Entre as leis e demais dispositivos que constituem um estado jurídico, encontra-se estabelecida uma hierarquização entre eles. É o caso, por exemplo, da constituição que - de acordo com a posição kantiana, é o fundamento da república -, ocupa o topo, uma vez que ela é o fundamento de outras leis; a propósito, ela também é denominada por Carta Magna, Lei Maior, Carta Constitucional, Lei Básica, Lei Maior etc. Segundo Kant (1943), a constituição é a que dá forma à república, o que implica um conjunto de leis que produzem um estado jurídico, além de constituir o direito público. Assim, este se destina ao povo, e intenta o estabelecimento de uma orientação única através da constituição, a qual se propõe a estabelecer um norteamento, tendo em vista atender à “[...] necessidade de um estado jurídico que os [homens, povos] reúna sob uma influência única; isto é, de uma constituição a fim de ser partícipes no direito (KANT, 1943, p. 145).
Considera ele que três são os poderes - legislativo, executivo e judiciário - pelos quais a cidade adquire sua autonomia, e assegura: “Em sua reunião consiste a salvação do Estado; [...] não deve entender-se por isto o bem dos cidadãos e sua felicidade; [...] a salvação pública consiste na maior conveniência da constituição com os princípios do direito, como um estado, ao qual a razão por um imperativo categórico, nos obriga a aspirar (KANT, 1943, p. 153-154). Na constituição, “[...] a lei é autônoma e não está vinculada a nenhuma pessoa em particular. [...] Toda república verdadeira não pode ser outra coisa senão um sistema representativo do povo, para a defesa dos seus direitos” (KANT, 1943, p. 155).
Dessa forma, dá-se a constituição da sociedade civil, a qual, encarada como totalidade que responde pelos seus membros, se chama Estado. A união de todos em tal sociedade deriva de seus interesses pela participação de uma sociedade juridicamente regulada, ao que se dá o nome de república (res publica, ou seja coisa pública) (KANT, 1943, p. 145). “Toda república verdadeira não pode ser outra coisa senão um sistema representativo do povo, para a defesa dos seus direitos” (KANT, 1943, p. 155). “Essa maneira é baseada na Constituição, que é o ato da vontade geral através do qual uma multiplicidade de pessoas torna-se uma nação” (KANT, 2008, p. 28).
A República no Brasil foi proclamada em 15 de novembro de 1889, a Assembleia Nacional Constituinte foi instalada em 15 de novembro de 1890, e a primeira Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil foi promulgada em 24 de fevereiro de 1891; a Constituição do Estado de Minas Gerais o foi em 15 de junho de 1891 (MINAS GERAIS, 1891). Por isso, cabe explicitar, sobretudo, qual é o significado que esta Constituição atribuiu à instrução pública, às câmaras municipais e aos orçamentos municipais.
O seu Art. 3º: fixa que “A constituição garante aos brasileiros [...] § 6º O ensino primário será gratuito e o particular exercido livremente”. E o “Art. 30. Compete privativamente ao Congresso: [...] 27º. Promover no Estado o desenvolvimento da educação pública, da agricultura, da indústria, do commercio, das imigrações e das artes; e o seu Art. 31 estabelece que compete também ao Congresso: “5º Legislar sobre instrucção primaria” (MINAS GERAIS, 1891).
Em relação às diretrizes mineiras de 1891, relativas às Câmaras Municipais, o seu Art 75 fixa: “Uma lei especial regulará a organisação dos municípios, respeitadas as bases seguintes: [...] II. A administração municipal, inteiramente livre e independente, em tudo quanto respeita ao seu peculiar interesse, será exercida em cada município por um conselho eleito pelo povo, com a denominação de Câmara Municipal”. Ressalte-se que o mesmo Art 75, inciso IV, atribui à Câmara Municipal, questões relativas ao orçamento municipal, do qual faz parte a instrução pública: “[...] que será annuo e votado em epoca prefixada, a policia local, a divisão districtal, a creação de empregos municipaes, a instrucção primaria e profissional, a desapropriação por necessidade ou utilidade do município e alienação de seus bens, nos casos e pela forma determinada em lei, são objecto de livre deliberação das camaras municipaes, sem dependencia de approvacão de qualquer outro poder, guardadas as restricções feitas nesta Constituição” (MINAS GERAIS, 1891).
O Art 117 também retoma aspectos relativos à instrução pública: “A lei de organisação de instrucção publica estabelecerá: 1º. A obrigatoriedade do aprendizado em condições convenientes; 2º Preferência dos diplomados pelas escolas normaes, para a investidura do magistério; 3º Instituição do fundo escolar; 4º Fiscalisação do Estado, quanto a estabelecimentos particulares de ensino, somente no que diz respeito à hygiene, moralidade e estatística” (MINAS GERAIS, 1891).
Em suas Disposições Transitórias, a Constituição do Estado de Minas Gerais de 15 de junho de 1891, estabelece em seu Art. 6º: “Na primeira sessão legislativa, o Congresso deverá fazer as seguintes leis:-sobre organisação municipal e judiciaria, instrucção publica, regimen eleitoral, peculio legal dos funccionarios públicos do Estado, responsabilidade do presidente, organisação das secretarias do Estado, terras publicas e regimen tributário” (MINAS GERAIS, 1891).
Tais norteamentos relativos à instrução pública, às câmaras municipais e ao orçamento estarão também presentes no município de Frutal, MG, localizado na região do Triângulo Mineiro, que “[...] foi elevado à categoria de Distrito de Paz pela Lei provincial n° 862, de 14 de maio de 1858; recebeu a categoria de vila, a 5 de outubro de 1885, pela Lei n° 3.325; sua elevação a cidade deu-se a 4 de outubro de 1887, pela Lei n° 3.464; o município foi instalado a 25 de outubro de 18883, tendo sido criado a 5 de outubro de 1885” (IBGE, 1959, p. 146).
Em termos populacionais, “Em 1891, já existiam, na região hoje compreendida pelo município e sua sede, 6.952 habitantes [...]” (IBGE, 1959, p. 146). Em 1916:“Em todo o município é de 25.000 habitantes, dos quaes, perto de dois mil residem na cidade” (CAPRI, 1916, p. 253). Segundo o Censo de 1920, eram 28.549 habitantes; entretanto, Victor Silveira (1926, p. 1079) informa que o número de habitantes em 1925 era de 33.859; todavia, segundo o Censo de 1950, eram 17.8084 habitantes (IBGE, 1959), que se distribuíam pela sede com 2.948 habitantes (16,55%), pela zona rural com 14.312 habitantes (80,38%), e um distrito contava com 548 habitantes. De acordo com o Censo de 2010, perfaziam 53.468 habitantes.
Por acto de 6 de julho de 1888 foi designado o dia 1° de setembro do mesmo anno para a eleição da Camara, ordenando o presidente da então Província, fossem eleitos somente 7 vereadores, de acordo com a primitiva lei de 1885. O eleitorado, porém, visto que a lei mais recente conferira ao Fructal os fóros de Cidade, votou para 9 vereadores. [em 4 de outubro de 1887, foi elevada à categoria de cidade]. Apuradas as eleições pela Camara Municipal de Uberaba foi designado o dia 25 de outubro de 1888 para a instalação do município, cujo acto se revestiu de grande solenidade. [...] Proclamada a Republica e após a promulgação da Constituição Mineira, foi Fructal elevado á categoria de Comarca pela lei n. 11 de 13 de setembro de 1891. Á sede desta Comarca se anexaram os municípios do Prata e Villa Platina [Ituiutaba]. (CAPRI, 1916, p. 247-248)
Informa ainda essa obra de 1916 que “Na cidade funcionam 2 escolas estadoaes, uma do sexo masculino com a matrícula de 90 alumnos e outra do sexo feminino com 80 alumnas. Existem também 2 collegios particulares: o Collegio Bandeira e o Collegio Salazar”5 (CAPRI, 1916, p. 256). Ainda com Roberto Capri (1916, p. 259):
No município pois existem: uma escola estadoal mixta na sede do districto de S. Francisco de Salles e a outra, que funcionava no Lageado, foi transferida para o futuro districto Commendador Gomes da Silva. Acham-se, atualmente, funcionando com proveitosa regularidade e bons professores 6 escolas municipaes: 1ª. No Corrego Alegre, 2ª. Em Areas, 3ª. Em S. Francisco de Salles, 4a. Nos Barbozas, 5ª. Em S. Matheus, 6ª. Em S. José do Fecho. Existe pois uma grande quantidade de escolas rurais particulares. A população escolar do município orça em mais de 1.000 alumnos. Fructal foi a primeira cidade mineira onde se organizou a Liga contra o analfabetismo, da qual também partiu a iniciativa da Caixa Escolar “Gomes da Silva’.
Depois da explicitação da centralidade das Constituições Federal e Estadual mineira, no tocante à temática educacional, cabe situar o que significa uma resolução do ponto de vista jurídico, enquanto representa um ato deliberativo de um dado poder público, que tem por horizonte regulamentar práticas sociais baseadas em decisões de ordem administrativa, fundadas em norteamentos constitucionais.
Levando-se em conta o arcabouço jurídico do estado republicano brasileiro, compõe o mesmo, mas não pela ordem, emenda constitucional, lei complementar, lei ordinária, medida provisória, lei delegada, decreto, decreto-lei, resolução, portaria. Sob um outro registro, também de caráter hierarquizado, mas pela ordem, distinguem-se leis federais, leis estaduais e leis municipais, as quais expressam competências específicas dos entes federados (União, Estado, Município e Distrito Federal).
Ao tomar como foco esclarecer o teor do documento em análise - o Regulamento Externo, definido pela Resolução n° 3, de 27 de julho de 1892, advinda da Câmara Municipal de Frutal, MG (Triângulo Mineiro) -, cabe considerar, primeiramente, que um regulamento compõe-se de um conjunto de regras, que têm em vista uma dada instituição ou algum corpo coletivo. O próprio cabeçalho da Resolução em apreço apresenta uma distinção entre regulamento e resolução: “O Capitão José de Paula e Silva presidente e agente executivo interino da camara municipal da cidade de Fructal faz saber que a mesma camara decretou a resolução do theor seguinte para ser o Regulamento Escolar do município de Frutal”. Ou seja, trata-se de um Regulamento Escolar instituído através de uma Resolução.
Caracteriza-se esta também pela fixação de dispositivos jurídicos. O referido Capitão José de Paula e Silva, presidente e agente interino da Câmara Municipal de Frutal, MG, comunica que esta decretou uma Resolução. Ressalte-se que, no período da Primeira República (1889-1930) no Brasil, o referido agente, ainda que interino, representa o Poder Executivo; contudo, como presidente de uma câmara municipal, representa formalmente o Poder Legislativo municipal. Considere-se então que uma “Resolução [...] é o ato de autoridade competente de um órgão de deliberação coletiva para estabelecer normas regulamentares. A estrutura da resolução é idêntica à da portaria. Resolução e Portaria são formas de que se revestem os atos, gerais ou individuais, emanados de autoridades [...]”. Disponível em http://www.cema.pr.gov.br/arquivos/File/como_elaborar_ uma_resolucao.pdf. Acesso em 22/04/2015.
Por conseguinte, resolução é uma deliberação, uma determinação que se caracteriza por um
[...] ato pelo qual a autoridade pública ou o poder público toma uma decisão, impõe uma ordem ou estabelece uma medida. Em regra, as resoluções dizem respeito a questões de ordem administrativa ou regulamentar” (Ibidem). Uma outra conceituação situa ainda que resolução é um “[...] Ato legislativo de conteúdo concreto, de efeitos internos. [...] As Resoluções não estão, em princípio, sujeitas a promulgação e também não estão sujeitas a controle preventivo da constitucionalidade [...]. Disponível em: http://www.baraoemfoco.com.br/barao/ noticias/marco2009/leis.htm. Acesso em 22/04/2015.
Parece, então, importante que se anua à seguinte generalização “O contorno legal indica possibilidades e limites de atuação, os direitos, os deveres, proibições, enfim, regras. Tudo isto possui enorme impacto no cotidiano das pessoas, mesmo que nem sempre elas estejam conscientes de todas as implicações e consequências” (CURY, 2000, p. 8). Todavia, mais importante que isso, “As leis fazem parte substantiva de um complexo jurídico que media, pelo Direito, permanentemente, as relações entre Estado e Sociedade” (CURY, 2000, p. 9). Ou seja, tais relações configuram-se como direito público, o qual se estabelece por vários dispositivos componentes do referido arcabouço jurídico.
Se se compreende dessa forma, uma dada resolução, ainda que municipal, compõe o ordenamento jurídico, cujo fundamento se encontra na constituição. Dessa forma, não é demais sustentar com Carlos R. Jamil Cury (2000, p. 15), que
A legislação, então, é uma forma de apropriar-se da realidade política por meio das regras declaradas, tornadas públicas, que regem a convivência social de modo a suscitar o sentimento e a ação da cidadania. Não se apropriar das leis é, de certo, modo, uma renúncia à autonomia e a um dos atos constitutivos da cidadania.
Tais ângulos conceituais, se direcionados a uma dimensão local, permitem considerar a Resolução n° 3 como um componente municipal do arcabouço jurídico federal e estadual.
Anteriormente à Ata da Câmara Municipal de Frutal de 27/08/1892, na qual consta a Resolução n° 3, encontra-se informação a respeito de sua elaboração na Ata do dia 12/07/1892:
[...] o Senhor Presidente [da Câmara] propôs e foi unanimemente aprovado o adiamento da presente sessão para 25 do corrente, a fim de que o Commendador Gomes da Silva6 possa concluir e apresentar a proposta para o Regimento Escolar e o Instituto Municipal que têm a fornecer a Instrucção Primaria e Secundaria neste Município. (CÂMARA MUNICIPAL DE FRUCTAL, 1892, p. 75)
Treze dias depois, em reunião da Câmara Municipal de Frutal do dia 25/07/1892, a Ordem do Dia está assim registrada no tocante à futura Resolução n° 3:
Pelo Commendador Gomes da Silva foi apresentada a proposta para o regimento escolar deste Municipio, declarando o mesmo que, na sua confecção tinha aproveitado em grande parte o regulamento n° 100 notável trabalho publicado em junho de 1883 [19/06/1883] pelo distintíssimo Mineiro Dr. Antonio Gonçalves Chaves, quando Presidente da então província de Minas. (CÂMARA MUNICIPAL DE FRUCTAL, 1892, p. 76)
Na Sessão ordinária de 27 de julho de 1892, a Ordem do Dia registra a aprovação da Resolução n° 3:
A Commissão de Instrução pública ofereceu e foi lido, submetido à discussão e aprovado, o parecer pelo qual opina pela aceitação e aprovação da proposta apresentada para o regulamento escolar deste Municipio. A Camara determinou que, depois de publicado na sua Secretaria, o fosse também pela imprensa e em 50 folhetos. (CÂMARA MUNICIPAL DE FRUCTAL, 1892, p. 78 frente e verso)
Como se depreende, a Resolução em apreço é uma expressão municipal de Frutal, MG, porém sua origem e fundamento advêm de uma legislação provincial mineira, ORegulamento N. 100, de 19 de junho de 1883. Registre-se aqui uma espécie de sincretismo político, que promove uma coligação entre opostos: uma lei provincial mineira ecoa num município mineiro republicano-federativo. Politicamente, tal coligação expressa conciliação, num momento em que a República no Brasil acaba de triunfar. Dialeticamente, o velho é incorporado pelo novo, ao tornar aquele ainda vigente ainda que sob outro norteamento.
A propósito da data dessa Resolução de 27/07/1892 da Câmara Municipal de Frutal, MG, uma semelhança: em Uberabinha, MG (atual Uberlândia, desde 1929), anteriormente e por pouco mais de três meses, foi estabelecida a “[...] Lei número 1 de Uberabinha, "Sobre a instrução pública", foi aprovada pela Câmara Municipal, em última votação, em 21 de abril de 1892 [...]’ (GONÇALVES NETO 2002, p. 137; 2003, p. 64;). “Além desta, de número um, [...] foram aprovadas a Lei número 2, que "dispõe sobre o Regulamento Escolar", a de número 3, que "dispõe sobre as aulas nocturnas" e a de número 4, que "dispõe sobre a divizão das zonas litterarias dos districtos da cidade Uberabinha" (GONÇALVES NETO, 2002, p. 137).
Tal proximidade quanto às datas referidas dos dois municípios em pauta, saliente-se que o nascimento municipal de ambos se deu nos anos de 1880, no caso de Frutal, MG, formalmente em 1885 e, no caso de Uberabinha, em 1888. Porém, foram eles instalados no mesmo ano de 1888, com uma diferença de cinquenta e cinco dias: o de Uberabinha em 31/08/1888, e o de Frutal em 25/10/1888. Além disso, a constituição dos distritos se deram, respectivamente, em 21/05/1852 e em 14/05/1858. Ambos, tornaram-se municípios antes da abolição da escravatura, bem como antes da Proclamação da República em 15/11/1889.
Nesse sentido, ambos os municípios têm como parte integrante de sua formação política, enquanto distritos, a orientação imperial, inclusive com relação ao tradicional papel das câmaras municipais. Cinco ângulos podem ser relevados, quando se busca explicar e interpretar tais aspectos, seja em vista da contextualização, de uma necessária ampliação a respeito do papel das câmaras municipais, o que permite, por sua vez, uma dada associação entre os diferentes parâmetros jurídicos do período em apreço, além do estabelecimento de correlação, comparação e semelhança.
O primeiro ângulo cabe às câmaras municipais, sobre as quais a Constituição Política do Império do Brasil, que foi outorgada em 25/03/1824, confere atribuições. Em seu artigo 167° fixava que às câmaras “[...] compete o governo econômico e municipal das cidades e vilas” (BRASIL, 1824). E o seu artigo 169°: “O exercício de suas funções municipais [câmaras], formação das suas posturas policiais, aplicação das suas rendas, e todas as particularidades e úteis atribuições, serão decretadas por uma lei complementar” (Ibidem).
O segundo ângulo seria relativo à Lei Imperial de 15 de outubro de 1827, que “Manda criar escolas de primeiras letras em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos do Império”. Ela prescreve em seu “Art. 1º Em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos, haverão as escolas de primeiras letras que forem necessárias”; e em seu “Art. 2º Os Presidentes das províncias, em Conselho e com audiência das respectivas Câmaras, enquanto não estiverem em exercício os Conselhos Gerais, marcarão o número e localidades das escolas, podendo extinguir as que existem em lugares pouco populosos e remover os Professores delas para as que se criarem, onde mais aproveitem, dando conta a Assembleia Geral para final resolução” (BRASIL, 1827).
O terceiro ângulo pode ser atribuído ao artigo 70 da Lei de 1° de outubro de 1828 que conferiu às Câmaras Municipais a inspeção de escolas, a busca da prosperidade e o aumento dos estabelecimentos de primeiras letras e educação:
Art. 70. Terão inspecção sobre as escolas de primeiras letras, e educação, e destino dos orphãos pobres, em cujo numero entram os expostos; e quando estes estabelecimentos, e os de caridade, de que trata o art. 69, se achem por Lei, ou de facto encarregados em alguma cidade, ou vila a outras autoridades individuaes, ou collectivas, as Camaras auxiliarão sempre quanto estiver de sua parte para a prosperidade, e augmento dos sobreditos estabelecimentos. (BRASIL, 1828)
Um quarto ângulo também precisa ser trazido à tona, pois a Lei n° 16, conhecida por Ato Adicional de 12 de agosto de 1834, conferirá às Províncias a competência para legislar sobre a instrução pública, o que significou descentralização em relação ao poder imperial. Seu Art. 10 fixava que “Compete às mesmas assembleias legislar [...] 2° Sobre instrução pública e estabelecimentos próprios a promove-la, não compreendendo as faculdades de medicina, os cursos jurídicos, academias atualmente existentes, e outros quaisquer estabelecimentos de instrução que para o futuro forem criados por lei geral” (BRASIL, 1834).
E o quinto ângulo se configura em vista de uma necessária correlação e comparação: o Art. 4º da Resolução n° 3, de 27/071892, do município de Frutal, MG, estabelece que as escolas municipais seriam divididas em dois graus, sendo consideradas de 2º grau as da cidade de Frutal, e de 1° grau todas as outras, ou seja rurais e distritais. No âmbito da Província de Minas Gerais, a propósito de tal Artigo, desde a Lei Mineira n.º 13, de 13 de março de 1835, a divisão da instrução primária em dois graus já estava estabelecida (ANDRADE; CARVALHO, 2012).
A de 1° grau era destinada às escolas de todos os lugares em que houvesse pelo menos vinte e quatro alunos, e estaria em foco o ensino da leitura, da escrita e das quatro operações aritméticas; e na de 2° grau, destinada às cidades e vilas, cabia o ensino da leitura, da aritmética, noções gerais dos deveres morais e religiosos (ANDRADE; CARVALHO, 2012, p. 281). Como salientam os mesmos autores, o “[...] Regulamento n.º 100 [de 1883] foi o último a legislar sobre a instrução primária. As escolas divididas em dois graus. As de 1º seriam instaladas em freguesias e distritos e as de 2º grau em cidades e vilas” (Idem, p 286).
É esta forma de distinguir os dois graus, que estará presente até o final do Império em 1889. Mas em Frutal, MG, já sob o regime republicano, tal diferenciação se mantém, inclusive através do artigo 5° da Resolução de 1892 do município de Frutal, MG, que enuncia as várias disciplinas para cada um dos graus da escola primária municipal, com muitas aproximações em relação à citação anterior. São elas: para as de 1° grau: “Instrucção moral, religiosa e civica; Grammatica portugueza; Arithmetica elementar; Leitura e escripta”. E para as de 2° grau, além destas, também compreendem as seguintes matérias: “Toda a arithmetica com suas applicações praticas; Systema metrico; Noções de geographia geral, geographia e historia do Brazil; Historia sagrada; Noções praticas de geometria e desenho linear; Trabalhos de agulha e economia domestica (nas escolas do sexo feminino)”.
Estruturalmente, a Resolução n° 3 de 27 de outubro de 1892, proclamada pela Câmara Municipal de Frutal, MG, compõe-se de 57 artigos, distribuídos em seis partes:
Secção 1ª - Do ensino municipal, suas condições e regimens com 16 artigos, nos quais são tratados os seguintes ângulos: distinção entre escolas de 1° e 2° grau com disciplinas diferenciadas; estabelecimento ou prevalência de escolas masculinas e femininas, fixação do número mínimo de alunos, idade para a frequência escolar, normas sobre a infrequência, regras sobre matrícula, qualidades ambientais da sala de aula, fornecimento de mobília, material e livros e horário da jornada escolar.
Secção 2ª - Do Magistério Municipal, com 24 artigos, trata da nomeação e demissão de professores, sua moralidade, normas para concursos, dispensa do exame de capacidade profissional para normalistas, restrições para a nomeação e remoção de professores, deveres do professor associados à moralidade, religião, amor à pátria, respeito às leis, necessidade de explicações sobre direitos políticos, deveres cívicos, Constituição federal e estadual, pontualidade do professor, normas para a entrega de pontos diários e dos mapas de frequência escolar, delineamentos em torno da vitaliciedade do magistério, gratificações extraordinárias e por tempo de serviço, professores são sujeitos à admoestação, multa, suspensão do exercício profissional e dos vencimentos, demissão
Secção 3ª - Do anno lectivo, dos exames escolares e das férias (5 artigos) refere-se ao estabelecimento de datas para o ano letivo, exames escolares e escolha de examinadores; feriados aos domingos, dias de guarda, de festa nacional, carnaval, cinzas, semana da Paixão e dia de finados.
Secção 4ª - Das licenças compõe-se de 3 artigos, que tratam de normas a respeito da concessão de licença a professor.
Secção 5ª - Das recompensas e dos meios disciplinares e dos livros (3 artigos) estabelece normas para a recompensa aos alunos por bom comportamento, boas notas e prêmio anual; os meios disciplinares previstos para os alunos são admoestação particular, repreensão na aula, perda do local de distinção na sala, expulsão. A respeito da documentação escolar, prevê livros de matrícula, ponto diário, inventário, termos de visitas e atas dos exames.
Secção 6ª - Disposições diversas (7 artigos) são relativas às inspeções da escola, pelo menos mensalmente pelo delegado rural, em vista da atestação de cumprimento de deveres pelo professor e justificativa de faltas (que podem envolver moléstias, gala de casamento até 8 dias e falecimento de pessoas próximas ao professor).