentes contextos culturais e sociais do país, não vemos estudos significativos com ensino de filosofia, a partir de práticas inovadoras voltadas para a formação de professores.
Romper o paradigma da racionalidade técnica, baseado na lógica disciplinar e na transmissão de conteúdos que caracterizam a filosofia da educação - como reflexão sobre a educação ou como fundamentos da educação -, é compreender esses fenômenos à luz de uma abordagem complexa e conectada a matrizes e perspectivas que valorizem as singularidades culturais, sociais e plurais dos sujeitos aprendentes. Partir da própria experiência, do autoconhecimento, é tensionar e resistir uma perspectiva de universidade brasileira e de (re)produzir uma filosofia alicerçada em conhecimentos, epistemologias, que em muitos momentos, foram (e são) utilizados para o fortalecimento de uma lógica disciplinar e excludente.
As reflexões apresentadas acima estão articuladas a uma observação baseada na seguinte tríade:
✓ Em nossa experiência pessoal e profissional, nas quais identificamos práticas pedagógicas, com a aprendizagem de filosofia, dissociadas de um sentido emancipador que leve em consideração os saberes populares-experienciais dos educadores. Os limites encontrados em nossa prática pedagógica referente a complexidade da docência universitária e os pressupostos epistemológicos que envolvem o ensino de filosofia e a formação de professores.
✓ A constatação de pesquisas que apontam a formação de professores, de uma maneira geral, continuam seguindo o modelo clássico cartesiano, positivista e capitalista; ao invés de proporcionar reflexões acerca dos limites de tal modelo de ensino, tem contribuído, muitas vezes, para conservá-lo (SAMPAIO, 2011; NÓVOA, 2002; CUNHA, 2006).
✓ A existência de parcos estudos acerca de abordagens compreensivas, alternativas, radicais e mobilizadoras com a práxis filosófica na formação de professores e de suas contribuições no fazer pedagógico, na difusão e construção do conhecimento GALEFFI, (2012; 2001); PIMENTEL (2014) SEVERINO (2008); GALLO (1999); TADEU & KOHAN (2005); TOMAZETTI (2003).
É urgente a discussão da formação de professores, levando em consideração a compreensão de experiências pedagógicas, onde educadores possam se organizar e compreender o sentido social de suas práxis. Este é um campo de ação complexo, multifacetado, dependente de inúmeras variáveis e de forma preponderante perpassam o tipo de Instituto de Ensino Superior, no modelo de universidade urgente, bem como, os saberes docentes e a formação para a docência.
As demandas sociais exigem competências dos docentes que vão além do instituído, porque devem ser capazes de elaborar e difundir saberes pautados numa prática educativa com vista à emancipação (PIMENTA; ANASTASIOU, 2002). Conforme Severino (2008) já assinalava acerca da necessidade da demanda por inovações pedagógicas, em todos os níveis de ensino, bem como, a necessidade de propiciar espaços formativos tensionados nas emergências sociais da educação contemporânea.
Recorrendo a trabalhos produzidos na área da educação com a temática “meditação”, destacam-se os estudos de Sampaio (2011); Barontini (2009); Arora (2007); Camelo (2011); Menezes (2011); Menezes & Dell’aglio (2009). Estes estudos demonstram o desenvolvimento de práticas em diversos espaços e instituições que utilizam a meditação, como por exemplo, para trabalhar a elaboração da atenção na percepção de si (a concentração), os processos de aprendizagem, a experiência com corpo e a mente a partir das técnicas de respiração, (re)elaborações cognitivas e emocionais.
Nos estudos citados acima, evidencia-se a relação da prática de meditação com os processos cognitivos e pedagógicos em vários âmbitos da educação, desde a escola básica à universidade e grupos de pesquisa. Estes movimentos demonstram a necessidade vital da academia, na valorização e pluralização de modos ressignificados de fazer e compreender a ciência, por lógicas curriculares transformativas que durante muito tempo encontrou barreiras nas complexas configurações da Universidade, e que atualmente demarcam a necessidade de uma reforma do pensamento (MORIN, 2002).
Vivemos em uma sociedade de relações fragmentadas, exemplificadora de atitudes violentas, mas também vivenciamos a possibilidade de regeneração do poético com a vida, com a estética que nos transporta ao contato com a sensibilidade e a nossa condição humana terrena-planetária. Morin (2012) chama a atenção para a realidade suportável que a dimensão da emoção estética possibilita ao humano. O homo carrega o gênero sapiens e ao mesmo tempo o demens, ordem e desordem, razão e emoção coabitando em fonte de élan criativo, amoroso, transformador e poético. Eclodem diferentes lógicas de objetivações e projeções, necessitando de presentificação constante nas práxis formativas dos nossos estudantes em formação.
A partir do Ateliê Filosófico defendemos uma perspectiva de fazer e aprender filosofia como experimentação do pensar, como criação de novos sentidos implicado na vida-trajetória dos estudantes em formação, diferente de um ensino de filosofia limitado ao mundo acadêmico territorializado e fronteirizado, aonde subestima os saberes populares-experienciais. Desse modo, para sentir, pensar e fazer na realidade implicada, no processo do autoconhecimento, responsáveis e participativos, questionadores e críticos de suas próprias condições de existência, é necessário que estudantes conheçam e vivenciem, em sua experiência formativa, essa constelação de saberes.
Constelando uma metodologia para uma práxis própria e apropriada
Pensar um processo metodológico numa práxis pedagógica com a filosofia na formação de professores é abrir-se ao acontecimento de constantes deslocamentos e enfrentamentos encontrados na possibilidade da saída de uma modelagem disciplinar do “ensinar” e adentrar-se em uma modelagem transdisciplinar transformativa.
É preciso romper os adestramentos que operam na prática pedagógica dos sistemas educacionais expressos na tríade “fabricação-modelagem-adestramento” e que ainda prevalecem na maioria das instituições de ensino-aprendizagem. O acontecimento existencial do serhumanohumanidade2 em seu potencial criativo e mente desperta é submetida a uma letargia e alienação que lhe impedem de apropriar-se da compreensão e do conhecimento de sua própria existência. Por isso, é preciso destacarmos o que Paulo Freire sempre ressaltou em suas obras: a vocação ontológica do serhumanohumanidade em suas historicidades e inconclusões sempre em busca do Ser Mais. É no acontecer inconcluso, em uma educação pautada no diálogo, na diferença que poderá emergir a compreensão do fenômeno humano em sua complexidade e o sujeito presente na sua relação com a corporeidade, a espiritualidade, a emocionalidade e a racionalidade.
Morin (2012) ressalta que o progresso do conhecimento científico necessita que o pesquisador-professor se inclua em sua práxis, de forma autocrítica e reflexiva, no conhecimento do contexto. Desse modo, inspira-me “rigores outros” de fazer-aprender que possibilite superar a dicotomia clássica entre sujeito e objeto, ciências da natureza e ciências do espírito (MACEDO, GALEFFI, PIMENTEL, 2009). As atividades do Ateliê Filosófico visam respeitar o processo histórico e biopsicoexistencial da caminhada dos sujeitos nele inseridos. Neste sentido, o Ateliê Filosófico, busca a partir da prática da meditação, o desenvolvimento do autoconhecimento e a aprendizagem filosófica na formação de educadores. Desse modo, o projeto em andamento tem inspiração fenomenológica e caracteriza-se por ser um processo de abertura a ação-reflexão-ação de retorno às coisas mesmas (GALEFFI, 2012, HUSSERL, 1990).
O Ateliê Filosófico é realizado segundo um percurso de construção do conhecimento que se configura em oficinas didático-pedagógicas experimentais que proporcione, não só o trato do conhecimento com filosofia, meditação e formação, mas um espaço-tempo experiencial e de vivências. O estudante em formação experimenta o objeto do conhecimento, privilegiando processos de aprendizagem através da descoberta e da construção de sentidos e significados para “si mesmo”.
O “Si mesmo” como abertura radical de investigação implicada, envolve o processo de autoproduzir-se, ciente do que se é, está sendo e do que virá a ser, sempre possibilidade brotante e aprendente de perspectivar e forjar modos, sentidos e formas próprias e apropriadas em derivas constantes. Diferentemente de um saber técnico que se aprende a partir de regras e normas padronizadas, o aprendizado de si rompe com os solipsismos do pensamento especulativo fundante do saber ocidental. Um presentificar-se incessantemente que mobiliza estados de consciência (conscientes ou não) pela capacidade de escuta. Entende-se a escuta em uma perspectiva amplificada para além da própria audição, mas de todo o corpo, pele, olhos, vísceras, coração, pensamentos, desejos, impulsos e etc.. Neste processo o auscultar faz-se necessário como processo de cura interior, onde a escuta atenta (como de um médico) precisa ir cada vez mais fundo, nos oceanos ocultos de nossas sombras pessoais. Todo o mundo interior psicológico do ser vivente em dialogia com o mundo da convivência, na experiência de si com o numinoso.
As oficinas didático-formativas que compõem o Ateliê Filosófico buscam criar oportunidade de imersão em práticas meditativas de modo próprio e apropriado, pois a meditação não se resume a um conjunto de técnicas, mas a um estado de ser/compreender. Este processo está articulado ao diálogo com temáticas que emergem da experiência realizada nos processos vivenciados pelos participantes e o professor das oficinas, estabelecendo conexões e aprofundamentos com a filosofia e demais áreas de conhecimento, conforme os objetivos do referido projeto.
Considerações finais
Fazer e pensar uma aprendizagem filosófica como transformatividade criativa e radical na formação de professores, é assumir a responsabilidade de comum-pertencimento a emergência que jorra das nossas vidas incertas e inseguras, das salas de aula, nos bancos universitários, nos processos formativos.
A perspectiva desenvolvida no Ateliê filosófico vem afirmar a necessidade de uma práxis criadora, articulada na emergência mundo de uma racionalidade aberta e implicada ao local, ao simples e complexo do existir humano em seu aprendizado próprio e apropriado de si mesmo. O aprendizado de si não é uma técnica de aplicação para o processo educacional. A viagem cósmica no mergulho do aprendizado de si mobiliza, em sua ousadia singular e coletiva, o conhecer/desconhecer, o conhecimento do desconhecimento.
Nosso interesse com o Ateliê Filosófico é o educador em Vida-Transformação, o humano como ente que primeiro há de mergulhar na investigação da natureza do próprio conhecimento aí disponível, como consciência encarnada individual, pessoal e transpessoal (coletiva). A prática que se deseja ser práxis político-pedagógica exige o sentimento de envolvimento e pertencimento.
Como educadores-pesquisadores estamos sempre em encruzilhadas de transições paradigmáticas, por isso, é fundamental buscarmos no aprendizado de si, no autoconhecimento, outras possibilidades de fazer e aprender filosofia na transformação de professores. É nesta condição humana que nos colocamos como educadores e pesquisadores. Um estar entre que indica a vida travessia, liberdade e destino. Destino compreendido como encontro e não rota previamente traçada e acabada. Por mais que desejamos, nossos desejos há de sempre dialogar com nossas origens, contextos, nascedouros nas derivas do aprendizado de si mesmo.