Introdução
O Programa de Núcleos de Ensino da UNESP, por intermédio da Pró-Reitoria de Graduação (PROGRAD), visa promover a parceria entre a Universidade e a escola pública, incentivando o ensino e a pesquisa de caráter disciplinar ou interdisciplinar nas unidades de Educação do Sistema Público de Ensino. Sua principal intenção é contribuir com os processos de formação inicial dos graduandos da UNESP e de formação continuada dos professores da rede pública de ensino, promovendo ações educativas e inclusivas junto aos movimentos sociais (ver: Estatuto dos Núcleos Regionais de Ensino da UNESP).
Neste artigo, discute-se aspectos de um projeto vinculado ao Programa de Núcleos de Ensino da UNESP desenvolvido no ano de 2016 em parceria com a Escola Estadual Prof.ª Maria Galante Nora, na cidade de São José do Rio Preto-SP. O objetivo do projeto foi produzir um documentário de natureza educacional a partir de atividades de caráter interdisciplinar realizadas coletivamente na escola. Diante desse objetivo, optamos em abordar no documentário aspectos acerca de um trabalho desenvolvido pela escola, durante o ano de 2015, o qual mobilizou alunos, professores, funcionários, administradores, pais e outros membros da comunidade escolar para coletar embalagens de leite longa vida, visando a sua reutilização para a construção de mantas térmicas para cobrir o teto do pátio da escola.
Esse trabalho, que teve um caráter voltado à sustentabilidade (reutilização de caixas de leite), fomentou a efetiva mobilização da comunidade escolar e a possibilidade de alunos e professores explorarem de maneira interdisciplinar diversos conteúdos escolares. A construção do teto térmico fez com que a temperatura do pátio da escola diminuísse em até 8º C, fato considerado muito relevante para o bem-estar no ambiente escolar, uma vez que a cidade de São José do Rio Preto apresenta temperaturas significativamente elevadas ao longo do ano.
O leitor deve então notar que neste texto é feita menção a dois projetos: (i) o projeto vinculado ao Núcleo de Ensino, desenvolvido pelo presente autor, cujo objetivo foi a produção do documentário de natureza educacional intitulado Projeto Teto Térmico e (ii) o projeto desenvolvido pela escola para a construção desse teto, temática fulcral abordada no documentário. Especificamente, no ano de 2015, a E. E. Prof.ª Maria Galante Nora desenvolveu o projeto intitulado “Melhorando o ambiente escolar com embalagem longa vida”, o qual visava o reaproveitamento de embalagens de forma sustentável. Esse projeto esteve fundamentado na proposta de Schmutzler (2001), professor da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), que, em parceria com colegas, desenvolveu o Projeto Forro Longa Vida, que tinha por objetivo utilizar o alumínio presente nas embalagens de leite como refletor de calor para fomentar o conforto térmico em ambientes edificados.
O projeto “Melhorando o ambiente escolar com embalagem longa vida”, desenvolvido pela escola em 2015, teve por objetivo trabalhar com os alunos o conceito de sustentabilidade; o entendimento do aluno para a reciclagem, como o reaproveitamento de materiais; a motivação artística dos alunos; mostrar ao aluno que é possível melhorar o contexto habitacional; desenvolver no aluno o espírito de equipe e solidariedade; a valorização do diálogo e o respeito às divergências de ideias e a pluralidade cultural. Para a realização do documentário foram utilizados recursos obtidos por meio de um projeto de pesquisa financiado pelo CNPq (Edital Universal 484970/2013-5), o qual teve início em 2013, sob responsabilidade do presente docente proponente. Tais recursos são, basicamente, equipamentos para produção audiovisual e musical como computador para edição de vídeos, câmera de vídeo HD, softwares e interfaces computacionais de alta performance. Esses equipamentos foram fundamentais para a realização/exequibilidade do documentário criado por meio do projeto.
O documentário Projeto Teto Térmico tem aproximadamente 60 minutos de duração e está estruturado em seis episódios, disponíveis em https://www.youtube.com/playlist?list=PLU5_GVU-eQOMUuRF-6xLl5OA-1edAqGEK. Especificamente, os títulos dos episódios e respectivos links são os seguintes:
1. Coordenação e Direção: https://youtu.be/9cuSLDTnGBU
2. Alunos: https://youtu.be/6oVMYD7eE-U
3. Professora Elza: https://youtu.be/AWfIEt1QL5s
4. Haikai: https://youtu.be/BqXIbyjmvIY
5. Professores: https://youtu.be/tNd6UKH2l7s
6. Depoimentos: https://youtu.be/8xxJDAFabks
Making of: https://youtu.be/JECmzgKf5hA
A seguir, na Figura 1, são apresentadas imagens capturadas de alguns capítulos do documentário.
1. Aspectos metodológicos
A produção do documentário ocorreu ao longo do ano de 2016, sendo ele dirigido pelo docente coordenador do referido Projeto junto aos Núcleos de Ensino da UNESP. Uma aluna de graduação em Matemática da UNESP atuou como assistente de direção do documentário, sendo ela comtemplada com uma bolsa de 11 meses financiada pela PROGRAD-UNESP. Foram entrevistados a diretora da E. E. Professora Maria Galante Nora, o coordenador pedagógico, uma inspetora de alunos, seis professores de diferentes disciplinas (Matemática, Física, Ciências e Língua Portuguesa), uma professora responsável pela biblioteca/sala de leitura e 38 alunos de diferentes turmas dos Anos Finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio, além de pais, alunos egressos e membros da comunidade que contribuíram diretamente com o desenvolvimento do Projeto na escola.
Cabe destacar que, nesse cenário, foi assumida a seguinte concepção:
O discurso do filme documentário tem por característica o de ser um discurso sustentado por ocorrências do real. Trata efetivamente daquilo que aconteceu, antes ou durante as filmagens, e não daquilo que poderia ter acontecido como no caso do discurso narrativo ficcional. Essa ancoragem no real vai encontrar seus procedimentos chaves sempre na busca de sua legitimação. Entre depoimentos, entrevistas, tomadas in loco, imagens de arquivo, etc., o filme irá reunir e organizar uma série de materiais para formar uma asserção sobre determinado fato que é externo ao universo do realizador. Na prática, o roteirista de documentário trabalha com uma maior diversidade de materiais fílmicos em que o recurso à encenação vem a ser apenas um entre múltiplas possibilidades de tratamento visual e sonoro do filme (RAMOS, 2007, p. 39).
O tema abordado no documentário - Teto Térmico - foi escolhido por sua notoriedade em termos de impacto social e mobilização da comunidade escolar. O engajamento efetivo de muitos alunos da escola e seus responsáveis na construção do teto térmico foi algo fomentado por uma busca em solucionar um problema que realmente trazia desconforto à comunidade escolar. Além disso, o caráter interdisciplinar e de sustentabilidade nessa situação, bem como a relação direta que ocorreu entre a construção do teto e a exploração de conteúdos em sala de aula podem ser considerados fatores fundamentais para tal apreciação da comunidade escolar e seu engajamento. A construção desse teto na escola foi reconhecida como relevante pela Câmara Municipal de São José do Rio Preto e divulgada em um popular jornal da cidade (ver https://www.diariodaregiao.com.br/_conteudo/2015/06/cidades/711487-alunos-constroem-teto-termico-com-caixa-de-leite.html)
A produção do documentário foi, na realidade, pensada e conduzida em três etapas fundamentais, sendo uma delas composta por duas partes:
(1) Pré-produção (março a abril de 2016). Nessa etapa foi elaborado um roteiro para o documentário, incluindo uma pauta para a realização de entrevistas semiestruturadas. Para isso, foi conduzido um estudo sobre interdisciplinaridade em documentos curriculares, questões específicas sobre os materiais utilizados e relações entre conteúdos escolares e abordagens realizadas no projeto. Nessa etapa foi também elaborado um convite aos participantes e construído um cronograma para a realização das entrevistas. Ainda, todos os participantes (e seus responsáveis, no caso dos alunos) assinaram um termo de autorização do uso de suas imagens no documentário e em textos científicos, como artigos, capítulos de livros, relatórios de pesquisa, dentre outros.
(2A) Produção - Parte 1 (maio a agosto de 2016). Nessa etapa foram realizadas as entrevistas, feitas tomadas (gravações) no ambiente escolar e coletados materiais audiovisuais (filmagens e fotos) produzidos por outros agentes ao longo do ano de 2015, durante a construção do teto. Ao todo, foram coletadas aproximadamente 22 horas de gravações e 850 fotografias. Todas as entrevistas foram realizadas na escola, sempre com a presença de testemunhas. As entrevistas com alunos foram conduzidas individualmente ou em grupos, dependendo de suas disponibilidades. As demais entrevistas (direção, coordenação, corpo docente, outros) foram conduzidas individualmente. Alguns dos equipamentos utilizados para a filmagem das entrevistas foram: Câmera Canon EOS T3i, lente Canon 50mm, lente Canon EFS 18-135mm, tripé VF-W3530, microfone Shure SV100, microfone sem fio Azden PROXD 2.4GHz, cabos e cartões de memória.
(2B) Produção - Parte 2 (setembro a dezembro de 2016). Nessa etapa foram realizadas as edições de vídeo do documentário utilizando o software Final Cut em um computador iMac. Houve diversas adaptações do roteiro original, o que é uma característica recorrente em trabalhos sobre cinema e educação (RAMOS, 2007). No roteiro original, os temas ou categorias dos capítulos eram baseados em títulos referentes a interdisciplinaridade. No entanto, devido a participação de um número de pessoas muito maior do que o originalmente planejado, houve a necessidade de criar outros temas visando a inclusão da maioria dos depoentes. Houve também alguns problemas de natureza técnica, principalmente com relação ao áudio, visto que algumas entrevistas não puderam ser utilizadas devido à má qualidade do áudio captado, originada provavelmente devido a uma limitação de conexão entre interface microfone/câmera. Antes do lançamento da versão final do documentário, alguns participantes assistiram aos capítulos e identificaram alguns erros técnicos, como em legendas, os quais foram corrigidos. Cabe também destacar que as trilhas sonoras foram originalmente produzidas utilizando o software Logic Pro para iMac.
(3) Pós-produção (janeiro a fevereiro de 2017). Tendo finalizado a produção do documentário, ele foi primeiramente publicado em um canal do YouTube e, consequentemente, divulgado em redes sociais. A direção da escola registrou informalmente a apreciação da comunidade escolar, principalmente de responsáveis de alunos, acerca da publicação do documentário.
2. Produção Audiovisual em Educação
Vídeos têm sido utilizados em Educação desde iniciativas como Telecurso 2000. Recentemente, com o surgimento da internet e acessibilidade a recursos como câmeras digitais e software de edição de vídeos, a produção audiovisual em Educação tem se popularizado (BORBA; SCUCUGLIA; GADANIDIS; 2014). Em redes sociais como YouTube, podemos acessar diversificados tipos de narrativas digitais como videoaulas, performances artísticas educacionais e documentários. De modo geral, a sinergia entre Educação e Cinema tem se intensificado (DUARTE, 2009).
A produção audiovisual tem adquirido intensidade enquanto atividade social. De acordo com Perinelli Neto (2016, p. 18), “o vídeo digital tornou mais disseminada a produção barateada de materiais fílmicos (...): câmeras filmográficas tornaram-se economicamente mais acessíveis e estão integradas a celulares e máquinas fotográficas”. Nesse sentido, essa atividade tem permeado algumas iniciativas realizadas na formação de professores e na Educação Básica. Aliado as câmeras, temos disponíveis softwares gratuitos de edição vídeo e áudio com interfaces amigáveis, nos quais é consideravelmente “fácil” utilizar as principais funcionalidades. E a última possibilidade, e talvez a mais importante, é a capacidade de compartilhar vídeos na Internet (PERINELLI NETO, 2016).
Ao discutir o uso de filmes em processos de ensino e aprendizagem, Duarte (2009) destaca a peculiaridade emergente com significação de narrativas fílmicas. De acordo com a autora, esse tipo de significação não ocorre de maneira imediata. Há um profundo dinamismo da experiência fílmica do ponto de vista formativo, cujos efeitos emergem após complexos processos de reorganização compreensiva e ressignificações. Além disso, a significação de filmes não se dá de modo individualizado. Trata-se de “um processo eminentemente coletivo, no qual o discurso do outro é tão constitutivo de nossas opiniões quanto o nosso próprio discurso” (DUARTE, 2009, p. 62).
Portanto, a produção audiovisual desenvolvida no projeto relatado neste artigo perpassa por essas questões que, em processos de ensino e aprendizagem, evidenciam a complexidade semiótica da linguagem fílmica e o protagonismo coletivo dos agentes escolares envolvidos nesse processo criativo.
3. Interdisciplinaridade
A interdisciplinaridade é uma orientação da Lei de Diretrizes e Base da Educação (LDB) cujo objetivo é fazer da sala de aula mais do que um espaço para absorção de informações, e sim trazer uma perspectiva de articulação interativa entre as diversas disciplinas entre métodos e conteúdos pedagógicos. Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais - Ensino Médio, “a interdisciplinaridade tem uma função instrumental. Trata-se de recorrer a um saber diretamente útil e utilizável para resolver às questões e aos problemas sociais contemporâneos” (BRASIL, 2002, p. 34). Nesse sentido, do ponto de vista do currículo,
É importante enfatizar que a interdisciplinaridade supõe um eixo integrador, que pode ser o objeto de conhecimento, um projeto de investigação, um plano de intervenção. Nesse sentido ela deve partir da necessidade sentida pelas escolas, professores e alunos de explicar, compreender, intervir, mudar, prever, algo que desafia uma disciplina isolada e atrai a atenção de mais de um olhar, talvez vários. Explicação, compreensão, intervenção são processos que requerem um conhecimento que vai além da descrição da realidade e mobiliza competências cognitivas para deduzir, tirar inferências ou fazer previsões a partir do fato observado (BRASIL, 2002, p. 76, grifo dos autores).
No Projeto Teto Térmico foram abordados vários conteúdos de diferentes disciplinas para a construção do teto térmico, principalmente no contexto das disciplinas Matemática, Física, Ciências (Meio Ambiente) e Língua Portuguesa. Além disso, a construção do teto foi conduzida como solução para um problema enfrentado pelos alunos e outros membros da escola: o calor no pátio. No primeiro episódio do documentário, a diretora e o coordenador pedagógico da escola mencionam o caráter interdisciplinar do projeto.
Diretora: esse projeto vem sendo desenvolvido há quase um ano (...). Houve muitos coadjuvantes, mas os principais atores foram a professora de ciências e os professores de física e matemática. Teve envolvimento de todos os alunos da escola, de todos os funcionários, todos os professores e foi um trabalho desenvolvido interdisciplinarmente. Esse projeto, que explora questões sobre meio ambiente e conteúdos escolares de maneira interdisciplinar, pode ser realizado por outras escolas ou instituições.
Coordenador: Desde o ano passado surgiu a ideia de fazer um projeto diferente relacionado ao meio ambiente. Fizemos então o projeto com as caixinhas de leite com o envolvimento de vários professores de matemática, professores de física, alunos e membros da comunidade (...). Pais de alunos também se envolveram. Na parte pedagógica, houve envolvimento com relação aos conteúdos, relacionando com a prática na montagem do teto.
No segundo episódio do documentário é possível também identificar questões sobre interdisciplinaridade nos depoimentos dos alunos participantes. Ao discursarem sobre o que aprenderam por meio do projeto alguns alunos disseram:
Aluno: Esse projeto nos instruiu a reciclar e dar mais valor às coisas. Calculamos inicialmente que precisaríamos de 15.000 caixinhas.
Aluno: Aprendemos conteúdos escolares por meio do projeto. Em matemática, trabalhamos fora da sala de aula com a caixinha de leite aberta e fechada. Estudamos área, volume e perímetro.
Aluno: Aprendemos sobre a Geometria da caixinha. Nós medimos o perímetro das caixinhas, determinamos a área e calculamos quantas caixinhas seriam necessárias para cobrir o pátio da escola.
Aluno: Em Física, o professor indicou como era o funcionamento do teto térmico. Que as caixinhas funcionam como um isolante térmico.
Identifica-se, nesse sentido, que o aspecto interdisciplinar do projeto pode ser destacado a partir das falas dos gestores, professores e dos alunos participantes do projeto. Por meio dos depoimentos, há evidências, por exemplo, de que os alunos experienciaram situações que fomentaram conexões diretas entre a busca por soluções de um problema real de suas vivências cotidianas na escola e conteúdos escolares abordados em suas aulas em diferentes disciplinas, dentro e fora da sala de aula. Trata-se, portanto, de uma dimensão relevante da modelagem matemática na Educação Básica de acordo com a literatura (BARBOSA, 2001). Também, de acordo com as falas dos gestores, foi atribuída relevância à dimensão ou impacto social do projeto, o qual fomentou a construção de identidade coletiva para comunidade escolar. Trata-se, nesse sentido, de um aspecto significativo de ações que evidenciam fundamentos da Educação Crítica (SKOVSMOSE, 2001), a qual, potencialmente, revelam nuances fundamentais da cultura (D’AMBROSIO, 2001).
Nas subseções seguintes discute-se algumas questões específicas abordadas no contexto de cada uma das disciplinas mencionadas, destacando a perspectiva de professores e alunos participantes do projeto.
3.1. Matemática
Foram realizados dentro e fora da sala de aula diversos cálculos para descobrir a quantidade de caixinhas de leite longa vida que seriam necessárias para a construção do teto térmico. Os conceitos de Geometria Plana e Geometria Espacial foram trabalhados com alunos de diferentes níveis escolares. Com a realização desse projeto, os alunos puderam compreender melhor os conceitos em uma aula prática e, dessa forma, tiveram uma experiência diferenciada de aprendizagem.
De acordo com Schmutzler (2001), uma caixinha de leite longa vida “tradicional” aberta mede 31,3 cm x 24,3 cm, tendo, assim, uma área de 760,59 cm2. Portanto, são necessárias 13,14 caixinhas para constituir 1m2. “Se forem feitos previamente os cortes de 8 mm das áreas soldadas superior e inferior, a dimensão total é reduzida para 30,5 X 23,5 cm, e a área para 716,75 cm2, o que faz serem necessárias 13,95 caixinhas por m2” (SCHMUTZLER, 2001, p. 5). Considerando-se “um remonte de 1,5cm em dois dos lados contíguos para a colagem, a dimensão útil passa a ser: 29,0 X 22,0 cm e a área para 638,00 cm2, o que faz serem necessárias 15,67 caixinhas por metro quadrado (SCHMUTZLER, 2001, p. 5).
No documentário, os conteúdos matemáticos explorados por meio do Projeto Teto Térmico são abordados de maneira específica no terceiro episódio. Notamos que a estimativa inicial indicada por Schmutzler (2001) no projeto Forro Longa Vida da UNICAMP, foi adaptada para o contexto do projeto na escola. No depoimento da professora Elza, as seguintes questões são destacadas:
Professora: Foi feita uma campanha para arrecadar caixinhas. Mas nós não queríamos dizer aos alunos o número necessário. Isso eles teriam que descobrir. Para isso, levei uma turma ao pátio disponibilizando uma trena e passamos a medir o chão. A inclinação do telhado existe, mas optamos em desprezar inicialmente, para depois aproximar. O pátio tem 8 vãos; medimos a largura e o comprimento de 1 vão e multiplicamos por 8. Isso totalizou 288m2. Chegando em sala de aula, com várias caixinhas planificadas, considerando que existem caixinhas diferentes. Utilizando uma régua, e sabendo que iríamos utilizar apenas as 3 faces que não tem emenda, calculamos a área de dois tipos de caixinhas. Uma mais alta e outra mais baixa. Essa foi a primeira parte do projeto: trabalhar com as medidas planas. Na segunda etapa, precisaríamos determinar quantas caixinhas. Para isso determinamos primeiramente quantos centímetros quadrados tem um metro quadrado. Experimentalmente, descobrimos que 1 m2 equivale a 10.000 cm2. Quantas caixinhas precisaríamos para construir uma manta de 1m2? Considerando apenas aquelas 3 faces, chegamos a conclusão que precisaríamos de 25 caixinhas para 1m2. Aí ficou fácil, 25 para cara metro e já sabíamos o total de metros. Com um tipo de caixinha, seriam necessárias pouco mais de 6.000 caixinhas para 1 camada. Com a outra caixinha mais baixa, mais de 7.000 caixinhas. Mas sabíamos que iríamos fazer 2 camadas. Então sugerimos a estimativa de 15.000 caixinhas.
Outros conteúdos abordados pela professora de matemática em sala de aula por meio do projeto mencionado no documentário foram: sólidos em geometria espacial, planificação de sólidos, relação de Euler, volume de um cubo, diagonal de um cubo ou paralelepípedo e diagonal de uma face do cubo ou paralelepípedo e estatística (média aritmética). No quinto episódio do documentário, outros três professores de Matemática da escola relatam conteúdos abordados em aula por meio do projeto, apontando questões sobre Geometria, Unidades de Medida e estimativa/otimização. Do ponto de vista didático-pedagógico, destaca-se aspectos referentes à modelagem matemática, pois foram utilizados conhecimentos matemáticos como parte significativa da solução de um problema real vivenciado pelos alunos, professores e funcionários no ambiente escolar. De acordo com a Base Nacional Comum Curricular,
Os processos matemáticos de resolução de problemas, de investigação, de desenvolvimento de projetos e da modelagem podem ser citados como formas privilegiadas da atividade matemática, motivo pelo qual são, ao mesmo tempo, objeto e estratégia para a aprendizagem ao longo de todo o Ensino Fundamental. Esses processos de aprendizagem são potencialmente ricos para o desenvolvimento de competências fundamentais para o letramento matemático: raciocínio, representação, comunicação e argumentação (BRASIL, 2017, p. 222, grifo nosso).
3.2. Física
No quinto episódio do documentário o professor de Física e Matemática da escola destaca o fato de a caixinha de leite ter características enquanto isolante térmico, sendo pertinente sua utilização como forro no desenvolvimento do projeto da escola.
Professor: Este é um projeto muito interessante. Utiliza-se das várias matérias que nós temos no currículo. No meu caso, Matemática e Física. Dentro dessas matérias podemos trabalhar alguns conteúdos. Em matemática, cálculo de áreas e volumes. É uma parte da Geometria. Na parte Física, questões sobre temperatura, trocas de calor. Pois as caixinhas têm vários componentes como plástico, alumínio e papelão. Ela serve, portanto, como isolante térmico, ou seja, não permite a transferência de calor de um ambiente para outro.
De acordo com Schmutzler (2001, p. 1), o material da embalagem das caixinhas de leite longa vida “é composto de fora para dentro por 2 camadas de polietileno, 1 camada de alumínio de 0,035 mm de espessura, 1 camada de polietileno, 1 camada de papelão e 1 camada de polietileno” (ver Figura 4). Obtém-se assim a seguinte composição: 75% de papelão, oferecendo suporte mecânico e resistência à embalagem; 20% de plástico, que impede a umidade e o contato direto do alimento com o alumínio, além de evitar o vazamento; 5% de alumínio, que bloqueia a entrada de luz e oxigênio. O alumínio tem como propriedade física, refletir mais de 95% do calor que chega através de radiações e de emitir menos de 5%, dependendo do estado de polimento de sua superfície. Por esse motivo, justifica-se fisicamente a escolha de caixinhas de leite para a construção do teto térmico para o pátio da escola. Em diversos momentos do documentário, alunos, professores e gestores mencionam que a temperatura do pátio diminuiu em até 8o Celsius, sendo aferido tal resultado com o uso de um termômetro. Na figura 2, apresentamos uma imagem para ilustrar as camadas que compõe uma caixinha de leite.
3.3 Ciências - Meio Ambiente
Assim como a interdisciplinaridade, o Projeto Teto Térmico explorou questões sobre Meio Ambiente, principalmente com relação à reciclagem e sustentabilidade. De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais - Meio Ambiente,
A principal função do trabalho com o tema Meio Ambiente é contribuir para a formação de cidadãos conscientes, aptos a decidir e atuar na realidade socioambiental de um modo comprometido com a vida, com o bem-estar de cada um e da sociedade, local e global. Para isso é necessário que, mais do que informações e conceitos, a escola se proponha a trabalhar com atitudes, com formação de valores, com o ensino e aprendizagem de procedimentos (...). Assim, a grande tarefa da escola é proporcionar um ambiente escolar saudável e coerente com aquilo que ela pretende que seus alunos apreendam, para que possa, de fato, contribuir para a formação da identidade como cidadãos conscientes de suas responsabilidades com o meio ambiente e capazes de atitudes de proteção e melhoria em relação a ele. Por outro lado, cabe à escola também garantir situações em que os alunos possam pôr em prática sua capacidade de atuação (BRASIL, 1997a, p. 187).
A questão ambiental é mencionada em diversos momentos no documentário. No segundo episódio, por exemplo, uma aluna relata o seguinte:
Aluna: Acho muito importante nós preservarmos o meio ambiente. Por que se começarmos a poluir, nossas vidas não serão boas. Se começarmos a jogar lixo na natureza, a poluirmos os rios, nossa vida iria piorar. Se preservarmos o meio ambiente teremos uma vida melhor.
Portanto, o Projeto Teto Térmico foi uma importante iniciativa para a Educação Ambiental na escola, pois fomentou a transformação de uma grande quantidade de material que seria potencialmente destinado ao lixo, em um material de construção, reaproveitando-o de forma sustentável na construção do teto térmico. O objetivo da sustentabilidade é preservar o meio ambiente e garantir seu desenvolvimento, caracterizando assim uma instituição que se importa com a continuidade da vida no planeta. Ecologicamente, esse projeto auxilia na redução de espaço e de volume nos lixões e aterros sanitários pelo fato de que a maior parte desta embalagem não é biodegradável, ou seja, não propicia qualquer benefício ao ambiente e aumenta o perigo do volume de resíduos presentes na superfície do planeta, permanecendo muitos anos sob a terra. Também temos o benefício que há economia de energia na menor necessidade do uso de ar condicionado e de ventiladores no verão, pois ocorreu a diminuição da temperatura em um ambiente de convívio comum na escola.
3.4 Língua Portuguesa: Haikai
O quarto episódio do documentário aborda questões sobre o estudo de Língua Portuguesa na escola por meio do Projeto Teto Térmico. O professor entrevistado nesse episódio destaca a exploração do tema Haikai da seguinte maneira:
Professor: [por meio do projeto foi possível explorar] figuras de linguagem, na qual nós iríamos fazer um Haikai, que é um texto bastante conciso de apenas três versos contendo dezessete sílabas poéticas. Os alunos passaram a ter contato com esse texto, um novo gênero. Eles puderam desenvolver a metáfora, a antítese, a metonímia... conteúdos estudados em Língua Portuguesa.
Essa interface entre o estudo de Língua Portuguesa e o Meio Ambiente, enquanto tema transversal, também é apontada nos Parâmetros Curriculares Nacionais - Língua Portuguesa. De acordo com esse documento curricular,
Os conteúdos dos temas transversais, assim como as práticas pedagógicas organizadas em função da sua aprendizagem, podem contextualizar significativamente a aprendizagem da língua, fazendo com que o trabalho dos alunos reverta em produções de interesse do convívio escolar e da comunidade (BRASIL, 1997b, p. 37).
Alguns dos Haikais apresentados por alunos dos Anos Finais do Ensino Fundamental no quarto episódio do documentário foram os seguintes:
• Glória matinal: As caixinhas que poderiam ser descartadas agora foram recicladas.
• O lençol: Com a reciclagem das caixinhas formamos um lençol sobre o teto.
• O teto da escola: No teto da escola veio colorido um teto de caixinhas.
• Trabalho de equipe: Várias pessoas, muito trabalho por várias caixinhas.
• Trabalho: É laminado, é encaixotado e depois é reciclado.
• Céu prateado: Um céu fervente se tornou prateado e ficou menos quente.
4. Conclusões
Este relato de experiência teve como gênese o desenvolvimento de um projeto de ensino realizado por uma universidade que visou produzir um documentário sobre a construção de um teto térmico em uma escola pública de Educação Básica. Por trata-se de um projeto de ensino, e não de pesquisa, não foram produzidos dados mediante procedimentos metodológicos sistemáticos rigorosos, nem por meio de uma pergunta específica de investigação. Nesse sentido, por um lado, não se considera genuinamente legítimo a construção de afirmações contundentes acerca das potenciais múltiplas aprendizagens nesse cenário, sejam elas sobre alunos, professores (em formação continuada ou inicial), pesquisadores, gestores, responsáveis e/ou outros membros da comunidade. Por outro, como narrado, os depoimentos explicitam possíveis evidências ou nuances de aprendizagens, principalmente, dos alunos. Aspectos como consciência sobre sustentabilidade e a utilização de conhecimentos matemáticos em situações do cotidiano foram claras e recorrentes no documentário. Além disso, o docente responsável pela direção do documentário e a aluna de graduação bolsista dos Núcleos de Ensino da UNESP puderam experienciar aspectos do currículo (oculto) no ambiente escolar, além de terem aprimorado significativamente seus conhecimentos técnicos e conceituais sobre a realização de uma narrativa fílmica (elaboração de roteiro, características de um documentário, filmagens, captação de áudio, educação de vídeo, educação de áudio, etc.). Essas são características relevantes de currículos pós-modernos (DOLL, 1993), embora a interdisciplinaridade tenha se dado por meio da relação entre um problema real e conteúdos de diferentes disciplinas. Não identificamos relações diretas entre as disciplinas no trabalho desenvolvido, mas relações “indiretas” que o problema e busca por soluções fomentou no trabalho didático-pedagógico ocorrido em aulas de diferentes disciplinas.
Além dessa forma de interdisciplinaridade, destaca-se que o documentário perpassa por questões relevantes do ponto de vista do ensino e aprendizagem como Educação Inclusiva e participação efetiva de membros da comunidade escolar, incluindo pais/responsáveis de alunos. Além de divulgar uma importante iniciativa didático-pedagógica/interdisciplinar desenvolvida por uma escola pública, a elaboração do documentário foi relevante para aprendizagem de seus produtores (responsável pelo projeto e bolsista do projeto junto aos Núcleos de Ensino da UNESP). Portanto, esse projeto foi significativo para nossa formação enquanto docente e aluna de curso de graduação da UNESP. Em 2017, e anos seguintes, continuamos desenvolvendo atividades na Escola Estadual Professora Maria Galante Nora por meio de Extensão Universitária e do Programa Residência Pedagógica/CAPES.